Discursos João Paulo II 1980 - Quinta-feira, 19 de Junho de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À CRUZ VERMELHA ITALIANA


Sexta-feira, 20 de Junho de 1980



Senhor Presidente

Ao agradecer vivamente as suas cordiais palavras, exprimo a minha sincera alegria em dar as boas-vindas e saudar Vossa Excelência e todos os ilustres componentes do Conselho Directivo da Cruz Vermelha Italiana, aqui reunidos.

Este encontro oferece-me a ocasião propicia para dizer uma palavra de alto apreço pela vossa instituição, tão benemérita. A Cruz Vermelha, já universalmente difundida em raio internacional, de facto nasceu precisamente na Itália, e vós, aqui presentes, sois os herdeiros directos de uma tradição mais que secular, totalmente dedicada a aliviar as penas dos que sofrem, não só em tempo de guerra, mas também e ainda mais em tempo de paz.

Como deixar de manifestar satisfação pela vossa multíplice actividade, que fundamentalmente é digna expressão do espírito evangélico? como não ver no compromisso de generosa dedicação, por vós cumprido, uma imagem do bom Samaritano?

Não posso, portanto, deixar de encorajar sentidamente cada um de vós e todos os vossos Colaboradores a prosseguirem com impulso sempre renovado na realização daqueles nobres ideais humanitários e implicitamente cristãos, que já foram propostos pelos Fundadores e constituem o património melhor da vossa específica identidade institucional.

Desejo também formular o voto de que os Católicos italianos apreciem sempre no modo devido, a vossa actividade assistencial e a sustentem com o seu amplo apoio morai e material. De facto, ir ao encontro dos homens necessitados, especialmente dos que sofrem, é compromisso de altíssimo valor, que não só é obediência a um mandamento de Jesus Cristo (cfr. Lc 10,9), mas nos põe também sobre os seus passos (cfr. Mt 8,16-17), ou melhor, faz-nos até mesmo encontrá-l'O, a Ele que desejou identificar-se com eles (cfr. ibid. Mt 25,40).

E à Cruz Vermelha Italiana no seu conjunto desejo do coração que cresça e se consolide cada vez mais na sua nobre função de serviço social; a ela, como a uma missão, permaneça sempre fiel com generosidade e competência; e possa constantemente merecer a aprovação e a estima de todos os Cidadãos.

Em penhor das necessárias e copiosas graças divinas sobre o vosso precioso trabalho, e como sinal da minha segura benevolência, concedo a Bênção Apostólica a toda a organização e em particular a Vossa Excelência, Senhor Presidente, a vós, do Conselho Directivo Nacional, e a todos aqueles que dignamente representais aqui, às Enfermeiras Voluntárias, aos Voluntários do Socorro, aos Pioneiros e aos Dadores de Sangue.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO SOBRE


A COOPERAÇÃO DA EUROPA PARA O DESENVOLVIMENTO


DA AMÉRICA LATINA E DAS CARAÍBAS


20 de Junho de 1980



Excelências, Senhores ilustríssimos

Com verdadeiro prazer aceitei este encontro convosco, que vos congregastes em Roma para uma reunião cujo objectivo é reforçar o diálogo e a colaboração entre duas regiões do mundo, representadas aqui por duas organizações regionais: a Organização dos Estados Americanos, com o seu Secretário-Geral à frente, e a Comunidade Económica Europeia. Desejo manifestar-vos primeiro que tudo a minha sincera gratidão pela vossa deferente visita.

Permiti-me que vos expresse agora o meu agrado pela vossa iniciativa, pois considero que a existência mesma de organismos regionais é factor muito positivo, porque oferecem estruturas intermédias que servem para promover, no interior de uma região, cujos diversos Estados reconhecem a sua interdependência e os seus objectivos comuns, um progresso que se adequa mais facilmente à diversidade específica dessa determinada região.

Por isso, qualquer iniciativa destinada a promover o diálogo e a busca de soluções em comum entre essas organizações regionais, merece o apoio de todos. Com efeito, dada a complexidade e dadas as dificuldades da colaboração global, as relações e intercâmbios bilaterais a nível regional oferecem, precisamente por serem mais limitados, um espaço de encontro em que as possibilidades de colaboração podem ser examinadas com maior realismo.

