Discursos João Paulo II 1980 - Quinta-feira, 2 de Outubro de 1980

Sinto-me feliz por me encontrar com um grupo tão distinto de Membros da Assembleia Nacional do Líbano. Considerando os estreitos laços que existem entre a Santa Sé e o vosso país, e o interesse particular que a Sé Apostólica não deixou de manifestar, já desde o início, a respeito da crise que perturba sempre a vida da vossa nação, este encontro reveste aos meus olhos — e aos vossos, estou certo disso — alto significado.

1. Quereria antes de tudo acentuar quanto é eloquente para mim o carácter pluralista do vosso grupo. Embora pertencendo a diversas famílias espirituais e a partidos diferentes, mostrais-vos unidos e solidários nas vossas aspirações a servir o vosso país, a colaborar para o seu progresso e para a sua pacificação. Seria para desejar que todas as comunidades religiosas e éticas a começar pelos seus dirigentes — que compõem o tecido multiforme da população libanesa, se comportassem da mesma maneira. Requerer-se-ia que elas fossem unidas no esforço que se impõe para restaurar a imagem do Líbano, desfigurada e dilacerada, infelizmente! por acontecimentos ainda recentes. A unidade do Líbano, no respeito dos direitos de todo o cidadão, como também das suas diversas componentes religiosas e sócio-culturais, está muito a peito à Santa Sé, como sabeis. Está nisto uma característica original da sua identidade, que poderia tornar-se um exemplo para a região do Próximo Oriente e para o mundo inteiro. Segundo a medida em que os Libaneses forem unidos e leais para coma sua pátria, muitas dificuldades — vindas sobretudo do exterior e provocando interferências sobre o caminho de um novo progresso — poderão desaparecer.

Como eleitos pelo povo libanês, pertenceis ao organismo fundamental de toda a democracia, expressivo da vontade popular, quer dizer à Assembleia Nacional. A constatação das actividades desta Instituição primordial do Estado libanês leva-me a ver nelas um sinal reconfortante da recuperação de vitalidade ao nível das Instituições libanesas em geral, tão profundamente abaladas pela tormenta que se abateu sobre o país em 1975 e que, infelizmente, ainda causa de danos.

Evitando embora um optimismo ilusório, quereria alimentar a esperança de que a autoridade do Estado continue a afirmar-se cada vez mais na escala de todos os seus organismos e sobre todo o território nacional. Cada cidadão e cada grupo político ou social deveriam sentir-se como que provocados pelo seu sentido de responsabilidade a dar o próprio apoio à reconstituição e à eficácia das instituições legais da República.

3. Por fim, permitir-me-eis que chame a vossa atenção sobre outro problema, que me foi sugerido pela vossa visita. Estais aqui, numa etapa da viagem que vos levou a algumas das grandes cidades europeias e vos permitiu participar ultimamente no "Congresso Parlamentar Mundial de Berlim". Esta abertura da vossa Assembleia às actividades internacionais constitui sem dúvida um sinal e um símbolo do trabalho a empreender com o objectivo de contribuir para a resolução da crise. Nos séculos passados, o Líbano deu muito à comunidade das nações e ao mundo, graças à sua civilização milenária e ao trabalho dos seus filhos, sem esquecer aqueles que a emigração espalhou pelo mundo. E mais recentemente, o Líbano deu a sua contribuição para o entendimento e a colaboração entre os povos graças acção desenvolvida pelo seu Governo no seio dos Organismos internacionais, por exemplo na ONU, desde a sua criação. Por outro lado, sabe-se bem que a Comunidade internacional se interessou pelo Líbano, ajudando-o no plano económico e algumas vezes vigiando pela sua segurança, sobretudo nos momentos críticos. Todavia, haveria razões para nos perguntarmos se, neste campo, se esgotaram todas as possibilidades e se — para além do quadro regional em que se procurou de diversos modos resolver a crise — não terá chegado o momento de fazer apelo a um compromisso mais vasto e mais eficaz da Comunidade internacional.

Será necessário assegurar-vos que a Santa Sé continuará a seguir os destinos do Líbano desinteressadamente e segundo as possibilidades concretas que se lhe apresentarem?

Sabeis igualmente bem que o meu predecessor o Papa Paulo VI e eu próprio sempre nos preocupámos e exprimimos diversas vezes a respeito dos outros problemas da vossa região, que vós recordastes, em particular do problema do povo palestinense e da questão de Jerusalém. Também sobre este ponto, a Santa Sé continuará a prestar a maior atenção a fim de contribuir para a sua solução.

