Discursos João Paulo II 1980 - 14 de Novembro de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À ASSEMBLEIA PLENÁRIA «IUSTITIA ET PAX»


Sexta-feira, 14 de Novembro de 1980



Senhor Cardeal,
Queridos Irmãos e Irmãs

É normal e benéfico que o Papa reserve regularmente um momento para cada um dos Dicastérios da Santa Sé, e de modo especial durante o tempo forte de trabalho da mesma, da sua reunião plenária. Quero dizer-vos que me sinto feliz por este encontro.

1. Ao longo desta décima quarta Assembleia geral da Pontifícia Comissão "Iustitia et Pax", todos vós, Membros e Secretariado, reflectistes conjuntamente para uma melhor tomada de consciência de problemas importantes que marcam a nossa época no campo do desenvolvimento, das relações entre os povos, dos direitos do homem e da paz. Cada um de vós contribuiu para isso a partir da sua própria experiência e do seu próprio empenho. Regozijo-me pelo trabalho que realizastes e agradeço a todos e a cada um por aquilo que esta Assembleia levará missão da Igreja e ao Ministério pastoral que me está confiado.

2. A vossa tarefa é efectivamente uma contribuição para o ministério pastoral da Igreja, para a Igreja e, através dela, para toda a humanidade. A Constituição pastoral Gaudium et Spes — que tem relevo particular para a vossa Comissão e para todas as Comissões nacionais "Iustitia et Pax" em ligação convosco — exprimiu fortemente esta ideia: "Simultaneamente, 'assembleia visível e comunidade espiritual', a Igreja caminha a par com toda a humanidade e partilha o destino terrestre do mundo; ela é como o fermento e, por assim dizer, a alma da sociedade humana, chamada a ser renovada em Cristo e transformada na família de Deus. ... Assim, através dos seus membros, e da comunidade que ela forma, a Igreja crê poder contribuir larga-mente para tornar cada vez mais humana a família dos homens e a sua história" (Const. Gaudium et Spes GS 40,2-3).

Sim, graças a esta fé oferecida em testemunho e traduzida em acção concreta, leva-nos a humanizar, tenda em conta a dimensão plena da pessoa, com os seus valores fundamentais, culturais e religiosos.

3. Esta plena dimensão espiritual encontra-se muitas vezes negligenciada ou ausente nos nossos dias nos empreendimentos dos homens e das nações. Está ausente na sua totalidade profunda. Está ausente quando uma sociedade se fecha em si mesma e tem em vista objectivos em que só uma parte do povo beneficia com prejuízo dos outros. Tomando disso uma consciência viva e muitas vezes angustiante, muitas pessoas de boa vontade, muitos cristãos, e em particular a vossa Comissão não hesitam em consagrar a própria atenção e as próprias forças à grande tarefa do desenvolvimento autêntico do homem e dos povos, que se apresenta como um grande desafio. Porque cada dia traz novos obstáculos ao caminho do desenvolvimento integralmente humano e vós podeis fazer um inventário deles. É certo que abundam teorias e diligências que têm em vista o progresso do homem, mas de maneira muitas vezes parcial; ou procuram satisfazer as necessidades materiais com prejuízo dos valores culturais e espirituais. É dentro deste contexto que podemos descobrir a nossa vocação especifica. Primeiramente devemos considerar bem os problemas reais e os meios técnicos, científicos ou políticos propostos para chegarmos a soluções. Mas o nosso papel especifico de cristãos, o papel da Igreja, é o de confrontar estas possibilidades com os critérios do homem, da sua verdadeira natureza e do seu destino, da sua vocação transcendental.

4. Para salvaguardar este destino, cada homem deve poder exercer a sua liberdade, num clima de equidade e sem angústia. É preciso lembrar que ele deveria primeiramente comer da sua fome, e sobre este ponto nada se negligenciaria para tornar os nossos contemporâneos e os responsáveis mais conscientes deste problema primordial da subsistência para populações inteiras que sofrem, aqui e acolá, de grandes ameaças para o seu sustento e saúde. Mas é preciso também que cada pessoa possa viver com dignidade, em pé de igualdade com os outros; a pessoa deve sentir a certeza que a sua vida será respeitada, assim como os seus direitos inalienáveis. A tortura deve ser denunciada e banida, mas também a suspeita sistemática que sufoca a justa liberdade do homem e o paralisa constantemente, impedindo-o de ser livre nas suas escolhas fundamentais, nas suas ideias e na sua fé, contanto que o bem comum não seja de modo algum ameaçado.

