Discursos João Paulo II 1980 - 13 de Setembro de 1980


VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A SENA (ITÁLIA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DA INAUGURAÇÃO


DA PARÓQUIA DE SANTA CATARINA


DOUTORA DA IGREJA


Sena, 14 de Setembro de 1980



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Estou verdadeiramente contente, por me encontrar aqui em Sena, Cidade de Santa Catarina, e vos dirigir, a vós em primeiro lugar, a minha alegre e paterna saudação. Sei que este Templo de Acquacalda, onde nos encontramos, é o primeiro dedicado à grande Santa depois da sua proclamação como Doutora da Igreja. Portanto, o meu encontro com a Cidade de Sena não podia começar melhor. Dirijo-vos a minha primeira saudação! E como sei que entre vós está presente também um certo número de doentes, é a eles que desejo dirigir imediatamente a minha palavra.

2. Caros doentes, é-me grato assegurar-vos a minha viva solidariedade e comunhão no Senhor. Vós certamente sabeis pelos Evangelhos quanta preferência, quanto amor e quantas atenções muito concretas teve Jesus para com aqueles que encontrava nas vossas condições. Ele, simplesmente, "andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando" (Ac 10,38) aqueles que estavam nas mais variadas situações de tribulação. Sobretudo, além disso, ele próprio foi "homem das dores" (Is 53,3) e destinou a sua paixão e morte como resgate dos nossos pecados. É de especial conforto, portanto, recordar que temos um Sumo Sacerdote que sabe "compadecer-Se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo, à nossa semelhança" (He 4,15). E é a esta luz que todos nós cristãos devemos ver os nossos sofrimentos, a ponto de podermos repetir, com São Paulo, que trazemos "sempre no nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo" (2Co 4,10). Pois bem, quereria exortar-vos a estas grandes e fundamentais componentes da nossa identidade, que é a de Baptizados, ainda antes de ser a daqueles que sofrem; para todos, de facto, sejam válidas as palavras do mesmo Apóstolo: "Pois assim como crescem em nós os padecimentos de Cristo, crescem também por Cristo as nossas consolações" (2Co 1,5). Ao mesmo tempo, recebei os melhores votos pela vossa cura completa, segundo a vontade de Deus.

3. A minha saudação alegre vai, em seguida, para os fiéis presentes das Paróquias da Cidade e da Diocese de Sena. Vejo em vós os primeiros representantes da Comunidade diocesana, que me dá aqui as suas cordiais boas-vindas, e a todos agradeço vivamente o vosso caloroso acolhimento. Olhando para o nobre passado de vida e santidade cristã, que tão luminosamente distinguiu Sena de modo especial com as figuras eleitas de Catarina e de Bernardino, é-me espontâneo, antes de mais, louvar o Senhor pelas maravilhas da sua graça, que livremente escolhe e misteriosamente opera em quem está pronto a vibrar em uníssono com ela. Mas, em segundo lugar, é-me igualmente natural e necessário convidar e exortar todos vós a estardes sempre à altura destas autênticas glórias do testemunho evangélico. A Igreja de hoje, aliás o mundo de hoje, tem ainda e sempre necessidade dele. Para não afundar no relativo e no caduco, no ódio e na autodestruição, a sociedade hodierna tem mais do que nunca necessidade de fundamentos sólidos, de testemunhos enérgicos e de candeias em cima do velador. E isto devemos sê-lo nós baptizados, cada um de nós. Vós sabeis que o título de "santo", que agora reservamos só a poucos, na primeiríssima geração cristã, como nos atesta Paulo, designava todos os crentes em Cristo Jesus, não tanto para os contrapor quanto para os distinguir do mundo circunstante. Pois bem, segundo o que escreve o Apóstolo aos Filipenses, seja nosso compromisso "brilhar como astros no mundo, ostentando a Palavra de Vida" (Ph 2,15 s.). Certamente não faltam nem as ocasiões nem os ambientes para isso: desde a família à sociedade civil, desde a escola ao trabalho.

E dado que esta tarefa nos é impossível sem a corroborante graça divina, rezemos ao Senhor para que nos dê a força da fé, da esperança e do amor, juntamente com um vivo sentido de pertença eclesial.