Peço-vos transmitais as minhas cordiais saudações ao Senhor Kamel el Assaad, Presidente da vossa Assembleia, e a todos os vossos Colegas. Dignai-vos igualmente assegurar a todos os vossos compatriotas que o Papa reza fervorosamente por que o Líbano viva em paz e conheça um novo progresso espiritual e material.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NOS XII JOGOS


DA JUVENTUDE NA ITÁLIA


Quinta-feira, 2 de Outubro de 1980



Caros Delegados das Federações Desportivas pertencentes à C.O.N.I.
Queridos jovens e meninas!

É-me particularmente grata esta vossa visita, no final das competições nacionais dos Jogos da Juventude, por vós realizadas nestes dias em Roma. Sou feliz de ver-vos, de dar-vos as boas-vindas. Agradeço-vos pelo propósito delicado que tivestes de vir saudar o Papa antes de retornardes para as vossas casas e para as regiões da Itália das quais provindes e que bem representais. Exprimo, em particular, o meu reconhecimento ao Dr. Franco Carraro, Presidente da Comissão Olímpica Italiana, pelas significativas palavras que, também em nome de todos vós, quis agora dirigir-me.

A vossa presença entusiástica e festiva reaviva no meu espírito tão caras recordações ligadas à minha precedente experiência pastoral no meio dos jovens desportistas da Polónia.

Vós conheceis bem a estima que a Igreja nutre por vós, e como a fé cristã não inferioriza, mas valoriza e nobilita o desporto nas suas várias expressões.

Vós sabeis além disso com que interesse o Papa acompanha as vossas actividades desportivas e com que satisfação considera os vossos espectáculos agonísticos, nos quais manifestais os não comuns dotes de força, de disciplina e de coragem, de que o Senhor vos ornou. O vosso Presidente falou agora dos vossos encontros de treinamento para a "lealdade", o "autocontrole", a "coragem", a "generosidade", a "cooperação" e a "fraternidade": pois bem, não são estas outras tantas metas, que a Igreja visa na educação e promoção da juventude? Não são estas as instâncias e as exigências mais profundas da mensagem evangélica?

A este propósito, ao exortar-vos a dardes sempre o melhor das vossas energias e das vossas capacidades nas pacificas competições desportivas, ao mesmo tempo recordo-vos de não considerardes o desporto como fim em si mesmo, mas antes como elemento precioso que vos ajude a dardes à vossa pessoa aquela plenitude que provém da integração dos dotes físicos com aqueles espirituais. Numa palavra, o corpo deve estar subordinado ao espírito, que dá luz, respiro e sprint à vida, e que vos faz ser excelentes desportistas, intrépidos cidadãos e valorosos cristãos,

Caríssimos jovens, o encontro de hoje convosco realiza-se num momento particularmente importante para a vida da Igreja. Como muitos de vós sabem, numerosos Bispos, provenientes de todas as partes do mundo, vieram ao Vaticano para participar na quinta Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre as tarefas da família cristã no mundo contemporâneo. É, de facto, mais que nunca urgente devolver a todas as famílias cristãs aquela beleza, aquela sua dignidade de amor, todas aquelas virtudes que lhes foram impressas pelo Senhor. E necessário que a família seja realmente o lugar privilegiado, em que os vossos ideais espirituais, desportivos e sociais encontrem um clima favorável e o impulso necessário para levá-los avante e fazê-los maturar até à sua plenitude. Dai também vós o vosso contributo para que a vossa família se torne sempre mais verdadeira escola de força espiritual e de treinamento para as grandes conquistas humanas e sociais.

Para tanto sirva-vos de auxílio e de estimulo a Bênção Apostólica, que de grande coração concedo a vós aqui presentes, às vossas Associações desportivas locais, aos que vos são caros e a quantos fazem parte desta Comissão Olímpica Nacional, em penhor da minha particular benevolência.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À ASSOCIAÇÃO DOS MARINHEIROS DA ITÁLIA


Pátio São Dâmaso

Sábado, 4 de Outubro de 1980



Caríssimos Marinheiros da Itália

Estou sinceramente feliz de me encontrar hoje convosco, que vos reunistes em Roma vindos de todas as zonas da Itália e também do estrangeiro, para o nono Encontro Nacional, organizado pela benemérita Associação dos Marinheiros da Itália. Desejo dirigir a minha saudação, com sentimentos de alta estima e profunda deferência, ao Chefe de Estado-Maior da Defesa, ao Chefe de Estado-Maior da Marinha, ao Presidente da vossa Associação, a vós todos em particular e juntamente aos vossos familiares, que vos acompanharam nesta alegre circunstância. A minha saudação une-se também o agradecimento pela visita de filial homenagem, que desejastes prestar à minha pessoa, querendo significar com esse gesto delicado a vossa viva fé na Igreja e a vossa profunda união com o Sucessor de Pedro.

