Discursos João Paulo II 1980 - 28 de Junho de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES DA ASSOCIAÇÃO


DOS JORNALISTAS CATÓLICOS DA BÉLGICA


Sábado, 28 de Junho de 1980



Senhoras Senhores

A vossa diligência, os sentimentos que terminais de me exprimir testemunham uma afeição profunda ao Sucessor de Pedro que muito aprecio. E o vosso amor não se contenta com palavras; trazeis, para as obras de caridade do Sumo Pontífice, uma soma importante que prova esse afecto e manifesta a vossa compreensão das necessidades, que são efectivamente comunicadas ao Papa e do papel de caridade que é eminentemente seu.

Fazendo assim, continuais a belíssima tradição da Consoada pontifícia; ela honra os jornalistas católicos da Bélgica que a promovem; é portanto a vós que primeiramente expresso as minhas felicitações e a minha gratidão. Ela honra também o povo belga.

Porque, para além das vossas pessoas e das dos vossos colegas da imprensa, que representais dentro da vossa Associação, penso em todos os vossos compatriotas para quem fostes ao mesmo tempo apelo e canal de transmissão, os quais aproveitaram esta ocasião para manifestar a sua generosidade para com a Santa Sé. Neste caso, pode dizer-se que os "mass-media" desempenharam verdadeiramente bem o seu dever: o da "comunicação". Pelas subscrições propostas, pusestes essas pessoas em comunicação com o Papa e com aqueles que ele deseja ajudar. O Livro de ouro que vós me trazeis é sinal eloquente que me torna presentes de algum modo todos esses doadores, com as intenções que têm a peito. Sou muito sensível a essa rede de caridade que deste modo se teceu. Gostaria de agradecer especialmente a cada pessoa e a cada família, a sua participação espontânea. Desejaria manifestar também eu, a todos, os meus desejos de paz e de alegria; peço a Deus lhes pague essa esmola e os robusteça na fé, no sentido que têm de Igreja e no cuidado que tomam pelo próximo. Rezarei pelas intenções deles e envio-lhes de todo o coração a minha Bênção Apostólica, com um pensamento especial para aqueles que se encontram na prova.

Sereis pois vós ainda, que fareis de intérpretes dos meus sentimentos de gratidão. Deus vos abençoe a vós também! Abençoe as vossas famílias! Acompanhe-vos na vossa tarefa de jornalistas católicos, ao serviço da verdade e de uma civilização do amor!

Em flamengo:

Agradeço a todos os Jornalistas católicos que deram a sua generosa contribuição à imprensa. Oxalá eles tenham sempre a força de servir a verdade, na fidelidade à sua fé e aos mais altos princípios morais. O seu papel é muito importante, sobretudo hoje. Concedo de coração a minha Bênção Apostólica a todos os Jornalistas e às suas famílias.

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

A UMA DELEGAÇÃO DO PATRIARCADO

ECUMÉNICO DE CONSTANTINOPLA


29 de Junho de 1980



Eminência

Foi com acrescida alegria que tive o prazer de encontrar-me com a delegação do Patriarcado Ecuménico, que o meu irmão Dimítrios I e o seu Sínodo enviaram à igreja de Roma por ocasião da festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.

A alegria é com efeito maior, porque este ano a experiência dos laços comuns entre as nossas Igrejas foi mais intensa, e porque o nosso compromisso comum, de vivermos juntos a comunhão de fé já existente entre nós, se tornou mais explícito. Isto permitir-nos-á ir mais à frente a caminho da plenitude da unidade na plenitude da verdade e da caridade. A participação recíproca, cada ano nas festas patronais da Igreja de Roma e da Igreja de Constantinopla, dá-nos ocasião de nos encontrar-mos na oração para pedir e receber a ajuda do Senhor, que nos ilumina sobre o caminho que deve ser seguido e nos dá a força de irmos para a frente segundo a Sua vontade. Nos nossos encontros fraternos sentimos cada vez mais a sua presença eficiente: «E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,20). Desejaria que estes encontros — segundo os lugares e as circunstâncias mas no mesmo espírito — se realizassem onde vivem católicos e ortodoxos, para se criarem progressivamente as condições necessárias para a plena unidade. O diálogo da caridade deve continuar a dilatar-se entre todos os membros das nossas Igrejas. Na declaração comum, também do Patriárca Dimítrios I, que felizmente coroou a minha visita ao Patriarcado ecuménico, afirmámos explicitamente:

«Este diálogo da caridade deve continuar e intensificar-se na situação complexa que herdámos do passado e constitui a realidade em que há-de desenvolver-se hoje o nosso esforço». Todos os cristãos são chamados à unidade plena.

