Discursos João Paulo II 1980 - São Paulo, 3 de Julho de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO ENCONTRO COM OS RELIGIOSOS


São Paulo, 3 de Julho de 1980



Queridos filhos chamados por Deus
a uma especial consagração na Vida Religiosa

Aquele que experimenta neste momento de sua peregrinação pelo Brasil a sincera alegria de um encontro convosco é o mesmo que, Arcebispo de Cracóvia, procurava todas as ocasiões para encontrar os religiosos e religiosas de sua diocese e, Bispo de Roma, procura estar com eles quer recebendo-os em sua casa quer indo ao encontro nas visitas pastorais às Paróquias romanas. Faço-o por um duplo imperativo: porque convencido da eficácia dos religiosos na vida e na ação pastoral da Igreja em todos os seus níveis e porque profundamente consciente do valor inestimável da vida religiosa em si mesma.

1. Os religiosos na pastoral da Igreja

Que dizer a vós religiosos brasileiros – brasileiros por nascimento ou por adopção – da presença dos religiosos na acção pastoral da Igreja? Preparando-me interiormente para esta visita, debrucei-me com carinhosa atenção sobre a história da Igreja neste País e foi para mimo uma revelação descobrir quanto esta se acha, em toda sua extensão, vinculada – às vezes se diria identificada – com a incansável actividade missionária de um sem-número de religiosos de várias famílias. Religiosos são os primeiros apóstolos da terra apenas descoberta e podemos citar em homenagem a todos eles um dos maiores entre eles: aquele admirável José de Anchieta cuja beatificação realizei com íntima e particular satisfação há menos de duas semanas. Religiosos foram a maioria dos sacerdotes consagrados à evangelização dos índios, à sua educação no pleno respeito à sua identidade e, cada vez que necessário, à sua defesa mesmo com sacrifício pessoal.

Religiosos formam ainda hoje pouco mais da metade do clero brasileiro. E não sei de outro País que possa mencionar 193 religiosos entre os seus 343 bispos, entre os quais dois Cardeais da Santa Igreja, segundo estatística de 31-12-1979.

Que dizer-vos mais? Vossa presença é para a Igreja no Brasil, não um supérfluo facilmente dispensável, mas uma necessidade vital. Alguns pontos tornarão essa presença sempre mais eficaz:

– primeiro, que os religiosos sacerdotes se mostrem capazes de um leal e desinteressado entrosamento com os sacerdotes diocesanos cujas tarefas são chamados a partilhar não a título de excepção, mas de modo habitual;

– segundo, que os religiosos leigos aprendam sempre mais a inserir as próprias obras num plano de conjunto que é aquele de toda a Igreja, em nível quer diocesano, quer nacional;

– terceiro, que no espírito do documento “Mutuae Relationes”, os Superiores religiosos procurem, aceitem, cultivem diálogo franco e filial com os Pastores postos pelo Espírito de Deus para governar a sua Igreja. Neste sentido nunca se salientará demais a importância das relações entre a Conferência Nacional dos Bispos a quem compete elaborar e estabelecer os planos de pastoral para o País e a Conferência dos Religiosos que assume a tarefa de promover a vida velando para que esta se mantenha fiel às suas raízes mais profundas e ao carisma que a caracteriza.

2. A identidade da vida religiosa

E aqui tocamos no segundo aspecto: a identidade profunda da vida religiosa. Não é por ser útil à Pastoral que a Vida Religiosa tem um lugar definido na Igreja e um valor incontestável. O contrário é que é verdade: ela presta um serviço eficaz à pastoral porque e enquanto se mantém inabalavelmente fiel ao lugar que ocupa na Igreja e aos carismas que definem este lugar.

Impossível tentar aqui até mesmo um resumo de teologia da vida religiosa. Mas não será demais, quase como lembrança viva deste encontro com o Papa, recordar alguns aspectos.

O primeiro, que encontra o consenso universal e não é sequer objecto de debates, é que quando falamos de vida religiosa nos referimos a algo de muito preciso na experiência da Igreja ao menos no que concerne aos elementos essenciais.