Auguro-vos do coração que os vossos serenos e festivos dias romanos sejam para vós não só ocasião de gozo estético pelas extraordinárias riquezas artísticas da Urbe, mas revertam também em espiritual enriquecimento pelo contacto e o diálogo que vós, homens da grande família dos Marinheiros da Itália, podeis travar mutuamente. Mas, em particular, sejam estímulo para poderdes proclamar o desejo ardente e a exigência imperiosa de que entre todos os homens reine sempre e domine o grande dom da Paz, sempre tão frágil e tão ameaçada.

Sede sempre e em toda a parte mensageiros e portadores de Paz, na terra e no mar, para que os homens saibam reconhecer-se e amar-se como verdadeiros irmãos. É a mensagem de Cristo; é a mensagem de um autêntico discípulo de Cristo, São Francisco de Assis, Padroeiro da Itália, do qual hoje celebramos a festividade litúrgica. "Paz e Bem!»: isto pregava ele com as palavras e a vida, nas cidades e nas regiões italianas, muitas vezes dilaceradas e divididas pelas lutas fratricidas.

Com estes auspícios, invoco a protecção de Deus sobre vós, sobre todos, os Marinheiros da Itália, sobre todos os homens do Mar, e concedo-vos do coração a minha Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A ÓTRANTO (ITÁLIA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS AUTORIDADES DE ÓTRANTO


Domingo, 5 de Outubro de 1980



Ilustres Autoridades do Governo
Egrégio Senhor Presidente da Câmara
Caros Irmãos e Filhos!

1. Antes da minha partida da Terra Apuliense foi-me bastante agradável deter-me, seja embora por breves instantes, nesta vetusta cidade de Galatina, a qual — segundo a antiga tradição — teria sido evangelizada por São Pedro, que, na sua viagem para Roma, teria feito aqui uma paragem. Estou-vos verdadeiramente reconhecido por me terdes dado esta alegria: agradeço, antes de tudo, ao caro Arcebispo de Otranto e ao Presidente da Câmara as suas afectuosas palavras; agradeço com sincera deferência ao Prefeito da Província de Lecce e ao Conselho Comunal da mesma Cidade, exprimindo o meu vivo pesar por não ter podido acolher, nesta circunstância, o convite, aliás muito apreciado, para visitar Lecce, e confio-lhe o encargo de levar uma afectuosa saudação à cidade inteira.

Com igual intensidade de sentimentos exprimo o meu reconhecimento aos numerosos trabalhadores de Casarano, pátria de Bonifácio IX e importante centro industrial do Salento. Agradeço, em seguida, aos Comandantes Militares desta Região Aérea e do Aeroporto, com os empregados e familiares; mas sobretudo e de especial modo pretendo apresentar o meu sentido e cordial agradecimento a todos vós, cidadãos de Galatina e do Salento, que desejastes reunir-vos à volta do Papa neste encontro vespertino. Dir-vos-ei com São Pedro: "Paz a todos vós que estais em Jesus Cristo!" (1P 5,14).

Esta paragem que vós desejastes e preparastes com tanto cuidado era para mim um dever, porque também a vossa cidade esteve unida a Otranto na dolorosa prova de fé e de amor, que hoje comemorámos.

2. Ao assegurar-vos o meu afecto e a minha oração, desejo testemunhar-vos que no meu coração encontram eco os vossos problemas, os vossos sofrimentos, a vossa tenacidade, as vossas esperanças e as vossas alegrias. Quereria que fôsseis sempre serenos e felizes! Quereria que a vossa existência fosse sempre cheia de alegria e satisfação! Mas sei bem como às vezes, circunstâncias precárias e adversas da vida e da história tornam difíceis certas situações; sei quanto é dura a experiência da emigração, quanto é amargo o desemprego, especialmente dos jovens e dos pais de família. A Igreja e o Papa estão junto de todos e especialmente daqueles que são mais provados.

A todos dirijo um voto, que nasce de um coração que a todos ama: voto de serenidade e prosperidade, voto de elevação social, voto de um ordenado progresso civil.