Destes votos é penhor a minha Bênção Apostólica, que de todo o coração concedo a todos vós, especialmente aos doentes, e a todos os vossos Entes queridos



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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS AUTORIDADES CIVIS E AO POVO DE SENA


Sena, 14 de Setembro de 1980



Senhor Ministro
Senhor Presidente da Câmara
Caríssimos Irmãos de Sena e da Toscana

É com a mais viva comoção que, desta admirável Praça do Campo, conhecida do mundo inteiro como o coração de Sena, dirijo a minha saudação ferventíssima e sincera a vós, habitantes todos desta prestigiosa e ilustre cidade, atravessada durante os séculos por um profundo sopro de fé religiosa, por frementes vibrações de liberdade, por uma singular paixão pela arte e par todas as afirmações dignas de civilização.

Ao lado do Palácio Público, máxima expressão daquela elegância arquitectónica justamente toda senense, e marcado com evidência pelo monograma bernardiniano; à sombra da Torre dei Mangia, sentinela e símbolo da autonomia civil; próximo da Capela da Virgem Santíssima, público e perdurável atestado de entrega da sorte do livre Município ao Patrocínio da Mãe de Deus — exprimo a vós, Senenses, a profunda alegria deste encontro e confio ao Céu, sobretudo mediante a Liturgia Eucarística que principiará dentro de breves momentos, os meus votos e as minhas esperanças pelo feliz porvir desta vossa Cidade, pela prosperidade e a paz das vossas famílias e pela alegria interior dos vossos corações.

Foi suficiente a sugestiva vista aérea das vossas moradias, carregadas do respeito e da dignidade dós séculos; bastou a visão evocativa dos vossos muros que recolhem, como precioso escrínio, inestimáveis belezas, por causa de tudo o que o homem, no circuito deles, soube exprimir de puro, de santo e de belo; bastou o breve trajecto da histórica Porta Camollia até esta Praça, através de ruas que a cada ângulo reservam esboços de universal harmonia e de persuasiva e inapagável elegância, para que, cingido de tão secreta atmosfera, entrasse em profunda sintonia com o vosso passado, e me pusesse em uníssono com os vossos problemas de hoje e as perspectivas de amanhã, numa palavra, para que vibrasse convosco e sentisse amar-vos profundamente, contando-me eu também - se mo consentis — entre os cidadãos de Sena.

Desejo manifestar, primeiro que tudo, o meu sincero agradecimento a si, Senhor Presidente da Câmara; pelas cordiais e nobres palavras de boas-vindas que desejou apresentar-me, interpretando com calor e perspicácia os sentimentos dos cidadãos sem excepção. A si, aos seus Colegas e Colaboradores do Conselho Comunal, como também às Autoridades civis e militares aqui presentes, exprimo a minha gratidão pelo acolhimento que me foi reservado e por todo o trabalho de álacre e fatigante preparação, com o fim de assegurar êxito feliz a esta minha jornada senense. Sincero apreço exprimo também ao Representante do Governo, que desejou, uma vez mais, tornar-se porta-voz digno e qualificado do alto sentido de hospitalidade e de fé, que são características da dilecta Nação italiana.

Como já anunciei no Angelus do domingo passado, vim em peregrinação a Sena para prestar homenagem de veneração à vossa insigne Concidadã, Catarina, "que a Sabedoria divina colocou em tão grande evidência na história da Igreja, confiando a ela, em tempos difíceis e críticos, uma missão providencial quanto à Igreja mesma e à própria Pátria" (L'Osservatore Romano; 8-9 de Setembro de 1980). Como Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, sinto no meu coração — repito-o — uma dívida de reconhecimento para com a Santa que se empenhou com infatigável dedicação e amor suavíssimo, até ao ultimo esforço, pelo bem e pela santidade da Igreja e da Sé Apostólica. A Santa Catarina desejo confiar os problemas e as perspectivas da Itália, que ainda hoje como no passado, anela por horizontes de justiça, liberdade e paz. Também presentemente dirige Catarina aos Italianos, e aos seus Senenses em particular, as ardentes palavras: "Eu amo-vos mais do que vos amais vós, e amo o estado pacífico e a conservação vossa tanto como vós" (cf. Carta 201).