O diálogo teológico que se abriu oficialmente na ilha de Patmos é acontecimento importante e, nas relações entre católicos e ortodoxos, é o acontecimento maior não só deste ano, mas de há séculos até hoje. Entramos em nova fase das nossas relações, porque o diálogo teológico constitui aspecto essencial de um diálogo mais amplo entre as nossas Igrejas. Neste diálogo tomam parte a Igreja católica e a Igreja ortodoxa no seu conjunto. Encontrámos assim o quadro legal e o instrumento eficaz para reconhecer — no contexto geral delas, para além de preconceitos e reservas preliminares — as dificuldades de todo o género que impedem ainda a plena comunhão.

O tema escolhido para a primeira fase do diálogo é este: «O mistério da Igreja e da Eucaristia, à luz do mistério da Santíssima Trindade». Este tema merece a mais profunda consideração, porque nos leva ao coração mesmo da identidade cristã. Termos acolhido a proposta feita pelas comissões preparatórias, católica e ortodoxa, de partir, no diálogo teológico, daquilo que nós temos em comum, oferece a este diálogo a base mais sólida e a perspectiva mais prometedora.

O programa de trabalho, estabelecido de comum acordo pela comissão mista quando da sua primeira reunião, a partilha das tarefas por meio das subcomissões e a coordenação confiada a um comité misto, garantirão certamente ao trabalho teológico eficácia de desenvolvimento e harmonia de orientação.

Por tudo isto damos graças a Deus, pois é Ele quem nos conduz. Cada dia continuaremos a invocar a Sua ajuda, sempre necessária para serem vencidas as inevitáveis dificuldades que se encontrarão no caminho da unidade. Por isso torna-se a nossa oração mais intensa. Pelo nosso lado, atentos ao que o Espírito quiser dizer, não pouparemos, estai certos, nenhum esforço para a busca da unidade plena. A perspectiva última do diálogo teológico como dos nossos encontros, na festa de Santo André no Patriarcado ecuménico, e dos Santos Pedro e Paulo em Roma, continua a ser a da celebração eucarística, depois de vencermos as dificuldades que fazem que hoje a comunhão entre as nossas duas Igrejas não seja ainda plena e perfeita.

Agradeço-vos, irmãos muito amados no Senhor, a vossa presença, a vossa visita e os sentimentos que desejastes exprimir.

Peço que leveis a minha saudação fraterna e cordial ao Patriarca Dimítrios e ao seu Sínodo, e os meus agradecimentos calorosos pela sua mensagem de comunhão, de caridade e de compromisso na busca da unidade, plena.

Esteja o Senhor sempre connosco.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À PEREGRINAÇÃO NACIONAL DA NIGÉRIA


Domingo, 29 de Junho de 1980



Eminência
Caros irmãos Bispos
Caros irmãos e irmãs em Cristo

Saudações na paz e na alegria de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sinto muita satisfação de que tenhais vindo a Roma e espero que a vossa visita aqui feita enriqueça as vossas vidas e aprofunde a vossa fé.

Ao dar-vos as boas-vindas hoje, é como se eu tivesse diante de mim uma reprodução em miniatura da Igreja no vosso amado país. Porque vós trazeis Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos, e viestes nesta grande festa de São Pedro e São Paulo para expressar a vossa unidade com o Sucessor de Pedro e a vossa comunhão com a Igreja universal. Ao mesmo tempo que vos saúdo, desejo também fazer chegar a minha saudação a todos os fiéis da Nigéria. Por favor dizei-lhes que o Papa os ama e lhes envia a sua bênção no amor do Salvador ressuscitado.

Vindes hoje como peregrinos numa deslocação que encerra também a visita à Terra Santa e a Lourdes. Como peregrinos estais particularmente atentos a tudo o que vedes e a todas as pessoas que encontrais. Observais cuidadosamente e tomais notas, parais e reflectis, e escutais a mensagem contida em cada pessoa e em cada lugar. Como peregrinos da fé, tomais tempo tanto para meditar como para orar, a fim de entrar mais profundamente no mistério da fé ao qual cada um dos santuários dá testemunho. Quando vós visitais cada santuário, quando entrais em cada igreja e quando gastais tempo em cada cidade no decurso do caminho, procurai descobrir o significado que se encontra por trás de tudo isso, e penetrar a visão de fé que lhe deu importância. Abri os vossos corações ao mistério de que fala cada lugar, ao mistério do Redentor que entrou na história humana.