O tema do vosso encontro, «A colaboração da Europa para o desenvolvimento da América Latina e das Caraíbas», situa-se na perspectiva da utilidade, ou melhor, da necessidade de reforçar os intercâmbios entre organizações regionais, a fim de se definirem as grandes linhas de uma colaboração para o desenvolvimento

Pela minha parte desejo-vos que os trabalhos iniciados sejam contribuição positiva para as tarefas da próxima Sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a estratégia do III Decénio do desenvolvimento. Na verdade, o progresso nunca é homogéneo, nem dentro de uma mesma nação nem das diversas nações de um continente ou da comunidade mundial.

Não constitui eloquente exemplo disto a situação existente na América Latina e nas Caraíbas, onde se manifesta um desenvolvimento industrial e urbano ao lado de outro rural e agrícola, e onde se verifica a existência de dois tipos de sociedade, a do superconsumo e a da indecência?

Quando as nações tratam de definir as suas relações mútuas, tanto no campo político como no do desenvolvimento sócio-económico de que vos ocupais agora especialmente, elas inspiram-se na realidade da inter-dependência e na busca de interesses comuns.

Mas há um interesse e um critério que domina sempre todos os demais e constitui o fundamento necessário de toda a acção, se é que se deseja que ela seja frutuosa: o interesse pelo homem e o critério do homem. Com efeito, o diálogo ou a confrontação a qualquer nível, entre os que têm e os que não têm, será estéril se não se reparar devidamente nas exigências derivantes de um «éthos» baseado no homem. No meu discurso aos representantes da Organização dos Estados Americanos, insisti neste critério: «O homem! O homem é o critério decisivo que ordena e dirige todos os vossos compromissos, o valor vital cujo serviço exige incessantemente novas iniciativas» (6 de Outubro de 1979, n. 5).

A solidariedade, a que vós quereis dar expressão, é solidariedade determinada por «este único ponto de vista fundamental que é o bem do homem digamos da pessoa na comunidade e que como factor fundamental do bem comum deve constituir o critério essencial de todos os programas, sistemas e regimes» (Redemptor hominis RH 17).

Nesta perspectiva, formulo os melhores votos de fecundo trabalho no vosso encontro e sobre as vossas pessoas invoco a constante assistência do Altíssimo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES


DAS FEDERAÇÕES EUROPEIAS


DE FUTEBOL (UEFA)


Sexta-feira, 20 de Junho de 1980



Agradeço-lhe muito as palavras amáveis que me dirigiu agora mesmo e tenho a felicidade de saudar em troca, ao mesmo tempo que o Presidente da Federação internacional de foot-ball, os Representantes das Federações europeias, reunidos em Roma para o seu Congresso por ocasião desta fase final do campionato da Europa que se realiza agora na Itália. A todos, Senhoras e Senhores, desejo as mais cordiais boas-vindas.

O foot-ball, de que organizais as grandes competições e contribuis para seleccionar os jogadores, dá cada semana, e isto em quase todos os países, ocasião de ajuntamentos de massa, em que tantas famílias, tantos jovens — e menos jovens — encontram são divertimento, interesse pelo valor desportivo do jogo, e mesmo a paixão de "suportar". É facto de sociedade que tem a sua importância para os milhões de espectadores dos estádios e agora da televisão. Mas a importância é maior ainda para os jogadores, e agora penso primeiramente, para além das grandes equipas que patrocinais, nas muitas pessoas que se treinam para o foot-ball desde a idade mais juvenil, levadas pelo prazer do desporto e por competições de amadores. Por experiência, pude apreciar o prazer e o interesse deste desporto e sou dos que o animam.

Não é diante de vós que preciso de insistir nas suas qualidades físicas e morais, quando ele é praticado como deve ser; disto deveis estar bem persuadidos. Não só o jogador encontra nele, no plano do corpo, o descanso de que precisa, nele adquire um aumento de agilidade, destreza e enrijamento, nele revigora a própria saúde, mas nele cresce em energia e em espírito de colaboração. Uma sã emulação desenvolve também o sentido de equipa, a gentileza diante do adversário, e alarga o horizonte humano das trocas e dos encontros entre cidades e mesmo a nível internacional. A unidade da Europa, por exemplo — falo dela porque vós sois quase todos deste continente — não se fará evidentemente à volta da bola redonda ou oval, os problemas situam-se a outro nível, muito complexo; mas o desporto pode certamente contribuir para fazer que os parceiros se conheçam melhor, se apreciem e vivam certa solidariedade além fronteiras, precisamente sobre a base comum das suas mesmas qualidades humanas e desportivas.

