Discursos João Paulo II 1980 - Catedral de Mogúncia, 16 de Novembro de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS MEMBROS DA CONSELHO


DA IGREJA EVANGÉLICA


Museu da Catedral de Mogúncia

Segunda-feira, 17 de Novembro de 1980



Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho
Ilustres membros do Conselho da Igreja Evangélica Alemã
Caros irmãos em Cristo

"A graça e a paz de Deus nosso Pai, e de Jesus Cristo nosso Senhor" (Rm 1,7). Com estas palavras do Apóstolo das gentes, vos saúdo e todos aqueles que representais. Agradeço de coração a todos quantos tornaram possível este encontro, no País onde a Reforma teve o seu início. Devo agradecimento particular a Si, Senhor Presidente do Conselho, pelas palavras que nos ajudaram a tomar consciência da dimensão desta hora e mais ainda da nossa missão cristã. Na consciência deste dado, seja-nos possível — como em tempos passados "reconfortarmo-nos mutuamente" (Rm 1,12).

Estarmos nós juntos nesta hora matutina é para mim símbolo muito profundo, pelo qual posso exprimir-me com as palavras de um antigo hino: "Já a aurora se levanta no horizonte, como aurora surja Ele em nós; o Filho é tudo no Seu pai e o Pai tudo no Verbo" (Hino de Laudes de segunda-feira da 2ª semana do ciclo anual). O nosso comum desejo é resplandecer Cristo no meio de nós e neste País, como a luz da vida e da verdade.

Recordo-me neste momento que em 1510-1511 Martim Lutero foi a Roma como peregrino aos túmulos dos Príncipes dos Apóstolos, mas também como quem procurava resposta para algumas interrogações suas. Hoje sou eu que venho ter convosco, com a herança espiritual de Martim Lutero; venho como peregrino, para fazer deste encontro, de modo novo, sinal de união no mistério central da nossa fé.
Muitas coisas se apresentam com urgência à mente no nosso encontro fraterno, muitas mais do que podemos exprimir no breve tempo de que dispomos e usando as nossas forças limitadas. Permiti-me dizer, no princípio do nosso colóquio, o que particularmente me comove. Faço-o apelando para o testemunho da Carta aos Romanos, desse escrito que foi completamente decisivo para Martim Lutero. "Essa carta é a verdadeira obra-prima do Novo Testamento e o Evangelho mais puro", escrevia ele em 1522.

Na escola do Apóstolo das gentes podemos hoje tomar consciência de todos necessitarmos de conversão. Não há vida cristã sem penitência. "Não há verdadeiro ecumenismo sem conversão interior" (Unitatis redintegratio UR 7). "Não queremos julgar-nos uns aos outros" (Rm 14,3). Queremos antes reconhecer juntos a nossa culpa. Isto vale também para a graça da unidade: "Todos pecaram" (Rm 14,3). Devemos ver e dizer isto com toda a seriedade e tirar daí as nossas consequências. A coisa mais importante é reconhecer, cada vez mais profundamente, as consequências que tira o Senhor da defecção do homem. Paulo redu-lo ao denominador: "Onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5,20). Deus não cessa de "usar misericórdia com todos" (Rm 11,32). Dá o Seu Filho, dá-se a Si mesmo, dá perdão, justificação, graça e vida eterna. Podemos reconhecer tudo isto juntos.

Sabeis que decénios da minha vida foram assinalados pela experiência dos desafios lançados ao Cristianismo pelo ateísmo e pela descrença. Está-me por isso mais claro diante dos olhos o que importam a nossa comum profissão de Jesus Cristo, a Sua palavra e a Sua obra neste mundo, e como somos impelidos pela urgência imperiosa da hora a ultrapassar as diferenças que nos dividem e a dar testemunho da nossa união crescente.

Jesus Cristo é a salvação de todos nós. É o mediador único. "Deus apresentou-O como vítima de propiciação pelo Seu próprio sangue, mediante a fé" (Rm 3,25). "Por Seu meio fomos pacificados com Deus" (Rm 5,1) e entre nós. Por virtude do Espírito Santo somos Seus irmãos, verdadeira e essencialmente filhos de Deus. "Se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo" (Rm 8,17).

Reflectindo sobre a Confissão de Ausburgo, e através de numerosos contactos, demo-nos de novo conta de crermos e professarmos juntos tudo isto. Testemunharam-no os Bispos alemães com a carta pastoral "Venha a nós o Vosso reino" (20 de Janeiro de 1980). Disseram aos católicos: "Alegramo-nos ao descobrir não só consenso parcial sobre algumas verdades, mas também acordo sobre as verdades fundamentais e centrais. Isto deixa-nos esperar a unidade, mesmo no campo da nossa fé e da nossa vida, naquilo em que até este momento estamos ainda divididos".