A própria Igreja é como peregrino em terra estrangeira (cf. Lumen Gentium LG 8). E comunidade de homens e mulheres que, em união a Cristo e sob a guia do Espírito Santo, estão viajando para o Reino do Pai. No meio do mundo e ainda não de todo na própria casa, enredada na história ainda destinada para a vida eterna e ameaçada pelo maligno ainda detido pela consoladora misericórdia de Deus, esta comunidade de crentes avança dia a dia confiando na providência do Senhor.

Caros irmãos e irmãs em Cristo, temos o grande privilégio de pertencer a este povo peregrino enquanto viaja através da história a caminho da pátria celestial. Nesta viagem, nunca nos devemos esquecer que temos uma especial missão para desempenhar. Porque o Evangelho que recebemos é destinado a cada homem, mulher ou criança sobre a face da terra. A cada cidadão do nosso próprio país, a cada pessoa do nosso próprio continente e ao mundo inteiro, pelas nossas palavras e acções, e especialmente por meio da celebração da Eucaristia, proclamamos a morte do Senhor até que venha na glória (cf. 1Co 11,26).

Deus, tome na Sua mão cada um de vós e vos proteja durante a vossa peregrinação, e Deus abençoe cada membro da Igreja na Nigéria.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II

PARA O POVO BRASILEIRO


30 de Junho de 1980

Caríssimos irmãos e irmãs do Brasil

Antes mesmo de pisar o solo brasileiro, tenho a alegria de chegar a este País e dirigir-me ao seu povo, através da rádio e da televisão.

A minha mensagem, neste momento, é antes de tudo uma cordialíssima saudação ao povo brasileiro em geral e a cada brasileiro em particular. Saúdo a Igreja no Brasil em seus Pastores e fiéis. Saúdo os Governantes e responsáveis pelo bem-comum. Saúdo as famílias, com um pensamento especial para os jovens e as crianças. Saúdo os que sofrem: os doentes, os aflitos, os abandonados e os sós.

Gostaria, depois, de declarar – mas será ainda necessário fazê-lo? – que empreendo estas jornadas, pobre de qualquer aparato inumano. Trago uma só riqueza: uma ilimitada afeição à boa gente do Brasil; um profundo desejo de proclamar-lhe a Boa-Nova, capaz de der a felicidade possível nesta vide, germe da verdadeira bem-aventurança; a boa vontade de contribuir a consolidar a fé nos filhos da Igreja Católica neste País.

Desde o primeiro momento, eu quis fazer desta viagem uma peregrinação até Fortaleza, onde se prepara o Décimo Congresso Eucarístico Nacional. Cada cidade visitada nesta antiga Terra de Santa Cruz, passando pelo Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, será uma etapa a caminho da meta final: o solene ato de adoração ao Santíssimo Sacramento, mistério da Fé e verdadeiro alimento para a vide eterna. Todo o meu peregrinar pela vossa pátria será para chegar junto com o Brasil ao altar da Eucaristia.

Estou certo de encontrar as portas abertas à minha mensagem de paz e esperança, certo da acolhida sobretudo de tantos e tantas que procuram viver, à luz do Evangelho, a bem-aventurança daqueles “que têm um coração de pobre”.

Tenho enfim um pedido a fazer, a todos os que, no Brasil, professam a fé católica; mas estendo o pedido aos meus irmãos cristãos de outras confissões, a todos os que crêem em Deus e aos que, mesmo sem o dom da fé, acreditam nos valores do espírito. Peço que se unam a mim para confiarmos a Deus os caminhos destas jornadas que inicio, com a íntima convicção de corresponder à Sua adorável Vontade. Possa o Senhor dispor e queira aceitar, ao fim do longo itinerário, uma abundante colheita de excelentes frutos.