Para salvaguardar este destino do homem, cada povo e cada nação deve poder exercer livremente o seu direito a manter e a desenvolver a sua própria identidade, o seu património cultural, o seu futuro, possuindo os meios para ser senhor do seu destino e independente. Deve ser capaz de desenvolver os seus próprios recursos e de receber uma recompensa adequada pelos frutos do seu trabalho. Deve poder partilhar as riquezas autênticas do seu património com os outros. Resumindo, deve poder tornar-se, na realidade, parte integral na família das nações.

Enumerando estas condições como exemplos, pode dar-se a impressão de um ideal utópico que está longe de ser realizado. Mas oportuna e importunamente, é preciso formar as consciências a desenvolverem um desejo ardente por esse bem, é preciso encorajar os homens e os povos que procuram a realização dele para si mesmos e para os outros; é preciso sobretudo encorajar as iniciativas positivas que se desenvolvem neste sentido. Ao lado do Papa, a vossa Comissão traz uma contribuição de interesse neste campo.

5. A possibilidade de realizar um tal desenvolvimento dará às nações e ao mundo inteiro esta visão de esperança da qual têm tanta necessidade nos nossos dias e que depende, em grande parte, da vontade política dos responsáveis pelo destino dos povos, uma vontade decidida a criar as condições necessárias para uma comunidade de fraternidade e de solidariedade. Entre estas condições, uma das mais urgentes é a paz.

Neste campo, o mundo apresenta-nos ainda hoje sinais contraditórios. Certamente, também testemunhamos muitas iniciativas generosas que procuram garantir a segurança e a paz. Mas também se vêem, por outro lado, tensões que aumentam, conflitos que persistem ou renascem, guerras que surgem e se prolongam, com o seu cortejo de ódios exacerbados, de destruições inúteis tão perniciosas ao futuro, mortes de que populações são vitimas. Constata-se além disso que a espiral da corrida aos armamentos continua sacrificando as necessidades sociais reais e particularmente negligenciando as necessidades dos pobres.

A vontade política da paz deve pois dirigir-se para as atitudes que são a base das tensões: a animosidade e o ódio, o egoísmo e a desconfiança, a competição enganadora e o cego interesse próprio. A vontade política deve deixar-se conduzir pela verdade.

Seja-me permitido referir-me ao tema do Dia Mundial da Paz: "A verdade, força da paz". Sim, é a verdade que dissipará as trevas dos mal-entendidos e das erupções de violência; é a verdade que mostrará o caminho da confiança e do diálogo; é a verdade que tornará possível o respeito mútuo e a colaboração; é a verdade a única que há-de garantir a liberdade.

6. A verdade sobre o homem, fundamento da paz e condição do desenvolvimento, vos trace o caminho a seguir no vosso trabalho tão vasto e importante. Ela coloca-vos no centro da obra de evangelização e de promoção humana a que vos empenha a vossa pertença à Pontifícia Comissão "Iustitia et Pax"; ela coloca-vos no centro da missão da Igreja no mundo. Porque, ajudando a família humana, vós manifestais e actualizais o mistério do amor de Deus pelo homem (cf. Constituição Gaudium et Spes GS 45, par. 1).

Seja sempre o vosso ministério de justiça e de paz um ministério de amor, e direi mesmo de misericórdia!

A todos vós, e em primeiro lugar a si, caro Cardeal Gantin, a si, Padre Schotte, no seu novo cargo de Secretário; a vós, membros da Comissão vindos de todos os continentes, e membros do Secretariado, quero exprimir a minha confiança, o meu encorajamento, a certeza da minha oração, e abençoo-vos de todo o coração.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS A COLÓNIA


Aeroporto de Colónia

Sábado, 15 de Novembro de 1980



1. Com profunda emoção interior e gratidão à Providência Divina, que, por imperscrutável desígnio, me chamou para a Sé de Pedro, piso o solo alemão, cujo povo e País conheci e apreciei pessoalmente mediante outras visitas.

