Discursos João Paulo II 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMUNIDADE NOMADÉLFIA


E AOS JOVENS DA OBRA «GIORGIO LA PIRA»


Castel Gandolfo, 12 de Agosto de 1980



Caríssimos filhos, irmãos e amigos

Como conclusão desta tarde tão bela, desejo exprimir-vos o meu mais cordial agradecimento.

Tanto desejastes este encontro particular com o Papa! Mas também eu estou muito contente por vos ter tido todos aqui comigo, ter-vos visto, conhecido e ouvido, e poder pensar em vós como em caros amigos.

Agradeço, primeiro que tudo, aos que pertencem à Obra para a juventude "Giorgio La Pira" de Florença, que se empenham de modo especial na formação cristã dos Jovens das Dioceses da Toscana, com um intento particularmente ecuménico e com as típicas experiências de "comunidades" mediante os Campos-escolas do verão. Sei que, em Novembro do ano passado, o vosso amado Arcebispo guiou um numeroso grupo do vosso Organismo a Londres, para um encontro com os jovens da Igreja Anglicana. Exprimo-vos tanto toda a minha complacência pelas vossas actividades de formação cultural e de interesse pelo bem das Dioceses e das Paróquias.

Agradeço, depois, a Don Zeno e à sua Comunidade de Nomadélfia. Quem não conhece Don Zeno e os seus variados altos e baixos para fundar "Nomadélfia" e tentar uma experiência de vida humana e cristã, onde a lei seja só e totalmente a fraternidade e o amor? Isto sabemos de certo: que desde que foi iniciada essa experiência, 4000 rapazes abandonados encontraram uma família.

E obrigado pelo espectáculo que representastes também diante do Papa, depois de alegrardes tantas cidades e comunidades. A vossa alegria, o vosso entusiasmo sincero e apaixonado, são-me de grande conforto.

E agora, antes de vos deixar, que vos posso dizer senão: "perseverai"! Sim, meus caros, perseverai com alegria e com fervor em cumprir a vontade de Deus. Fala-se nestes dias de um regresso à religiosidade, de uma saudade de valores autênticos e eternos, de uma necessidade de certezas verdadeiras e seguras que dêem sentido à vida e significado às próprias escolhas. Esta é certamente uma realidade muito bela e consoladora, que deve levar à aceitação definitiva da vontade de Deus como única e verdadeira salvação do homem.

Pois bem, demonstrai vós, concreta e praticamente com a vossa vida, o que deseja Deus do homem:

— Deus quer certamente o conhecimento de Cristo, que encarnou e se inseriu na nossa história como homem: "A vida eterna consiste nisto — dizia Jesus: Que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste" (Jn 17,3). E São João escrevia: "Deus enviou o Seu Filho unigénito ao mundo para termos a vida por Ele...

E vimos e testificamos que o Pai enviou o Seu Filho como Salvador do mundo. Todo aquele que confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus está nele e ele em Deus" (1Jn 4,9 1Jn 14-15). Mas onde encontrar hoje o Cristo autêntico, a Sua palavra segura, os Seus meios de graça e de salvação? Por divino mandato só os Apóstolos podem garantir a fé segura em Jesus, e portanto os seus sucessores, isto é, a Igreja. Continuai por isso a conhecer cada vez mais e melhor a Jesus, na fidelidade doutrinal e disciplinar da ,Igreja, que deseja unicamente o bem e a salvação da humanidade.

— Deus quer certamente a caridade; é o "mandamento novo" deixado por Jesus aos seus seguidores: "Amai-vos como Eu vos amei" (Jn 13,34). Perseverai portanto na caridade. E mandamento novo, que nos leva continuamente a amarmos os outros como Jesus nos amou. Para a frente, então, com coragem e convicção. Há imensíssima gente para ajudarmos, acolhermos e consolar-mos. A preocupação do cristão deve ser a caridade: seremos julgados pela caridade exercitada para com o próximo. A funesta cizânia da violência, do ódio, da crueldade e do egoísmo deve ser vencida pelo bom grão do nosso amor.