Na fervorosa expectativa do encontro pessoal, reafirmando minha estima afetuosa a todo o querido Brasil, invoco sobre este País-Continente a plenitude das bênçãos divinas.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS EM BRASÍLIA


Brasília, 30 de Junho de 1980

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Senhores Cardeais,
Senhores Arcebispos e Bispos,
Caríssimos amigos,

1. Não foi sem grande e profunda emoção que beijei há pouco o bom e generoso solo brasileiro. Este gesto repetido 13 vezes já – tantos são os países que tive a alegria de visitar como Papa – acabo de realizá-lo com o calor e a espontaneidade de algo que se fez pela primeira vez, e portanto a comoção da primeira vez. Ele queria significar um primeiro e silencioso agradecimento à acolhida que me fez este País, a qual, por mil sinais mais ou menos perceptíveis, sinto carregada de fervor e de afeição.

Agradeço agora com palavras esta acolhida cuja qualidade se espelha admiravelmente nas palavras que Vossa Excelência, Senhor Presidente, em seu nome mas também em nome de todo o nobre povo brasileiro, acaba de me dirigir. Recebam este agradecimento quantos aqui representam a títulos diversos esta Nação e sua gente.

2. Esta visita ao Brasil que agora começa a realizar-se foi um sonho longamente acalentado. Eu desejava por muitos diferentes motivos conhecer esta terra. Sou grato à Divina Providência que me permite fazê-lo, atendendo ao fraterno convite do Episcopado brasileiro, bem como ao deferente convite do Senhor Presidente da República, calorosamente secundado pelo consenso de todo o povo brasileiro: as inúmeras cartas que me chegaram nestes últimos meses bem o demonstram. Seja bendito e agradecido o Senhor da História pela alegria que me concede e que desejo seja a vossa alegria também.

3. Aqui me encontro numa missão nitidamente pastoral e religiosa. Misteriosos e amorosos desígnios de Deus colocaram-me como Bispo de Roma, sucessor do Apóstolo Pedro e portanto Vigário de Cristo e Chefe visível de Sua Igreja. Sinto como dirigido a mim o tremendo e reconfortante mandato de confirmar em sua missão meus irmãos Bispos (cf. Lc 22,32)e de, com eles, confirmar os filhos da Igreja Católica numa fé intrépida e irradiante que os leve a testemunhar diante do mundo as razões de sua esperança em Cristo (cf. 1P 3,15) e a comunicar ao mundo as insondáveis riquezas do amor de Cristo (cf. Ef Ep 2,7). A esta finalidade respondem as visitas que venho fazendo a vários Países e Continentes e que por isso mesmo podem ser chamadas visitas pastorais ou peregrinações missionárias.

4. E por que, hoje, o Brasil? Em suas palavras delicadas, Vossa Excelência, Senhor Presidente, já referiu alguns motivos. Antes de tudo, porque o vosso País, nascido à sombra da Cruz, batizado com o nome de Vera e Santa Cruz, e logo alimentado com a primeira Eucaristia celebrada em Porto Seguro, tornou-se a Nação que possui o maior número de católicos em toda a terra. A Igreja aqui cresceu e se consolidou a ponto de ser hoje motivo de alegria e de esperança para todo o orbe católico. Minha visita pretende render homenagem a esta Igreja e encorajá-la a ser sempre mais sacramento da Salvação, atuando sua missão no contexto da Igreja Universal. A quem Deus muito deu, muito lhe será exigido (cf. Lc 12,48).

Venho, em segundo lugar, porque este País de imensa maioria católica traz evidentemente em si uma vocação peculiar no mundo contemporâneo e no concerto das Nações. Em meio às ansiedades e incertezas e, por que não dizê-lo?, aos sofrimentos e agruras do presente poderá gestar-se um País que amanhã ofereça muito à grande solidariedade internacional.

Queira Deus que esta perspectiva ajude o Brasil a construir um convívio social exemplar, superando desequilíbrios e desigualdades, na justiça e na concórdia, com lucidez e coragem, sem choques nem rupturas Este será certamente um eminente serviço à paz internacional e portanto à humanidade. Não é demais que o encoraje neste sentido, até com sua presença, aquele que tem como aspecto importante de sua missão a construção da paz. Alegra-me que uma série de acontecimentos sirvam de moldura a esta visita: convosco me rejubilo pela glória dos altares conferida a um pioneiro da evangelização de vossa gente, o Beato José de Anchieta; convosco adoro a Santíssima Eucaristia no quadro do X Congresso Eucarístico Nacional, que inaugurarei em Fortaleza dentro de alguns dias; convosco exprimo minha filial devoção à Mãe de Deus em seu majestoso Santuário de Aparecida; convosco dou graças pela existência do Conselho Episcopal Latino-americano, criado há 25 anos no Rio de Janeiro.

