Discursos João Paulo II 1980 - Porto Alegre, 4 de Julho de 1980

2. Venho pois como Pastor da Igreja universal, para conhecer de perto as ovelhas que o Bom Pastor, nos seus desígnios de amor, me confiou. Venho como Sucessor de Pedro, para dar continuidade à sua missão de confirmar os irmãos. Venho como Vigário de Jesus Cristo, portador de sua bênção e de sua paz.

Sei que a fé se encontra profundamente arraigada em vossa terra e é vivida com intensidade em vossos corações.

Sei também que o segredo da grande vitalidade nesta fé reside nas famílias cristãmente constituídas e nos missionários, sacerdotes de grande valor, que há mais de um século evangelizaram em profundidade esta região.

Para sermos testemunhos convincentes de Jesus Cristo, importa procurar uma autenticidade sempre maior, importa sermos firmes na fé. Ora, penso – e procurei explicá-lo em minha exortação apostólica “Catechesi Tradendae” que em nossos dias não há possibilidade de sobrevivência e irradiação da fé, sem um aprofundamento desta mesma fé. Vale dizer sem uma catequese adequada às circunstâncias mas sempre conforme com o sentir da Igreja. Não quero por isso, deixar passar esta oportunidade sem exortar-vos, vós Pastores, Bispos e Presbíteros; vós pais e mães de família; vós professores, a um corajoso e perseverante esforço de catequese para crianças, jovens e adultos.

3. Uma palavra de amizade ao Presbitério tão amplamente aqui representado. Não preciso de muitas palavras para dizer-vos que estais no coração do Papa: ele reza sempre por vós e para vós pede do Senhor a graça da fidelidade ao dom um dia recebido, para fazer de cada um de vós um “sacerdos in aeternum”. Vivei o mistério da unidade da Igreja, permanecendo unidos aos vossos Bispos, “como as cordas à cítara”, para retomar a expressiva comparação de Santo Inácio de Antioquia. Este é o segredo da fecundidade apostólica do presbítero.

E que dizer aos religiosos e religiosas: vós ocupais um lugar que é só vosso no Corpo de Cristo que é a Igreja. Sois a expressão e deveis ser a concretização da sua vocação de santidade. Deus abençoe vossa vida, fazendo-a frutificar no seu amor, o que será sem dúvida em benefício de vossos irmãos.

Aqui em vossa cidade pretendo encontrar-me com um grupo de vocacionados e com seus formadores.

Na grata expectativa deste encontro, basta-me por agora dizer-vos que a Igreja deve ter sempre na alma uma profunda compaixão: há uma multidão “cansada e abatida como ovelhas sem pastor”; e uma oração: “Manda, Senhor, operários para a tua messe” (Cf. Mt 9,36-38).

Sei que vosso Estado é rico em vocações e, convosco, agradeço ao Senhor. Desejo que saibais sempre apreciar este dom, assumir estas vocações, ajudá-las a amadurecer no amor a Deus e na fidelidade incondicional à Igreja, para o bem de toda a comunidade.

Deus abençoe vossas famílias, portadoras de belas tradições, centros de irradiação de valores cristãos e celeiros de nutridas vocações.

4. Por fim, saúdo a todo o povo de Porto Alegre e do Estado do Rio Grande do Sul. Viveis aqui a harmonia do encontro de tantas raças, fundidas em autêntica brasilidade. Sois uma lição viva de que é possível ao homem viver em fraternidade com o seu semelhante.

Desta Arquidiocese que nasceu com o título e sob o patrocínio do Apóstolo São Pedro, o sucessor do mesmo Pedro cumprimenta a todos e para todos invoca as bênçãos de Deus, mas sobretudo, para os anciãos, os enfermos, os que sofrem no corpo ou na alma, para as criancinhas... A todos o Papa abraça com sincero afeto. Por todos o Papa reza, a todos os Papa abençoa.