Caríssimos

Enquanto nos preparamos para a grande solenidade da Assunção de Maria Santíssima ao Céu, confio a Ela os vossos propósitos de perseverança. Maria, que é a nossa Mãe, aponta-nos a meta do céu para o qual tendemos, dia após dia. Pedi-lhe com ardente devoção: o seu terno amor tem o poder maravilhoso de transformar os mistérios dolorosos, que às vezes entristecem a nossa vida, em mistérios gozosos transfigurados pelo amor. A todos concedo agora a minha afectuosa e propiciadora Bênção.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


À ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO


DAS NAÇÕES UNIDAS DEDICADA


À NOVA ESTRATÉGIA DO DESENVOLVIMENTO




A Sua Excelência
o Senhor Salim Ahmed Salim
Presidente da Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas

1. A importância desta Sessão Especial e do assunto do seu trabalho leva-me a submeter a essa distinta Assembleia alguns pensamentos e reflexões sobre um tema que tem sido empenho constante da Santa Sé, especialmente durante as últimas duas décadas. A Santa Sé pretende, além disso; com esta mensagem manifestar o seu continuado interesse neste campo. O trabalho preparatório para esta Sessão tem sido longo e complicado. Absorveu as energias e os recursos dos principais órgãos da Organização das Nações Unidas e tem sido o ponto de convergência de muito trabalho e de grandes expectativas por parte dos povos do mundo. A Santa Sé seguiu todo este trabalho de perto e com sincero desejo de prestar serviço.

Quaisquer que tenham sido os préstimos ou as deficiências dos esforços passados, esta Sessão Especial deveria ser vista como nova oportunidade de empreender uma caminhada que beneficiará todos os povos e todas as nações. Ela tem direito a ser nova oportunidade por causa do trabalho que foi realizado, mas ainda mais por causa das necessidades e das justas aspirações de muitos povos que legitimamente continuam a aspirar por um futuro melhor e mais humano para si e para os seus filhos.

2. Para constituir nova oportunidade, esta Sessão da Organização das Nações Unidas não deve ficar mergulhada no passado. Deveria antes ser ocasião para cada um tirar lições do passado e dar novos passos avante, tendo consciência daquilo que pode ter impedido o progresso no passado, de maneira que se possam evitar malogros no futuro. Este trabalho não pode deixar-se embargar por antigas concentrações de interesses. Deve ultrapassá-las. Não pode ficar detido por ideologias ultrapassadas; deve, pelo contrário, libertar-se delas. Se os participantes nesta reunião estiverem unânimes no desejo de considerar de novo os problemas comuns, então já estará criada a atmosfera para fazer desta uma das mais profícuas Sessões que o sistema das Nações Unidas tenha visto.

3. Nestas discussões tem a Igreja Católica o seu papel próprio para desempenhar. Não procura falar de questões meramente económicas ou tecnológicas. Não tenta dar soluções concretas a realidades complexas, que não entram nas suas responsabilidades próprias. O que não significa desconhecer a Igreja as complexidades dos problemas submetidas a esta Assembleia. Nem está mal informada a respeito da substância e do conteúdo das soluções que devem ser examinadas aqui pelos peritos, das várias partes do mundo. Mas a Igreja fala aqui, primeiro que tudo, para dar testemunho do seu parecer sobre tudo o que toca à condição humana. Muitos de vós sabem já que a Santa Sé tomou parte de várias maneiras na maioria do trabalho preparatório para esta Sessão Especial, como também participando no trabalho das várias organizações cujos objectivos figuram em grande número nesta Assembleia.

Quando a Santa Sé deixa com razão os assuntos puramente tecnológicos e económicos àqueles que deles têm a responsabilidade, não deixa de estar presente nestes encontros para juntar a sua voz nas discussões. Fá-lo para oferecer a sua própria visão da pessoa humana e da sociedade. Fá-lo para propor alguns critérios úteis para evitar que valores humanos, valores do espírito, valores de povos e culturas sejam inadvertidamente postos ao serviço de alguns objectivos de interesse puramente económico ou material que, afinal de contas, se revelaria indigno da verdadeira pessoa humana e da sociedade, que todos nós tentamos promover.

4. Como se vai reconhecendo, as considerações de ordem não económica adquirem na actualidade importância crescente na formação das novas estruturas das relações internacionais. A este propósito, os factores religiosos e étnicos, a educação e a opinião pública desempenham parte importante. A própria paz começa a tornar-se uma força que arrasta numerosíssimas partes da comunidade inteira, a paz que é incompatível com as guerras militares ou económicas.

Tal perspectiva mantém-se verdadeiramente diante de nós nesta Sessão Especial. E se eu vos falo da minha herança cristã e se uso um vocabulário que é próprio daqueles dentre nós que seguem o único a quem chamamos o Príncipe da Paz, faço-o na convicção de as palavras que digo poderem ser realmente entendidas pelos homens e pelas mulheres de boa vontade em toda a parte e poderem beneficiar uns e outras.