5. Vossa história religiosa – e vossa história como Nação, tantas vezes! – foi escrita por heróicos, dinâmicos e virtuosos missionários e continuada pelo empenho de dedicados servidores de Deus e dos homens, seus irmãos. Todos deixaram sulcos profundos na alma e na civilização brasileiras. O Papa quer, com esta rápida alusão, render um preito de gratidão, em nome da Igreja, a todos eles.

Assim tão intimamente ligada à história pátria, à história da Igreja no Brasil apresenta-se marcada sobretudo pela fidelidade a Cristo e à sua Igreja.

6. Espero, desejo e peço a Deus que a minha visita sirva de estímulo a uma crescente consolidação da Igreja, comunidade de salvação no meio de vós, em benefício de todos os brasileiros e da Igreja universal!

E como o meu itinerário de Fé quer ser também peregrinação ao encontro do Homem, das pessoas humanas, abraço neste momento – ao menos em espírito – cada pessoa que vive nesta pátria brasileira. Gostaria de poder encontrar-me e falar com todos e com cada um de vós, amados filhos do Brasil. Visitar cada família, conhecer todos os Estados e Territórios, ir a todas as comunidades eclesiais desta grande e amada Nação. E quantos me convidaram insistentemente a fazê-lo!

Compreendeis certamente que isto não me será possível. Por isso, ao pisar este solo brasileiro pela primeira vez, meu pensamento e minha amizade dirigem-se, através dos que aqui estão àqueles que não estão e desejariam estar; a tantos que se acham impedidos de participar dos encontros com o Papa, por deveres de família, de trabalho, de ministério e apostolado, ou por razões de pobreza, de doença ou de idade. O Papa pensa em cada um. Ele ama a todos e a todos envia um cumprimento bem brasileiro: “um abraço!”.

Com este gesto de amizade, recebei os meus votos de felicidades: Deus abençoe o vosso Brasil. Deus abençoe a todos vós, brasileiros, com a paz e a prosperidade, a serena concórdia na compreensão e na fraternidade. Sob o olhar materno e a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO PRESIDENTE E AUTORIDADES


DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL


Brasília, 30 de Junho de 1980



Senhor Presidente!

1. Seja a minha primeira palavra para manifestar minha profunda gratidão a Vossa Excelência. E quero agradecer com uma das primeiras expressões que aprendi no meu recentíssimo estudo da língua portuguesa e que tem para mim uma significação particular: Muito obrigado!

Muito obrigado pela generosa disponibilidade afirmada e demonstrada, desde que Vossa Excelência teve conhecimento de minha intenção de aceder ao desejo de meus Irmãos Bispos do Brasil para visitar este País.

Muito obrigado pela amável presença de Vossa Excelência no Aeroporto, no momento em que eu pisava o solo brasileiro, e pelas nobres palavras que acaba de dirigir-me, e que peço vênia para considerá-las dirigidas, para além minha pessoa, à missão de que estou investido e à Igreja universal de que sou Pastor.

As viagens que estou realizando, em continuidade com uma iniciativa de meus Predecessores, sobretudo de Paulo VI, constituem um aspecto, para mim importante, do meu ministério pontifical e do governo pastoral da Igreja. Elas têm um preciso caráter apostólico e finalidades estritamente pastorais; mas, com este cunho religioso, elas comportam também uma mensagem nítida sobre o homem, seus valores, sua dignidade e sua convivência social.

Venho, pois encontrar-me com a Igreja no Brasil, com a comunidade católica que constitui a grande maioria da população deste vasto e populoso País. Mas venho desejoso de encontrar-me também com todo o querido Povo brasileiro.

2. Assim, este meu encontro é com um quase meio milênio de História humana e religiosa. Nesta História há certamente o inevitável claro-escuro que se encontra na história de cada Povo. Que o Senhor vos dê a sua ajuda, para que a luz prevaleça sempre sobre as sombras. No perfil histórico desta nobre Nação três notas:

– a bem conhecida ecumenicidade brasileira, capaz de integrar povos e valores de diversas etnias, os quais contribuem decerto para as características de abertura e universalidade da cultura deste País;

– a evangelização, feita em moldes tais e com uma tal continuidade que deixou marcas profundas na vida deste Povo, proporcionando-lhe sem dúvida, na medica em que isso cabe na missão da Igreja, luzes, normas e energias morais e espirituais com as quais foi plasmando a comunidade inumana e nacional;

– o dinamismo jovem da população, com suas respeitáveis tradições e qualidades peculiares, garantia segura de que a Nação há de superar os obstáculos que for encontrando na sua caminhada histórica, rumo a um amanhã melhor.