Toda a gratidão, por aquilo que nos fica de comum e nos une, não nos pode tornar cegos sobre quanto nos divide ainda. Devemos da maneira possível ver juntos, não para aprofundar os fossos, mas para os transpor. Não podemos deter-nos com a verificação: "Estamos e ficamos para sempre divididos e contrapostos uns aos outros". Somos chamados a tender juntos, no diálogo da verdade e do amor, para a plena unidade na fé. Só a unidade plena nos dá a possibilidade de nos reunirmos com os mesmos sentimentos e a mesma fé na única mesa do Senhor. Podemos fazer que as lições dadas por Lutero, nos anos de 1516-1517 sobre a Carta aos Romanos, nos digam em que está sobretudo este esforço. Ensina que a "fé em Cristo, pela qual somos justificados, não consiste só em crer em Cristo, ou mais exactamente na pessoa de Cristo, mas em crer naquilo que é de Cristo". "Devemos crer n'Ele e naquilo que é Seu". A pergunta "Que coisa é então isso?", Lutero remete para a Igreja e para o seu ensino autêntico. Se as dificuldades que subsistem entre nós dizem respeito somente aos "ordenamentos eclesiásticos de instituição humana" (cf. Confissão de Ausburgo, VIII), poderemos e deveremos eliminá-los imediatamente. Segundo a persuasão dos católicos, a dissensão versa sobre "aquilo que é de Cristo", sobre "o que é Seu": a Sua Igreja e a Sua missão, a Sua mensagem, os Seus sacramentos e os ministérios postos ao serviço da palavra e do sacramento. O diálogo travado desde o Concílio fez-nos realizar progressos neste campo. Precisamente na Alemanha, deram-se passos importantes. O que pode inspirar-nos confiança diante de problemas ainda por resolver.

Devemos manter-nos em diálogo e em contacto. As questões para juntos enfrentarmos exigem, por sua natureza, serem tratadas ainda mais amplamente do que é possível hoje. Espero que havemos de encontrar juntos o caminho para continuarmos o nosso diálogo. Certamente os Bispos alemães e os colaboradores do Secretariado para a União dos Cristãos prestarão nisto a sua ajuda.

Não podemos deixar nada por tentar. Devemos fazer tudo para nos unirmos. Devemo-lo a Deus e ao mundo. "Procuremos o que interessa à paz e à mútua edificação" (Rm 14,19). Cada um de nós deve dizer a si mesmo com São Paulo: "Ai de mim se não evangelizar" (1Co 9,16). Somos chamados a ser testemunhas do Evangelho, testemunhas de Cristo. A Sua mensagem exige que juntos demos testemunho. Permiti-me que repita o que disse a 25 de Junho deste ano por ocasião do jubileu da Confissão de Ausburgo: "A vontade de Cristo e os sinais dos tempos incitam-nos a um testemunho comum na plenitude crescente da verdade e do amor".

Grandes e graves são os encargos que nos esperam. Se contássemos só com as nossas forças, perderíamos o ânimo. Por graça de Deus, "o Espírito vem em ajuda da nossa fraqueza" (Rm 8,26). Confiando n'Ele, podemos continuar o nosso diálogo, enfrentar as actividades que nos são pedidas. Comecemos com o diálogo mais importante, com a obra mais importante: oremos! Diante da incompreensível graça de Deus, peçamos com o Apóstolo das gentes:

"Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Que insondáveis são os Seus juízos e impenetráveis os Seus caminhos! Pois quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi Seu conselheiro? Ou quem Lhe deu primeiro a Ele, para receber, por sua vez, retribuição? Por que da parte d'Ele, por meio d'Ele e para Ele são todas as coisas. Glória a Ele pelos séculos. Amém" (Rm 11,33-36).



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES


DE OUTRAS CONFISSÕES CRISTÃS


Mogúncia, 17 de Novembro de 1980



Prezados Irmãos em Cristo

"Como é bom e suave viverem juntos os irmãos!" (Ps 133,1). Não poderemos nós todos saborear nesta hora a verdade desta palavra do salmista? Encontramo-nos aqui juntos como irmãos no Senhor. A fraternidade não é para nós palavra vã ou sonho fugaz; é feliz realidade, hoje e onde quer que os cristãos obedeçam ao Senhor e o sigam. Une-nos a graça de Deus com Ele e entre nós. Com o Vaticano II podemos acalentar a confiança de que "este laço fraterno entre todos os cristãos nos conduz finalmente, segundo a vontade de Deus, à unidade plena e perfeita" (Unitatis Redintegratio UR 5). Somos todos destinados a viver juntos na única "família de Deus"; somos chamados "a servir a salvação e a renovação de cada criatura, a fim de que tudo seja recapitulado em Cristo e encontrem as pessoas n'Ele uma única família e um único povo de Deus" (Ad gentes AGD 1).

Todo o júbilo deste nosso encontro, da nossa vocação e missão não nos deve fazer olvidar quão pouco temos correspondido e corresponde-mos à graça de Deus. Não obstante a nossa profunda união, sob muitos aspectos ainda estamos, efectivamente, divididos.

O facto de estarmos juntos aqui na vossa Pátria alemã coloca-nos defronte ao evento da Reforma. Devemos pensar no que a precedeu e em tudo que desde então tem acontecido. Se não desconsiderarmos os factos, dar-nos-emos conta de que foram culpas humanas que nos levaram à infeliz divisão dos cristãos e a nossa culpa ainda e sempre embarga os passos possíveis e necessários rumo à unidade. Com vigor faço minhas as palavras do meu predecessor Adriano VI em 1523 na Dieta de Nürinberg: "Uma coisa é certa: não se encolheu a mão do Senhor ao ponto de não nos poder salvar, mas o pecado nos separa d'Ele... Todos nós, prelados e sacerdotes, nos extraviamos e não há nem sequer um só que pratique o bem (cf. Sl Ps 13,3). Por isso, devemos todos prestar homenagem a Deus e humilhar-nos perante Ele. Cada um de nós deve ponderar porque caiu e julgar-se a si mesmo antes de ser julgado por Deus no dia da ira". Com o último Papa alemão ou holandês, digo: "A enfermidade criou raízes profundas e alastrou-se; faz-se mister, pois, proceder passo a passo e enfrentar antes de tudo os males mais graves e perigosos com remédios adequados, para não emaranhar mais tudo com uma reforma açodada". Hoje, como então, o primeiro e mais importante passo para a unidade é a renovação da vida cristã. "Não acontece ecumenismo autêntico sem conversão interior" (Unitatis Redintegratio UR 7).