5. O meu primeiro ponto essencial é um apelo a todos vós aqui presentes, a todos os povos em toda a parte. E apelo a que se ultrapassem quaisquer posições estáticas derivadas de uma ideologia particular. Em cada sistema e em cada elemento fundamental do sistema considere-se o que de facto ele pode oferecer, pergunte-se qual pode ser efectivamente a sua contribução, veja-se como, de facto, ele pode chegar às finalidades reais da vida humana, sem reparar em quaisquer posições que se tentasse impor, artificialmente ou recorrendo a argumentos velhíssimos de preconceitos ideológicos — posições e preconceitos que se arriscariam mais a embaraçar do que ajudar o progresso real e a colaboração fraterna.

Não colide isto com o facto de esta grande Assembleia reunir homens e mulheres de sistemas e ideologias diferentes ou mesmo em oposição. Não podemos todavia permitir que limitações impostas por ideologias ultrapassadas embarguem a nossa concepção do homem — do homem em concreto, de todo o homem, de cada homem (cf. Redemptor Hominis RH 13). Portanto não podemos permitir que estas categorias ideológicas nos encadeiem. Não podemos resignar-nos a ver conflitos fora de moda dominarem-nos a tal ponto que não possamos responder às necessidades reais de todos os povos do mundo.

Em vez de ideológicos becos sem saída, que prevaleceram talvez no passado, gostaria de sugerir um critério que determina uma atitude e um princípio orientador que dominem cada decisão concreta que todos vós, Estados membros desta Assembleia, quereis tomar: trata-se da esperança, esperança sólida e realista, para cada homem, mulher e criança, e para a sociedade em si.

Esta esperança não é desejo. Não é sentimento vago. É qualidade nascida da nossa experiência da história e alimentada pelos nossos comuns desejos quanto ao futuro. Como tal, esta esperança aceita a história como o espaço da sua própria investigação e declara de maneira muito aberta e muito realista que o futuro é uma história para ser feita, para ser feita por nós com o auxílio de Deus Todo-Poderoso. É um futuro que há-de construir-se mediante os eforços de todos para assegurar o bem comum pela cooperação e colaboração mútuas. Esta esperança é, então, o critério orientador que nos diz que, se há uma história para ser feita e se nós somos responsáveis pelo bem comum agora e no futuro, devemos decidir juntos e pôr em prática as modificações que são necessárias agora, de maneira que o futuro, por que nós ansiamos, corresponda à esperança que nós temos em comum quanto a todos os indivíduos, povos e nações da terra.

7. Examinando esta atitude de esperança como nossa perspectiva comum e como princípio orientador nas actividades desta Assembleia, permiti-me realçar alguns pontos que merecem séria advertência nesta Sessão como fora dela. As questões de que desejo falar-vos não são as únicas a terem grande importância. Figuram todavia entre os problemas mais urgentes que foram já discutidos em várias reuniões das Nações Unidas; e pedem a nossa atenção, tanto por motivo do trabalho já a elas dedicado, como por motivo da urgência da geral condição do mundo.

— É absolutamente necessário realizar maior e mais equitativa partilha dos recursos. Isto inclui uma deslocação da ciência e da tecnologia, o que foi assunto da reunião das Nações Unidas em Viena o ano passado. Significa uma tecnologia que seja apropriada às necessidades e aos verdadeiros interesses das nações abrangidas. Mas significa mais ainda do que justa partilha material. Há urgente necessidade de partilha de recursos da inteligência e do espírito, dos conhecimentos científicos e da expressão cultural e artística. Tal partilha não é a sentido único. É mútua e multilateral, e exige que os valores culturais, éticos e religiosos dos povos sejam sempre respeitados pelas partes interessadas na partilha. Exige abertura mútua para aprenderem uns dos outros e partilharem uns com os outros.

Nesta partilha, finalmente, é bom reconhecer e conservar as muitas novas maneiras de cooperação entre povos e nações. Esta partilha não se faz só entre um grupo e outro; também as nações em vias de desenvolvimento estão a aprender a partilhar entre si, e os grupos regionais estão-se a ajudar uns aos outros a encontrar os melhores meios para favorecer os seus interesses mútuos.

— Vós, Estados membros desta Assembleia apenas com majestosas perspectivas ou ideais éticos. Tendes a responsabilidade de negociar juntos em boa fé e dentro do respeito mútuo. As negociações que levais a cabo devem ser quanto possível exaustivas, tomando em conta as vantagens que pode oferecer o entendimento mais completo e de maior alcance em todas as questões que estais discutindo. Este género de realismo esclarecido muito contribuirá para estabelecer as necessárias modificações para o vosso futuro comum, edificado sobre a nossa comum esperança.