A Virgem senense, como outros santos antes e depois dela, teve vivo sentimento da italianidade, como particular percepção daquela responsabilidade confiada pela Providência a um povo, unido pela fé, pela língua e pelas vicissitudes tristes e alegres, em conjunto vividas e sofridas desde os dias em que a Itália, caído o grande império, iniciou o seu humilde e penoso caminho para a unidade e a independência. Corresponder àquela responsabilidade significa, segundo Catarina, reavivar primariamente o fogo interior da fé e da dedicação a Cristo e ao Seu Evangelho; significa propagar a toda a península tal ardor espiritual pela verdade e pela justiça, consolidando uniões profundas e duradouras, mais fortes que qualquer discórdia. O bem-estar e a prosperidade florescerão assim, consequentemente, confirmando a palavra de Cristo: "Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo" (Mt 6,33).

Poderia alguém admirar-se desta Religiosa feita intermediária de paz entre as cidades toscanas, embaixatriz de Florença junto do Papa, toda aplicada a realizar uma obra não imediatamente de carácter religioso. Mas a Santa Sé foi impelida a tão grande, incansável e pesado esforço por uma mola secreta, por uma razão profunda que ilumina e aclara todo o vigor daquelas empresas: pelo seu amor, isto é a Cristo e ao homem. Catarina anela com todas as suas forças pela salvação integral do homem seu irmão, que ela ama sem diafragmas nem reservas em Cristo Senhor, e quer socorrer validamente não só em vista da felicidade eterna, mas também na fadiga quotidiana da experiência terrestre. Se alguns santos, como São Francisco, reconheceram e amaram Deus marcadamente na criação, Catarina descobriu e amou o Redentor na alternativa pessoal do homem, de cada homem, e no esforço com que ele constrói uma convivência terrena, conforme à própria dignidade. A espiritualidade de Catarina não admite subterfúgios, mas está extremamente encarnada na história. Justamente se disse que o "Céu" de Catarina é feito de homens para salvar, de homens resgatados pelo Sangue inestimável do Cordeiro.

"Se vós fordes o que deveis ser, poreis fogo a toda a Itália, não só aí estas palavras de Catarina a Stefano di Corrado Maconi, que desejavam ser convite aos próprios concidadãos para o respeito e o culto daqueles valores morais e religiosos que estão na base de toda a sociedade civil ordenada, têm ainda hoje o seu valor. Nós recebemo-las da sua boca a arder com o fogo da Eterna Sabedoria para as tornarmos nossas e para construirmos, ajustando-nos a elas, um seguro porvir de paz e bem estar.

Caros Senenses, em harmonia com as vossas tradições profundamente religiosas, no espírito daquela civilização cristãmente inspirada que vos distingue, com consciência cristã livre e forte como aquela que marcou Catarina, continuai o vosso caminho de homens e de crentes para dar vida a uma "societas" digna do vosso passado. Confio estes votos à protecção d'Aquela que há séculos escolhestes como vossa Padroeira e Rainha e a quem vos liga um pacto de devoção e fidelidade, que juntamente convosco desejo renovar durante esta celebração eucarística, colocando toda a confiança no amor e no coração daquela Mãe.



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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA TOSCANA


Sena, 14 de Setembro de 1980



Senhor Cardeal
Venerados e caríssimos Irmãos do Episcopado toscano

Sinto-me profundamente satisfeito de encontrar-me convosco, hoje, por ocasião desta visita a Sena, que realizo para venerar de modo especial Santa Catarina. Se os encontros deste dia têm, todos, grande importância para mim, o vosso reveste evidentemente particular significado. É o encontro do Papa, tão amado por Catarina como "o doce Cristo na terra", com os Bispos, por ela tão venerados: diz de facto que também a eles, como ao "glorioso apóstolo Pedro", Deus - deixou "a chave do sangue do unigénito (Seu) Filho, a qual chave abre a vida eterna" (cf. Diálogo, CXV, ed. Cavallini, Roma 1968, p. 277). Na recordação mais intensa daquela figura gigantesca, daquela mulher cujo nome é célebre na Itália e em todo o mundo, nós Bispos — melhor, diria vós Bispos da Toscana que deu à Igreja uma Santa tão grande — devemos tirar dela inspiração para um esforço, uma doação e uma imolação cada vez mais autêntica pela Igreja mesma, pelas almas que nos foram confiadas como o tesouro mais precioso, pois custam o Sangue de Cristo.