No esforço pela renovação e a união muito pode ajudar-nos quanto já se tem feito na vossa Pátria do ponto de vista ecuménico. Recordamos a propósito o encontro dos irmãos desunidos nos anos da sofrida calamidade e tribulação comum, o martírio dos que imolaram as suas vidas pela unidade em Cristo, os diuturnos esforços científicos envidados em comum pela unidade dos cristãos, os mútuos e regulares contactos oficiais, as reiteradas iniciativas empreendidas para responder juntos às ameaças do nosso tempo, a reflexão animada pelo espírito ecuménico sobre a intenção e o testemunho da Confessio Augustana, a celebração do seu 450° aniversário, a união na Comunidade de trabalho das Igrejas Cristãs "por um testemunho e um serviço comum" (parágrafo 1 do Estatuto da ACK).

Sejam dadas, de coração, graças a Deus por tudo isso! Conceda Ele a todos força e coragem para não desacelerar os numerosos esforços pela união plena. Faça Ele com que germine a boa semente e sazone copiosos frutos.

Certamente, tudo depende, de maneira decisiva, de unirmo-nos cada vez mais "para um testemunho e um serviço comum". A unidade da Igreja faz parte constitutiva da sua essência inalienável. Ela não é fim a si mesma. O Senhor a confere "para que o mundo creia" (Jn 17,21). Nada, deixemos de tentar para "testestemunharmos uns aos outros o que nos tenha sido dado em Jesus Cristo. É Ele "o único mediador entre Deus e os seres humanos" (1Tm 2,5). "Em nenhum outro há salvação" (Ac 4,12). Todos os passos ao encontro do Mediador obrigam-nos e incentivam-nos, simultaneamente, a ousarmos dar os passos necessários ao encontro de todos os nossos irmãos e irmãs. Como o amor do Senhor, assim também o verdadeiro serviço no Seu seguimento desconhece barreiras. Diz respeito a todas as dimensões da existência humana e todos os ambientes do nosso tempo. Empenhemo-nos juntos "a ajudar a pessoa humana a realizar a sua verdadeira dignidade, a promover o bem da paz, a actuar a aplicação social do Evangelho, a cultivar a ciência e a arte segundo o espírito cristão, bem corno a excogitar remédios de toda sorte para as necessidades do nosso tempo, quais a fome e as calamidades, o analfabetismo e a indigência, a falta de habitação
e a injusta distribuição dos bens" (Unitatis Redintegratio UR 12).

Recordando esta exigência do decreto sobre o ecumenismo, quisera ainda reiterar. as suas últimas palavras. Cônscio de que "a reconciliação de todos os cristãos na Igreja de Cristo, una e única, supera as forças e as capacidades humanas", o Concílio colocou "toda a sua esperança na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para connosco e na força do Espírito Santo. E a esperança não nos deixa confundidos, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido" (Rm 5,5 U.R. Rm 24).

Oremos: Senhor, dá-nos a força da esperança, o fogo do amor, a luz da fé. Rezemos juntos como no-lo ensinou o Senhor:

Pai-Nosso...



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À COMUNIDADE HEBRAICA


Magúncia, 17 de Novembro de 1980



Ilustres senhores,
Caros irmãos

Agradeço-vos as amigas e sinceras palavras de saudação. Este encontro era para mim uma exigência do coração no programa desta viagem apostólica, e agradeço-vos terdes vindo ao encontro do meu desejo. Oxalá a bênção de Deus possa pairar sobre esta hora!

1. Devendo os Cristãos sentirem-se irmãos de todos os homens, e compartilharem por conseguinte esta sagrada obrigação, isto vale ainda mais quando se encontram diante daqueles que pertencem ao povo hebreu!

Na "Declaração sobre as relações da Igreja com o Hebraísmo", de Abril deste ano, os Bispos da República Federal da Alemanha colocaram no início esta afirmação: "Quem encontra Jesus Cristo, encontra o Judaísmo". Desejaria fazer também minhas essas palavras. A fé da Igreja em Jesus Cristo, filho de David e filho de Abraão (cf. Mt Mt 1,1) contém, de facto, aquilo que os Bispos na referida Declaração chamam "a herança espiritual de Israel para a Igreja" (parágrafo II), uma herança viva que, por nós cristãos católicos, é entendida e conservada na sua profundidade e riqueza.