Sim, como tantos outros desportos, o foot-ball pode elevar o homem. Naturalmente deve para isto conservar — na vida pessoal, familiar e nacional — o seu lugar, que é relativo, para não levar a que se descuidem os outros grande problemas sociais ou religiosos; nem os outros meios de desafogar os valores do corpo, do espírito, do coração e da alma sedenta de absoluto. O bem que Deus quer para cada um e para a sociedade é constituído por um conjunto equilibrado.

Por outro lado, toda a gente sabe perfeitamente que os valores do desporto não estão automaticamente garantidos. Como todas as coisas humanas, eles precisam de ser purificados, de ser protegidos. As tentações tornam-se por vezes muito fortes hoje, as tentações de afastar o desporto da sua finalidade propriamente humana, que é o melhor dos desenvolvimentos dos dons do corpo e portanto da pessoa numa emulação natural, para além de toda a discriminação; pode chegar-se a perturbar a execução leal das competições desportivas, ou a utilizá-las com outros fins, com o perigo de corrupção e de decadência.

Os que verdadeiramente gostam do desporto, mas também toda a sociedade; não poderiam sofrer tais desvios, que são de facto regressões em relação com o ideal desportivo e com o progresso do homem. Nisto também, a defesa do homem merece vigilância e nobre luta. Espero tocar aqui numa das vossas preocupações. Parece-me que também isto entra de facto no quadro das responsabilidades que vos pertencem, à frente ou dentro das vossas Federações europeias.

Faço votos por que os campionatos se realizem sempre dignamente, numa atmosfera de alegria, de paz, de gentileza e de amizade. Formulo os melhores votos pelo vosso encargo e pelas vossas equipas. (Nesta altura, não me posso permitir ser parcial, diante de representações tão meritórias! Por isso, direi simplesmente: "Ganhe quem é melhor!").

Também não esqueço que sois homens e sois mulheres que tendes outros cuidados, que tendes em especial uma família: Deus abençoe as vossas famílias, os vossos filhos! Cada um de vós está também, no segredo da sua consciência, em relação com Deus, que é o Autor da vida e o fim da nossa existência: o Pastor da Igreja de Roma deseja portanto que esta relação também se desenvolva, que Deus seja a vossa luz, a vossa esperança e a vossa alegria. É o sentido da Bênção que peço para vós, de todo o coração. '

Desejaria acrescentar uma palavra de saudação em inglês a todos vós. Como outros desportos, o foot-ball passa acima de divisões linguísticas para expressar sentimentos de solidariedade em ser gentil. O imenso interesse do público, nesta área de sadia competição, mostra que muitos aspectos do bem comum entram na preparação e organização dos próprios desafios. No decurso das vossas próprias actividades, muitas ocasiões se apresentam para servir a causa total do bem-estar humano. Em todos os vossos contactos com os jogadores e espectadores sede vós sustentados pelo propósito de servir a comunidade e servir uma Europa fraterna.

Esperando que a maior parte de vós tenha compreendido o que eu disse até agora, gostaria neste momento de vos saudar em língua alemã, também ela oficialmente admitida pela União Europeia das Associações de foot-ball. Estou perfeitamente informado que, nas vossas regiões, grande número de pessoas são membros de clubs de foot-ball. Sim, podemos estar absolutamente certo que em cada bairro, que tem a sua igreja própria, se encontra igualmente um campo de foot-ball. Ao mesmo tempo que todas as outras sociedades da vossa pátria, este desporto pode criar numerosos laços entre as pessoas, laços capazes de animar e reforçar o espírito de solidariedade numa localidade ou num bairro de cidade.

A Igreja atribui grande valor a estes laços, a estes elementos de comunidade, contanto que não afoguem as individualidades na massa, mas as tornem atentas às necessidades do próximo e levem a um contínuo equilíbrio dos votos e das intenções. É para isto que tende à bênção que vos dou a vós e às vossas famílias, e a todos os desportistas e amigos do desporto, que vós representais.

Neste encontro com os Dirigentes das Federações Europeias de foot-ball quero dirigir o meu cordial pensamento também a todos os jogadores, que são os protagonistas deste desporto tão popular e ao mesmo tempo tão fascinador. Para eles vai a minha afectuosa saudação, unida ao voto de que, sempre conscientes das responsabilidades que têm quanto ao seu vastíssimo público de entusiastas e admiradores, dêem sempre claro exemplo daquelas virtudes humanas e cristãs, que deve manifestar o comportamento que mostrem: lealdade, correcção, sinceridade, honestidade, respeito dos outros, fortaleza de Animo e solidariedade.