Que a Virgem Maria, “Madre de Deus” – como a invocais com amor em vossa Catedral – vos ajude e vos conduza a seu Filho amado.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO ENCONTRO ECUMÉNICO


EM PORTO ALEGRE


Porto Alegre, 4 de Julho de 1980



Caríssimos irmãos no Senhor,

“Oh! como é bom e agradável estarem os irmãos reunidos”. (Ps 133,1)

1. É este sentimento que me domina a alma ao compartilhar com os senhores, representantes de muitas comunidades evangélicas no Brasil, este momento espiritual de oração e de encontro no Senhor. É Ele, com efeito, quem nos une com sua graça, e quem, por seu Santo Espírito, nos dá, a uns e outros, a força para proclamarmos diante do mundo e “publicamente, a Jesus Cristo como Deus e Senhor e único Mediador entre Deus e os homens, para glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo” (Unitatis Redintegratio UR 20).

Se muitas coisas ainda nos separam, no plano da fé e do agir cristão, isso, longe de deixar-nos indiferentes ou, ainda pior, de fechar-nos em nós mesmos, deverá levar-nos, e de fato já nos leva, a procurar mais intensa e mais fielmente a união plena, através de conversações e encontros, através do diálogo sincero e leal, através do testemunho comum dado em favor de Senhor de todos e, sobretudo, através da oração constante. A Semana da Unidade, que de há alguns anos se tornou usual em nossas Igrejas, é um momento inclusive de compartilhar esta oração. Não foi em vão que disse o Senhor: “Onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles (Mt 18,20).

2. Sabemos que, em muitos cristãos do Brasil, existe também esta consciência dos elementos de união já existentes e esta vontade ardente de chegar à união que ainda esperamos. Graças a isso foi possível estabelecer aqui, entre algumas Igrejas e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, um projeto criando um Conselho Nacional das Igrejas com a finalidade de manter um quadro estável para o diálogo e a colaboração, para com o intuito de um incessante trabalho à procura da união entre os cristãos.

Congratulo-me por esta realização, que pode ser prelúdio de outras iniciativas na mesma direção.

Podem, assim, os cristãos dar, juntos, um renovado testemunho de sua fé no Senhor e de sua comum esperança, enquanto se esforçam também em comum, segundo a vocação específica dos discípulos de Cristo, para que as exigências dessa mesma fé, fonte de caridade e de justiça, se traduzam na vida concreta, particular e pública, de vossa nação.

Não posso, por isso, deixar de mencionar aqui o que se fez, no âmbito de colaboração entre cristãos, em favor dos direitos humanos e de sua plena vigência. E, ao dizer isto, refiro-me não só a certas e importantes iniciativas no plano da apresentação e fundamentação evangélica de tais direitos, mas também ao trabalho cotidiano, em tantos lugares e circunstâncias tão diversas, pela defesa e promoção de homens e mulheres, especialmente dos mais pobres e esquecidos, que a sociedade atual tende frequentemente a abandonar a si próprios e a marginalizar, como se não existissem ou como se sua existência não contasse. “O caminho da Igreja é, na verdade, o homem”, como pretendi explicar em minha primeira Encíclica “Redemptor Hominis” (n. RH 14). Desta forma, põem-se também em prática diversas orientações fundamentais do Documento de Puebla, recolhidas no capítulo sobre o diálogo e em outros textos.

3. Não desejo concluir este encontro fraterno sem recordar que, há poucos dias, celebram-se os quatrocentos e cinquenta anos da publicação da assim chamada Confissão de Ausburgo. Conheço bem a importância deste texto para muitas comunidades eclesiais, nascidas da Reforma, e são para mim motivo de sincera satisfação o interesse e a ressonância que esta celebração encontrou na Igreja Católica. O Senhor faça que isto contribua ainda mais para aclarar os caminhos para a união, de que falávamos no começo.

Caríssimos irmãos, nossa responsabilidade como cristãos é muito grande, diante de nosso comum Senhor, diante dos homens concretos, com os quais temos que tratar, e diante de nós mesmos.