Cada cristão tem a plena e legítima liberdade, segundo a própria consciência, de entrar ou não na vida religiosa. Mas não lhe cabe definir ou redimensionar, prescindindo da vida, da história e, repito, da bimilenar experiência da Igreja, o que é essencial na vida religiosa.

Este essencial foi há pouco tempo reafirmado pelo Concílio e por documentos consagrados à sua autêntica interpretação nesta matéria. Conheceis bem este essencial:

1) A vida religiosa é uma “schola dominici servitii”, segundo a bela fórmula de São Bento (S. Benedicti, Regula, Prol. RB 45), um aplicado, amoroso, perseverante aprendizado de quem só pretende uma coisa na vida: servir ao Senhor. Na perspectiva deste serviço se alinham todas as outras dimensões da vida religiosa tais como as sublinha o Concílio Vaticano II.

2) A vida religiosa, ensina o Concílio, não se coloca na Igreja no plano das estruturas institucionais (não é um grau hierárquico nem se acrescenta como um terceiro elemento entre os Pastores e os Leigos) mas na linha dos carismas e mais exactamente no dinamismo daquela santidade que é a vocação primordial da Igreja. A razão primeira pela qual um cristão se fez religioso não é para assumir na Igreja um posto, uma responsabilidade ou uma tarefa, mas para santificar-se. Esta é sua tarefa e sua responsabilidade, “o resto lhe será dado por acréscimo”. Este é seu serviço à Igreja: ela precisa desta escola de santidade para realizar concretamente sua própria vocação de santidade.

3) Se o testemunho que se espera do leigo é o da secularidade, da acção nas realidades temporais, o testemunho co-natural à vida religiosa em geral e a cada religioso em particular é o das bem-aventuranças vividas no quotidiano; o do Absoluto de Deus diante do qual tudo o mais, mesmo os mais importantes empenhos temporais, se tornam visceralmente relativos; é por conseguinte o testemunho do invisível e finalmente o da Parusia a ser vivida em esperança já nesta vida.

4) Para tudo isso revela-se importante na vida religiosa a consagração total que cada religioso fez de si mesmo a Deus pelos votos que actualizam na vida dele os conselhos evangélicos. Esta consagração total significará para ele a libertação mais profunda e genuína, mais plena, que o levará a maior comunhão com Deus e com os irmãos, maior participação na vida divina e na comunidade dos homens, a começar pela comunidade dos que com ele procura a Face de Deus.

Esta consagração total traz consigo, como consequência, uma disponibilidade total. A Igreja sempre experimentou, no curve de sua história, que podia contar com os religiosos para as mais delicadas missões.

5) De tudo o que precede decorre que um religioso não poderia não ser um homem de oração, um grande orante. Isto vale para os contemplativos, mas vale também para qualquer religioso.

À luz desse essencial, e aplicando concretamente alguns de seus aspectos, quero dizer-lhes, amados irmãos e filhos, umas poucas palavras de alento e de estímulo para vós.

Em primeiro lugar recordo que a Igreja em vários documentos recentes falou da renovação da vida religiosa. Creio supérfluo frisar que, para ser sadia e corresponder ao pensamento da Igreja e portento ao desígnio de Deus, essa renovação não pode absolutizar-se tornando-se finalidade de si mesma e prescindindo dos critérios válidos. Dois critérios, entre outros, aparecem como os mais importantes: o primeiro é que a vida religiosa (e concretamente cada comunidade religiosa) não se renova de verdade se o escopo da renovação é na prática a procura do mais fácil e mais cómodo, mas somente se esse escopo é a busca do mais autêntico e do mais coerente com as finalidades da mesma vida religiosa; o segundo critério é que a vida religiosa se renova para se tornar mais ainda caminho de santidade. Aqui se aplica de modo particularmente palpável a sentença do Senhor, de que “pelos frutos se conhece a árvore”. No que depende de nós teremos de fazer tudo para que não se possa dizer que a renovação da vida religiosa conduziu ao seu relaxamento e finalmente à sua dissolução.