Ao mesmo tempo que me congratulo com a vossa laboriosidade e com as obras já realizadas para o bem comum, desejo exortar-vos a perseverar corajosa e constantemente no caminho do vosso desenvolvimento, indo ao encontro, juntamente com os Responsáveis da Comunidade, das necessidades e das carências dos irmãos.

3. Mas quereria também deixar-vos uma recordação espiritual que vos sirva como programa de vida e como inspiração nos momentos importantes das vossas decisões. Que posso dizer senão que São Pedro escrevia aos primeiros cristãos: "Resisti firmes na fé!" (cf. 1P 5,9)? Sim, meus caros Filhos, mantende firme a vossa fé em Jesus Cristo, como fizeram os mártires de Ótranto!

Mantende firme a vossa fé nos momentos de provação e sofrimento, recordando aquilo que o mesmo Pedro escrevia: "Pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo, para que vos possais alegrar e exultar no dia em que for manifestada a Sua glória... Se alguém sofre por ser cristão, não se envergonhe, antes, glorifique a Deus por ter este nome!" (1P 4,13 1P 4,16).

Mantende firme a vossa fé especialmente no turbilhão da história, que a todos nos envolve, e às vezes nos arrasta, com os seus contrastes e os seus dramáticos acontecimentos. Na misteriosa dialéctica entre liberdade humana e graça divina, entre pecado do homem e Redenção de Cristo, não estamos sós. É-me grato repetir também a vós o que disse em Le Bourget durante a minha viagem a Paris: "O problema da ausência de Cristo não existe. O problema do seu afastamento da história do homem não existe. O silêncio de Deus relativamente às inquietudes do coração e do destino do homem não existe. Não há senão um só problema que existe sempre e por toda a parte: o problema da nossa permanência em Cristo. Da nossa intimidade com a verdade autêntica das suas palavras e com a força do seu amor" (Homilia da Missa em Le Bourget, 1 de Junho de 1980). Às vezes o horizonte da história fica obscurecido e os ânimos tremem perante o terrível poder do ódio e da violência. Mantende firme a fé em Jesus: Ele é a nossa paz, e guia os acontecimentos para o bem daqueles que amam a Deus humildemente e o servem nos próprios irmãos. "Sede vigilantes — digo-vos ainda com São Pedro — e colocai a vossa esperança na graça que vos será dada no dia em que Jesus Cristo Se manifestar... mas, assim como Aquele que vos chamou é santo, sede também vós santos em todas as vossas acções" (1P 1,13 1P 1,15).

4. Caríssimos, eis-nos chegados ao momento do adeus, enquanto descem as trevas da noite e se acenderam as luzes nas casas e na cidade: é necessário partir!

A tradição diz que os Cristãos de Ótranto, ao caminharem para a colina do martírio, intrépidos mas também humanamente angustiados e perplexos, invocaram Maria Santíssima, para obter socorro e coragem. Pedi-lhe também vós sempre, durante a viagem da vossa vida, que todos possamos um dia merecer a felicidade do céu para o qual unicamente fomos criados!

A Virgem Santa proteja a vossa Cidade!

Os Mártires intercedam por vós!

E acompanhe-vos a minha Bênção, que de coração vos dou, implorando a assistência divina para o próspero futuro desta ilustre Cidade e da população inteira do Salento e da Apúlia.

E em recordação deste encontro, é-me grato benzer a Imagem de Nossa Senhora de Czestochowa, destinada à nova igreja que está em construção no bairro de São Sebastião desta Cidade.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A ÓTRANTO (ITÁLIA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS, SACERDOTES, RELIGIOSOS,


RELIGIOSAS, SEMINARISTAS


E NOVIÇOS DA APÚLIA


Basílica-Catedral de Santa Maria da Anunciação

Domingo, 5 de Outubro de 1980



Venerados Irmãos no Episcopado,
Caríssimos Sacerdotes, Religiosos e Religiosas e vós,
Seminaristas desta dilecta Arquidiocese
e de toda a Região da Apúlia

1. Há uma palavra do Apóstolo Paulo, na qual são bem expressos os sentimentos que se apresentavam ao meu espírito quando pensava neste encontro, e agora enchem o meu coração ao olhar para os vossos rostos e ao ouvir as vossas vozes: "Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós. Em todas as minhas orações peço sempre com alegria por todos vós, recordando-me da parte que tomastes na difusão do Evangelho, desde o primeiro dia até agora. Estou persuadido que Aquele, que principiou em vós a boa obra, a completará até ao Dia de Cristo Jesus" (Ph 1,3-6).