Não a podemos ignorar nem, menos ainda, ser-lhe infiéis. Peçamos juntos a Nosso Senhor a graça de sermos, também nós, “testemunhas fiéis e verdadeiras” (Ap 1,5 Ap 3,14), para que o possamos ser plenamente, um dia, na união perfeita, à imagem da Trindade divina (cf. Jn 17,22-23) e para sua glória.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS ASPIRANTES AO SACERDÓCIO


E SEUS FORMADORES


Porto Alegre, 5 de Julho de 1980



Caríssimos Filhos,

1. Não vos surpreendereis certamente se vos revelo que este encontro era um dos mais desejados entre tantos que a Providência me concede ter nesta grande Nação. De fato é um conforto poder encontrar-me com vocês, jovens, dispostos a seguir Jesus Cristo, que chama para o dom total de si no testemunho de amor a Ele e de serviço aos irmãos; convosco, sacerdotes e religiosos, que tendes a responsabilidade da formação daqueles que se preparam para o Sacerdócio, para a vida religiosa ou para um compromisso direto na atividade apostólica. De vós depende em boa medida o futuro da Igreja no Brasil.

“Graça e paz a vós da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo” (2Th 1,2).

Muito obrigado pelo entusiasmo e cordialidade com que me destes as boas-vindas e que me sensibilizam. mais uma manifestação da tradicional hospitalidade brasileira que tenho experimentado ao longo destes dias.

Em cada momento desta minha peregrinação pastoral pela vossa terra, com o coração voltado para Fortaleza e sintonizado com o povo de Deus no Brasil, eu me interrogo: para onde vais? E a boca fala da abundância do que vai no coração. Em todas as etapas da minha romaria para o Congresso Eucarístico Nacional, a pergunta foi e é atual: atual ao encontrar-me com as famílias e os sacerdotes no Rio de Janeiro, atual ao encontrar-me com religiosos e religiosas em São Paulo e atual ao encontrar-me com o mundo do trabalho, com os operários, em São Paulo. Aqui, porém, neste encontro convosco, ela me parece de particular atualidade. Efetivamente, de vós depende, em boa medida, o futuro da Igreja nesta grande, bela e promissora Nação brasileira. Nela o povo de Deus peregrino e os homens em geral se sentem interpelados e desejam alguém que lhes indique as metas e o caminho para responder com acerto à pergunta: para onde vais?

E vós, não sois ou quereis ser esse alguém?

2. É para vocês minha primeira mensagem, caríssimos jovens, que guardam no coração como poderoso impulso o segredo do chamamento particular que Cristo lhes dirige. Tenham sempre consciência da predileção que esta iniciativa do Mestre divino significa: toda vocação faz parte de um desígnio divino muito amplo, em que cada um dos chamados tem grande importância. O próprio Cristo, Verbo de Deus, o “Chamado” por excelência, “não se arrogou por Si a honra de se tornar sumo sacerdote, mas recebeu-a d’Aquele que lhe disse: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei" (Ps 2,7); e em outra passagem, igualmente diz: "Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec (Ps 110,4)". (He 5,5)”

A vocação é, pois, um mistério que o homem acolhe e vive no mais íntimo do seu ser. Dom e graça, ela depende da soberana liberdade do poder divino e, na sua realidade plena, foge à nossa compreensão. Não temos explicações a exigir ao Doador de todos os bens – “por que me fizestes assim?” (cf. Rm 9,20) – pois Aquele que chama é também “Aquele que é”(cf. Ex 3,14).

De resto, a vocação de cada um se funde até certo ponto, com o seu próprio ser: pode-se dizer que vocação e pessoa tornam-se uma coisa só. Isto significa que na iniciativa criadora de Deus entra um particular ato de amor para com os chamados, não apenas à Salvação, mas ao ministério da Salvação. Por isso, desde a eternidade, desde quando começamos a existir nos desígnios do Criador e Ele nos quis criaturas, também nos quis chamados, predispondo em nós os dons e as condições para a resposta pessoal, consciente e oportuna ao apelo de Cristo ou da Igreja. Deus que nos ama, que é Amor, é também “Aquele que chama” (cf. Rm 9,11).

Por isso, diante de uma vocação adoramos o mistério, respondemos com amor à iniciativa de amor, dizemos sim ao apelo.