— O meu Predecessor Paulo VI propôs às nações desenvolvidas contribuírem com 1 por cento do seu Produto Nacional Bruto (GNP) para a causa do desenvolvimento. Os fundos até agora mobilizados para este projecto parecem verdadeiramente reduzidíssimos. Reconheço que a inflacção é problema mundial que afecta tanto os países industrializados como os que estão em vias de desenvolvimento. Todavia, a Santa Sé deseja repetir o apelo de Paulo VI, considerando que 1 por cento do GNP não é objectivo irrealista. A contribuição desta percentagem muito ajudaria o Fundo Comum concedido pelas negociações do UNCTAD (Conselho do comércio e do desenvolvimento), assim como um possível Fundo Mundial de Desenvolvimento.

— Para iniciativas desta espécie serem eficientes, é necessário pedir renovado esforço a todas as nações, desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, para acabar com todo o desperdício, quer material quer humano.

No plano material, as questões de ambiente confiadas ao UNEP (Programa das Nações Unidas para o ambiente) e a outras entidades merecem renovado estudo e acção. Todo o problema energético deveria ser reexaminado neste contexto, de maneira que as fontes de energia mais efectivas e mais apropriadas fiquem disponíveis sem desperdício desnecessário e sem exploração de materiais.

No plano humano, numerosas conferências das Nações Unidas se interessaram vivamente pela infância, pelas mulheres e pelos diminuídos, por muitas categorias e populações cujos recursos estão sendo explorados mas não utilizados para seu bem e bem da sociedade. Uma vez mais, considerando os diversos aspectos do desenvolvimento humano em função do bem comum, pode reacender-se a esperança no povo, dando-lhe a perspectiva de uma existência mais plena e mais frutuosa.

— Finalmente, eu não seria fiel ao meu cargo se não chamasse a atenção para os pobres e para os que se encontram à margem da sociedade através do mundo. Há países ricos em recursos culturais, espirituais e humanos, mas que figuram entre os mais pobres economicamente e entre os que mais sofrem por causa da situação actual. Conhecemos todos as desconcertastes estatísticas quanto ao horror real que é a fome a afligir tanta gente pelo mundo. Povos que sofrem em várias regiões gritam-nos que lhes demos auxílio agora, de maneira que possam sobreviver.

Nós todos podemos ao menos aplicar-nos a dar nova esperança a estes pobres do universo tomando medidas primeiro para lhes melhorar as condições e em seguida a fim de lhes prover às necessidades básicas, tais como alimentação, água, saúde e alojamento. Aliviar imediatamente os sofrimentos e satisfazer estas carências elementares que ajudarão as pessoas a tornarem-se mais confiantes em si mesmas, indicaria da maneira mais segura estarmos a contribuir para a esperança de que a terra e as suas populações necessitam.

8. Em muitas destas matérias, o que é necessário é a vontade política de ir além dos interesses pessoais imediatos. Tal vontade política levou no passado a grandes realizações como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tal vontade deve ser constantemente guiada por critérios que levantem o humano e o social, o ético e o cultural, o moral e o espiritual, acima do que é unicamente económico e tecnológico.

Tal vontade deve ser desenvolvida não só entre os chefes do mundo mas entre todos os povos em qualquer nível de vida. Muitos pontos há que só podem ser resolvidos a nível mundial, e vós tendes nesta Assembleia essas tarefas diante de vós. Mas muitos problemas podem e devem ser levados a frutuosos resultados a nível continental ou regional ou outro intermédio. A necessidade de soluções globais para muitas questões não deveria cegar-nos quanto às possibilidades de resolver problemas e construir um futuro melhor, sem passar a soluções que abracem todo o conjunto. De facto, aplicando a noção de subsidiariedade, podemos verificar que há muitos grupos e povos que podem resolver os seus próprios problemas melhor a nível local ou intermédio, e que tal acção lhes dá além disso o sentimento de terem participado directamente nos seus próprios destinos. Isto é progresso positivo, que não nos deve a todos deixar insensíveis.

9. Nas minhas visitas pastorais na, Europa, na América do Norte e do Sul e na África, falei muitas vezes e de várias maneiras da necessidade da conversão dos corações. Salientei a necessidade para cada um de nós de se converter, de ver em qualquer outra pessoa um irmão ou uma irmã a quem nos une o laço de uma humanidade comum sob a paternidade de Deus. O meu Predecessor Paulo VI na sua Encíclica Populorum Progressio, documento que ficou como um dos contributos duráveis e válidos para a obra do desenvolvimento, disse: "O desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade... 'O homem deve encontrar o homem, a nação deve encontrar a nação como irmãos e irmãs, como filhos de Deus. Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos começar também a trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade'." (Populorum Progressio PP 43).