2. As concretas relações fraternas, entre hebreus e católicos na Alemanha, assumem um valor todo particular no ambiente sombrio da perseguição e da pretendida eliminação do hebraísmo neste País. As vítimas inocentes na Alemanha e em outras partes, as famílias destruídas ou dispersas, os valores da cultura ou os tesouros de arte aniquilados para sempre, provam tragicamente para onde podem conduzir a discriminação e o desprezo da dignidade humana, especialmente se estimulados por nefastas teorias sobre uma eventual diversidade de valorização das raças ou sobre a divisão dos homens, em homens de "alto valor" e "dignos de viver", contra aqueles "destituídos de valor" e "indignos de viver". Diante de Deus todos os homens têm o mesmo valor e importância. Neste espírito também Cristãos se empenharam, muitas vezes com perigo de vida, durante a perseguição, para impedir ou, pelo menos, mitigar os sofrimentos dos seus irmãos hebreus. A eles desejo agora exprimir reconhecimento e gratidão. Como também àqueles que, como cristãos afirmando pertencerem ao povo hebreu, seguiram até ao fim a "via crucis" dos seus irmãos e irmãs — como a grande Edith Stein, chamada no seu Instituto com o nome religioso de Teresa Benedita da Cruz, cuja recordação é justamente mantida em grande honra.

Desejo, além disso, recordar também Franz Rosenzweig e Martinho Buber, os quais com a sua familiaridade criativa com as línguas hebraica e alemã estabeleceram admirável ponte para um encontro aprofundado dos dois âmbitos culturais. Vós mesmos, nas vossas palavras de saudação, realçastes que, nos múltiplos esforços para a edificação neste País de uma nova convivência com os concidadãos hebreus, os católicos e a Igreja deram contributo decisivo. Este reconhecimento e a necessária colaboração da vossa parte causam-me muita alegria. Da minha parte, desejo exprimir grata admiração também pelas vossas respectivas iniciativas, inclusive a novíssima fundação da vossa Universidade de Heidelberg.

3. A profundidade e a riqueza da nossa comum herança abrem-nos, de maneira particular, para um diálogo amigo e uma colaboração confiante. Alegro-me por ver que tudo isto é cuidado neste País consciente e propositadamente. Muitas iniciativas públicas e particulares no campo pastoral, académico e social servem para este intento, também em ocasiões muito solenes, como recentemente para o Katholikentag de Berlim. Sinal encorajador foi igualmente a reunião da Comissão de aliança internacional entre a Igreja romana-católica e o Hebraísmo no ano passado em Ratisbona.

Não se trata somente de corrigir uma falsa visão religiosa do povo hebreu, que ao longo da história foi em parte co-causa de desconhecimentos e de perseguições, mas trata-se sobretudo do diálogo entre as duas religiões, que — com o Islão — puderam dar ao mundo a fé no Deus único e inefável, que nos fala, e querem servi-1'O em nome do mundo inteiro.

A primeira dimensão deste diálogo, isto é, o encontro entre o povo de Deus do Antigo Testamento, jamais revogado por Deus (cf. Rom Rm 11,29), e aquele do Novo Testamento, é ao mesmo tempo um diálogo dentro da nossa Igreja, por assim dizer entre a primeira e a segunda parte da sua bíblia. Sobre isto, as directrizes para a aplicação do Decreto conciliar Nostra aetate dizem: "Devemos esforçar-nos por compreender melhor tudo aquilo que no Antigo Testamento conserva um valor próprio e perpétuo... visto que este valor nunca foi esquecido pela ulterior interpretação do Novo Testamento, a qual, pelo contrário, deu ao Antigo o seu significado mais completo, assim como reciprocamente o Novo recebe do Antigo luz e explicação" (11).

Uma segunda dimensão do nosso diálogo — a verdadeira e central — é o encontro entre as hodiernas Igrejas cristãs e o hodierno povo da Aliança concluída com Moisés. Isto comporta "que os cristãos — assim dizem as directrizes pós-conciliares tendam a compreender melhor as componentes da tradição religiosa do Hebraísmo, e aprendam que linhas fundamentais são essenciais para a realidade religiosa vivida pelos hebreus, segundo a sua própria compreensão" (Introdução). O caminho para este recíproco conhecimento é o diálogo. Agradeço-vos, venerados irmãos, porque também vós estais a conduzi-lo com aquela "abertura e amplidão de espírito", com aquele "ritmo" e aquela prudência, que a nós católicos vêm recomendados pelas citadas directrizes (1). Resultado deste diálogo e orientação para o seu frutuoso prosseguimento é a Declaração dos Bispos alemães, citada ao início, "sobre as relações entre a Igreja e o Hebraísmo", de Abril deste ano. É meu ardente desejo que esta Declaração se torne um bem espiritual para todos os católicos da Alemanha!

Desejo, além disso, acenar a uma terceira dimensão do nosso diálogo. Os Bispos alemães dedicam o capítulo conclusivo da sua Declaração às tarefas que temos em comum. Israelitas e cristãos, como filhos de Abraão, são chamados a ser bênção para o mundo (cf. Gén Gn 12,2 ss.), a empenharem-se juntos pela paz e pela justiça entre todos os homens e povos, e realizarem-nas em plenitude e profundidade, como Deus mesmo as estabeleceu para nós, e com a disponibilidade para os sacrifícios que este alto objectivo pode exigir. Quanto mais este sagrado dever marcar o nosso encontro, tanto mais ele se tornará sagrado dever marcar o nosso encontro, tanto mais ele se tornará uma bênção também para nós mesmos.