Junto a estes votos uma especial Bênção Apostólica, que torno extensiva aos seus familiares e às pessoas que lhes são especialmente queridas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO NACIONAL


DA ACÇÃO CATÓLICA ITALIANA


Sábado, 21 de Junho de 1980



Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Com enorme alegria me encontro hoje no meio de vós entre a verdura repousante desta "villa" romana, que forma esplêndida moldura ao festivo entusiasmo deste vosso encontro, longamente preparado nas respectivas sedes diocesanas e paroquiais, e agora magnificamente realizado graças ao esforço vosso e dos órgãos centrais da Associação.

A minha saudação, com paterna cordialidade, primeiramente para o Presidente Nacional, Professor Mario Agnes, para o Assistente-Geral Monsenhor Giuseppe Costanzo, e para os Colaboradores que têm; saúdo, em seguida, os Dirigentes e os Responsáveis, que a nível diocesano e paroquial gastam generosamente as suas energias na animação dos diversos Movimentos, em que se divide a Associação; juntamente com eles saúdo os Assistentes eclesiásticos e todos vós aqui reunidos em representação de tantos amigos, que em todas as partes da Itália partilham os vossos mesmos ideais. A todos quero manifestar a minha estima e o meu apreço pelo testemunho corajoso, que se esforça cada um por levar ao próprio ambiente, procurando responder às indicações do Concílio, que vos incitou a "contribuir, como que do interior à maneira do fermento, para a santificação do mundo mediante o exercício do próprio ofício e sob a direcção do espírito evangélico" (Const. dogm. Lumen Gentium LG 31).

2. Este encontro romano constitui uma etapa de iniciativa mais ampla e continuada no tempo, à qual quisestes assinalar um mote que bem lhe sintetiza o programa: "Entre o Povo de Deus com o Concílio". O fim da iniciativa é, de facto, percorrer de novo o ensinamento do Vaticano II, para lhe assimilar em profundidade a riqueza e para a poder em seguida repropor entre a gente, mesmo simples, que forma o Povo de Deus.

Propósito digno de louvor, não só porque nele se reflecte concretamente o programa autorizadamente indicado pelo Episcopado italiano, mas também porque da sua realização pode vir a resposta à exigência, hoje muito sentida, de uma melhor compreensão da fé e, por assim dizer, de uma sua "personalização", graças à qual seja facilitada a coerente e operante expressão na vida, quer privada quer social.

Examinai com interesse o "plano de trabalho", no qual se expõem os objectivos que se pretende atingir e as linhas fundamentais da conveniente metodologia, em que os sócios foram convidados a ater-se no decurso da investigação, realizada durante os recentes meses de actividade. Faço votos por que essas prudentes sugestões tenham dado frutos positivos. Um deles deve certamente reconhecer-se na vossa participação no encontro de hoje, mediante o qual desejais exprimir a orientação do esforço, que se leva a termo nas várias Igrejas locais. A vossa presença em Roma nesta circunstância quer ser um modo para dizer, publicamente e com energia, as intenções que orientam o vosso caminho de fé; quer ser um gesto de testemunho coral, prestado no interior da dinâmica eclesial; quer ser principalmente uma proposta, oferecida a todos os que estão procurando com paixão sincera uma razão válida que os leve a comprometer a própria vida.

3. Uma resposta segura e decidida à interrogação sobre o homem: eis a vossa proposta, amadurecida luz do ensinamento do Concílio. O homem, especialmente na nossa época, está no centro de muitas declarações, programas ou manifestos, como também de numerosas ciências e filosofias. Os pontos de vista sobre ele, sobre a sua origem e seu destino, são porém muito vários e frequentemente também entre si contraditórios. O Concilio expô-los rapidamente na parte introdutória da Constituição pastoral Gaudium et Spes.