A luz desses critérios, devo dizer-vos: realizai com humildade a desejada renovação da vida religiosa. Ela merece os mais sérios esforços das famílias religiosas e das Conferências de religiosos de todos os níveis.

Em segundo lugar gostaria de assinalar a originalidade da presença do religioso no mundo. Já alguma vez se esquematizou assim este ponto: há duas formas de presença ao mundo: uma física, direta, material, outra invisível e espiritual mas nem por isso menos real. Os leigos, para assegurarem sua vocação de presença física ao mundo, têm necessidade da forte selva que lhes vem justamente da presença espiritual dos religiosos e sentiriam falsa cela se, pela embriaguez do “mergulho no mundo” os religiosos acabassem por negar à Igreja a contribuição daquilo que lhes é próprio. Não é um convite à alienação; é antes um convite a pensar que na Igreja, segundo o conceito de São Paulo, continua a ser importante a nítida diferença (e não a confusão!) e a valiosa complementaridade (e não isolamento!) dos carismas e vocações. Não será jamais fecunda a longo alcance (mas o será mesmo numa linha de imediatismo?) uma presença de religiosos nos combates temporais se é a preço dos valores essenciais, mesmo os mais humildes, da vida religiosa.

Terceira reflexão: nume procura de entrosamento torna-se frequente a tentação de dissolver ao máximo, quase até à extinção, daquilo que caracteriza e dá um rosto à vida religiosa e aos religiosos. Parece evidente que isto não é positivo nem para a vida religiosa nem para o entrosamento: um sacerdote religioso imerso na pastoral ao lado de sacerdotes diocesanos, deveria mostrar claramente por suas atitudes que é religioso. A comunidade deveria poder percebê-lo. O mesmo se diria de um religioso não sacerdote ou de uma religiosa no respectivo entrosamento com leigos.

Ultima reflexão, na mesma linha da precedente: não é irreal nem remota em religiosos e religiosas a tentação de abandonar os traços característicos da própria família religiosa para se confundir com os outros e de deixar as obras que realizavam para dar-se ao que se convencionou chamar a “pastoral direta”. Os fatos parece que já começam a mostrar que a riqueza espiritual da Igreja e de seu serviço ao homem reside na variedade. Há empobrecimento e depauperamento cada vez que todos, sob pretexto de unidade ou impressionados por uma certa prioridade, se põem a fazer a mesma coisa. Oxalá os religiosos pudessem ajudar a Igreja a continuar presente nos mais vários campos da sua missão pastoral: educação, assistência, cuidado dos doentes, atendimento aos órfãos, exercício da caridade, etc.

Estou certo de que a comunidade inumana em geral, além da comunidade eclesial, será grata por isso à vida religiosa.

Não me resta senão abençoar-vos em nome do Senhor. Ao fazê-lo peço ao mesmo Senhor que vós sejais, no meio dos homens e para o bem destes, testemunhas e anunciadores das “mirabilia Dei” e das “investigabiles divitias Christi”.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS REPRESENTANTES DA


COMUNIDADE ISRAELITA DO BRASIL


São Paulo, 3 de Julho de 1980



Muito me alegro por poder saudar, nos senhores, os representantes da comunidade israelita do Brasil, tão viva e operante em São Paulo, no Rio de Janeiro e noutras cidades. E agradeço-lhes de coração sua grande amabilidade em querer encontrar-se comigo, por ocasião desta viagem apostólica à grande nação brasileira. Para mim é uma feliz oportunidade para manifestar e estreitar ainda mais os laços que unem a Igreja católica e o Judaísmo, reafirmando assim a importância das relações que se desenvolvem entre nós, também aqui no Brasil.

Como os senhores sabem, a Declaração Nostra Aetate, do Concílio Vaticano II, em seu quarto parágrafo, afirma que é perscrutando o seu próprio mistério que a Igreja “recorda o vínculo que a une espiritualmente à descendência de Abraão”. Desta forma, a relação entre a Igreja e o Judaísmo não é exterior às duas religiões: é algo que se funda na herança religiosa distintiva de ambas, na própria origem de Jesus e dos Apóstolos, e no ambiente em que a Igreja primitiva cresceu e se desenvolveu. Se, apesar de tudo isso, nossas respectivas identidades religiosas nos dividam, por vezes dolorosamente, através dos séculos, isso não deverá ser obstáculo para que, respeitando essa mesma identidade, queiramos agora valorizar nossa herança comum e assim cooperar, à luz desta mesma herança, na solução dos problemas que afligem a sociedade contemporânea, necessitada da fé em Deus, da obediência à sua santa lei, da esperança ativa na vinda de seu Reino.