Agradeço-lhe sinceramente, Ilustríssimo Senhor Presidente, as palavras de saudação que me honram altamente e retribuo-lhe de coração a expressão de profunda estima, com que Vossa Excelência me apresentou em nome do Seu povo as boas-vindas para a minha visita à República Federal da Alemanha. Ao saudá-lo, faço-o igualmente às Personalidades presentes da política e da sociedade, ao Corpo Diplomático aqui acreditado e a todos os cidadãos do Seu País. A minha saudação fraterna dirige-se de modo particular aos representantes da Igreja, sobretudo ao Eminentíssimo e tão estimado Senhor Cardeal Joseph Haffner, ao mesmo tempo que, por seu intermédio, exprimo a todos os pastores e fiéis da Igreja na Alemanha a minha amizade e o meu afecto e amor.

2. Com alegria aceitei o amável convite da Conferência Episcopal Alemã e do Senhor Presidente para esta visita à República Federal da Alemanha. Como já salientei ao anunciá-la no dia 10 de Agosto deste ano, com a minha peregrinação ao Seu País desejo homenagear toda a grande Nação alemã, cuja história está ligada de maneira tão íntima à história do cristianismo e da Igreja e que recebeu uma característica muito profunda da tradição cristã. No curso dos séculos muitos homens e mulheres alemães, com o exemplo da sua santidade, com a genialidade no campo da arte e da ciência, em particular com a profunda reflexão filosófica e a investigação teológica, têm dado um precioso contributo para o património espiritual e cultural da Igreja e de toda a humanidade.

Precisamente hoje no mundo inteiro comemoramos com a Igreja um tão eminente filho do Seu País, que até mereceu o título honorífico de "Grande": Santo Alberto Magno, cujo 7º centenário da morte celebramos solenemente este ano. Testemunhar a minha particular veneração ao seu sagrado túmulo e ao lugar da sua, última incansável actividade é, como todos sabem, o motivo que justifica a minha hodierna peregrinação. Nele homenageio o génio do povo alemão, homenageio sobretudo a Igreja católica deste País, a qual permaneceu, como no passado, até aos nossos dias, um membro muito respeitado e vivo da Igreja universal. O seu influxo espiritual inspirador é sentido ainda hoje, não esquecendo a competente colaboração dos bispos e teólogos alemães para as deliberações e decisões do Concílio Vaticano II, na vida da Igreja para além dos confins deste País.

O sentido de responsabilidade dos católicos alemães pela sua igreja local encontra concreta expressão, além disso, nas conhecidas grandes obras episcopais de auxilio, no generoso compromisso missionário e nas actividades de caridade em favor dos mais necessitados do mundo inteiro. Por isso, esta visita, em conexão com as minhas três precedentes peregrinações apostólicas nos Países do Terceiro Mundo (México, África e Brasil), quer ser também expressão de reconhecimento e gratidão pelo facto de que a Igreja e em geral os cidadãos do Seu País, em espírito de universal solidariedade fraterna, se sentem de tal modo ligados à população pobre das regiões afligidas pela fome e pelas doenças, por catástrofes naturais e pela insuficiência humana, e lhe prestam com magnanimidade ajuda e assistência.

3. Mas, como já foi realçado no mencionado motivo da minha visita, esta viagem apostólica à República Federal da Alemanha — como todas as precedentes — tem também carácter exclusivamente pastoral e religioso. Ela diz respeito, sem dúvida, a todos os homens deste País, dos quais posso vir ao encontro no nome de Jesus Cristo como o seu amigo e irmão; diz respeito contudo, em particular, aos meus irmãos e irmãs na fé os bispos, os sacerdotes, os religiosos e os leigos nos seus multíplices campos de vida e de trabalho, esperando encontrar-me com todos, um por um, durante a minha visita de 5 dias nos diversos lugares. Sinto-me obrigado, ao mesmo tempo, a saudar todos os irmãos não ainda em plena união connosco na fé. Alegro-me pelo previsto encontro pessoal com os representantes responsáveis das suas Igrejas e Comunidades locais. Oxalá Deus conceda que a minha peregrinação, para além dos confins confessionais, possa contribuir para maior compreensão mútua e aproximação entre todos os cristãos e promover a pacífica convivência de todos os homens neste País.