4. À luz desta promessa e chamada abramítica, convosco eu volto o olhar para o destino e para a missão do vosso povo entre os povos. De bom grado rezo convosco pela plenitude do Shalom para todos os vossos irmãos de nacionalidade e de fé, e também pela Terra, para a qual todos os israelitas olham com particular veneração. O nosso século pôde viver a primeira peregrinação de um Papa na Terra Santa. Ao concluir, desejo repetir as palavras de Paulo VI ao entrar em Jerusalém: "Implorai connosco, no vosso desejo e na vossa oração, respeito e paz para esta terra singular e visitada por Deus! Rezemos juntos, aqui, pela graça de uma verdadeira e profunda fraternidade entre todos os homens, entre todos os povos!... Felizes aqueles que te amam. Sim, reine a paz dentro dos teus muros, e a tranquilidade nos teus palácios. Peço paz para ti, desejo para ti todos os bens (cf. Sl Ps 121,6-9)".

Oxalá, logo possam todos os povos ser reconciliados em Jerusalém e abençoados em Abraão! Ele, o inefável, de quem nos fala a sua criação; Ele, que não constringe a sua humanidade ao bem, mas a orienta; Ele, que dá a conhecer o nosso destino e cala; Ele, que nos escolhe entre todos para seu povo; Ele nos guie nos seus caminhos para a vida eterna! Que o Seu Nome seja louvado! Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM


OS TRABALHADORES ESTRANGEIROS


Mogúncia, 17 de Novembro de 1980



Dilectos irmãos e irmãs

Com grande alegria encontro-me hoje entre vós que viestes de tantos Países e de tantos continentes para a Alemanha a fim de trabalhar, estudar ou criar, para vós e para as vossas famílias, uma nova existência.

1. O lugar do nosso encontro, a cidade de Mogúncia, através da sua própria história já nos recorda o tema fundamental deste encontro: "Homens a caminho". Mogúncia é uma das cidades mais antigas fundadas, com a extensão do antigo Império Romano, nas margens do Reno. Juntamente com os soldados e os mercantes chegou também, pela primeira vez, a este país, o cristianismo vindo da Itália. Já no século III se tem testemunho de uma comunidade cristã em Mogúncia com um bispo. Quando mais tarde, no século VIII, os missionários anglo-saxões — desta vez, porém, do norte — começaram a difundir com vigor a fé entre as tribos germânicas, um deles, o grande Bonifácio, tornou-se bispo de Mogúncia. Partindo daqui, fundou, juntamente com os seus discípulos, muitos outros episcopados até Coire, no sul, e Praga e Olomuc a leste. Por sua vez o santo bispo Adalberto levou de Praga para a Polónia a luz da Boa Nova, chegando até aos países bálticos. É verdade: esta cidade com a sua catedral românica de seis torres lembra-nos a fundação e as raízes espirituais de muitas das nossas pátrias; lembra-nos a força da nossa fé católica que unifica e nos indica o caminho. E esta fé soube sempre chegar aos corações dos nossos antepassados mediante "homens a caminho", missionários, homens e mulheres que saíram das suas pátrias para procurar novas possibilidades de vida noutros países, muitas vezes totalmente desconhecidos para eles, e ao mesmo tempo para dar testemunho, com a sua vida e a sua palavra, da mensagem libertadora da nossa redenção em Jesus Cristo.

A providência divina chamou-me também a mim, da minha pátria. Com a eleição, da parte dos Cardeais, à mais elevada missão pastoral, foi-me conferida de modo particular a responsabilidade da unidade da Igreja. Como vós, também eu, até hoje, fui muitas vezes viandante em países longínquos. Saúdo, pois, todos com grande compreensão e particular cordialidade, a vós que estais reunidos nesta praça, e também a vós que estais unidos a nós através da rádio e da televisão ou que mais tarde sereis informados do nosso encontro. A paz do Senhor esteja com todos vós!

2. Não foi uma decisão fácil para vós, queridos irmãos e irmãs, deixar as vossas pátrias para procurar trabalho e melhores possibilidades de vida, para vós e para as vossas famílias, aqui na República Federal da Alemanha. Arriscastes essa decisão porque vivia em vós a esperança fundada de que os homens do país que vos devia. hospedar haviam de manifestar compreensão para convosco e ter-vos-iam acolhido com justiça social e caridade cristã, Oxalá esta expectativa tivesse encontrado resposta para o maior número possível de vós! Entretanto realizastes neste país grandes e importantes trabalhos com as vossas mãos para o bem-estar de todos os homens, e por isso merecestes reconhecimento e respeito. Muitos de vós já se encontram na Alemanha há 5, 10 ou mais anos, e já quase se tornaram de casa, especialmente os vossos filhos e os jovens nascidos aqui.

A vida de um trabalhador estrangeiro está todavia ligada também a problemas e dificuldades. O vosso porta-voz já o recordou no discurso de saudação. Muitos não sabem quanto tempo poderão viver e trabalhar aqui, e sofrem por esta incerteza. Muitos tiveram de deixar as famílias na pátria, pelo menos no primeiro período. Quando, finalmente, conseguiram, com fadiga, que as suas mulheres, os filhos e os pais, viessem ter com eles, aconteceu que muitas vezes lhes foi difícil encontrar uma habitação digna do homem. Surgem dificuldades para levar adequadamente a termo os estudos dos filhos e, encontrar-lhes trabalho. Sofreis sobretudo por não saber realmente como permanecer fiéis, com o coração e, a alma, ao contexto cultural da vossa pátria com os seus usos e costumes, com a sua língua e os seus cantos, e ao mesmo tempo adaptar-vos ao estilo de vida do vosso novo ambiente. Com certeza não quereis tornar-vos homens desenraizados, separados das raízes espirituais da velha pátria, sem ainda terdes fixado raízes na nova. A vossa fé católica e a vossa vida religiosa correriam certamente perigo; ser-vos-ia difícil ou mesmo impossível introduzir os vossos filhos no seio da família, nas verdades fundamentais da fé e na vida da Igreja.