Sim, Irmãos e Filhos caríssimos, estou agradecido primeiro que tudo a Deus por quanto vai operando nas vossas existências, mediante a acção discreta e sábia do Seu Espírito; e estou agradecido, também, a vós todos pela disponibilidade generosa com que, em correspondência às solicitações interiores do amor divino, pondes as vossas energias intelectuais, morais e físicas ao serviço da causa do Evangelho.

2. O nosso encontro realiza-se no cenário sugestivo desta vetusta basílica, que tanta história viu decorrer debaixo das suas abóbadas airosas e solenes. Se há obra capaz de exprimir em síntese harmoniosa a espiritualidade profunda, a gentileza de espírito e o vigor criativo da gente de Ótranto, é certamente a catedral, sobre cujas estruturas arquitectónicas correm neste momento os nossos olhos admirados.

A sucessão das ágeis e esbeltas colunas, a majestosa perspectiva das arcadas, a solene respiração das abóbadas, a onda de luz das monóforas e da rosácea central derrama-se sobre o grandioso mosaico pavimental; tudo se funde num harmonioso poema de fé e de beleza. É poema que os crentes do princípio deste milénio confiaram às gerações futuras, imortalizando na pedra as certezas, e as esperanças que tinham.

Este poema nós, cristãos do fim do milénio, somos chamados a interpretá-lo, para recolhermos a mensagem daqueles nossos antepassados na fé e traduzirmos a plena riqueza dela nos modos de vida próprios do nosso tempo. É mensagem que diz respeito a todos, mas espera ser ouvida e captada sobretudo por aqueles que, pela directa participação no sacerdócio de Cristo ou pela formal profissão dos conselhos evangélicos, fizeram experiência mais íntima e mais profunda da vida nova, que a redenção inseriu na história do mundo.

3. Os habitantes desta terra quiseram que fosse majestosa e solene esta basílica, porque devia ser a igreja catedral, isto é, o lugar sagrado em que o Arcebispo teria a sua cátedra de mestre e de pastor. Aqui viriam escutar a proclamação da eterna Palavra do Evangelho, aqui teriam a necessária instrução sobre os mistérios do Reino, aqui lhes seriam explicadas de modo autorizado as verdades capazes de orientarem a vida e iluminarem a morte.

Não é precisamente esta função da catedral que nós vemos sublinhada e exaltada naquela singular obra-prima que é o mosaico pavimental? Nele a vida humana inteira — nas alegrias e nas dores, nos impulsos de generosidade e nas retiradas egoístas, no decorrer tranquilo entre actividades agrícolas e domésticas, como também no topar imprevisto com a sombra negra do mal e da morte, a vida humana inteira, digo — entra na igreja para pedir à revelação divina uma palavra que a interprete, a esclareça, a oriente e a conforte.

E o discurso do mosaico desenvolve a resposta nas imagens da tentação original e da queda, das consequências funestas do pecado e dos anúncios proféticos da redenção: eis a arca de Noé, símbolo da Igreja; eis o leão de Judá, símbolo de Cristo. O homem é chamado à responsabilidade de uma opção: diante dele estão o bem e o mal, a virtude e o vício. Pode abandonar-se ao ímpeto das paixões, acabando por se escravizar a elas num embrutecimento, de que o vasto mostruário de animais do mosaico oferece uma ilustração impressionante. Ou pode, ao contrário, empenhar-se na luta pelo bem, imitando os justos do Antigo e do Novo Testamento, e lançando-se, como veado na corrida, para a pátria prometida, figurada num maravilhoso jardim.

Este, na substancia, o discurso catequético feito por aquela espécie de "enciclopédia por imagens", que é este vosso estupendo mosaico. Interessa fazer notar que obedeceu à vontade do Arcebispo de Ótranto de então, Jónatas, e foi executado, com generoso contributo de todos os fiéis, por um monge presbítero, Pantaleão. Não há em tudo isto uma referência à importância da catequese e ao empenho que nela devem pôr os Bispos, os Sacerdotes e os Religiosos? O povo cristão é isto que espera, em primeiro lugar, dos seus Sacerdotes e daqueles que fazem uma experiência mais íntima de Deus e do Seu transcendente mistério: que sejam mestres de verdade; não da verdade pessoal ou da de algum outro sábio deste mundo, mas da que Deus nos revelou em Cristo.