Vim aqui, à República Federal da Alemanha, precisamente no ano em que os nossos irmãos e irmãs evangélicos comemoraram solenemente a Confessio Augustana, proclamada há 450 anos. Seja-me permitido dizer-vos que era para mim um particular desejo estar convosco justamente agora. Possa aqui, onde a Reforma teve o seu início, reduplicar-se também o esforço de, em fidelidade ao único Senhor da Igreja e à Sua mensagem, tudo fazer quanto é humanamente possível, para que se realizem o desejo do Seu Coração e a Sua oração: "Para que todos sejam um" (Jn 17,21).

4. Pelo mandato a mim confiado pelo Senhor, sei que sou enviado particularmente aos irmãos e irmãs da Igreja católica deste País, para os confirmar na sua fé e no seu testemunho a Cristo crucificado e ressuscitado, no mundo de hoje, e os estimular, perante a crescente provocação de um ambiente religiosamente indiferente, a corresponderem com maior decisão e coragem a uma conformação da família, da profissão e da sociedade, da maneira mais digna do homem.

Com esta minha peregrinação retribuo ao mesmo tempo a visita que os católicos alemães, em tão grande número, me fizeram durante os primeiros dois anos do meu Pontificado nas audiências gerais de todas as semanas no Vaticano. Também se, por motivo de tempo, posso visitar somente alguns lugares importantes, deste modo convido cordialmente todos os fiéis e comunidades, particularmente aqueles irmãos e irmãs que, por doença ou outras circunstâncias, não podem participar pessoalmente, a unirem-se em espírito durante as celebrações litúrgicas dos próximos dias à grande comunidade em oração, mediante a sua prece e os seus sacrifícios. Oxalá este memorável encontro do Sucessor de Pedro com o povo de Deus na República Federal da Alemanha, através do nosso comum louvor a Deus, no qual nos sentimos Igreja de maneira mais profunda e o realizamos em viva comunhão, possa tornar-se, para todos, dias de graça e de renovação religiosa. Para tanto, Santo Alberto implore a Deus assistência e bênçãos para nós!

Agradeço-lhe sinceramente mais uma vez, Ilustríssimo Senhor Presidente, e a todos os que juntamente com Vossa Excelência me honram com a sua presença, o acolhimento amigo e a cordial hospitalidade que desde este momento me oferecem no seu País para a visita pastoral que agora inicio.

Deus abençoe todos os Alemães no mundo!

Deus proteja a República Federal da Alemanha!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS AUTORIDADES CIVIS


DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA


Castelo Brühl, Bonn

Sábado, 15 de Novembro de 1980



Senhor Presidente da República Federal,
Senhor Chanceler Federal,
Senhor Presidente da Câmara,
Veneráveis Irmãos no Episcopado,
Senhoras e Senhores!

1. É para mim uma alegria particular poder encontrar-me convosco, máximos e mais autorizados representantes da vida politica, cultural, económica e religiosa desta Nação, durante a minha visita na República Federal da Alemanha. Saúdo nas vossas pessoas todos aqueles que também têm responsabilidades neste país pelo bem-estar e o destino de todo o povo.

Agradeço sinceramente ao Presidente da República Federal as suas cordiais boas-vindas e a vós todos que me honrais com a vossa presença. A vossa grande cortesia é reservada certamente não tanto à minha qualidade de soberano do Estado do Vaticano, externamente não aparatoso, mas sobretudo à missão religiosa que me foi confiada como supremo Pastor da Igreja católica. É unicamente por esta razão que me induz a deixar de novo, por alguns dias, a Cidade eterna, no espírito dos meus grandes predecessores na Sé de Pedro e respondendo às novas exigências pastorais dos nossos tempos, para fazer uma visita pastoral aos irmãos e às irmãs da minha religião nas várias igrejas locais e nos vários continentes.