3. No entanto, vocês sabem bem que na origem de toda vocação está sempre Jesus Cristo, suprema encarnação do Amor de Deus; no amor de Cristo, a vocação encontra o seu porquê. Ele mesmo o explicou: “Não fostes vós que me escolhestes a Mim; fui Eu que vos escolhi e vos constitui, para irdes e produzirdes frutos...” (Jn 15,16). Deixem-me repetir como dito só para vocês o que escrevi há pouco: “Eu, o Papa, sou o humilde e apaixonado servidor daquele mesmo amor pelo qual era movido Cristo, quando chamava os discípulos para o Seu seguimento” (João Paulo II II, Discurso sobre o Dia de Reflexão sobre as Vocações, 4, 19 de abril de 1980).

No fundo quem nos chama é o Pai (Jn 15,1), o agricultor e nos atrai Aquele que Ele enviou. Seu chamado (cf. Jn 6,44). prolonga em nós a obra de amor começada na criação. Mas é sempre Cristo – diretamente ou pelo seu “sacramento universal da Salvação” que é a Igreja – quem torna perceptível o chamamento divino para um trabalho que é colaboração pessoal com Ele. Assim Ele fez com os primeiros Apóstolos: “Chamou a Si os que Ele quis e eles foram-se para junto d’Ele” (Mc 3,13 cf. Mc 6,7).

A resposta depende da generosidade do coração de quem é chamado, pois Aquele que chama deixa sempre a liberdade de opção: “Se queres...”(cf. Mt 19,21). Neste encontro com vocês, agradecido, levanto o espírito ao Deus que sempre nos ama e dá conforto e esperança (cf. 2Th 2,16) e imploro que “a caridade de vocês cresça mais e mais, no conhecimento perfeito e em toda a percepção, para poderem discernir o que é melhor” (Ph 1,7-8). Não se deixem perturbar, como o jovem do Evangelho. Vale a pena trocar “muitos bens” por “um tesouro no céu”.

Nesta altura não posso deixar de fazer-lhes a cada um em particular o insistente convite que costumo fazer em idênticas circunstâncias a outros jovens possuídos pelo mesmo ideal: ponham-se à escuta do Senhor, o grande Amigo. Ele quer fitá-los nos olhos e falar-lhes ao coração, na intimidade da oração pessoal (cf. Ap 3,20), da oração comunitária (cf. Mt 18,20) ee da Liturgia, pois Ele “está sempre presente na sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas” (Sacrosanctum Concilium SC 7). Podem estar certos de que Ele os iluminará e ajudará a descobrir e a amar o sentido e o valor da vocação. E quem sabe se hoje, neste encontro “em seu nome”, Ele não quer dizer a vocês alguns dos seus segredos? Se assim for, “não endureçam os seus corações”(cf. He 3,8). Somente na disponibilidade à voz de Deus poderão encontrar a alegria de uma total auto-realização.

4. Ao lado de vocês, como ministros de Cristo e intérpretes das suas inspirações interiores, estão aqueles a quem a Igreja confiou a delicada tarefa da sua formação. Ao dirigir o meu pensamento para eles, é-me grato evocar, antes de mais nada, a longa tradição no empenho pela formação sacerdotal em terras brasileiras, com alguns marcos de todos conhecidos: remonta às incipientes experiências nos Colégios da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, passando pelo período que já se designou por “Era dos Conventos” e pelos alternados momentos de provação e florescimento, até se chegar à primitiva organização eclesiástica. No século dezoito, aparecem os Seminários propriamente ditos, tendo deixado um nome que ecoa na história do Brasil, entre outros, os de Mariana, Olinda e o Caraça.

Neste ponto, como não reconhecer os méritos e manifestar apreço pelo importante papel desempenhado pelas Ordens e Congregações Religiosas?

Depois, já com Seminários do tipo preconizado pelo Concílio de Trento instaurados em muitas partes do imenso território, continuou a processar-se a formação de sucessivas levas de Sacerdotes. Um bom número deles, neste último século, foi aperfeiçoar os estudos e a formação em Roma, primeiro no Colégio Pio Latino-Americano e, num segundo tempo, no Colégio Pio-Brasileiro, ou então nas Casas romanas dos institutos religiosos, valiosos meios para manter os tradicionais vínculos entre o Brasil católico e a Cátedra de São Pedro, na comunhão da Igreja universal.