Desejaria completar a mensagem que hoje vos dirijo recordando à vossa reflexão estas palavras e esta perspectiva. Gostaria de vos pedir que, ao procurardes modificar as estruturas para que sirvam melhor o bem comum na justiça e na equidade, não esqueçais que a educação e a inspiração dos vossos povos podem ajudar à conversão dos corações. Só por meio da conversão dos corações poderão os irmãos e as irmãs "construir o futuro comum da raça humana", e construir o grande e durável edifício da paz. E para esta paz — cujo novo nome é de facto "desenvolvimento" (cf. Populorum Progressio PP 87) — é que devem tender todos os esforços desta Sessão Especial. Assim seja com a ajuda de Deus.

Do Vaticano, 22 de Agosto de 1980.

JOÃO PAULO PP. II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS RELIGIOSAS DA UNIÃO


DE SANTA CATARINA DE SENA


DAS MISSIONÁRIAS DA ESCOLA


Castel Gandolfo, 25 de Agosto de 1980



Caríssimas Filhas Missionárias da Escola

Juntos celebrámos o Santo Sacrifício da Missa. Recebemos em nós o Verbo de Vida, Jesus Cristo, nosso Salvador, irmão e amigo. E agora, desejais também ouvir a palavra do Papa, para serdes encorajadas e confirmadas na fé e no fervor.

Antes de tudo quero exortar-vos a manterdes sempre em vós uma grande e profunda alegria espiritual. De facto, a vossa característica essencial é o ensino nas escolas; o conteúdo primeiro do ensino, que deve unificar todas as várias matérias de estudo, é a verdade salvífica; o que move a vossa actividade é o "mandato" recebido da Igreja de forma jurídica e pública. Sempre e para todos deve ser fonte de imensa alegria e consolação encontrar-se com as crianças e a juventude para ensinar a verdade, para levar o sentido de Deus, para fazer conhecer a "história da Salvação" em que estamos inseridos, e para revelar às mentes que se abrem para a vida os sublimes ideais cristãos e os eternos destinos para os quais o Altíssimo nos chamou. Mas vós realizais isto como "enviadas" pela Igreja, participando assim da mesma missão do Verbo, que 'sobretudo se encarnou para revelar a Verdade.

Em nome da Igreja, a vossa primeira e essencial raiz parte da missão do Cristo Redentor, que vos manda ensinar e exercitar a "caridade da verdade", tanto que nas vossas Constituções se lê precisamente: "Deve-mos considerar o ensino como um ministério sacerdotal, em que consumamos a nossa entrega a Deus e comunicamos às almas a palavra de verdade, por mandato da Igreja e de Deus" (Art. 186). Por isso, sede sempre alegres com esta vossa missão: a primeira caridade é a da Verdade! "Testemunhas da verdade e do amor" (Paulo VI), caminhai serenas e corajosas; todas as vezes que entrais nas vossas salas de aula, levai a vossa alegria convicta e reconhecedora!

Além disso: levai sempre em vós o sentido de sofrida responsabilidade. Recordai a exclamação de Jesus: "Vim lançar fogo sobre a terra; e que quero Eu senão que ele já se tenha ateado?" (Lc 12,49). Esta é a segunda raiz evangélica da vossa consagração: deveis sentir, de certo modo, a preocupação pela salvação da humanidade! Deveis estar inteiramente esclarecidas sobre a verdade cristã e católica, não cedendo nunca a nenhum falso "juvenilismo" e a nenhuma irenista concessão, bem convictas de que os jovens, a vós confiados, e os seus pais têm confiança em vós e colocam as suas esperanças no vosso seguro testemunho. Recordai também o que diz S. Paulo: "Não tenho de que me gloriar, pois que me é imposta essa obrigação. Ai de mim se não evangelizar" (1Co 9,15).

Enfim, desejo exortar-vos a terdes sempre total confiança na acção da graça divina. Também esta pode dizer-se que é uma raiz evangélica da vossa doação. Com efeito, Jesus insiste em estar n'Ele, permanecer no Seu amor, ser varas enxertadas na Videira, para produzir abundantes frutos; Jesus adverte claramente: "Sem Mim nada podeis fazer" (Jn 15,5) e convida a orar sempre, sem desfalecer (Lc 18,1). Nas várias crises hodiernas das ideias e costumes pode-se às vezes ficar desiludido e derrotado; como que sentir a hora do Getsémani, a hora da Cruz. Mas deve também ser a hora da suprema confiança na "graça", que age de modo invisível, imprevisto e misterioso, precisamente também mediante a inquietação da nossa impotência. Recordemos S. Paulo: "Se Deus é por nós, quem será contra nós? Ele, que não poupou o próprio Filho, mas O entregou por todos nós, como não havia de nos dar também, com Ele, todas as coisas?" (Rm 8,31-32).