2. Os meus encontros com as máximas autoridades nacionais e civis durante as minhas viagens apostólicas têm por fim ser não só gestos de cortesia e de estima, mas ao mesmo tempo expressão da solidariedade e da co-responsabilidade à qual a Igreja se reconhece comprometida em virtude da sua missão — tendo em conta as circunstâncias existentes — juntamente com o Estado para o bem comum dos cidadãos. Embora a missão dada por Cristo à Igreja seja de outra ordem, isto é, religiosa, como salienta o Concílio Vaticano II "precisamente desta missão religiosa fluem uma missão, luz e forças que podem servir para estabelecer e consolidar a comunidade humana segundo a Lei Divina" (Gaudium et Spes GS 42).

A história do vosso povo e de todo o ocidente cristão é rica de exemplos iluminadores e de frutos preciosos de uma semelhante colaboração co-responsável e confiante entre Estado, sociedade e Igreja. Testemunhos eloquentes do modo como estão unidas a força da fé e a estrutura do mundo não são somente as esplêndidas catedrais, os veneráveis cláustros e as universidades com as suas vastas bibliotecas e as muitas outras instituições culturais e sociais, mas também a civilização técnica e a própria cultura moderna, as quais não podem ser compreendidas sem o decisivo contributo histórico, espiritual e moral do cristianismo desde as suas origens. Por fim, as ideologias a-religiosas e anti-religiosas modernas dão também testemunho da existência e do alto valor daquilo que elas tentam negar e destruir com todos os meios.

3. Devido ao seu significativo contributo espiritual-religioso, cultural e científico, o povo alemão merece um reconhecimento na história da Igreja e na história espiritual da Europa. Existem certamente no seu passado luzes e sombras, como na vida de todas as nações, exemplos de extrema grandeza humana e cristã, mas existem também divergências insuperáveis, provas, acontecimentos profundamente trágicos. Existem períodos em que a vida desta nação correspondeu à verdadeira virtude humana e cristã, mas houve também períodos que se encontraram em contradição com ela na convivência civil e internacional. Mas o vosso País soube sempre sair de ruínas e sofrimentos — como por exemplo os da última guerra mundial — e fortificar-se de novo. A estabilidade política, o progresso técnico-científico e a proverbial diligência e assiduidade dos cidadãos ajudaram a República Federal da Alemanha a atingir, nestes últimos decénios, bem-estar e paz social dentro dos seus confins, e a adquirir prestígio e influência na comunidade internacional dos povos. Todavia, ficou ainda para o vosso povo a dolorosa divisão que, espero, deverá encontrar também ela uma pacífica e obrigatória solução numa Europa unida.

Permiti-me, Senhoras e Senhores, neste momento de esforços para conseguir a paz, com os quais também o vosso País procura contribuir de maneira determinante para a compreensão entre os povos a nível mundial, permiti-me pôr em relevo, com particular alegria, a disponibilidade cada vez maior de entendimento entre os vossos cidadãos e o povo polonês. A este respeito deve-se reconhecer de modo apreciável também o mérito não pequeno dos cristãos de fé evangélica, como também dos Bispos e dos católicos dos dois países. Em todas as relações mantidas entre os povos vale este princípio: não é a acusa de graves ofensas e sofrimentos reciprocamente provocados e suportados, mas unicamente a vontade de reconciliação e a busca comum de novos caminhos para uma convivência pacífica, que podem explanar e assegurar aos povos um caminho para um futuro melhor.

Do mesmo modo, é uma particular honra para os vossos responsáveis na política, na Igreja e na sociedade o facto de serem cada vez mais conscientes da grande responsabilidade dos países ricos em relação aos países do Terceiro Mundo, e procurarem corresponder mediante programas e iniciativas do Estado e da Igreja, e também mediante intervenções de auxílio concreto da parte dos cidadãos. Também neste campo já foram realizadas muitas coisas dignas de louvor. Todavia, como pude verificar pessoalmente através das minhas recentes viagens apostólicas nalguns destes países, e como salientou a competente Comissão norte-sul com grande insistência no seu recente relatório conclusivo, devem-se fazer ainda esforços muito maiores e tomar medidas muito mais decisivas a nível nacional e internacional, para combater de maneira mais eficaz e prometedora a fome e a miséria nos países e continentes menos privilegiados. Se desenvolvimento é o novo nome da paz, como salientara o Papa Paulo VI na sua Encíclica "Populorum progressio", um empenho comum ainda mais forte e mais desinteressado que tenha em consideração as exigências dos povos do Terceiro Mundo, é o imperativo mais urgente desta hora, para garantir a paz mundial de modo duradouro. Uma forte autolimitação das nações ricas não deveria ser um sacrifício inaceitável.