Catarina fala-nos precisamente deste amor à Igreja. Nós estamos ao serviço da Igreja, a nossa vida é toda dedicada à Igreja. Escrevendo ao Papa Urbano VI, a quem referia uma visão sobrenatural, a Santa repetia as palavras ouvidas a respeito da Igreja, Esposa de Cristo: "Tu vê-la bem vazia daqueles que procuram o essencial dela, isto é, o fruto do sangue... Porque o fruto do sangue é daqueles que levam o preço do amor; pois ela é fundada em amor, e isto é amor. E por amor quero (dizia Deus eterno) que lhe dê cada um, segundo Eu dou, que a sirvam servos meus em diversos modos, conforme receberam. Mas Eu sinto não encontrar quem a sirva" (Carta n. 371). E toda a vida de Catarina, passada como meteoro de fogo, a iluminar e a aquecer com o seu fogo a Igreja e a sociedade civil, foi gasta por esta "Esposa" para ser verdadeiramente qual Cristo a quis e amou, "toda gloriosa, sem mancha nem ruga; nem qualquer coisa semelhante, mas santa e imaculada" (Ep 5,27). Ao seu confessor, o Beato Raimundo de Cápua, escrevia, depois da revolta dos romanos: contra o Papa: "Estai certos que, se eu morro, morro de paixão pela Igreja" (cf. I. Taurisano, Santa Catarina de Sena, p. 410).

Esta paixão pela Igreja deve ser também nossa. Com a palavra, com o exemplo, com a oração e com o sacrifício. Somos mandados por Cristo como Seus representantes diante dos homens. "O amor de Cristo nos constrange, persuadidos de que Um só morreu por todos... Deus reconciliou-nos consigo mediante Cristo e confiou-nos o ministério da reconciliação. Foi Deus, de facto, que reconciliou consigo o mundo em Cristo, não levando aos homens em conta os pecados e pondo nos nossos lábios a mensagem de reconciliação. Somos, por conseguinte, embaixadores de Cristo, e é Deus que vos exorta por nosso intermédio" (2Co 5,14 2Co 18 ss. ).

É preciso estarmos profundamente, totalmente, imersos em Deus para podermos penetrar e compreender a plena eloquência destas palavras, como Catarina esteve imersa n'Ele e no modelo Jesus. É preciso estarmos imersos em Deus e em Cristo, Venerados e caros Irmãos, para a nossa missão se tornar vida e verdade vivificante para os outros, assim como o foi nela e por ela.

E é preciso estarmos como ela enamorados de Cristo, com o amor da maior confiança e do maior holocausto, para que a reconciliação do homem e do mundo com Deus revista, para os nossos contemporâneos e para quantos vierem depois, o significado do sinal expressivo e da realidade convincente.

Quando hoje, passados seis séculos desde a morte desta insólita figura na história da Igreja e da Itália, nos reunimos na Sena medieval, sentimos quanto o mundo contemporâneo precisa daquela reconciliação com Deus, que se realizou, uma vez para sempre, em Cristo. Sentimos também quanto é necessária a nós, Igreja, e a nós, Bispos — juntamente com os nossos sacerdotes, as irmãs e os irmãos de vida consagrada, mesmo com todos os leigos cristãos — a mesma fé e a força que dela deriva, daquela "palavra da reconciliação" que nos foi confiada para o bem da humanidade e do mundo.

Ela, Santa Catarina de Sena, conheceu esta "palavra da reconciliação". Sabia pronunciá-la com força e eficácia diante dos homens, pequenos e grandes; diante da sociedade da Itália de então; diante dos pastores da Igreja; diante do Papa e dos Príncipes.

Conhecia esta "palavra da reconciliação". Trazia-a dentro de si tão profundamente, quanto foi imersa em Deus mediante o amor de Cristo e a absoluta submissão ao Espírito Santo prometido aos Apóstolos, que Ele não deixa faltar na Igreja a ninguém — basta saber abrir o coração, abrir toda a nossa capacidade e bradar: Vem! Vem! Vem! Enche!

A imersão em Deus, de que encontramos o exemplo culminante em Santa Catarina, significa deixar plena liberdade à acção de Deus na alma, à acção no homem e, mediante o homem, no mundo.

Então os mistérios divinos — bebidos na sua mesma fonte por Santa Catarina — já não são para nós como a sombra de problemas longínquos, mas tornam-se uma Realidade — a Realidade superior e fundamental que abraça em si toda a realidade criada e humana, e lhe dá o próprio significado. Deus, que reconciliou consigo o mundo em Cristo, e continuamente completa n'Ele a obra da reconciliação, opera mediante os homens simples, pobres de espírito, mansos e humildes de coração. Tal foi Santa Catarina de Sena — segundo o espírito das bem-aventuranças do sermão da montanha. Lançando o olhar para a sua breve vida — 33 anos! — devemos notar que àquelas pessoas, que se oferecem a si mesmas a Deus em Cristo e, com a própria oferta, dão o mundo inteiro, a humanidade e a Igreja, Deus responde com particular confiança e lhes confia a Igreja, a humanidade e o mundo, e dá a graça necessária para não iludir esta confiança que tem Deus.