Sede, portanto, sempre e sobretudo, almas que rezam, adoram e amam. Santa Catarina numa das suas Orações dizia: "Na vossa natureza, Divindade Eterna, conhecerei a minha natureza". E perguntava a si mesma: "Qual é a minha natureza? É fogo!".

Caríssimas Filhas! A raiz da vossa consagração é sem dúvida profundamente evangélica: trata-se de viver cada dia este particular "radicalismo", nas pegadas e com o exemplo de Santa Catarina de Sena. Sede como ela e com ela devotas de Maria Santíssima "Mãe da Sabedoria"; caminhai com Maria pelos caminhos a vós confiados pela vossa missão; repeti frequentemente a admirável "Oração" a Maria pronunciada pela Santa na Festa da Anunciação de 1379, que assim termina: Recorro a ti, ó Maria, e ofereço-te o meu pedido pela doce Esposa de Cristo, Teu dulcíssimo filho, e pelo seu Vigário na terra...".

Acompanhe-vos sempre, e a todas as vossas co-irmãs, a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


DA CONFEDERAÇÃO MUNDIAL


DOS INSTITUTOS SECULARES


28 de Agosto de 1980



Caros Irmãos e Irmãs no Senhor

1. «A vós, a graça e a paz de Deus nosso Pai e do senhor Jesus Cristo». Estas palavras, familiares ao Apóstolo São Paulo (cf. Rom Rm 1,7 1Co 1,3 Cor 1Co 1,2 etc. ), sobem espontaneamente aos meus lábios para vos dar as boas-vindas e vos expressar o meu reconhecimento pela visita que me fazeis por ocasião do vosso Congresso, que reúne os representantes dos Institutos seculares do mundo inteiro.

Este encontro traz-me alegria profunda. Na verdade, o vosso estado de vida consagrada constitui dom particular do Espírito Santo concedido ao nosso tempo para o ajudar — como disseram os meus irmãos latino-americanos reunidos em Puebla — «a resolver a tensão entre a abertura objectiva aos valores do mundo moderno (estado secular cristão autêntico) e o dom plenário do coração a Deus (espírito de consagração) (cf. Documento final da Assembleia de Puebla, n. 775). Com efeito, vós encontrais-vos por assim dizer no centro do conflito que agita o mundo moderno, por isso podeis oferecer «um contributo pastoral eficaz para o futuro e abrir caminhos novos e de valor universal para o povo de Deus» (ibid.).

Dedico portanto grande interesse ao vosso Congresso e peço ao Senhor vos dê a Sua luz e a Sua graça para que os trabalhos da assembleia vos permitam analisar lucidamente as possibilidades e os riscos que a vossa maneira de viver comporta, tomar em seguida as decisões capazes de assegurar à vossa escolha de vida, de que a Igreja muito espera hoje, os desenvolvimentos oportunos.

2. Escolhendo o tema do vosso Congresso «A evangelização e os Institutos seculares à luz da exortação apostólica Evangelii Nuntiandi», seguistes uma sugestão encerrada numa alocução do meu venerando predecessor, o Papa Paulo VI para quem vai certamente o vosso reconhecimento pela atenção que sempre vos reservou e pela eficácia com que soube fazer que a Igreja acolhesse a consagração na vida secular. Dirigindo-se a 25 de agosto de 1976 aos Responsáveis gerais dos vossos Institutos, notava ele: «Se se mantiverem fiéis à sua própria vocação, os Institutos seculares tornar-se-ão como que 'o laboratório de experiência' em que a Igreja verifica as modalidades concretas das suas relações com o mundo. É por isso que eles devem ouvir, como se fosse dirigido sobretudo a eles, o apelo da Exortação apostólica Evangelii Nuntiandi: 'A sua primeira e imediata tarefa... é pôr em prática as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operacionais nas coisas do mundo. O campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional e dos mass media'».

Nestas palavras, a insistência na realidade eclesial dos Institutos seculares no seu ser e no seu agir não deve ter passado despercebida a ninguém. Ela é aliás também desenvolvida noutros discursos. Há nisto um elemento que desejo encarecer. Com efeito, como não dar conta de quanto é importante que a vossa experiência de vida, caracterizada e unificada pela consagração, pelo apostolado e pela vida secular, decorra, através sem dúvida de um são pluralismo, numa comunhão autêntica com os Pastores da Igreja e participando na missão evangelizadora de todo o povo de Deus?