Fico muito contente por saber que este relacionamento e cooperação já se dão aqui no Brasil especialmente através da fraternidade Judaico-Cristã. Judeus e católicos se esforçam assim por aprofundar a comum herança bíblica, sem contudo disfarçar as diferenças que nos separam e de tal forma um renovado conhecimento mútuo poderá conduzir à uma mais adequada apresentação de cada religião no ensinamento da outra. Sobre esta base sólida poder-se-á logo construir, como já se vem fazendo, a tarefa da cooperação em benefício do homem concreto, da promoção de seus direitos, não poucas vezes conculcados, da sua justa participação na prossecução do bem comum, sem exclusivismos nem discriminações. São estes, aliás, alguns dos pontos apresentados à atenção da comunidade católica pelas “Orientações e Sugestões para a aplicação da Declaração conciliar Nostra Aetate” publicadas pela Comissão para as relações religiosas com o Judaísmo, em 1975, como também pelos parágrafos correspondentes do documento final da Conferência de Puebla (Cfr. Puebla, 1110. 1123).

Isto tornará vivo e eficaz, para o bem de todos, o valioso patrimônio espiritual que une os Judeus e os Cristãos.

Assim o desejo de todo o coração. E seja este o fruto deste encontro fraterno, com os representantes da Comunidade israelita do Brasil.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES


DA IGREJA ORTODOXA NO BRASIL


São Paulo, 3 de Julho de 1980



Amados irmãos em Cristo

1. Em nome do Senhor Jesus e dando graças por ele a Deus Pai (cf. Col 3,17) venho a este encontro convosco, dignos representantes da Igreja Ortodoxa no Brasil. Não preciso dizer-vos quanto fico feliz por esta oportunidade, no quadro de minha peregrinação apostólica pelo Brasil. Alegra-me observar pessoalmente que neste país que vos acolheu, vossas relações e vossa colaboração com a Hierarquia, o Clero e o povo católico vêm crescendo tanto mais quanto mais as duas Igrejas, Católica e Ortodoxa, se olham de novo à luz de Cristo e se redescobrem cada vez mais profundamente como Igrejas irmãs. Elas descobrem também as exigências que este fato comporta na acção pastoral de uma e outra.

2. Regressando de minha visita fraterna ao Patriarcado ecuménico, tive ocasião de ressaltar que a preocupação para com aquilo que, com muito acerto, se tem chamado o diálogo da caridade, devia tornar-se uma componente necessária dos programas pastorais de cada uma de nossas duas Igrejas, a católica e a ortodoxa O aprofundamento desta atitude fraternal, a intensificação das relações recíprocas e da colaboração entre as Igrejas criam o ambiente vital, se assim me posso exprimir, no qual pôde nascer e deve desenvolver-se o diálogo teológico até chegar a resultados que o povo cristão estará preparado para acolher. Ninguém está dispensado deste esforço. O Concílio Vaticano II o declarou com firmeza, no que concerne aos Católicos (cf. Unitatis Redintegratio UR 4). O mesmo Concílio dedicou especial atenção à colaboração dos católicos com seus irmãos ortodoxos, que deixando o Oriente, vieram estabelecer-se em Países distantes da pátria de origem (cf. Ibid., UR 18). É justamente o que acontece aqui no Brasil, e por isso, católicos e ortodoxos são chamados a contribuir activamente para o bom êxito desta nova fase da nossa caminhada rumo à plena comunhão.