Santa Catarina certamente não iludiu a confiança de Deus. Não iludiu a confiança do seu Esposo para com a Igreja, a humanidade e o mundo. Assim nós, Bispos da Igreja de Deus, não devemos iludir a confiança de Deus. Devemos responder. Devemos ser os intermediários da Sua graça. Assim como o foi Catarina, modesta virgem, filha de gente simples, sem particular instrução, que, entregando-se totalmente a Deus, se tornou instrumento incomparável da Sua graça, do Seu perdão e da Sua reconciliação. Como Ela, "embaixadores de Cristo". Deste modo as nossas almas ficam em sintonia com esta amada Santa, cujo sexto centenário da morte nos convocou para aqui.

A reconciliação com Deus em Jesus Cristo abraça e penetra diversos tempos, dias, meses e anos, épocas e gerações. Qual foi esse tempo da Igreja e do mundo, diante do qual foi dado a Santa Catarina de Sena pronunciar esta "palavra da reconciliação", confiada a ela de modo particular por Deus?

Não é certamente necessário que eu vos recorde as alternativas, às vezes tempestuosas, os dramas e os perigos da época histórica, em que viveu Santa Catarina; qual missão ela desempenhou em favor da unidade da Igreja, primeiro no regresso a Roma do Papa Gregório XI, depois em procurar reunir à volta do seu sucessor Urbano VII, todas as forças da Igreja contra o antipapa Clemente VII; que obra de pacificação realizou nas cidades italianas — baste citar, por todas, Florença e Roma; que apostolado exerceu em despertar as consciências adormecidas e perturbadas, em chamar ao sentimento de Deus, ao primado da vida interior e à pureza dos costumes morais. Tudo isto, em nome do amor; tudo isto, no sangue de Cristo, que rega o jardim da Igreja e é fonte de santidade pessoal do clero, como da sua função ministerial, e também da incorruptibilidade e integridade das famílias e da vida laical.

Santa Catarina recorda-nos hoje, a nós Bispos, nas dificuldades do hodierno ministério, que, se queremos que os nossos esforços sejam fecundos em Cristo, devemos partir da mesma raiz pela qual ela viveu e se deu: o amor de Cristo. Quão actuais são as palavras escritas ao Cardeal de Óstia, Pedro d'Estaing: "Vós pois, como verdadeiro filho e servo readquirido pelo sangue de Cristo crucificado, quero que sigais as Suas pegadas, com coração viril e com solicitude pronta; não cedendo nunca nem à aflição nem ao amor: mas perseverai até ao fim nesta e em qualquer outra operação a que vos lanceis trabalhando por Cristo crucificado. Procurai extirpar as iniquidades e as misérias do mundo, as muitas faltas que se cometem; as quais revertem em vitupério do nome de Deus" (Carta n. 7).

Com esta força, com esta convicção, devemos nós, Bispos, lutar para fazer que triunfe a misericórdia de Deus, para anunciar que Deus "amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16). Daqui se origina aquele amor ao Sangue de Cristo, que levou Catarina a consumir-se pela Igreja até imolar-se como chama, até à última chispa. Daqui, também para nós, o empenho de nada deixarmos intentado para que o amor de Cristo tenha o supremo primado na Igreja e na sociedade.

É-me agradável dar aqui testemunho, a vós todos, de quanto estais fazendo pelas vossas dioceses, para que a vida cristã, nas famílias, na juventude, no florescer das vocações e nas formas da convivência civil, possa manifestar-se plena e firmemente. E, em particular, dirijo o meu aplauso ao Cardeal Giovanni Benelli, Arcebispo de Florença, pelo seu claro compromisso, pelo seu zelo pastoral em manter os esforços em defesa da vida humana.

Conheço bem, caros Irmãos, as dificuldades que traz consigo a vossa missão de reconciliar os homens com Deus no ambiente de hoje, traído pelo secularismo, dominado pelas ideologias, corrompido pelo consumismo e pelo hedonismo.