Queridos irmãos e irmãs. Sou perfeitamente consciente destes importantes problemas da vossa vida quotidiana, e sei que muitas pessoas responsáveis da Igreja e do Estado se esforçam continuamente, juntamente com os vossos representantes, para mitigar cada dificuldade, sugerir soluções duradouras para todos, e procurar a sua realização.

3. Mas que coisa poderíeis vós mesmos fazer desde já? Começai pelas vossas famílias! Respeitai e amai as vossas mulheres, os vossos maridos como as pessoas mais importantes e mais preciosas de todas as que conheceis! Continuai a ser-lhes fiéis sem reservas e em todas as coisas! Fazei que os vossos pais e os vossos filhos participem da mesma maneira nesta união sólida de amor sincero e de solidariedade natural. Deste modo tereis na vossa família um núcleo de comunidade, pequeno mas vivo e sólido, uma porção de pátria para o corpo e para a alma, um lugar de segurança e de reconhecimento, que não pode ser inteiramente substituído por nenhuma outra coisa. Vós mesmos já adquiristes experiência, de tantos modos, nas vossas pátrias: onde a administração do Estado é insuficiente ou vem a faltar, quando as formas de assistência social são ainda muito pouco desenvolvidas, está sempre a família que ajuda a encontrar uma solução para as dificuldades, ou, pelo menos, a suportar o seu peso. O mesmo vale também para aqui, no vosso novo ambiente de vida com os seus enigmas e as suas incertezas.

De entre vós dirijo-me de modo particular aos jovens: usai bem as possibilidades de formação que se vos oferecem; ajudai os vossos parentes mais idosos com os novos conhecimentos que adquiristes, sobretudo no que diz respeito língua. Fazei sentir aos vossos pais que os compreendeis e que estais ao seu lado, embora vos encontreis melhor do que eles no novo país. Pensai no vosso futuro, na vossa cultura, na vossa língua-materna e no vosso dialecto nativo. Eles enfrentaram muitas dificuldades e empreenderam com grande coragem um passo através do qual a vossa vida deve tornar-se mais completa e mais rica. Mas na alegria das vantagens económicas não vos esqueçais dos valores espirituais da cultura e da fé; só através deles podeis realizar um verdadeiro progresso para a vossa personalidade e a vossa humanidade.

Todavia, desejaria também encorajar-vos a aproximardes-vos uns dos outros: os diferentes grupos étnicos entre si e também dos cidadãos alemães; a procurardes compreender-vos mutuamente, e a abrirdes uns aos outros a, vossa vida com todas as suas alegrias e preocupações. Esforçai-vos por construir pontes entre os grupos étnicos, pedra por pedra e com paciência! Muitos passos pequenos, dados na mesma direcção, podem finalmente aproximar-vos mais uns dos outros e também criar amizades, e levar as vossas respectivas famílias, a cordial contacto entre si,

4. A este ponto desejaria dirigir-me agora também à população autóctone deste país. Nos últimos vinte anos não só usufruístes das vantagens económicas de milhões de trabalhadores estrangeiros, mas também ós ajudastes a usufruírem das múltiplas garantias jurídicas e sociais neste país, a trazerem as suas famílias e a mandarem os seus filhos às vossas escolas. Fizestes o possível também por compreender as particulares dificuldades dos vossos hóspedes; muitos de vós procuraram suscitar compreensão para estas exigências nos concidadãos a diversos níveis. Os institutos de caridade das igrejas cristãs da Alemanha também contribuíram para estes esforços. Tudo aquilo que foi feito neste campo até hoje merece a nossa gratidão e o nosso reconhecimento.

O progresso realizado até agora mostra todavia que seria desejável uma mudança de mentalidade ainda maior em grande parte da população autóctone. Muitas pessoas pensaram, durante muito tempo, que os trabalhadores estrangeiros tinham vindo só provisoriamente para os sectores industriais; a sua presença era avaliada quase exclusivamente sob aspecto económico, como uma questão de mercado da mão-de-obra. Ora, é contudo evidente a todo o observador atento que uma grande percentagem destes trabalhadores e das suas famílias se tornou, aqui, de casa, e que poderia viver convosco permanentemente. Isto significa uma profunda mudança para a estrutura de vida e de população da República Federal da Alemanha, assim como de muitos outros países da Europa Ocidental. Isto deve ser tido em conta pela política, a economia e a sociedade; a isto devem adaptar-se todos na mentalidade e na acção — um processo que não pode ser realizado, nem com facilidade nem rapidamente. Sei que a Igreja católica na Alemanha está disposta a dar-vos o seu expressivo contributo. A decisão, a este respeito, dos sínodos dos episcopados reunidos na República Federal da Alemanha em 1973, é certamente um bom fundamento para isso. Em todos estes esforços deve-se sempre tratar de julgar que são homens de outros países que se encontram junto de vós, não só como trabalhadores segundo medidas económicas, mas também ver neles o próximo com a sua dignidade e o seu direito, com a sua preocupação pela família, com a sua pretensão de ser tomado seriamente em todos os sectores da sua vida e obter uma parte justa do bem comum.