5. Perante estas gloriosas tradições do passado, impõe-se ao coração do Papa sempre preocupado pela “sollicitudo omnium ecclesiarum” (2Co 11,28): uma pergunta: na hora atual, decisiva para o seu destino e para o mundo, terá o Brasil Seminários, Casas religiosas ou outras Instituições eclesiásticas, terá sobretudo os reitores e mestres capazes de prepararem sacerdotes e religiosos à altura dos problemas postos por uma população em contínuo aumento e com exigências pastorais cada vez mais vastas e complexas?

A pergunta toca um ponto fundamental da vida eclesial. Detenho-me por alguns instantes a falar deste assunto a vós que tendes, por títulos diversos, a responsabilidade dos Seminários e das Casas de formação. A experiência secular e a ponderada reflexão da Igreja demonstram a absoluta necessidade destas estruturas de formação para a preparação dos sacerdotes e dos religiosos. O Concílio Vaticano II confirmou que o caminho seguido pela Igreja através dos séculos é o caminho certo e que, por isso, não pode ser abandonado.

A formação de um sacerdote e de um religioso não pode ser abandonada à improvisação. a graça de Deus que inspira a vocação e é a graça de Deus que gera o sacerdote e o religioso. Mas esta graça é concedida na Igreja e para a Igreja: compete portanto à Igreja examinar e comprovar a autenticidade de um apelo e acompanhar a sua maturação até à meta das Ordens e dos Votos sagrados. Ora, para a Igreja, em base à sua tradição e experiência, tudo isto não pode ser plenamente realizado sem uma Instituição chamada com nome altamente significativo de Seminário, e outras análogas Instituições para a formação religiosa.

6. O Seminário e as outras Instituições educativas precisam certamente de atualização. A Igreja sabe disto e esta é a sua contínua preocupação. Ela não ignora que a realidade muda segundo tempos e lugares. Ela reflete sobre a realidade e segue a realidade que traz em si os sinais da Providência divina. Por isso ela propõe normas precisas e assim procura ajudar os responsáveis da formação sacerdotal e religiosa no seu árduo trabalho, que para ser eficaz, deve ser sempre desenvolvido na Igreja, com a Igreja e para a Igreja.

Por esta razão, os meus venerados Predecessores preocuparam-se, com admirável solicitude, em enfrentar os temas da formação sacerdotal e religiosa, como era exigida pelas necessidades pastorais modernas. Pela mesma razão, a Santa Sé não tem deixado de evocar, comentar e explicitar as exigências apontadas pelo Concílio, mediante uma série de documentos, nos quais os responsáveis da formação sacerdotal e religiosa devem ver um renovado testemunho de confiança, de compreensão e de amor.

7. Enquanto vos falo, tenho em mente as dificuldades que perturbam o mundo moderno e se repercutem na vida da Igreja. Dificilmente seriam poupados os Seminários e outras Instituições de formação eclesiástica. A própria proposta da vida sacerdotal e religiosa encontrou obstáculos, não poucas vezes, naqueles mesmos que deviam anunciá-la corajosamente ou podiam acolhê-la generosamente.

Fossem as dificuldades ainda maiores do que as que conhecemos, o nosso sagrado dever continua a ser o de evangelizar o Povo de Deus sobre a grandeza divina do Sacerdócio ministerial e sobre o altíssimo ideal da vida consagrada. Por este motivo, caríssimos sacerdotes e religiosos, convido-vos a meditar de novo a Constituição “Lumen Gentium” e os Decretos “Presbyterorum Ordinis” e “Perfectae Caritatis” do Concílio Vaticano II. Convido-vos de modo particular a reler a Carta que escrevi a todos os sacerdotes da Igreja na Quinta-Feira Santa de 1979, para reafirmar a sagrada doutrina da Igreja sobre o sacerdócio ministerial, que é participação do sacerdócio de Cristo, mediante a Ordem sagrada, e dom de Cristo à Sua e nossa comunidade (cf. João Paulo II, Carta aos Sacerdotes na Quinta-feira Santa, 3 e 4, 8 de abril de 1979).