Percorrendo aquelas páginas, estou certo que tereis tido, vós também, a clara impressão de o homem contemporâneo estar ameaçado por graves perigos. Estes perigos estão ligados ao impugnável primado da ordem económica e do processo produtivo. Quando o homem, que está necessariamente "implicado" nas estruturas económico-produtivas, se deixa dominar pela unilateral aceitação de um primado delas, acaba fatalmente por ficar dominado pela chamada "sociedade dos consumos", encontrando-se consequentemente envolvido num processo de crescente instrumentalização. E o risco não está apenas em ser tido pelos outros unicamente como instrumento de produção e de consumo, há também o risco mais subtil, e bem mais insidioso, de começar ele mesmo, de modo mais ou menos consciente, a considerar-se "instrumento", quer dizer, elemento passivo dos vários processos, sujeito às mais dispares "manipulações" (conduzidas também com a ajuda dos "mass media"), renunciando de tal modo à responsabilidade e à "fadiga" de próprias opções autónomas, e recorrendo, mesmo para a solução dos problemas humanos mais pessoais e profundos, ao auxílio desembaraçado de qualquer invenção "técnica".

A mentalidade consumística, por outro lado, encontra-se intimamente emparentada com uma concepção hedonista da vida, da qual não pode originar-se senão aquele tipo de sociedade que hoje se costuma indicar com a qualificação de "permissiva". A atitude hedonista, de facto, exige uma interpretação da liberdade que lhe leva as aplicações até ao abuso; e, vice-versa, o abuso da liberdade exprime-se socialmente pela tendência de assegurar ao máximo as atitudes hedonistas.

4. Não há porventura em tudo isto a moderna aparição daquele "homem carnal", de que diz São Paulo que "não compreende as coisas do Espírito de Deus"? (cf. 1Co 2,14). A esta concepção minimizante do homem respondeis vós propondo uma visão integral da verdade sobre o homem, assim como ela foi afirmada na doutrina conciliar.

Ao homem moderno, que se interroga sobre o próprio destino, vós recordais que "somente no mistério do Verbo encarnado encontra verdadeira luz o mistério do homem", porque "Cristo, que é o novo Adão, precisamente revelando o mistério do Pai e do Seu Amor, desvela também plenamente o homem ao homem e descobre-lhe a sua altíssima vocação" (Const. past. Gaudium et Spes GS 22). Vós sublinhais, em particular, que "por Cristo e em Cristo recebe luz aquele enigma da dor e da morte que, fora do seu Evangelho, nos oprime" (ibid. GS 22).

A pergunta sobre o homem vem a conduzir assim à pergunta sobre Cristo, porque só na resposta a esta segunda pergunta pode encontrar resposta satisfatória a primeira. Oportunamente portanto, a vossa busca polarizou-se sobre a Pessoa do Verbo encarnado, homem perfeito além de Deus verdadeiro. Para nós cristãos, de facto, a única orientação do espírito, a única direcção da inteligência, da vontade e do coração, é a que leva para Cristo, Redentor do homem; para Cristo Redentor do mundo. Afirmei-o na minha Encíclica (cf. n. RH 7) e repito-o aqui; seguro de encontrar o vosso consciente e convicto consentimento.

5. O pleno conhecimento de Cristo, por outro lado, não pode ter-se fora da Igreja, uma vez que a ela — e não a outros — foi confiada a missão de anunciar o Seu mistério, sob a orientação do Espírito, a "todas as nações... até ao fim do mundo" (cf. Mt 28,18 ss). Obediente ao seu Mestre e Senhor, a Igreja vive de Cristo e para Cristo, não cessa de Lhe ouvir as palavras, reconstrói com a maior devoção cada particular da Sua existência, celebra-lhe com apaixonada participação a morte e a ressurreição; sua única inibição é manifestar o Seu mistério ao género humano: aos povos; às nações, às gerações que se vão seguindo, a cada homem em particular, como se repetisse sempre, segundo o exemplo do Apóstolo: "Julguei não dever saber coisa alguma entre vós a não ser Jesus Cristo, e Este crucificado" (1Co 2,2) (cf. Encicl. Redemptor hominis RH 7).

À Igreja, portanto, deveis apresentar as vossas interrogações, às suas palavras deveis prestar atenção, procurando penetrar-lhe com fiel intuito o pensamento, e satisfazer com docilidade pronta e leal os seus desejos. Ela leva-vos pela mão ao vosso caminho para Cristo; ela mantém-se ao vosso lado no vosso actuar em favor do homem. Não há possibilidade de dúvida: no seu Esposo, de facto, que é o Verbo de Deus encarnado, a Igreja aperta num único abraço tanto Deus, descido à humildade da carne por amor do homem, como o homem, reconduzido por meio da cruz de Cristo à dignidade da filiação divina.