4. As muitas coisas boas e positivas que acontecem também no mundo de hoje — não obstante muitos profetas de desventura —, graças aos novos êxitos técnicos, com um raio de eficácia muito maior, para tornar cada vez mais dignas do homem as condições de vida da inteira família humana e de cada homem individualmente, são para nós motivo de alegria e de gratidão para com Deus, que é também Senhor do nosso tempo. A Igreja, em virtude da sua missão de salvação, estimula e apoia o mais possível tudo aquilo que pode contribuir para elevar e desenvolver o homem na sua plenitude, como o demonstra clara e precisamente a colaboração confiante e a participação plena entre Estado e Igreja em diversos sectores e a diversos níveis no vosso País.

Este reconhecimento das coisas boas e louváveis na sociedade moderna deve todavia fazer ver também as carências e os perigos a que o homem de hoje está cada vez mais exposto. Quanto mais clara é a luz, tanto mais evidentemente se manifestam as sombras e a obscuridade ameaçadora dos progressos sem êxito. "Uma análise crítica da nossa civilização contemporânea", como disse o ano passado no meu discurso às Nações Unidas, "põe em evidência que ela, sobretudo durante este último século, contribuiu como nunca anteriormente para o desenvolvimento dos bens materiais, mas que gerou também, na teoria e mais ainda na prática, uma série de atitudes, nas quais, em grau mais ou menos relevante, se acha diminuída a sensibilidade quanto à dimensão espiritual da existência humana por causa de certas premissas em virtude das quais o sentido da vida humana passou a ser relacionado prevalentemente com os condicionamentos materiais e económicos, ou seja, com as exigências da produção, do mercado, dos consumos, da acumulação de riquezas, ou da burocratização, com que se procura regular os correspondentes processos" (Disc. às Nações Unidas, n. 15, L'Oss. Rom língua port. , Rm 9).

Todo o pressuposto progresso é verdadeiro progresso somente quando serve o homem na sua totalidade. Esta integridade do homem inclui necessariamente além dos valores materiais também os valores espirituais e morais. Por conseguinte "não podemos medir o progresso da humanidade somente pelo progresso da ciência e da técnica..., mas simultaneamente pelo primado dos valores espirituais e pelo progresso da vida moral (l.c., n. 7, PP 7-8). É pois um erro muito deplorável e grave que se troque frequentemente na sociedade moderna um justificado pluralismo por uma neutralidade dos valores, e que, em nome de uma democracia mal compreendida, se julgue poder desprezar cada vez mais normas éticas e o emprego da categoria moral de bem e de mal, na vida pública.

5. Este progresso, cujos efeitos negativos se observam também no interior da vida da Igreja, é objecto de crescente atenção e preocupação na própria Igreja. Desde .que foi fundada por Jesus Cristo, que declarou solenemente diante de Pilatos e na iminência da sua morte, que para isso tinha nascido e para isso tinha vindo ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade (cf. Jo Jn 18,37), a Igreja, em virtude da sua missão, com a alegre notícia da redenção e da sua salvação como seu pressuposto imprescindível, sempre reconheceu, estimulou e defendeu vigorosamente a dimensão espiritual-moral da pessoa humana. Fá-lo não só para ser fiel ao ensinamento revelado e a ela confiado, mas também por uma profunda consciência de responsabilidade pelos homens, ao serviço e para o bem dos quais sabe que foi enviada. A Igreja professa a semelhança do homem à imagem de Deus e por conseguinte a sua imprescindível dignidade. Nela se fundem por fim os seus direitos fundamentais inalienáveis assim como os valores fundamentais para uma convivência social digna do homem. A discussão sobre os valores fundamentais, que teve lugar com tanta vivacidade no vosso país durante estes últimos anos, salienta a particular actualidade e necessidade desta nova recordação das bases sólidas da nossa civilização e da nossa sociedade moderna.