Apraz-me recordar o que escrevi a este propósito na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae: "A Igreja, neste século XX prestes a terminar, é convidada por Deus e pelos acontecimentos — que são outros tantos apelos da parte de Deus — a renovar a sua confiança na actividade catequética, como tarefa verdadeiramente primordial da sua missão; ela é convidada a consagrar à catequese os seus melhores recursos de pessoal e de energias, sem poupar esforços, trabalhos e meios materiais, a fim de a organizar melhor e de formar para a mesma pessoas qualificadas. Nisto não há que ater-se a um cálculo simplesmente humano, mas tem de haver uma atitude de fé. E uma atitude de fé refere-se sempre à fidelidade de Deus, que não deixa nunca de corresponder" (n. 15).

4. Outro pensamento guiou certamente os vossos antepassados na construção deste templo, que desejaram luminoso e belo: o pensamento de que devia realizar-se aqui o culto litúrgico, no qual a comunidade, sob a guia dos Sacerdotes, se encontraria com Deus e com Ele entraria em diálogo. A Terra de Ótranto tinha séculos de gloriosas tradições monásticas sobre si, quando se resolveu a pôr mãos a esta obra: ao lado de formas de vida eremítica, tinham florido nela pequenas comunidades de monges (as esíquias) e cenóbios maiores (as lauras); e entre estes teve posição de preeminência durante séculos o mosteiro de San Nicola in Casole.

Como não recordar o testemunho que nos deixou a este propósito São Paulino de Nola, que — dirigindo-se numa poesia ao amigo Niceta, Bispo de Remesiana na Dácia — descreve o acolhimento que lhe seria reservado na sua passagem por estas terras? "A ti, quando passares por Ótranto e por Lecce, rodear-te-ão virginais fileiras de irmãos e de irmãs, cantando a uma voz ao Senhor" (Poema XVII, vv. 85-92: PL 61, 485).

"Innubae fratrum simul et sororum catervae" povoavam, portanto, esta região já naqueles longínquos séculos e com o exemplo da própria devoção ensinavam à gente dos arredores a cantar os louvores do Senhor. São tradições gloriosas para que vós, almas consagradas de hoje, deveis continuar a olhar, a fim de tirar inspiração e incitamento no vosso empenho de total doação a Cristo e à Igreja.

A essas tradições deveis, em particular, recorrer para que saibais amar, cada vez mais intensamente, a divina Liturgia, para que lhe assimileis cada vez com maior compreensão as inexauríveis riquezas e para que lhe celebreis os vários momentos com fé transparente e alegre fervor. Isto espera de vós o povo. Para isto, de facto, construiu a maravilhosa catedral em que estamos recolhidos. Recorrendo às vossas palavras, aos vossos cânticos ao conjunto da vossa atitude durante a celebração dos divinos mistérios, esperam os cristãos poder nalguma medida fazer a experiência da realidade fascinadora e tremenda de Deus três vezes santo.

Seja cuidado vosso rodear de atenções particularmente solicitas o grande "Mistério da Fé": a Eucaristia, na verdade, se foi dada a todos os crentes em Cristo, "a nós foi confiada também 'para' os outros, que esperam de nós particular testemunho de veneração e de amor para com este Sacramento, para que também eles possam ser edificados e vivificados 'para oferecer sacrifícios espirituais' " (Carta do Sumo Pontífice João Paulo II sobre o mistério e o culto da SS. Eucaristia, n. 2).

5. Entre os motivos que levaram os vossos antepassados a edificar este templo vasto e acolhedor não pôde faltar um para o qual desejo, por último, chamar a vossa atenção: aqueles antigos cristãos quiseram construir para si, nesta basílica, um ambiente em que eles, e depois os filhos e os filhos dos filhos, pudessem recolher-se no dia do Senhor para se sentirem "igreja" e se confortarem mutuamente, nos caminhos tormentosos do tempo, mediante a confissão da mesma fé e o antegosto, na esperança, dos mesmos bens prometidos.

A Igreja é a casa em que se reúne a família dos filhos de Deus, para fortificaremos vínculos da comunhão fraterna, superando as possíveis tensões, concedendo os necessários perdões, e oferecendo a cada um o socorro espiritual ou material de que precisa. A Igreja é o lugar em que deve cada um, qualquer que seja a sua origem social, poder viver uma experiência de autêntica fraternidade.