3. Também na situação brasileira, com uma urgência e uma amplidão que exigem a mais estreita colaboração entre as Igrejas, impõe-se que estas se coloquem juntas a serviço do homem. Estou certo de que não faltará essa colaboração. A luz e a força do Alto nos assistam sempre neste empreendimento, nos torne uns e outros fervorosos na oração, assíduos no conhecimento da outra Igreja, zelosos em conservar a própria identidade religiosa, respeitosos da identidade da outra.

Sem isso, ou não há diálogo ou o diálogo se revelará logo vazio e inconsistente senão falsificado.

Aqui renovo a expressão de minha admiração pelas grandes e notáveis tradições da Igreja Ortodoxa: a qualidade de seus doutores, a beleza majestosa de seu culto, o valor de seus santos, o fervor da vida monástica, como já o disse adequadamente o Concílio Vaticano II (cf. Ibid, UR 14-18).

Renovo a expressão de minha gratidão pelo encontro de hoje, e vos asseguro da minha profunda caridade fraterna, da minha respeitosa estima e da minha união na oração.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

ORAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA NACIONAL


A NOSSA SENHORA APARECIDA


Aparecida, 4 de Julho de 1980



Nossa Senhora Aparecida!

Neste momento tão solene, tão excepcional, quero abrir diante de Vós, ó Mãe, o coração deste povo, no meio do qual quisestes morar de um modo tão especial – como no meio de outras nações e povos – assim como no meio daquela nação da qual eu sou filho. Desejo abrir diante de Vós o coração da Igreja e o coração do mundo ao qual esta Igreja foi enviada pelo vosso Filho. Desejo abrir-Vos também o meu coração.

Nossa Senhora Aparecida! Mulher revelada por Deus, que haveríeis de esmagar a cabeça da serpente (cf. Gn 3,15) na vossa Conceição Imaculada! Eleita desde toda a eternidade para ser a Mãe do Verbo Eterno, o qual, pela anunciação do Anjo, foi concebido no vosso seio virginal como Filho do Homem e verdadeiro Homem!

Unida mais estreitamente ao mistério da redenção do homem e do mundo, ao pé da cruz, no Calvário!

Dada como Mãe a todos os homens, sobre o Calvário, na pessoa de João, Apóstolo e Evangelista!

Dada como Mãe a toda a Igreja, desde a comunidade que se preparava para a vinca do Espírito Santo, à comunidade de todos os que peregrinam sobre a terra, no decorrer da história dos povos e nações, dos países e continentes, das épocas e gerações! ...

Maria! Eu Vos saúdo e Vos digo “Ave” neste santuário, onde a Igreja do Brasil Vos ama, Vos venera e Vos invoca como Aparecida, como revelada e dada particularmente a ele! Como sua Mãe e Padroeira! Como Medianeira e Advogada junto ao Filho de quem sois Mãe! Como modelo de todas as almas possuidoras da verdadeira sabedoria e, ao mesmo tempo, da simplicidade da criança e daquela entranhada confiança que supera toda fraqueza e sofrimento!

Quero confiar-Vos de modo particular, este Povo e esta Igreja, todo este Brasil, grande e hospitaleiro, todos os vossos filhos e filhas, com todos os seu problemas a angústias, trabalhos e alegrias. Quero fazê-lo como Sucessor de Pedro e Pastor da Igreja universal, entrando nesta herança de veneração e amor, de dedicação e confiança que, desde séculos, fez parte da Igreja do Brasil e de quantos a formam, sem olhar as diferenças de origem, raça ou posição social, e onde quer que habitem neste imenso país. Todos eles, em este momento, voltados para Fortaleza, se interrogam: para onde vais?

O Mãe! Fazei que a Igreja seja para este povo brasileiro sacramento de salvação e sinal da unidade de todos os homens, irmãos e irmãs de adopção do vosso Filho e filhos do Pai do Céu!

O Mãe! Fazei que esta Igreja, e exemplo de Cristo, servindo constantemente o homem, seja a defensora de todos, em particular dos pobres e necessitados, dos socialmente marginalizados e espoliados. Fazei que a Igreja do Brasil esteja sempre a serviço da justiça entre os homens e contribua ao mesmo tempo para o bem comum de todos e para a paz social.