Se nos mostramos intimamente convencidos desta verdade, se a comunicamos integralmente ao Povo de Deus, se dela damos testemunho com a nossa vida, então já as dificuldades dos nossos tempos não nos causarão medo.

8. Reafirmados estes princípios fundamentais que nascem da fé, permiti-me uma alusão a alguns aspectos práticos, que merecem prudente consideração para o bem da Igreja e da vida sacerdotal religiosa.

A Igreja deseja que se procurem os meios e os métodos mais adequados à formação do sacerdote e do religioso de hoje. As diretrizes emanadas do Concílio e, depois, da Santa Sé, orientam-se todas neste sentido. O Concílio sugeriu com muita razão dividir as comunidades seminarísticas muito numerosas. Dispôs as coisas para que os aspirantes ao sacerdócio possam manter contactos com a comunidade e prestar ajuda à atividade pastoral nos lugares onde se realiza a sua formação. Não se pode duvidar do valor pedagógico destas orientações.

Contudo, passado um período mais do que suficiente de experiência, temos todos o dever de reexaminar algumas iniciativas, tomadas certamente com boas intenções, mas que podem deformar as orientações do Concílio e levar a resultados enganosos e prejudiciais. Que é que se deve já corrigir ou completar, por exemplo, nas várias fórmulas, nem sempre felizes, come que se pretende substituir os Seminários, especialmente nas chamada “pequenas comunidades”? Quais são os eventuais resultados positivos e quais as deficiências de uma formação de futuros sacerdotes exclusivamente no âmbito das comunidades em que deverão depois realizar o seu ministério?

Como evitar que se reduza ao mínimo o programa dos estudos e do “curriculum” seminarístico, com evidente dano da específica formação intelectual e espiritual que compete ao novo ministro de Deus? É preciso, sobretudo da parte dos Bispos lucidez e coragem para orientar claramente todos os pontos concernentes à formação dos novos ministros, particularmente dos Presbíteros.

Podemos alegrar-nos por observar que as normas previdentes do Concílio Vaticano II voltam a ser tomadas na devida consideração, assumidas, postas em prática, enquanto são redimensionadas, relativizadas e, quando é o caso, abandonadas experiências que ou não deram fruto, ou se revelaram negativas.

9. Mas sobretudo importa-me realçar que neste trabalho continua a ser fundamental a ação dos sacerdotes e religiosos, sejam eles superiores, professores, ou Mestres de noviços. A vossa missão é maravilhosa, mas difícil. Os Pastores das Dioceses e os responsáveis pela Vida Religiosa terão refletido e rezado antes de vos escolherem e vos confiarem um dos ministérios mais delicados que existem na Igreja: formar os futuros formadores do Povo de Deus!

Assumida esta missão, deveis sentir-vos responsáveis pela vossa preparação pessoal. O Concílio insistiu neste ponto (cf. Optatam Totius OT 5). O Primeiro Sínodo dos Bispos deu orientações precisas. Os vossos Bispos e Superiores religiosos vos ajudarão, mas o vosso continuo aperfeiçoamento espiritual, intelectual e pastoral depende de vós, da consciência do vosso dever.

A vossa preparação intelectual deve beber na fonte pura que é Cristo, Mestre dos mestres, Pastor das nossas almas, Modelo supremo de todo o educador e de toda a educação. A vossa preparação intelectual deve estar sempre em dia, em plena fidelidade ao Magistério e à Tradição viva da Igreja, em humilde e afetuoso acolhimento da Palavra de Deus que supera toda sabedoria humana. A vossa atualização pastoral só terá a lucrar com a vossa inserção no Presbitério diocesano: a experiência deste vos enriquece e vós o enriquecereis com a vossa experiência.

Com esta preparação completa, a vossa missão será desempenhada com fadiga mas também com alegria, sob a bênção de Deus que não deixa sem auxílio a quem Lhe oferece a sua colaboração incondicionada. Assim preparados, encontrareis a luz e a força para exercer uma ação de autêntica pedagogia evangélica.