Estou portanto satisfeito com a vossa generosa dedicação ao ministério apostólico, recordando-vos da exortação de São Paulo: "Prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente..." (2Tm 4,2). Continuai sem desanimar, com a invicta fortaleza de Santa Catarina, no vosso esforço indefesso de proclamar a necessidade de um sincero regresso à fé e à prática das virtudes cristãs, para que torne a elevar-se, em todas as suas qualidades humanas e em todos os seus dons sobrenaturais, a genuína alma das vossas populações.

Sustente-vos o Espírito do Senhor, seja-vos de conforto a oração e o incentivo do Vigário de Cristo.

A Igreja dos nossos tempos crê, com a certeza mesma da fé, que Deus reconciliou o mundo consigo em Cristo uma vez para sempre; e ao mesmo tempo procura pronunciar a "palavra de reconciliação" que Deus lhe confia para o mundo contemporâneo e lhe ordena que pronuncie, à medida dos sinais do nosso tempo e em plena união com a eterna mensagem da salvação. Esta mensagem alarga imensamente o coração da Igreja, assim como alargou o coração de Catarina, para esperar, mesmo contra toda a esperança, para trabalhar além dos limites das possibilidades humanas, para imolar-se até ao extremo pela Igreja, pelo triunfo do amor de Cristo e pelo regresso dos filhos ao Pai de toda a consolação. De facto, no coração da Igreja, persevera a imagem do Pai que espera o filho pródigo e o acolhe com os braços abertos quando volta à casa paterna.

A Igreja da nossa época, que no Concílio Vaticano II se definiu a si mesma como o Sacramento da salvação e o Sinal da União com Deus de todo o género humano, procurou também pronunciar, no mesmo Concílio, de modo particularmente amplo e abundante, aquela "palavra de reconciliação" a ela confiada por Deus. Catarina de Sena, Padroeira da Itália, com o seu amor a Cristo e à Igreja, a faça ressoar com inalterado alcance, hoje e no futuro, e conceda protecção, coragem, esperança e força ao nosso ministério de "Embaixadores de Cristo".

Destes ardentes votos é penhor a minha Bênção Apostólica.



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SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS DOENTES DO HOSPITAL "ANNUNZIATA" DE SENA


Sena, 14 de Setembro de 1980



Caríssimos Irmãos e Irmãs

É com alegria e sensibilizado que vos dirijo a minha cordial saudação durante esta visita à querida Cidade de Sena. Certamente não podia esquecer-me de vós, que entre os membros do Corpo de Cristo, que é a Igreja, sois os mais dignos de atenção e cuidado.

Vim aqui entre vós para trazer a certeza da minha viva participação nos vossos sofrimentos. Sabei que o Papa está perto de vós com particular afecto e sobretudo reza por vós, para que o Senhor alivie as vossas penas e ainda mais vos conceda que as enfrenteis com força interior e espírito evangélico.

Quando nós cristãos fazemos a experiência do sofrimento, devemos estar com atenção e dar-lhe o significado justo. Não é um castigo, mas ocasião de purificação dos nossos pecados; em particular, é destinado ao bem dos homens nossos irmãos: como aconteceu com Jesus, que se deu a si mesmo em resgate por todos (cf. Mc Mc 10,45). Uni, pois, mediante a fé, as vossas tribulações às que ele sofreu seguindo os seus rastos que devemos levar as nossas cruzes, de contrário tornam-se demasiado pesadas. Mas com Jesus Cristo à nossa frente, caminhamos mais desenvoltos, porque ele dá sentido e força a todo o nosso sofrimento.

Recebei também os meus votos mais sentidos de pronta e completa cura, segundo a vontade de Deus. Seja-vos penhor do meu afecto a particular e propiciadora Bênção Apostólica que de coração concedo a todos vós, aos vossos Entes queridos e a todos os que amorosamente vos assistem.



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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO CLERO, AOS RELIGIOSOS E RELIGIOSAS


DA DIOCESE DE SENA E DE TODA A TOSCANA


Sena, 14 de Setembro de 1980



Venerados Irmãos Bispos,
e vós caríssimos Sacerdotes, Religiosos e Religiosas da Toscana

1. À nobre saudação do Em.mo Cardeal Giovanni. Benelli desejo responder com um "obrigado" cordial e, como ele falou autorizadamente em nome de todos, de muito boa vontade faço chegar este meu sentimento de gratidão a todos os que vos reunistes aqui.