6. A Igreja caminha, portanto, pelas vias do homem. Caminhai também vós com ela. Os cristãos têm hoje a missão de repropor aos seus contemporâneos a imagem concreta daquele "homem, espiritual (cf. 1Co 2,15), em que São Paulo indicava o ponto de chegada da Redenção: um homem que sabe reconhecer, como "dom de Deus, o que ele é e quanto possui" (cf. 1Co 2,12); que;., não reduz as próprias perspectivas aos apertados horizontes dos bens da terra, mas sabe olhar para aqueles bens não perceptíveis aos sentidos, que "Deus preparou para aqueles que O amam" (ibid. 1Co 2,9); um homem, sobretudo, que "tem o pensamento de Cristo" (ibid., 1Co 2,16), porque, empenhando-se no cumprimento da Sua vontade, mereceu receber d'Ele uma manifestação pessoal e íntima (cf. Jn 14,21).

Filhos caríssimos, nós sabemos que também esta fase do desenvolvimento do mundo, a que damos o nome de "mundo contemporâneo", esconde em si o único e irrepetível kairós de Deus; constitui ela também um passo para a realização daquele acontecimento que todos os dias pedimos, quando dizemos: "Venha a nós o Vosso Reino".

Reavivai, portanto, a confiança e retomai com renovado vigor o vosso empenho de testemunho a Cristo e de amor pelo homem, em plena sintonia de intenções com os vossos Bispos e em cordial colaboração com todos os elementos da Comunidade eclesial, O Senhor Jesus, que "foi elevado ao céu, onde está sentado a direita de Deus" (cf. Mc Mc 16,19), continua também hoje a actuar na história. Amparados por esta certeza, ide corajosamente ao encontro dos vossos irmãos, para lhes levar a "alegre notícia" que transformou a vossa existência, ou seja o anúncio de que "Deus tanto amou o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16).

Com estes votos, que são também oração fervorosa, concedo a vós e a todos os membros da Acção Católica Italiana uma especial e paterna Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS DA ACÇÃO CATÓLICA


POR OCASIÃO DA MARCHA DE ARCHOTES


Sábado, 21 de Junho de 1980



Caros jovens! Meninas e Rapazes! Viestes à Praça de São Pedro, trazendo esses archotes acesos para manifestar a verdade fundamental sobre vós mesmos.

Esses archotes falam dos vossos corações.

Esses archotes falam da vossa vida.

Dizem que não podeis e não quereis caminhar às escuras. Que precisais de luz. Mais, que desejais levar a luz para iluminar as ruas da vossa vida e da vida dos outros.

Professais que esta luz Cristo; que ele é a luz das almas humanas. É a luz das vossas almas juvenis. Mostra ao homem Deus: quem vê Cristo, vê ao mesmo tempo o Pai (cf. Jn 14,9). E mostra o homem ao homem. O mistério do homem — às vezes tão escuro e enevoado — fica claro n'Ele. Cristo anuncia a Boa Nova. Anuncia-a consigo mesmo, com a própria vida, com a cruz e a ressurreição. Ensina como é grande a dignidade do homem, como é grande a sua vocação.

Vós, que descobristes esta verdade, deveis tomá-la nas vossas mãos como lâmpada acesa. E deveis velar!

Primeiro deveis velar por que esta luz não se extinga, em vós. Que não seja sufocada ou mesmo extinta, nem por algum sopro de vento contrário que venha de fora, nem por causa da falta de combustível em vós mesmos, nos vossos corações.

Deveis ao mesmo tempo velar em lugar dos outros e pelos outros. Há tantas gerações, há tantos séculos, que passa Cristo pelas estradas desta terra, da Itália — e desta Cidade, Roma...

E vem sempre como Esposo, como Aquele que amou o homem até à total oferta de Si mesmo.

Não passe Ele em vão!

Encontrem-n'O homens cada vez em maior número!

Encontrem-n'O os da vossa idade, cada vez em maior número!

Oxalá vós mesmos lhes possais mostrar o caminho que leva a Cristo!

Por isto peço hoje juntamente convosco. E do coração desta prece mando-vos a minha bênção em nome da Santíssima Trindade.

Estejam abertos os vossos corações!

Estejam as lâmpadas acesas nas vossas mãos!

Vigiai!