O Mãe! Abri os corações dos homens e dai a todos a compreensão de que somente no espírito do Evangelho e seguindo o Mandamento do Amor e as bem-aventuranças do Sermão da Montanha será possível construir um mundo mais humano, no qual será valorizada verdadeiramente a dignidade de todos os homens.

O Mãe! Dai à Igreja, que nesta terra brasileira realizou no passado uma grande obra de evangelização e cuja história é rica de experiências, que, com novo zelo e amor pela missão recebida de Cristo, realize as suas tarefas de hoje.

Concedei-lhe para este fim numerosas vocações sacerdotais e religiosas, para que todo o Povo de Deus possa beneficiar-se do ministério dos dispensadores da Eucaristia e das testemunhas do Evangelho.

O Mãe! Acolhei em vosso coração todas as famílias brasileiras! Acolhei os adultos e os anciãos, os jovens e as crianças! Acolhei também os doentes e todos aqueles que vivem na solidão!

Acolhei os trabalhadores do campo e da indústria, os intelectuais nas escolas e universidades, os funcionários de todas as instituições. Protegei-os a todos!

Não cesseis, ó Virgem Aparecida, pela vossa mesma presença, de manifestar nesta terra que o Amor é mais forte que a morte, mais poderoso que o pecado! Não cesseis de mostrar-nos Deus, que amou tanto o mundo, a ponto de entregar o seu Filho Unigénito, para que nenhum de nós pereça, mas tenha a vida eterna! (cf. Jn 3,16). Amém.



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ENCONTRO DO PAPA JOÃO PAULO II

COM O CARDEAL CARLOS MOTTA


Aparecida, 4 de Julho de 1980



Eminentíssimo Senhor Cardeal e amado Irmão

1. Minha visita a Aparecida não estaria completa se faltasse este encontro, mesmo breve. Vossa Eminência está ligado a este lugar sagrado não somente por quase vinte anos de pastoreio, mas também pelas vultosas obras que trazem a marca de sua atividade e a maior delas é certamente a majestosa Basílica que, com emoção de todos nós, tive a alegria de consagrar esta manhã. Com Vossa Eminência agradeço à Providência Divina que lhe concede a alegria de coroar junto a um Santuário mariano sua vida de sacerdote, começada junto a um outro Santuário mariano a então humilde igreja que, no alto da Serra da Piedade serve de escrínio à venerada imagem da Mãe das Dores, padroeira do Estado natal de Vossa Eminência, a querida Minas Gerais.

2. Às vésperas do dia 16 de julho em que, sob o olhar de Nossa Senhora do Carmo, Vossa Eminência celebrará 90 anos de fecunda existência, eu gostaria de evocar sua longa existência de homem da Igreja: Reitor do Seminário em Belo Horizonte, Bispo Auxiliar em Diamantina, Arcebispo de São Luís do Maranhão, Arcebispo de São Paulo por dois decênios, Cardeal da Santa Igreja, Arcebispo de Aparecida.

Quero ao menos associar-me a Vossa Eminência, e aos milhares de pessoas que receberam o benefício de sua ação de sacerdote e de bispo, numa fervorosa ação de graças. Seja portadora do nosso “Te Deum laudamus” a Virgem Aparecida, de cuja devoção Vossa Eminência foi ardente e sincero incentivador.

3. Possa a presença destes jovens que se preparam ao sacerdócio renovar constantemente no seu espírito a alegria e o fervor do seu exemplar ministério sacerdotal. Agradeço-lhe em nome de muitos pelo exemplo que Vossa Eminência sempre deu, de fidelidade à Sé Apostólica, de piedade sacerdotal, de amor a Deus e à Igreja.

Parabéns, Senhor Cardeal. Seja penhor de serenidade, esperança e conforto ao longo dos anos que o Senhor quiser lhe conceder a Bênção Apostólica que de todo o coração quero dar a Vossa Eminência.