Isto não prejudica, aliás, o que distingue essencialmente o modo de consagração a Cristo que vos é próprio. O meu predecessor indicava-o claramente na alocução que já citei, e recordava nessa altura uma distinção de grande importância metodológica: «Isto não significa, evidentemente, — dizia — que os Institutos seculares, como tais, devam ocupar-se destas tarefas. Tal dever cabe, normalmente, a cada um dos seus membros. Aos Institutos, em si, compete formar a consciência dos respectivos membros para uma maturidade e uma abertura que os levam a preparar-se com esmerado zelo para a profissão escolhida, para depois enfrentarem, com competência e em espírito de desprendimento evangélico, o peso e a alegria das responsabilidades sociais para que a Providência os orientais» (cf. ibid.).

3. Em conformidade com estas indicações do Papa Paulo VI, os vossos Institutos aprofundaram de diversos modos, nestes últimos anos, ao nível nacional ou continental, o tema da evangelização. O vosso Congresso actual quer analisar os resultados adquiridos e verificar-lhes o valor, para orientar cada vez melhor os esforços de cada um, de acordo com a vida da Igreja, que procura por todos os meios «estudar o modo de fazer. chegar ao homem moderno a mensagem cristã, na qual somente poderá ele encontrar a resposta às suas interrogações e a força para a sua aplicação de solidariedade humana» (Exortação apostólica Evangelii Nuntiandi EN 3).

Tenho o prazer de tomar nota do bom trabalho realizado, e exorto todos os membros, sacerdotes e leigos, a perseverarem na busca de melhor compreensão das realidades e dos valores temporais com respeito à evangelização em si mesma: o sacerdote, para se tornar cada vez mais atento à situação dos leigos e para levar ao presbitério diocesano não só uma experiência de vida, segundo os conselhos evangélicos e com uma ajuda comunitária, mas também uma sensibilidade exacta da relação da Igreja com o mundo; o leigo, para desempenhar o papel particular confiado àquele que é consagrado na vida leiga ao serviço da evangelização.

Que os leigos tenham, neste campo, um encargo específico, tive ocasião de o sublinhar repetidamente, em perfeito acordo aliás com as indicações dadas pelo Concílio. «Como povo santo de Deus» – dizia eu por exemplo em Limerick, durante a minha peregrinação à Irlanda – «sois chamados a desempenhar o vosso papel na evangelização do mundo. Sim, os leigos são 'raça eleita, sacerdócio santo'. Também eles são chamados a ser 'o sal da terra' e 'a luz do mundo'. E a sua vocação e missão específica manifestar o Evangelho na sua vida e inseri-lo assim como fermento na realidade do mundo em que vivem e trabalham. As grandes forças que governam o mundo – política, mass media, ciência, tecnologia, cultura, educação, indústria e trabalho – são precisamente os sectores nos quais os leigos são especificamente competentes para exercer a sua missão. Se estas forças forem dirigidas por pessoas que sejam verdadeiros discípulos de Cristo e que, ao mesmo tempo, pelos conhecimentos e pela prática, sejam competentes no seu campo específico, então o mundo será verdadeiramente mudado a partir de dentro, através do poder redentor de Cristo» (Homilia pronunciada em Limerick.em 1 de Outubro de 1979).

4. Retomando agora o discurso e aprofundando-o, sinto a necessidade de chamar a vossa atenção para três condições de importância fundamental para a eficácia da vossa missão:

a) Deveis ser, antes de tudo, verdadeiros discípulos de Cristo. Como membros de um instituto secular, vós quereis ser tais pelo radicalismo do vosso compromisso em seguir os conselhos evangélicos, de tal maneira que não somente não mude a vossa condição continuais a ser leigos — mas a reforce, no sentido de o vosso estado secular ser consagrado, ser mais exigente, e no sentido de o compromisso no mundo e pelo mundo, derivado deste estado secular, ser permanente e fiel.

Dai-vos bem conta do que isto significa: a consagração especial, que leva A. sua plenitude a consagração do baptismo e da confirmação, deve impregnar toda a vossa vida e todas as vossas actividades quotidianas, criando em vós uma disponibilidade total diante da vontade do Pai que vos colocou no mundo e para o mundo. Deste modo, a consagração virá a constituir como que o elemento de discernimento do estado secular, e vós não correreis o risco de aceitar este estado simplesmente como tal, com um optimismo fácil, mas assumi-lo-eis conservando a consciência da ambiguidade permanente que o acompanha, e sentir-vos-eis logicamente comprometidos e discernir-lhe os elementos positivos e os que são negativos para privilegiar uns, precisamente pelo exercício do discernimento, e para, ao contrário, eliminar progressivamente os outros.