5. Todavia, a situação de partida para todas as solícitas tentativas de solução agravou-se perigosamente nestes últimos tempos: o desenvolvimento económico nos países industrializados está paralisado; novas fileiras de prófugos afluem a numerosas nações, através de muitos mares vão à procura de países que lhes dêem asilo; um grande número de homens sentem-se politicamente perseguidos ou discriminados e procuram um asilo onde possam respirar livremente. Milhões de homens vêem neste mesmo momento impender sobre si a morte por fome. Esta situação requer da parte dos responsáveis, esforços sempre crescentes e tais que parece difícil o limite entre aquilo que é racional e o que é atingível. Ainda não se chegou a tanto, mas devemos preparar-nos a isso em espírito. Não se apresentará talvez aqui um desafio aos homens políticos, desafio que deveria ser enfrentado num esforço comum, acima de todos os interesses de partido e de nação? Sobretudo dever-se-á vigiar atentamente toda a manifestação de xenofobia para poder contrapor a cegas preocupações e a reacções institivas de defesa — mesmo através dos mass-media e de todos os modeladores da opinião pública — um realismo concreto, que seja suficientemente corajoso para declarar terminada a época do progresso ilimitado e preparar a população para uma contracção necessária das possibilidades de vida para cada indivíduo. Com o passar do tempo nenhum país opulento poderá defender-se do assalto de tantos homens que pouco ou nada têm para viver.

Provavelmente, para o futuro, será cada vez mais impossível o autóctone viver no próprio país sem se preocupar do próximo que vem do estrangeiro e que deixa aos escritórios de assistência social e aos institutos de caridade a tarefa de responder às suas exigências. Cada um examine o seu comportamento em relação aos estrangeiros que lhe estão próximos, e compreenda em consciência se já descobriu nele o homem com a mesma aspiração de paz e de liberdade, de tranquilidade e segurança, cuja satisfação exigimos para nós próprios como coisa perfeitamente evidente.

6. A Igreja católica no seu conjunto e também as várias igrejas locais nos respectivos países têm consciência suficiente desta tarefa, que requer um empenho constante e completo. Vós sabeis, queridos irmãos e irmãs, que a Igreja já há tempo pôs à disposição dos cristãos de entre vós uma casa para a vossa fé e uma protecção para os vossos direitos humanos, nomeando pastores para as diversas nacionalidades, pessoas nativas da respectiva pátria e que vos ajudam a viver e a testemunhar a vossa fé mesmo num ambiente novo. A Igreja instituiu centros de assistência social que vos dão conselhos em questões jurídicas e vos fornecem uma primeira ajuda em caso de necessidade. A esta numerosa multidão de sacerdotes, religiosas e assistentes leigos, que estão ao meu lado por mandato de Cristo e da sua Igreja, gostaria de dirigir hoje, daqui, urna palavra de agradecimento e de reconhecimento do íntimo do coração. Tomastes sobre vós o destino do estrangeiro para susterdes na fé os vossos compatriotas; como bons pastores, seguistes o rebanho para o proteger. Vivei assim seguindo Cristo, o Bom Pastor. Ele abençoará e recompensará os vossos esforços! Ao mesmo tempo desejaria encorajar-vos a fim de que continueis a colaborar confiadamente com as dioceses alemães, e a preocupar-vos pelos outros juntamente com os sacerdotes e os religiosos autóctones. É aqui finalmente que deveis conduzir o vosso rebanho: à comunidade dos cristãos católicos, como aparece na igreja paroquial, que oferece espaço para uma grande quantidade de homens, reunidos na mesma fé em nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas nem todos os hóspedes deste País são cristãos: um grupo particularmente grande professa a fé do Islão. Também para vós vai a minha bênção do fundo do coração! Se trouxestes com coração sincero a vossa fé em Deus, da vossa pátria para um país estrangeiro, e se aqui rezais a Deus como vosso criador e Senhor, pertenceis também vós à grande fileira de peregrinos que desde o tempo de Abraão se puseram sempre a caminho para procurar e para encontrar o verdadeiro Deus. Se não temeis rezar também em público, dais-nos, deste modo, a nós cristãos, um exemplo que é digno do máximo respeito. Vivei a vossa fé mesmo num país estrangeiro e não permiti que nenhum interesse humano ou político use violência convosco.

7. Queridos irmãos e irmãs! Espero que a maior parte de vós se sinta já tão senhor da língua alemã que tenha podido compreender as minhas palavras. Elas vieram do coração e da compreensão do máximo Pastor da Igreja, que sabe quanto pode ser difícil uma vida longe da pátria, mas que está também convencido da força unificadora e salvífica que a nossa fé católica contém, a fim de que possais adquirir uma nova pátria entre os vossos irmãos na fé que pertencem a este país. Certamente o encontro de cristãos, com uma tal plenitude de diferentes formas de expressão da mesma fé, pode conduzir por fim a um enriquecimento de todos os participantes, a um novo assombro perante a plenitude de Deus, que se reflecte ainda incompletamente, e no entanto já tão ricamente, na Igreja, a qual vive como única por muitos povos. O testemunho de fé de todos nós seja tão vivo e forte que esta esplêndida experiência de verdadeira catolicidade nos venha dada de novo!