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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS SEMINARISTAS


Basílica de Aparecida, 4 de Julho de 1980



Meus caros Seminaristas

1. Encontrando-me com vocês, esta tarde, no quadro de minha peregrinação à Aparecida, minha memória me reconduz espontaneamente ao meu próprio Seminário e ao tempo de minha formação para o Sacerdócio. Não me envergonho de dizer que me lembro com saudade daqueles anos de Seminário. Com uma comovida homenagem aos bons sacerdotes que com imenso zelo, entre não poucas dificuldades, me prepararam para ser padre, penso que foram anos decisivos para o ministério que o Senhor me reservava para o futuro. Por isso mesmo este encontro aqui à sombra do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, nesta atmosfera de cordialidade, de comunhão e de viva esperança, me traz emoção e alegria. Não preciso de muitas palavras para dizer-lhes minha grande afeição por vocês e o meu sincero desejo de alimentar e animar as suas santas aspirações, as suas certezas e os seus propósitos. Vocês ocupam um lugar multo especial no coração do Papa como no coração da Igreja. Em vocês, quero cumprimentar os aspirantes ao sacerdócio de todo o Brasil.

2. Vendo-os ao meu redor como vi antes tantos seminaristas no México, na Irlanda ou nos Estados Unidos, o meu pensamento, iluminado pela Fé, se dirige como que insensivelmente para a realidade misteriosa e visível ao mesmo tempo da Igreja de Deus. Jesus Cristo, Pastor Eterno, realizando a redenção da humanidade, constituiu o Povo da Nova Aliança. Para que a este Povo não faltassem guias e pastores, enviou os Apóstolos, como Ele próprio tinha sido enviado pelo Pai.

Por meio dos Apóstolos, Jesus Cristo, “Cabeça do Corpo, que é a Igreja” (Col 1,18), tornou participantes da sua consagração e da sua missão os sucessores deles, isto é, os Bispos. Estes, por sua vez, repartiram as funções do próprio ministério e as confiram em primeiro lugar aos Presbíteros.

Unidos aos Bispos na dignidade sacerdotal, os Presbíteros são consagrados pelo sacramento da Ordem para anunciar o Evangelho, guiar o Povo de Deus, celebrar a Liturgia, como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento (Lumen Gentium LG 18 Lumen Gentium LG 28).

Meditando sobre esta disposição da vontade de Deus, que de tal modo constituiu a Igreja, obra de suas mãos e não invenção dos homens, compreendemos sempre melhor como na mesma Igreja, assim como não pode haver Pastores sem Povo, assim também não pode haver Povo sem Pastores. A continuidade da missão apostólica foi garantida por Aquele que fundou a Igreja com estas palavras: “Ide e ensinai a todos os povos... Eu estou convosco até o fim do mundo” (Lc 1,38). Para traduzir em realidade este mandato perene, o próprio Jesus Cristo continua a chamar os seus colaboradores no íntimo de suas consciências, enquanto que os Pastores da Igreja reconhecem a legitimidade desta vocação interior, com a vocação pública às Sagradas Ordens.

3. Mas o chamado divino, como aquele que o Anjo dirigiu à Virgem Maria no dia da Anunciação, respeita a liberdade e aguarda a resposta consciente: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”.

Por isso, é preciso que o chamado pessoal seja esclarecido, para que a voz do Senhor não passe despercebida. É preciso que ele seja estimulado e protegido, para que a resposta livre não seja embaraçada pelas hesitações interiores, nem sufocada pelas hesitações interiores, nem sufocada pelas dificuldades do mundo. A realidade do mistério da eleição divina compreende, portanto, a responsabilidade da cooperação de cada um, e, ao mesmo tempo, a actuação discreta dos que devem acompanhar e ajudar a formação dos jovens.

4. O chamado de Deus, meus caros seminaristas, é verdadeiramente sublime, pois se refere ao serviço mais importante do Povo de Deus. É o sacerdote quem torna sacramentalmente presente entre os homens a Cristo, o Redentor do homem. “Dele depende tanto a primeira proclamação do Evangelho, que reúne a Igreja, como a incessante renovação da Igreja reunida” (Synodi Episcoporum, De Sacerdotio Ministeriali). Se viesse a faltar a presença e a acção daquele ministério que se recebe pela imposição das mãos, faltaria à Igreja a plena certeza da própria fidelidade e da própria continuidade visível. Anunciando o Evangelho, guiando a comunidade, perdoando os pecados e sobretudo celebrando a Eucaristia, o sacerdote torna presente Cristo-Cabeça no exercício vivo da sua obra redentora. Ele age “in persona Christi”, ele fez as vezes de Cristo, quando derrama e renova existencialmente nas almas a vida do Espírito.