Em virtude da missão profética a ela transmitida, a Igreja não pode nunca deixar de indicar como culpa moral ou como pecado, em nome da verdade, tudo aquilo que transgride claramente a dignidade do homem e o mandamento de Deus. Não pode sobretudo calar quando bens de direito tão elevados como a vida humana, de qualquer forma ou em qualquer época, se arriscam a ser objecto de arbítrio.

A Igreja é enviada para dar testemunho da verdade e dá com isso um precioso contributo a uma atitude da vida social e pública digna do homem. Oportuna ou inoportunamente recorda a alta dignidade e a vocação do homem como criatura de Deus. Esta dignidade que todos reconhecem resplende com toda a clareza e grandeza em Jesus Cristo, na mensagem da sua vida e no seu ensinamento. N'Ele somente — esta é a convicção de fé cristã — o homem experimenta toda a verdade em si mesmo. "Sem Cristo, de facto, não se pode compreender o homem", como tive ocasião de salientar no meu discurso na Praça da Vitória em Varsóvia. "Não pode compreender quem é, nem qual é a sua verdadeira dignidade, nem qual seja a sua vocação, nem o destino final" (L'Oss. Rom língua port. , Rm 6). Se os cristãos tomarem a verdade sobre o homem, revelada por Cristo, como fundamento do seu testemunho de vida e do seu agir social, será um serviço para todos: a dignidade do homem, que todos reconhecem e que deve ser reconhecida por todos, ressalta muito mais nítida e completa.

6. Não queria concluir estas minhas breves considerações, Senhoras e Senhores, sem vos fazer um apelo, sobretudo àqueles que, entre vós, compartilham comigo as mesmas convicções de fé, apelo a que vos torneis de novo conscientes dos fundamentos cristãos da história do vosso povo e da constituição do vosso estado hodierno, que traz a marca cristã. Uma profunda renovação moral da sociedade pode ter lugar de modo eficaz só do interior, das raízes. Depois de as grandes ideologias e os messianismos do último século, aparentemente muito prometedores, terem falido tão miseravelmente e a humanidade ter chegado à beira do abismo, a Igreja encoraja hoje com muito mais energia os povos e todos aqueles que têm a responsabilidade deles, a lembrarem-se de novo do homem, da sua autêntica dignidade e dos seus direitos fundamentais e imprescindíveis — numa palavra: do homem em Cristo, para construir, a partir d'Ele e juntamente com Ele, o presente para um futuro melhor, numa perspectiva cheia de esperança. Só assim podem nascer possibilidades não só para cada nação mas também para a Europa e para toda a humanidade, a fim de que sejam superados na plena dignidade do homem os perigos que se deparam cada vez mais ameaçadores no horizonte da história e para uma vida verdadeiramente realizada de todos os povos e de todos os homens na verdade, na justiça e na paz.

Invoco, pois, para vós, Senhoras e Senhores, e para todo o vosso povo luz e força de Deus, principio e fim de toda a história, e peço que a sua protecção e a sua bênção permaneçam em vós.







VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO POVO E ÀS AUTORIDADES


DIANTE DA CATEDRAL DE BONN


Sábado, 15 de Novembro de 1980



Louvado seja Jesus Cristo

De coração agradeço-vos, caros irmãos e irmãs, por terdes preparado, em hora bastante tardia, tão cordiais boas-vindas à vossa cidade de Bonn, a mim, Peregrino apostólico no vosso País. Saúdo os que estão aqui presentes e todos os habitantes da República Federal com as palavras de bênção do Salmista: "Reine a paz nos teus muros... Por amor dos meus irmãos e dos meus amigos, pedirei a paz para ti!" (Ps 121,7-8). A minha saudação dirige-se especialmente aos representantes supremos da comunidade civil e eclesial, ao Senhor Presidente da Câmara e ao Senhor Decano da cidade. Ao mesmo tempo saúdo os representantes das igrejas cristãs e da comunidade hebraica.