b) A segunda condição está em que sejais, ao nível do saber e da experiência, verdadeiramente competentes no vosso campo específico para nele exercerdes, graças à vossa presença, este apostolado de testemunho, e de compromisso para com os outros, que a vossa consagração e a vossa vida na Igreja vos impõem. Com efeito é somente graças à vossa competência que podereis levar à prática a recomendação dirigida pelo Concílio aos membros dos Institutos seculares: «Portanto, procurem sobretudo fazer uma doação total de si mesmos a Deus, na caridade perfeita; e os próprios Institutos conservem a sua índole peculiar, isto é, a secular, para poderem desenvolver eficazmente e em toda a parte o apostolado no mundo e como que a partir do mundo, para o exercício do qual foram fundados» (Decreto Perfectae Caritatis PC 11).

c) A terceira condição, sobre a qual quero convidar-vos a reflectir, é constituída por esta resolução que vos é própria: quer dizer, mudar o mundo a partir de dentro. Vós estais, de facto, inseridos no mundo completamente e não só por causa da vossa condição sociológica; estais obrigados a esta inserção primeiramente como a uma atitude interior. Deveis portanto considerar-vos como «parte» do mundo, como obrigados a santificá-lo, aceitando totalmente as exigências que derivam da legítima autonomia do mundo, dos seus valores e das suas leis.

Quer isto dizer que deveis tomar a sério a ordem natural e a sua «espressão ontológica», procurando ler nessa ordem o desígnio livremente pretendido por Deus, e oferecendo a vossa colaboração para que esse desígnio se actualize progressivamente na história. A fé dá-vos luzes sobre o destino superior a que esta história está aberta, graças à iniciativa salvadora de Cristo; na revelação divina, todavia, não encontrais respostas prontas às numerosas questões que o compromisso concreto vos apresenta. É dever vosso procurar, à luz da fé, as soluções adequadas aos problemas práticos que vão surgindo pouco a pouco, soluções que não podereis muitas vezes conseguir senão correndo o risco de soluções somente prováveis.

Há portanto um compromisso de promover as realidades da ordem natural e há um compromisso de fazer intervir os valores da fé, que devem unir-se e integrar-se harmoniosamente na vossa vida, constituindo a sua orientação de fundo e a sua constante inspiração. Deste modo, podereis contribuir para mudar o mundo «a partir de dentro», tornando-vos o seu fermento vivificante e obedecendo à indicação que vos foi dada no Motu Proprio Primo Feliciter: ser «o fermento, modesto mas eficaz, que operando em toda a parte e sempre, e misturado com todas as classes de cidadãos, das mais modestas às mais elevadas, se esforce por atingi-las e impregná-las todas e cada uma pelo exemplo e de todas as maneiras até informar a massa toda levedada e transformada em Cristo» (Introdução).

5. Pôr em evidência o contributo específico do vosso estilo de vida não deve contudo, levar a estimar menos as outras formas de consagração por causa do Reino a que vós podeis também ser chamados. Quero aludir aqui ao que é dito no número 73 da exortação Evangelii Nuntiandi, que lembra que «os leigos podem também sentir-se chamados ou vir a ser chamados para colaborar com os próprios Pastores ao serviço da comunidade eclesial, para o crescimento e a vida da mesma, pelo exercício dos ministérios muito diversificados, segundo a graça e os carismas que o senhor houver por bem depositar neles».

Este aspecto não é certamente novo mas corresponde, pelo contrário, na Igreja a velhíssimas tradições; diz respeito também a certo número de membros dos Institutos seculares e principalmente, mas não exclusivamente, aos que vivem nas comunidades da América latina ou de outros países do terceiro Mundo.

6. Caros Filhos e Filhas, o vosso campo de acção, como vedes, é vastíssimo. A Igreja muito espera de vós. Precisa do vosso testemunho para levar ao mundo, faminto da Palavra de Deus mesmo que disso não tenha consciência, para lhe levar a «alegre nova» que toda a aspiração autenticamente humana pode encontrar em Cristo a sua realização. Sabei estar à altura das grandes possibilidades que a providência divina vos oferece neste fim do segundo milénio do Cristianismo. Pelo meu lado, renovo a oração ao Senhor, pela intercessão maternal da Virgem Maria, a fim de que Ele vos conceda em abundância os seus dons de luz, de sabedoria e de determinação na busca dos melhores caminhos, para serdes, entre os vossos irmãos e as vossas irmãs que estão no mundo, um testemunho vivo prestado a Cristo e um apelo discreto mas convincente para que recebam a sua novidade na vida pessoal e nas estruturas sociais.

Guie a caridade do Senhor as vossas reflexões e as vossas trocas de pontos de vista durante este Congresso. Podereis assim caminhar com confiança. A isso vos animo dando-vos a Bênção Apostólica, para vós e para aqueles e aquelas que hoje representais.




Discursos João Paulo II 1980