5. É para esta missão e função que vocês se preparam no Seminário. Exorto-os pois a considerar em toda a sua importância este período que vocês estão vivendo. É importante pela formação doutrinal que vocês devem receber, para serem deveras mestres da verdade e educadores na fé do Povo de Deus. Mas importante sobretudo pela formação inumana e espiritual. O “homo Dei” que vocês deverão ser (cf. 1Tm 6,11) ou é gestado neste tempo de seminário ou não o será nunca mais. As virtudes evangélicas típicas do sacerdote é aqui no seminário que as aprendemos a viver. Não seja para vocês um tempo vão mas frutuoso.

Por outro lado, diante da grandeza da vocação sacerdotal, vocação insubstituível que empenha em profundidade aquele que a recebe, convido-os a tomar consciência da predilecção que ela significa da parte de Cristo Jesus. Elevemos ao “Senhor da messe” a nossa confiante oração, para que neste imenso Brasil muitos jovens tenham abertura de consciência para perceber a disponibilidade para acolher, entusiasmo para seguir o chamado amigo que Ele lhes dirige.

6. Nos últimos seis anos, foram abertos no Brasil quinze novos Seminários Maiores, do clero secular e regular. Só no ano passado, cinco Seminários Maiores e quatro Menores. Este atual aumento do número de vocações é um fenómeno reconfortante, fruto da aço da Providência e da generosa correspondência dos que são chamados. Mas o fato é que o número de sacerdotes é de apenas um para cada vinte mil habitantes, se se consideram apenas os sacerdotes do clero secular, e de um para dez mil, se se consideram também os do clero regular. Não há dúvida que é ainda multo pouco, diante das enormes e urgentes exigências dos fiéis. Por isso, é dever de todos nós rezar com fervor e perseverança ao Senhor de todos os dons.

Confio a Nossa Senhora Aparecida cada um de vocês e todos os jovens deste querido Brasil chamados ao Sacerdócio. Pedindo à Mãe da Igreja que os anime e fortaleça no testemunho de uma resposta alegre, coerente e generosa, dou-lhes de todo o coração a Bênção Apostólica.



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SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM O CARDEAL VICENTE SCHERER


Porto Alegre, 4 de Julho de 1980



1. Agradeço de coração ao amado Pastor desta Arquidiocese, o caríssimo Cardeal Vicente Scherer pelas nobres palavras que me dirigiu e nas quais reencontro as virtudes que nele já conheço: simplicidade, sinceridade, absoluta fidelidade ao Sucessor de Pedro.

Dessas palavras deduzo que esperáveis todos por este momento. Posso dizer-lhes que esperei eu também, ansiosamente, por este dia que, no correr de minha peregrinação pelo Brasil, viria encontrar-vos em Porto Alegre. Louvado seja Deus por esta oportunidade.

Ao lado do Eminentíssimo Cardeal Scherer saúdo seus Bispos Auxiliares. Saúdo meus irmãos Bispos da Província Eclesiástica do Rio Grande do Sul. Saúdo os sacerdotes, diáconos, religiosos, aqui presentes. Saúdo os fiéis de todas as procedências, idades e condições. Uma saudação particular aos que vieram de mais longe – do vizinho Estado de Santa Catarina, que não tive a possibilidade de visitar desta vez, da Argentina e do Uruguai – para ver o Papa. Eu sei que não é a minha pessoa que conta: conta a missão que o Senhor quis confiar-me. Sinto-me feliz de saber que, para além do Papa, é ao Sucessor de Pedro e portanto ao próprio Pedro, é ao Vigário de Cristo e portanto ao próprio Cristo, que vão as vossas homenagens. A Ele somente o louvor e a glória pelos séculos sem fim.


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