Também a contar deste ponto de vista tem a vossa terra tradições significativas. A posição geográfica, que faz de Ótranto como que uma cabeça de ponte para o Oriente, favoreceu no decurso dos séculos intensas trocas com essas regiões, determinando o encontro e a fusão de raças e culturas diversas. A Igreja soube mergulhar neste mundo cosmopolita, recolhendo-lhe e valorizando-lhe a tendência cosmopolita, tão de acordo com a catolicidade da sua missão. Os mosteiros desta zona, as igrejas disseminadas no território e a própria catedral constituíram outros tantos pontos de encontro entre o pensamento ortodoxo e o latino, entre a liturgia grega e a romana, como também entre os homens de uma margem do Canal e os da outra. Aqui, sob o olhar de Deus, pessoas que falavam línguas diversas e eram tributárias de culturas distantes entre si, puderam sentir-se irmanadas na invocação do único Pai, que se revelou na história mediante a encarnação do Filho, "o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus" (1Tm 2,5).

São testemunhos históricos animadores, que, devem continuar a inspirar a acção da actual Igreja de Ótranto. Guias e modelos deste esforço de comunhão na caridade deveis ser vós, Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, que no sulco destas tradições nobilíssimas crescestes e, dos ensinamentos e dos exemplos destes pioneiros, vos alimentastes. A vós toca a missão de repropor, com a palavra e com a vida, no contexto da actual geração, a eterna mensagem de um amor que, em Cristo; pode abrir-se para acolher todo o ser humano, para o fazer sentar à mesa sobre a qual é partido o Pão único (cf. 1Co 10,16-17).

6. Filhos caríssimos, para a alegria deste encontro perseverar duradoura e se exprimir em frutos fecundos de esforço apostólico, confio os vossos bons propósitos à intercessão da Virgem Maria, cuja imagem dulcíssima ficou — respeitada mesmo na invasão de 1480 — nas paredes da catedral. Vele Nossa Senhora por vós e por tudo o que fazeis em serviço do Reino do seu Filho divino. E obtenha que numerosas vocações surjam desta terra banhada pelo sangue de tantos mártires, para que às novas gerações não faltem pastores corajosos e esclarecidos, que saibam indicar nas mudadas situações do presente, o caminho que leva a Cristo, a Ele "que é o mesmo, ontem, hoje e sempre" (He 13,8).

Com estes votos, ao mesmo tempo que vos renovo o testemunho do meu afecto sincero, concedo a vós todos uma especial Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A ÓTRANTO (ITÁLIA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS JOVENS


Esplanada dos Heróis

Domingo, 5 de Outubro de 1980



Caríssimos Jovens!

1. Ao concluir esta intensa e esplêndida jornada da peregrinação que me conduziu à vossa Ótranto, para venerar os Oitocentos Mártires no quinto centenário do seu testemunho de fé e de sangue, encontro-me convosco, que sois e representais o futuro da vossa Cidade, da vossa Pátria, da Igreja, e trazeis no coração, como uma preciosíssima herança, o admirável exemplo daquelas Otrantinos, que a 14 de Agosto de 1480 — na alvorada daquela que é considerada historicamente a "época moderna" — preferiram sacrificar a própria vida a renunciar à fé cristã.

É esta uma página brilhante e gloriosa para a história civil e religiosa da Itália, mas, especialmente, para a história da Igreja peregrina neste mundo, a qual deve pagar, através dos séculos, o seu tributo de sofrimento e de perseguição para manter intacta e imaculada a sua fidelidade ao Esposo, Cristo, Homem-Deus, Redentor e Libertador do homem.

Vós, caríssimos jovens, sois legitimamente orgulhosos de pertencer a uma estirpe generosa, corajosa e forte, que se espelha com satisfação naqueles Oitocentos Otrantinos que, depois de terem defendido com todos os meios a sobrevivência, a dignidade e a liberdade da sua dilecta cidade e das suas casas, souberam também defender, de maneira sublime, o tesouro da fé, a eles comunicado no Baptismo.

2. Não podemos ler hoje, sem intensa emoção, as crónicas das testemunhas oculares do dramático episódio: os cidadãos de Otranto, com mais de quinze anos, foram colocados diante da tremenda alternativa: Ou renegar a fé em Jesus Cristo, ou morrer atrozmente. António Pezzulla, um cortador de panos, respondeu por todos: "Nós cremos em Jesus Cristo, Filho de Deus; e por Jesus Cristo estamos prontos a morrer!".

E em seguida, todos os outros, exortando-se mutuamente, confirmaram: "Morremos por Jesus Cristo, todos; morremos de bom grado, para não renegar a sua santa fé!".

Eram, por acaso uns iludidos, homens fora do seu tempo? Não, caríssimos jovens! Eles eram homens, homens autênticos, valorosos, decisivos, coerentes e arraigados na sua história; eram homens, que amavam intensamente a sua cidade; estavam fortemente ligados às suas famílias; entre eles havia jovens, como vós, e desejavam, como vós, a alegria, a felicidade e o amor; sonhavam um honesto e seguro trabalho, um santo lar, uma vida serena e tranquila na comunidade civil e religiosa!