Guiareis os aspirantes a vós confiados para que conquistem o primado do espiritual, aquele primado que os sustentará depois nas fadigas do ministério apostólico e na fidelidade aos compromissos tomados perante a Igreja. Guiá-los-eis para que descubram com clareza a sua vocação, para que fortifiquem o próprio caráter e aceitem o sacrifício de uma vida totalmente consagrada a Deus e à Igreja. Guiá-los-eis na formação de uma cultura sólida, sadia e aberta, como hoje se requer de quem há de ser por sua vez mestre do Povo de Deus. Guiá-los-eis na aquisição da ciência e sabedoria pastoral, que é proclamação da Palavra de Deus, celebração dos mistérios divinos, cuidado espiritual da comunidade e das almas em particular. Numa palavra: os vossos discípulos irão haurir à vossa riqueza, como vós ides haurir à riqueza inesgotável do coração de Cristo.

10. Esta é, Filhos caríssimos, a exortação que me sai do fundo da alma, esta a indicação que desejo confiar a cada um de vós: ponde generosamente à disposição de Cristo a vossa mente, o vosso coração e as vossas energias. Digo-o a vós, superiores e educadores, que na dedicação quotidiana ao vosso cargo delicado sois chamados a ser sinal e instrumento do serviço de Cristo que edifica o seu Corpo. Digo-o a vocês, que responderam ao chamamento e aceitaram pôr-se a caminho seguindo as pegadas de Cristo, para serem amanhã testemunhas do Seu amor entre os seus irmãos.

Mas o meu pensamento e a minha exortação dirigem-se também às famílias cristãs, que o Concílio Vaticano II indicou como “primeiro seminário” da vocação (cf. Optatam Totius OT 2): compete a vós criar no próprio seio aquele clima de fé, de caridade e de oração, que oriente os filhos para se confrontarem, numa atitude de generosa disponibilidade, com a iniciativa de Deus e com o seu plano sobre o mundo.

Ao lado da família tem papel importante a escola, em que os professores, especialmente católicos, devem sentir a obrigação não só de enriquecer a mente dos alunos com os dados da cultura, mas também tornar-lhes o animo sensível ao apelo dos valores éticos e à fascinação entusiasmante dos grandes ideais.

Uma palavra especial para a Paróquia, que a este respeito tem um contributo sempre determinante. Nela, de fato, os jovens vivem a sua experiência cristã, nela ouvem a proclamação da Palavra de Deus e participam da celebração dos sinais da salvação, e nela se encontram ainda com o testemunho das diversas vocações e dos diversos ministérios. É evidente, por isso, a importância que revestem as associações, os grupos e os movimentos eclesiais, para não falar da pessoa dos sacerdotes colocados à frente do cuidado pastoral da Comunidade, como normal instrumento do chamamento de Deus a um serviço mais generoso para a vinda do Reino. Exorto, portanto, cada um dos elementos da Comunidade cristã a tomar em conta as próprias responsabilidades neste setor essencial da vida da Igreja.

Cristo tem necessidade da contribuição de todos para fazer chegar a outros corações a palavra que “nem todos podem compreender”(cf. Mt 19,11), isto é, a palavra do convite à doação sem reservas à causa do Reino.

Ao renovar a cada um o testemunho da minha gratidão, da minha confiança e do meu afeto, confio à Virgem Santíssima Aparecida as vossas intenções e os vossos propósitos. A Ela peço, em particular, que tome sob a sua maternal proteção, a vocês jovens, neste período decisivo da sua vida e os conduza, com mão segura, ao encontro com Cristo: com Aquele que os ama, que os chama, que espera e que será a alegria de vocês, hoje e sempre.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM A COMUNIDADE


DA POLÓNIA E DE OUTROS PAÍSES


Curitiba, 5 de Julho de 1980



Caríssimos irmãos e irmãs!
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

1. Quisera que a minha saudação cristã, perante esta simpática assembleia, ressonasse com uma intensidade de amor semelhante à da palavra de São Pedro, de quem sou humilde sucessor, certa vez em Jerusalém. Diante de numerosos ouvintes, “provenientes de todas as nações que há debaixo do céu” (Cf. Ac 2,5), em seu primeiro discurso, São Pedro proclamava que Jesus é o Senhor, o Messias; e todos, por milagre, o entendiam “na própria língua” do país de origem.