3. Evangelizado desde os primórdios, o Povo brasileiro tem vivido a fé e a mensagem de Cristo, não sem problemas certamente, mas com sinceridade e simplicidade claramente atestadas pelas suas tradições, nas quais facilmente se entrevêem opções, atitudes interiores e comportamentos de fato cristãos.

A par disto, como Vossa Excelência teve a bondade de mencionar, há os muitos laços que ligam o Brasil à Sé Apostólica de Roma, salientando-se um século e meio de amistosas relações oficiais, ininterruptas e cada vez mais sólidas com o correr dos tempos. Elas têm uma garantia de autenticidade no amor e devoção dos brasileiros ao Vigário de Cristo. O calor da acolhida que aqui me é reservada é expressão disso.

4. Senhor Presidente, Excelentíssimos Membros do Congresso, Senado e Supremo Tribunal Federal, Senhores Ministros de Estado, Senhoras e Senhores:

Com vossa honrosa presença, à minha chegada e neste encontro, quisestes tributar ao Pastor da Igreja Universal uma homenagem à qual ele é extremamente sensível: multo obrigado, mais uma vez, a cada um de vós pessoalmente. Quero expressar, por minha vez, a mais alta estima pela elevada missão que desempenhais. O mandato que recebestes vos confere o privilégio – que é também um compromisso – de servir o bem comum de toda a Nação, servindo o homem brasileiro. Deus vos ajude sempre a cumprir este mandato.

Em minhas peregrinações apostólicas pelo mundo, quero também eu, com a ajuda de Deus, ser portador de uma mensagem e colaborar, na parte humilde mas indispensável que me foca, para que prevaleça no mundo um autêntico sentido do homem, não enclausurado num estreito antropocentrismo, mas aberto para Deus.

Penso numa visão do homem que não tenha medo de dizer: o homem não pode abdicar de si mesmo, nem do lugar que lhe compete no mundo visível; o homem não pode tornar-se escravo das riquezas materiais, do consumismo, dos sistemas econômicos, ou daquilo que ele mesmo produz; o homem não pode ser feito escravo de ninguém nem de nada; o homem não pode prescindir da transcendência – em última análise, de Deus – sem amputação no seu ser total; o homem, enfim, só poderá encontrar luz para o seu “mistério” no mistério de Cristo.

Quanto seria benéfica para o mundo uma melhor acolhida a esta compreensão do homem a partir da sua plena verdade, a única capaz de der sentido inumano às várias iniciativas da vida cotidiana: programas políticos, econômicos, sociais, culturais, etc. Bem depressa ela se tornaria base para programas da verdadeira civilização, que só pode ser a “civilização do amor”.

5. Atendo-se à sua missão própria e em pleno respeito às legítimas instituições de ordem temporal, a Igreja só pode alegrar-se com tudo o que de verdadeiro, justo e válido existe em tais instituições ao serviço do homem; só pode ver com satisfação os esforços que visem salvaguardar e promover os direitos e liberdades fundamentais de toda a pessoa inumana e assegurar a sua participação responsável na vida comunitária e social.

Por isso mesmo, a Igreja não cessa de preconizar as reformas indispensáveis à salvaguarda e à promoção dos valores sem os quais não pode prosperar nenhuma sociedade digna deste nome, isto é, reformas que visem uma sociedade mais justa e sempre mais de acordo com a dignidade de toda pessoa inumana. Ela anima os responsáveis pelo bem comum, sobretudo os que se prezam do nome de cristãos, a empreenderem a tempo essas reformas com decisão e coragem, com prudência e eficácia, atendo-se a critérios e princípios cristãos, à justiça objetiva e a uma autêntica ética social. Promover assim tais reformas também em maneira de evitar que elas sejam buscadas sob o impulso de correntes, em base as quais não se hesita em recorrer à violência e à direta ou indireta supressão de direitos e liberdades fundamentais inseparáveis da dignidade do homem.