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE CICLISTAS


Pátio de São Dâmaso

Sábado, 21 de Junho de 1980



Caríssimos jovens
do Grupo Desportivo "Spumador" de Fagnano Olona

Desejastes este encontro com o Papa, para manifestar a vossa fé e o vosso afecto, para escutar a sua palavra e receber a sua Benção.

Agradeço-vos cordialmente este vosso gesto de devoção e apresento a todos a minha saudação mais sentida. O meu Predecessor Pio XII, de venerada memória, falando aos participantes no 29° Giro Ciclistico da Itália, assim descrevia os benefícios do desporto que vós praticais:

"A corrida importa e requer esforço, esforço harmonioso de todo o corpo, esforço cuja energia se mostra menos com a violência dos impetos ou dos lances, do que por meio da coragem na disciplina viril e da constância prolongada e mantida até à meta" (2 de Junho de 1946).

Agradeço-vos portanto que pratiqueis esta disciplina, exortando-vos a cuidar sempre do desenvolvimento integral da vossa pessoa. Em especial, fazei que as vossas competições e o vosso ideal desportivo sempre ajudem a vossa vida interior, para o cumprimento dos vossos deveres sociais, familiares e religiosos, especialmente para a santificação do Domingo, mediante o encontro com Cristo e na prática da caridade fraterna.

Guie-vos sempre um sincero esforço de autêntica vida cristã, de que a sociedade dos nossos dias tanto sente a necessidade.

Com estes votos, recebei o meu aplauso, os meus votos e sobretudo a minha Bênção, que de coração torno extensiva a quantos vos são caros.

"Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor..." . (Lc 12,35-36).

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO SENHOR JIMMY CARTER PRESIDENTE

DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


DURANTE A VISITA OFICIAL


Sábado, 21 de Junho de 1980



Senhor Presidente

1. É grande prazer para mim dar as boas-vindas a Vossa Excelência. Sinto-me felicíssimo por me ser possível pagar as efusivas boas-vindas que de si recebi em Washington. As recordações da minha visita à Casa Branca, e de todos os meus outros contactos com o povo dos Estados Unidos, estão permanentes no meu coração; despertam-se em mim com alegria e são frequentemente expressas nas minhas orações pela América.

2. A visita de Vossa Excelência hoje ao Vaticano, como Presidente dos Estados Unidos, é grandemente apreciada. Tenho o gosto de ver nela uma indicação do profundo respeito do seu país e da estima pelos valores éticos e religiosos — respeito e estima que tão característicos são de milhões de Americanos de diferentes credos.

Durante a minha última visita em Outubro passado, fui testemunha pessoal do modo como estes valores espirituais encontram expressão na vida da sua gente, como formam o arcaboiço moral da nação e como eles constituem a fortaleza do Estado civil, que não se esquece ter sido fundado em sólidos princípios morais e querer preservar a sua herança como "nação sujeita a Deus".

3. Todos os campos do esforço humano são enriquecidos por verdadeiros valores éticos. Durante a minha viagem pastoral tive ocasião de falar destes valores e de professar a minha própria estima profunda por todos quantos os abraçam na vida nacional. Não há esfera de actividade que não fique beneficiada, quando os valores religiosos são activamente buscados. Os campos político, social e económico são autenticados e reforçados pela aplicação desses padrões morais que devem ser irrevocavelmente incorporados na tradição de cada Estado.

4. Os mesmos princípios, que orientam os destinos internos de um povo, deveriam dirigir as suas relações com os outros países. Desejo exprimir a minha estima por todas aquelas pessoas que, nos níveis nacional e internacional, mostraram os valores da compaixão e da justiça, do interesse pessoal pelos outros, e de comparticipação fraterna num esforço para promover cada liberdade maior, cada igualdade mais autêntica, e uma paz cada vez mais estável para um mundo que anseia pela verdade, pela unidade e pelo amor.

5. No centro de todos os sublimes valores espirituais está o valor de cada pessoa humana, digna de respeito desde o primeiro momento da existência, dotada com dignidade e direitos, e chamada a compartilhar da responsabilidade por cada irmão e irmã em necessidade.

6. Na causa da dignidade e dos direitos humanos, a Igreja está empenhada em oferecer ao mundo a contribuição do Evangelho de Cristo, proclamando que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e destinado para a vida eterna. Todavia, como o Concílio Vaticano II acentua, a Igreja não é entidade política, apenas serve, juntamente com a comunidade política mas a diverso título, a vocação pessoal e social dos mesmos seres humanos (cfr. Gaudium et Spes GS 76). E, enquanto distinta do domínio sócio-económico, a Igreja é chamada a servi-la proclamando que o homem é "a fonte, o centro e a finalidade de toda a vida sócio-económica" (Gaudium et Spes GS 63).