Desejaria, pois, que cada um dos presentes pudesse captar, não já prodigiosamente na língua do país de origem mas com toda a própria capacidade de entender, o significado da aclamação e o afeto que a acompanha como saudação. Sim, também eu quero proclamar o Senhor Jesus Cristo, saudando-vos cordialmente, a todos e a cada um pessoalmente, brasileiros de nascimento ou brasileiros de adoção. E, em vós, saúdo todos os diversos grupos étnicos, espalhados e harmoniosamente integrados neste querido Brasil, imenso e belo.

2. Por Jesus Cristo, Senhor nosso, quereria convosco e por vós dar graças a Deus: pela alegria deste encontro, pelo que sois e pelo que representais; depois, reafirmar grato apreço.

Efetivamente, vós, como aqueles que ouviam São Pedro outrora, em Jerusalém, também provindes de várias nações; e, com lembrança mais ou menos viva da pátria distante e com peculiares características atávicas, aqui representais a ecumenicidade, hospitalidade e cordialidade deste País que vos acolheu e onde formais um só Povo brasileiro. Graças a Deus!

E agora, neste encontro de família – a família brasileira, a família humana e a família dos filhos de Deus – vós representais bem a universalidade da Igreja. E o Papa, aqui convosco, como sucessor de São Pedro “visível fundamento da unidade de todos os fiéis” da mesma Igreja, alegra-se pela vossa profissão de unidade. E desejaria deixar-vos uma recordação, a perpetuar a amizade deste encontro: uma recordação que leveis sempre convosco, que leveis no coração e que esteja bem presente em toda a vossa vida. E qual?

3. Esta simples mensagem: Jesus Cristo, nosso irmão em humanidade, é o Senhor. Prometeis trazer sempre convosco esta lembrança? Certamente. E por isso vos manifesto a minha grata satisfação.

Sim, irmãos e irmãs, Jesus Cristo é o Senhor: Ele é a única orientação do espírito, a única direção da inteligência, da vontade e do coração para todos nós; Ele é o Redentor do Homem; Ele é o Redentor do mundo; n’Ele está a nossa salvação e “não há salvação em nenhum outro” fora d’Ele (Cfr. Ac 4,12).

Ele nos ensinou, com o exemplo e com palavras que o caminho da salvação é o amor: primeiro e sobre todas as coisas, o amor de Deus; e porque Deus cuida paternalmente de todos e quis que os homens constituíssem uma só família e se tratassem como bons irmãos, temos que nos amar uns aos outros, como Jesus Cristo nos amou e nos ensinou. Ele é o Senhor!

Que a comunidade humana e cristã que constituís, em exemplar bom entendimento e comunhão de brasilidade, seja sempre mais iluminada pelo amor de Deus e do próximo e continue a prosperar, com as bênçãos divinas!

4. E agora, a vós irmãos e irmãs de origem portuguesa, que aqui tendes segunda pátria, quero dizer particularmente:

Estou certo de que, com o vosso trabalho, como imigrantes aqui pusestes ao serviço desta comunidade nacional as vossas nobres tradições e qualidades humanas e cristãs. Conservai como principal tesouro dessas tradições a fé cristã de vossos maiores. E que o vosso sentido dos deveres para com Deus e a vossa arraigada devoção a Nossa Senhora continuem a ser força de vida religiosa pessoal e luz para o vosso testemunho de cristãos!

E com estes votos de perseverante fidelidade a Cristo e à Igreja, pelos aqui presentes exprimo minha estima e desejo aos imigrantes portugueses no Brasil as melhores felicidades e os abençoo de coração.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO CLERO DA DIOCESE DE SALVADOR DA BAHIA


Salvador, 6 de Julho de 1980



Senhor Cardeal Arcebispo,
Senhor Arcebispo Coadjutor Dom João de Souza Lima,
Senhor Bispo Auxiliar Dom Tomás Murphy,
Meus irmãos no Episcopado e no Sacerdócio ministerial,
Religiosos e Religiosas,

Discursos João Paulo II 1980 - Porto Alegre, 4 de Julho de 1980