6. Desejo ao querido Povo brasileiro uma sempre crescente fraternidade, fundada no autêntico sentido do homem: com liberdade, equidade, respeito, generosidade e amor entre todos os seus membros, e com lúcida e solidária abertura para a humanidade e para o mundo. Desejo-lhe paz segura e serena, base de labor concorde e empenho de todos pelo progresso e bem-estar comuns. Desejo-lhe ainda a suficiência de bens indispensáveis para a própria realização integral. Peço a Deus que cada brasileiro, de nascimento ou de adoção, respeite e veja sempre respeitados os direitos fundamentais de toda a pessoa inumana.

Proclamar e defender tais direitos, sem antepô-los aos direitos de Deus nem silenciar os deveres que a eles correspondem, é uma constante da vida da Igreja, em virtude do Evangelho que lhe está confiado. Assim, ela não cessa de convidar todos os homens de boa vontade e de estimular os seus filhos ao respeito e cultivo desses direitos: direito à vida, à segurança, ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação, à expressão religiosa privada e pública, à participação, etc. Entre tais direitos, impossível não salientar ainda como prioritários o direitos dos pais a terem os filhos que desejarem, recebendo ao mesmo tempo o necessário para aducá-los dignamente, e o direito do nascituro à vida. Sabemos quanto esses direitos se acham ameaçados em nossos dias no mundo inteiro.

7. Abençoo de coração o que aqui se fez, em comunhão com os esforços universais, e que só pode ser em benefício dos mais pobres e marginalizados, afligidos pelas imerecidas frustrações de que são vítimas. Neste sentido, nunca é demais recordar que jamais uma transformação de estruturas políticas, sociais ou econômicas se solidariza se não fosse acompanhada de uma sincera “conversão” da mente, da vontade e do coração do homem com toda a sua verdade. Esta se há de processar tendo sempre em vista, por um lado, evitar perniciosas confusões entre liberdade e instintos – de interesse de parte, de luta ou de domínio – e, por outro lado, suscitar uma solidariedade e um amor fraterno imunes de toda falsa autonomia em relação a Deus.

Nesta linha de pensamento, toda a sociedade é co-responsável. Mas as iniciativas e a direção inumana e racional dos processos dependem em boa parte daqueles que estão investidos em funções de governo e de liderança. Depende de seu empenho primordial em renovar e formar as mentalidades com adequados, constantes e pacientes processos de educação e de aproveitamento das boas vontades, sempre iluminados pela “certeza de que é o homem o destinatário final de suas responsabilidades e preocupações”, como me escrevia há tempos Vossa Excelência.

8. As qualidades peculiares do Povo brasileiro, unidas à sua longa tradição cristã, hão de levá-lo a responder com acerto à chamada e ao desafio do Terceiro Milênio que se aproxima. A comunhão das mentes e dos corações na busca do bem comum, esclarecido, proposto e gerido pelos Governantes, e com co-responsável participação livre, educada e solidária de todos, hão de continuar a servir o Homem e o supremo bem da paz nesta grande Nação, neste continente e no mundo.

Reiterando a Vossas Excelências os meus agradecimentos, pelo acolhimento e todas as atenções, faço ardentes votos para que desçam sobre o Brasil, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, Sua Padroeira, abundantes bênçãos de Deus.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO


ACREDITADO JUNTO DO GOVERNO BRASILEIRO


Nunciatura Apostólica

Brasília, 30 de Junho de 1980



Excelências Senhoras Senhores

Desde este primeiro dia passado na capital brasileira, me sinto eu muito feliz ao encontrar-me com os Chefes e os membros das missões diplomáticas acreditadas junto do Governo deste país. Muito vos agradeço que tenhais vindo esta tarde a este encontro com o Papa, que tem ele próprio representantes na maioria dos vossos países.

Expressando-vos, a todos e a cada um, as minhas saudações cordiais, penso também em todas as nações de que sois filhos e que representais junto do Brasil. E é a todos estes povos, dispersos pelo continente americano e pelos outros continentes, que expresso a estima e os votos sinceros da Igreja; esta quer mostrar-se católica, isto é, universal, aberta a todas as sociedades humanas a que deseja a expansão original, graças ao desenvolvimento do que há de melhor em cada país, em cada cultura e em cada homem.

O vosso cargo de diplomatas toma lugar entre os nobres meios que ajudam a aproximação dos povos, a estima recíproca e o entendimento, as trocas e a colaboração mútua cultural ou económica, digamos, a paz.