Nesta área como em tantas outras, a Igreja sente-se feliz chamando em favor da pessoa humana e de tudo o que e vantajoso para a humanidade. Todavia, ela dá a certeza do seu auxílio a tudo o que é empreendido pelo bem da humanidade, segundo a distinta contribuição de cada um. Neste sentido, a Igreja e o Estado devem colaborar na causa do homem e na promoção da sagrada dignidade humana. Esta colaboração, é eminentemente útil e corresponde à verdade a respeito do homem. Por meio da formação ética de verdadeiros cidadãos, que trabalham lado a lado com os seus concidadãos, a Igreja desempenha outro aspecto da sua colaboração com a comunidade política.

7. E hoje neste contexto, Senhor Presidente, desejo assegurar-lhe o meu profundo interesse por cada esforço tendente ao melhoramento da humanidade e dedicado paz do mundo. De maneira particular o Próximo Oriente e as regiões vizinhas ocupam a nossa comum atenção por causa da imensa importância que têm para o bem-estar internacional.

Ofereço as: minhas orações para que todos os verdadeiros esforços de reconciliação e cooperação sejam coroados de bom êxito.

A questão de Jerusalém, que precisamente durante estes dias atrai a atenção do mundo de maneira especial, é da maior importância para uma paz justa nessas regiões do mundo, uma vez que essa Cidade Santa personifica interesses e aspirações que são partilhados por diferentes povos de diferentes modos. Tenho esperança que a tradição comum monoteísta de fé ajude a promover a harmonia entre todos os que invocam a Deus. Desejaria renovar o meu sério apelo para que seja dada a justa atenção aos problemas que dizem respeito ao Líbano e a todo o problema palestinense.

8. A Santa Sé está ciente do aspecto mundial da responsabilidade que recai sobre os Estados Unidos; está igualmente consciente dos riscos que se correm ao assumir tal responsabilidade. Mas apesar de todos os inconvenientes e problemas e apesar das limitações humanas, os governos de boa vontade deverão continuar a trabalhar pela paz e pelo entendimento internacional na verificação e redução dos armamentos, na promoção do diálogo Norte-Sul e em favorecer o progresso do desenvolvimento das nações.

Muito recentemente, na minha visita a África, pude compreender pessoalmente a importância desse continente e o contributo que ele é chamado a prestar ao bem do mundo. Mas tudo isto requer por sua vez o interesse, a ajuda e a fraternal assistência de outros povos, de maneira que a estabilidade, a independência e a justa autonomia da África devem ser salvaguardadas e reforçadas.

9. A questão da dignidade humana está particularmente ligada com os esforços em favor da justiça. Cada violação da justiça, seja onde for, é afronta à dignidade humana, e todas as contribuições efectivas para a justiça são verdadeiramente dignas do maior elogio. A purificação das estruturas, nos campos político, social e económico, não podem deixar de produzir resultados salutares.

Sei do interesse dos Estados Unidos pela situação na América Central, especialmente neste tempo. Requerem-se e devem ser feitos perseverantes esforços até cada irmão e irmã, nessa parte do mundo e em qualquer outra, encontrar segurança na própria dignidade e se ver livre de manipulações nas mãos de qualquer poder, manifesto ou misterioso. Espero que os Estados Unidos concedam a sua poderosa ajuda aos esforços que efectivamente elevam o nível humano dos povos necessitados.

10. Segundo disse, os meus contactos com o povo dos Estados Unidos estão vivos no meu espírito. Entusiasmo e generosidade, vontade de não cair em escravizaste materialismo na prossecução do bem comum na pátria e no campo internacional — e, para os cristãos, a necessidade de comunicar a justiça e a paz de Cristo — são as forças que a Santa Sé encoraja para beneficio da humanidade.

Senhor Presidente, as minhas palavras pretendem hoje ser expressão de apreço pelo que foi feito, eco das necessidades persistentes do mundo, apelo de esperança e confiança lançado ao povo americano, que eu fiquei a conhecer e a amar tanto. Deus vos sustenha, e abençoe a Nação que Vossa Excelência representa.




Discursos João Paulo II 1980 - Quinta-feira, 19 de Junho de 1980