(em lingua italiana)

É-me agradável dirigir agora uma especial saudação a vós, queridos Trabalhadores Italianos na Alemanha, que certamente conservais vivo no coração o pensamento da vossa terra de origem, da qual trazeis convosco as nobres tradições familiares entrelaçadas de valores humanos e religiosos, que não podem deixar de contribuir também para o bem-estar do País que vos hospeda.

De facto, ao mesmo tempo que concorreis para o desenvolvimento económico desta Nação, aspirais a ser acolhidos como pessoas e a integrar-vos plenamente na vida social deste Povo (cf. Gaudïum et Spes GS 66). É claro, todavia, que estas legitimas aspirações são acompanhadas de outros tantos deveres de honestidade, de laboriosidade, de colaboração e de convivência amigável. Ora, o exercício sereno e perseverante de tais responsabilidades só encontra apoio e alimento prevalentes na fé.

A este propósito, desejo dirigir-vos uma tríplice e paternal exortação. Antes de tudo, tornai cada vez mais sólida a estrutura familiar, defendendo-a de tantas insídias, conscientes de que dentro das paredes domésticas desabrocha e cresce a vida; e amadurece, do mesmo modo, a verdadeira felicidade dos cônjuges. Apoiai também a obra dos vossos Sacerdotes com participação constante na Missa dominical e nos vários encontros de instrução religiosa. Senti-vos sempre mais cenáculo de crentes que, na oração e na fraternidade, percorrem juntos o caminho terreno em direcção da vida sem fim. Por último, reavivai todos os dias a vossa devoção à Virgem Santíssima, tão venerada em todas as regiões e aldeias da vossa Itália, a quem aprendestes a amar desde a vossa meninice muitas vezes tribulada. Ao mesmo tempo que vos saúdo cordialmente, confio a Maria as vossas preocupações, os vossos projectos e as vossas família.

(em língua epanhola)
Neste encontro na Praça da Catedral de Mogúncia não posso deixar de vos saudar com grande afecto, queridos trabalhadores espanhóis desta cidade e de toda a República Federal da Alemanha. É uma recordação que de coração faço extensiva às vossas esposas e aos vossos filhos, quer vivam convosco quer estejam longe.

Sei bem que a vossa condição de emigrados vos coloca em circunstâncias particulares, que comportam por vezes esforços e sacrifícios não pequenos para vós mesmos e para as vossas famílias. Desejo por isso dizer-vos que compreendo e compartilho as vossas preocupações e as vossas esperanças de pessoa que procuram encontrar honestamente um futuro melhor para si mesmas e para as próprias famílias.

Permiti-me que vos encorage a não reduzirdes esta nobre tarefa unicamente à esfera material e económica, mas a estendê-la também ao campo espiritual e religioso. De facto, é toda a vossa pessoa, de homens e de cristãos, quem traz em si a peculiar dignidade que deriva da vocação sublime à qual Deus vos chama. Sede pois fiéis a estes valores que recebestes nos vossos lugares de origem e que deveis desenvolver agora, em espírito de solidariedade mútua. Isto fará de vós os primeiros promotores de vós mesmos, abrindo-vos a todos os outros. Dirigindo-me a vós, sacerdotes, religiosos e religiosas que assistis os migrantes, convido-vos a considerar a grande importância e o valor eclesial e humano da vossa missão, difícil mas muito válida. Não vos deixeis, pois, desencorajar perante as dificuldades. E todos deveis saber que o Papa vos acompanha sempre com a oração e vos abençoa.

(em eslovaco)

Uma saudação cordial também a vós, queridos Eslovacos, que viveis e trabalhais aqui.

Recomendo-vos: permanecei fiéis à vossa Pátria e às suas ricas tradições espirituais e culturais. Com toda a vossa vida testemunhais a vossa fé e honestidade. Sede ao mesmo tempo abertos aos valores que vos oferece — embora às vezes mediante provas — a terra que vos hospeda. Com eles enriqueceis também o vosso espírito.

A minha bênção chegue até vós, caríssimos, às vossas famílias que se encontram na pátria e no estrangeiro, e aos vossos pastores de almas.

Deus esteja com todos vós

(em croata)

Meus queridos Croatas!

Saúdo-vos com prazer também a vós que em tão grande número viveis aqui na Alemanha. Oxalá os vossos pensamentos, enquanto trabalhais aqui, vão até junto dos vossos pais, das vossas famílias, dos vossos filhos que ficaram na Croácia e pensam tanto em vós e por vós rezam. Permanecei sempre fiéis a eles! Com a vossa frequência à Igreja e observando o preceito dominical, continuai a ser exemplos para os outros católicos deste país. Repetindo as palavras do Salmista que rezava: "Se me esquecer de ti, Jerusalém, fique esquecida a minha mão direita" (Ps 136,5), também eu vos digo: "A minha mão direita fique esquecida, ó Deus, se me esquecer da minha santa Igreja, da minha família e do meu povo croata!".

A minha bênção acompanhe cada um de vós e todas as vossas famílias.



Discursos João Paulo II 1980 - Catedral de Mogúncia, 16 de Novembro de 1980