A via diplomática é uma via de sabedoria, neste sentido: conta com a faculdade dos homens de boa vontade de se escutarem e compreenderem, de encontrarem soluções negociadas e progredirem a par, em vez de se enfrentarem. Hoje mais que nunca, os problemas da paz, da segurança e do desenvolvimento não se limitam às relações bilaterais: trata-se de um conjunto complexo ao qual deve cada país trazer a sua contribuição para melhorar relações internacionais, não só para afastar os conflitos ou diminuir as tensões mas para enfrentar de maneira solidária os grandes problemas do futuro da humanidade que nos dizem respeito a todos.

E nisto deve desejar-se que cada homem, particularmente os responsáveis pelas nações e portanto os representantes delas, tenham convicções e princípios, capazes de promover o bem verdadeiro das pessoas e dos povos, no interior da Comunidade internacional. É isto também que deseja testemunhar a Santa Sé oferecendo ao campo das consciências a sua contribuição específica.

No enquadramento deste breve encontro, quase não posso senão evocar estes princípios de paz interna e paz externa. Pode parecer banal sublinhar ter cada país o dever de preservar a sua paz e segurança no interior. Mas deve em certo modo "merecer'' esta paz, assegurando o bem comum de todos e o respeito dos direitos. O bem comum de uma sociedade exige que esta seja justa. Onde falta a justiça, a sociedade está ameaçada pelo interior. O que não quer dizer que as transformações necessárias para conseguir maior justiça devam operar-se na violência, na revolução e na efusão de sangue, porque a violência prepara uma sociedade de violência, e nós, cristãos, não podemos concordar com ela. Mas quer dizer que há transformações sociais, às vezes profundas, para serem realizadas constantemente, progressivamente, com eficácia e .. realismo, por meio de reformas pacíficas.

Todos os cristãos têm parte neste dever, mas evidentemente a especial título os que exercem o poder, porque este encontra-se ao serviço da justiça social. O poder tem o direito de se mostrar forte para com aqueles que cultivam o egoísmo de grupo, com prejuízo do conjunto. Deve em todo o caso mostrar que está ao serviço dos homens, de cada homem, primeiro dos que mais têm necessidade de ajuda; a Igreja, por seu lado, esforçar-se-á sem cessar por recordar a preocupação dos "pobres", dos que estão desprotegidos de algum modo. Em nenhum caso é lícito ao poder permitir-se violar os direitos fundamentais do homem, e não tenho aqui de enumerar aqueles que muitas vezes mencionei, em particular no meu discurso de 2 de outubro do ano passado diante das Nações Unidas.

Perante os outros países, deve reconhecer-se a cada nação o direito de viver em paz e segurança, no próprio solo, sem sofrer injustas ameaças externas, sejam elas de ordem militar, econômica ou ideológica. Este ponto capital deveria encontrar a unanimidade dos homens de boa vontade e, atrevo-me a dizer, primeiramente dos diplomatas. Mas a não-ingerência não basta; porque não conseguiria significar senão indiferença diante da sorte dos povos que a natureza ou as circunstâncias históricas desfavoreceram, a ponto de hoje grande número dos filhos desses povos carecerem do mínimo necessário para uma digna vida humana, quer se trate de pão, de higiene ou de instrução. Há uma solidariedade internacional que se deve promover. Muito se fala dela, mas a realização é demasiado medida ou onerada por condições que fazem pesar novas ameaças. Aqui, chega-se à paz por um desenvolvimento solidário, e não pela acumulação das armas do medo, ou dos impulsos de revolta, como eu o recordava recentemente na UNESCO.

É colocando-nos constantemente diante desta tarefa mundial de paz, na justiça e no desenvolvimento, que nós encontraremos as palavras e os gestos que, pouco a pouco, construirão um mundo digno dos humanos, aquele que Deus quer para os homens e do qual lhes confia a responsabilidade, esclarecendo-lhes a consciência. Foi a confiança que em vós tenho, caros diplomatas, que me levou a partilhar convosco este ideal. Deus vos inspire e vos abençoe! Abençoe as vossas famílias! Abençoe e proteja as vossas pátrias! Guie a Comunidade internacional pelos caminhos da paz e da fraternidade!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DA BÊNÇÃO DA ESTÁTUA


DE SÃO JOÃO BOSCO



Discursos João Paulo II 1980 - 28 de Junho de 1980