Sei bem que esperais de mim — disse-o precisamente agora o vosso intérprete — uma especial palavra de ânimo, que, inspirando-se na circunstância que me trouxe hoje a esta ilustre Cidade, se relacione mais directamente com a vossa vocação e com a vossa vida de almas consagradas, e possa portanto ajudar-vos, quer na obra permanente da santificação pessoal, quer no cumprimento dos peculiares deveres do ministério, que estão confiados a cada um de vós.

2. Vim a Sena para honrar a Santa que, à distância de seis séculos, não cessa de irradiar pela Igreja e pelo mundo, bem além dos confins geográficos e étnicos da Toscana e da Itália, o exemplo prestigioso do amor a Cristo e ao Seu Vigário na terra, e do zelo pela salvação das almas. Em nome de Santa Catarina foi e é minha intenção retomar o inexaurível assunto acerca da santidade, que forma a plenitude e o cume de uma vida autenticamente cristã, e a que — como nos recordou o Concílio — são chamados todos os fiéis "de qualquer estado ou grau" (const. Lumen Gentium LG 40). Mas tal assunto pergunto a mim — e pergunto a vós — para quem vale em primeiro lugar senão para aqueles que por livre e consciente decisão escolheram o seguimento de Cristo, assumindo em primeira pessoa especialíssimas obrigações morais e ascéticas? Sim, vale sobretudo para nós que, pela directa participação no único sacerdócio de Cristo ou pela formal profissão dos conselhos evangélicos, devemos percorrer o caminho da perfeição e da santidade. Nós é que, aos cristãos, que vivem no mundo e tantas vezes estão expostos às suas mil seduções e podem mesmo encontrar-se indefesos, devemos oferecer o exemplo de um Cristianismo vivido na tensão de um quotidiano avanço. Somos nós que devemos apresentar-lhes a prova convincente de ser possível e até fácil, se bem que no meio das dificuldades dos nossos dias, viver em coerente fidelidade ao Evangelho e ser integralmente cristão. Que seria de nós, Irmãos e Filhos caríssimos, se faltasse da nossa parte tal exemplo ou tal prova? Recordai-vos das duas imagens, diria preceptivas, que nos são propostas no Sermão da Montanha: cada cristão deve ser luz do mundo e sal da terra (cf. Mt Mt 5,13-16); mas este dever de exemplaridade assume peculiar significado para nós que nos demos a Cristo, na irrevocabilidade de uma doação desinteressada e total. Trata-se, quereria dizer, de uma precisa "obrigação do nosso estado", e eu estou certo que a imagem viva dos dois Santos, que hoje solenemente honramos, poderá ajudar-vos a cumpri-la.

3. Um segundo pensamento liga-se ao acto de culto eucarístico, que terminámos agora mesmo: a adoração das "Santíssimas Partículas", que estão aqui conservadas há mais de dois séculos. A Eucaristia é o centro vital, é o coração da Igreja, que dela recebe incessantemente a fé, a graça e a energia, que lhe são necessárias no seu itinerário através da história. Onde floresce a vida eucarística, aí floresce a vida eclesial: é este, Irmãos, um axioma, cuja validez não toca só a doutrina teológica, mas atinge, deve atingir, a dimensão existencial a nível comunitário e pessoal.

É necessário, portanto, procurar que o mistério eucarístico, memorial perene da Páscoa e da Redenção, tenha sempre em cada uma das nossas comunidades — paróquias, famílias, casas religiosas, seminários e associações — aquela posição central que a ele compete de pleno direito. Mas é necessário, além disso, que também na existência de cada um de nós este augusto ministério seja e permaneça sempre o ponto essencial de referência para a nossa "ligação" crescente e cada vez mais perfeita com Cristo Senhor. Seja, portanto, a Eucaristia o caminho seguro para a comunhão, isto é a união e a unidade que devemos estabelecer com ele: "Ao participar realmente do corpo do Senhor — recorda-nos ainda o Concílio (Const. Lumen Gentium LG 7) — na fracção do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele (relação pessoal) e entre nós (relação comunitária). Quero acrescentar que também deste ponto de vista — digo o de uma singular espiritualidade eucarística — deriva para nós aquele mesmo dever de exemplaridade, de que já falei.