A venerável basílica da vossa Catedral, junto da qual nos encontramos, conserva na cripta, como precioso tesouro, os túmulos dos padroeiros da vossa cidade, os santos mártires romanos Cássio e Florêncio. Estes primeiros monumentos do cristianismo recordam-vos sempre as raízes cristãs da vossa cidade e da vossa cultura. A heróica profissão de Cristo por parte destas duas testemunhas da fé, cuja festa celebrais solenemente todos os anos com o Magistrado da cidade, é para vós uma obrigação. Sede também vós, hoje, cristãos muito convictos e convincentes! A actual renovação da vossa magnífica casa de Deus, seja para vós um apelo. Também nós, pedras vivas do templo espiritual da Igreja, devemos sempre renovar-nos em Jesus Cristo, até estarmos perfeitamente conformados n'Ele.

"Por amor da casa do Senhor, nosso Deus, pedirei para ti todos os bens" (Ps 121,9).

Com estas palavras do mesmo Salmo imploro a perene protecção e bênção de Deus para a vossa cidade e para todos os seus habitantes. Deus abençoe as famílias com os seus filhos! Abençoe os anciãos! Todos os que estão de cama enfermos! Abençoe quem quer que se sinta só ou esteja preocupado e esmorecido!

Finalmente os nossos particulares votos de bênção, nesta capital da República Federal, dirijam-se a todos aqueles que têm grande responsabilidade pela sorte política e pelo 'hem-estar do vosso povo e da comunidade internacional dos povos. Oxalá Deus ilumine com a Sua luz os vossos colóquios e decisões!

Rezemos agora pela vossa cidade, pelo vosso povo e por toda a Igreja, como o Senhor nos ensinou a rezar:

"Pai nosso que estais nos céus...".



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS MEMBROS SOCIEDADE KOLPING


Igreja dos Frades Menores Conventuais

Colónia, 15 de Novembro de 1980



Querida Sociedade Kolping!

A Catedral de onde acabamos de vir tem duas enormes torres que se levantam para o céu como sinais da fé. A igreja dos Frades Menores é da mesma época da Catedral e contém duas torres espirituais da fé; o conhecido teólogo Duns Scoto e o grande pastor de almas Adolph Kolping. Duns Scoto introduziu-nos no mistério da Imaculada Conceição de Maria e indicou o seu lugar no plano salvífico de Deus. Está igreja foi dedicada à Imaculada como a primeira igreja no norte dos Alpes. Ao lado do pensador repousa nesta igreja o pastor de almas, escritor popular e apóstolo social Adolph Kolping

Adolph Kolping promoveu a nova reflexão do homem no seu valor interior dado a ele por Deus na família, na profissão; na Igreja, no Estado e na sociedade. O seu programa era: cada cristão individualmente transforma o mundo se ele vive cristãmente. Adolph Kolping viveu num tempo de transformações políticas e sociais. Sabia que cada um, só por si, não pode contribuir para melhorar a situação. Por isso, fundou a Sociedade católica que hoje e internacionalmente conhecida como Sociedade Kolping. Queria, com isto, dar aos homens que viviam em situações sociais difíceis, segurança e casa.

Quando Adolph Kolping fundou, em Colónia, a sua primeira Sociedade, actuava também ali Karl Marx. Este queria a revolução e a luta de classe; Adolph Kolping, por sua vez, queria a transformação da sociedade através do comportamento cristão dos homens. Os fundamentos do seu trabalho foram: o Evangelho de Cristo e a doutrina social católica, a qual, através dos escritos dele, foi difundida e adquiriu novo impulso. Vim para agradecer a Adolph Kolping e à Sociedade Internacional Kolping, que põe em prática o seu programa como contributo para a solução dos problemas sociais. Com grande alegria tomei conhecimento de que a Sociedade Kolping está espalhada em vinte países do mundo e que, nos últimos anos, se difundiu de maneira muito benéfica também no Terceiro Mundo. Principalmente alegrei-me em saber que, por toda a parte, muitos jovens se inscrevem neste movimento e se deixam formar por ele, que dá testemunho da Boa Nova do Evangelho.

Conheço o vosso grande desejo de obter a beatificação do Padre Kolping. Para isto vos animo e abençoo os vossos esforços. Repito o que disse aqui em 1978: "de testemunhas como Adolph Kolping é que nós precisamos para a Igreja de hoje".



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS HOMENS DE CIÊNCIA


E OS ESTUDANTES


Catedral de Colónia

Sábado, 15 de Novembro de 1980




Discursos João Paulo II 1980 - 14 de Novembro de 1980