E, com lucidez e com firmeza, fizeram a sua opção por Cristo!

Em quinhentos anos a história do mundo passou por muitas mudanças; mas o homem, na sua mais profunda interiorização, manteve os mesmos anseios, os mesmos ideais e as mesmas exigências; continuou exposto às mesmas tentações, que — em nome dos sistemas e das ideologias da moda — procuram esvaziar o significado e o valor do facto religioso e da própria fé cristã.

Diante das sugestões de certas ideologias contemporâneas, que exaltam e proclamam o ateísmo teórico ou prático, eu vos pergunto, Jovens de Ótranto e da Apúlia: estais dispostos a repetir, com plena convicção e consciência, as palavras dos Beatos Mártires: "Preferimos antes morrer por Cristo sob qualquer género de morte, que renegá-1'O"? Estar dispostos a morrer por Cristo comporta o compromisso de aceitar, com generosidade e coerência, as exigências da vida cristã, isto é, significa viver por Cristo.

3. Os Beatos Mártires deixaram-nos — e em particular deixaram a vós — duas palavras de ordem fundamentais: o amor à Pátria terrena e a autenticidade da fé cristã.

O cristão ama a sua Pátria terrena. O amor da Pátria é uma virtude cristã; no exemplo de Cristo, os seus primeiros discípulos manifestaram sempre uma sincera "pietas", um profundo respeito e uma límpida lealdade para com a Pátria terrena, mesmo quando eram ultrajados e perseguidos até à morte pelas autoridades civis.

Os cristãos deram durante o curso de dois milénios e continuam a dar hoje o seu contributo de trabalho, de dedicação, de sacrifício, de preparação e de sangue para o progresso civil, social e económico da sua Pátria!

A segunda palavra de ordem, a nós deixada pelos Beatos Mártires é a autenticidade da fé. O cristão deve ser sempre coerente com a sua fé. "O martírio — escreveu Clemente Alexandrino — consiste em testemunhar Deus. Mas toda a alma que procura com pureza o conhecimento de Deus e obedece aos mandamentos de Deus é mártir, tanto na vida como nas palavras. Ela, de facto, embora não derrame o sangue, derrama a sua fé, pois que pela fé se separa do corpo mesmo antes de morrer" (Stromata, 4, 4, 15: ed. Staehlin II, p. 255).

Sede jovens de fé! de verdadeira e de profunda fé cristã! O meu grande Predecessor Paulo VI a 30 de Outubro de 1968, após ter falado sobre a autenticidade da fé, recitou uma sua oração "para conseguir a fé".

Tendo presente aquele texto tão incisivo e profundo, faço votos por que, a exemplo dos Beatos Mártires de Ótranto, a vossa fé, ó jovens, seja certa, isto é fundada na Palavra de Deus, no aprofundado conhecimento da mensagem evangélica e, especialmente, da vida, da pessoa e da obra de Cristo; e além disso no interior testemunho do Espírito Santo.

A vossa fé seja vigorosa; não hesite, não vacile diante das dúvidas e das incertezas, que sistemas filosóficos ou correntes modernas quereriam sugerir-vos; não chegue a compromissos com certas concepções, que quereriam apresentar o cristianismo como uma simples ideologia de carácter histórico e portanto a colocar-se no mesmo nível de tantas outras já superadas.

A vossa fé seja alegre, porque baseada na consciência de possuir um dom divino. Quando orardes e dialogardes com Deus, e quando vos entretiverdes com os homens, manifestai a alegria desta invejável posse.

A vossa fé seja activa, se manifeste e concretize na operosa e generosa caridade para com os irmãos, que vivem abatidos pelo sofrimento e pela necessidade; se manifeste na vossa serena adesão ao ensinamento da Igreja, Mãe e Mestra de verdade; se exprima na vossa disponibilidade a todas as iniciativas de apostolado, nas quais sois chamados a participar para a dilatação e a construção do reino de Cristo!

Confio estes meus pensamentos aos Beatos Mártires, cuja intercessão hoje invoco, de modo particular, por vós, jovens, a fim de que, como eles, saibais viver com renovado empenho as exigências da mensagem de Jesus.

Com a minha Bênção Apostólica. Amém!



Discursos João Paulo II 1980 - Quinta-feira, 2 de Outubro de 1980