4. Encontrando-me no interior desta Catedral magnífica, não posso deixar de referir-me a uma circunstância que deu lugar recentemente a especiais celebrações. Refiro-me ao "Ano da Catedral", estabelecido para comemorar o oitavo centenário da dedicação deste Templo em honra da assunção de Maria ao Céu. Como Santa Maria da Flor e tantas outras igrejas da vossa Toscana, também a Catedral de Sena tem história plurissecular que não interessa só a arte nas suas mais altas expressões estéticas, mas também e sobretudo a vida espiritual de um povo. Está de pé o facto de tal vida ter encontrado exactamente aqui, dentro destes muros, o seu ponto de convergência e irradiação para todas as comunidades, em que se articula a arquidiocese.

Inspirando-me do facto histórico, convido-vos, caríssimos Irmãos e Filhos, a que reflictais sobre a função que diz respeito a todas as Catedrais como centros dinâmicos de cada Igreja particular, e sobretudo diz respeito ao Bispo que nelas tem a catédra. Ligado aos outros Irmãos no episcopado e com o sucessor de Pedro, ele tem a responsabilidade primária de "edificar" a sua comunidade eclesial, uma vez que participa de maneira singular, num nível superior e de maior prestígio, daquele tríplice encargo de Cristo, que pertence também aos fiéis; ele é de direito e deve ser de facto o mestre que ensina a fé e a doutrina moral, o sacerdote que oferece o sacrifício da nova Aliança e o pastor que dirige o próprio rebanho. Se toda a Catedral é símbolo expressivo destes deveres, não fala porém só à consciência do Bispo: é uma chamada a todos os elementos da Igreja particular, começando por quem, como vós, é chamado a colaborar com o Bispo na pastoral diocesana.

5. Daqui brota outro pensamento, que desejo confiar-vos. Sem desconhecer ou negar a distinção "canónica" entre clero secular e clero regular, nos nossos dias — e é grande lição do Concílio, que por alguma coisa foi chamado pastoral — é necessária a coordenação mais estreita e orgânica entre os Sacerdotes e os Bispos. Exige-o, por um lado, a mais amadurecida consciência eclesiológica quanto à unidade que subsiste entre eles em relação com o único sacerdócio de Cristo, e exige-o, por outro, o pedido mais frequente que procede de quem ignora a fé ou dela duvida até rejeitá-la. Não falo em termos de eficientismo e de êxito humano como se a causa do Evangelho dependesse de certo tipo de organização e se reduzisse, portanto, à escolha de determinadas estruturas ou de novos órgãos técnicos. Falo de "exigências internas", que brotam daquilo que a Igreja é pela sua mesma constituição e deve ser hoje, na tarefa sócio-cultural, de que somos ao mesmo tempo testemunhas e actores.

Hoje não é licito determo-nos em posições de ordinária administração ou de lentidão burocrática, nem se pode insistir demais em distinções subtis acerca da competência e do direito de fazer esta ou aquela coisa: hoje é necessário mais que nunca trabalhar pelo Evangelho, e trabalhar com zelo vigilante e corajoso, pronto para o sacrifício e sensível ao ímpeto de uma caridade inexausta, pela qual Bispo e Sacerdotes, sejam regulares ou seculares, trabalhem em unidade de intentos, constituindo — como os discípulos da Igreja primitiva — um só coração e uma só alma (cf. Act Ac 4,32). E o mesmo dever se impõe, respeitadas as devidas proporções, às Religiosas, e a quantos, por especial chamada do Senhor, receberam, ou se preparam para receber, os vários ministérios eclesiais. É assunto, este, que mereceria certamente ser desenvolvido; se por falta de tempo isto não me é agora possível, peço-vos que a retomeis e aprofundeis na reflexão pessoal e nas discussões fraternas, que tendes entre vós sob a guia dos vossos Superiores e Pastores.

6. O encontro nesta Catedral, portanto, para ser recordação mais querida e duradoura, deve concluir-se com um forte apelo à acção apostólica: no nome de Cristo, de quem sou humilde vigário e servidor, convido-vos a terdes sempre presente a mencionada "edificação da Igreja" como obra de permanente actualidade, em que vós, como pessoas consagradas, sois chamados a colaborar a título especialíssimo. Só de uma profunda convicção, amadurecida na prece, é possível que brotem renovados propósitos e concretas iniciativas. Também nisto — parece-me — volta o assunto da exemplaridade, que o Senhor mesmo resumiu com as Suas grandes e tranquilizadoras palavras: "Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus" (Mt 5,16). Assim seja.



Discursos João Paulo II 1980 - 13 de Setembro de 1980