Discursos João Paulo II 1980 - Mogúncia, 17 de Novembro de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À CONFERÊNCIA EPISCOPAL ALEMÃ


Seminário de Fulda

Segunda-feira, 17 de Novembro de 1980



Caros e dilectos irmãos no Episcopado

1. O nosso memorável encontro de hoje, diante do túmulo de São Bonifácio, tem como fundo a longa e rica história do Povo alemão, que traz a marca determinante do Cristianismo. Formada por tantas forças, deu no decurso dos séculos numerosos impulsos de carácter religioso, cultural e político, muito para além das suas fronteiras. Baste-vos recordar aqui o nome glorioso e carregado de história de "Nação alemã do Sacro Império Romano".

O vosso Povo deu à Igreja sete Papas, incluindo um dos actuais Países Baixos, sobre quem a história nos informa que prestaram conscienciosamente o seu serviço como Pastores supremos da Cristandade — mesmo nas grandes agitações externas e internas daquele tempo. Esforço comum de quase todos, durante pontificados muitas vezes demasiado breves, foi a renovação da Igreja. Merece particular menção o esforço zeloso do Papa Adriano VI para a manutenção e o restabelecimento da Cristandade unida. Muitos deles fizeram uma visita pessoal, mesmo como Papas, à própria Pátria alemã e às suas precedentes Dioceses.

A renovação interna da vida religiosa e eclesiástica, e o esforço ecuménico para uma aproximação e compreensão com os cristãos separados, constituem o principal intento, também das minhas viagens apostólicas às várias igrejas locais e aos vários continentes. São-no ainda na minha visita pastoral à Igreja do vosso País e neste encontro hodierno. A renovação espiritual da Igreja e a unidade dos cristãos são o encargo explícito imposto pelo Concílio Vaticano II, em que estão igualmente empenhados o Papa, os Bispos, os Sacerdotes e os Crentes. Tomar a responsabilidade conjunta de tais encargos é o imperativo urgente desta hora. Constituem o grande desafio e a tarefa especial da nossa responsabilidade colegial como Pastores da Igreja. As minhas considerações de hoje valem para eles e são a eles destinadas.

Desde a primeira hora do meu pontificado, entendi o encargo de Supremo Pastor especialmente como serviço à colegialidade dos Bispos, que estão unidos ao Sucessor de Pedro, e por outro lado compreendi a "colegialidade efectiva e afectiva" dos Bispos como importante auxílio ao meu próprio serviço.

Sinto urgente, nesta visita ao vosso País, começar por exprimir a minha proximidade de vós, a minha comunhão convosco, e reforçá-la com o meu testemunho. E agora o meu pensamento volta a Setembro de 1978 quando, aqui, mesmo na zona de Fulda, me detive convosco para uma troca fraterna entre os episcopados da minha Pátria, a Polónia, e do vosso País. Sinto alegria revendo os mesmos rostos, e ao mesmo tempo o meu pensamento e a minha oração acompanham aqueles que o Senhor chamou entretanto para Si. Por fim, quero saudar de modo especial também aqueles irmãos eclesiásticos que entrementes foram acolhidos, no vosso País, no colégio dos Sucessores dos Apóstolos.

2. Tende coragem para o testemunho comum.

"Se chamamos já com bom direito 'irmão' ao homem e particularmente a todo o cristão, esta palavra", como escrevia na minha carta a todos os irmãos Bispos do mundo, na quinta-feira santa de 1979, "assume para nós Bispos e para as nossas relações recíprocas um significado de facto particular: relaciona-se em certo modo directamente àquela comunidade fraterna que unia os Apóstolos à volta de Cristo".

Sinto-me feliz e reconhecido porque, na vossa conferência, tenhais já experimentado em muitas ocasiões esta unidade com os Sucessores de Pedro e esta concórdia entre vós. Quereria reforçar-vos mais ainda nesta disposição. Digo-vos portanto: não vos deixeis enganar pela opinião, muitas vezes ouvida, de que uma forte porção de concórdia dentro de uma Conferência de Bispos prejudica a vivacidade e a credibilidade do testemunho episcopal. É exactamente o contrário. Certamente cada um deveria entrar numa atmosfera fraterna sem medo ou reservas, e seguramente cada um deve ajudar a edificar com o seu contributo a unidade do corpo, que encerra membros, serviços e dons de muitas espécies. O fruto destes serviços e dons depende todavia da vossa inserção no único corpo do único espírito.

3. Estai amorosamente preocupados com a unidade do presbitério em cada Diocese.

As expectativas e as súplicas apresentadas aos Sacerdotes cresceram nestes últimos decénios de maneira opressora. Em consequência de ter diminuído o número dos Sacerdotes, impende sobre eles maior número de encargos. As súplicas que são apresentadas aos Sacerdotes, no desempenho da orientação espiritual que ministram, aparecem aumentadas ainda mais por numerosos serviços profissionais e honoríficos dos Leigos na cura de almas. Numa sociedade que dispõe de uma rede de comunicação cada vez mais estreita, torna-se necessário para os Sacerdotes um diálogo espiritual cada vez mais complexo. Muitos Sacerdotes consumem-se no trabalho, mas tornam-se solitários e perdem a orientação. É muito mais importante que a unidade do presbitério se torne vivida e experimentável. Mantende tudo o que reforça os Sacerdotes, encontrando-se eles entre si e ajudando-se reciprocamente a viver da palavra e do espírito do Senhor.

Três coisas me estão particularmente a peito:

a) Os seminários. Devem ser viveiros de uma verdadeira comunidade e amizade sacerdotal e também lugar de uma decisão clara e sólida para a vida.

b) A teologia deve fornecer capacidade para um testemunho de fé e deve conduzir a um aprofundamento da fé; de maneira que os Sacerdotes compreendam os problemas dos homens, mas também as respostas do Evangelho e da Igreja.

c) Os Sacerdotes devem receber auxílio para responderem alta exigência da vida celibatária e da dedicação a Cristo e aos homens, e para as testemunharem por meio da simplicidade, da pobreza e da disponibilidade sacerdotal. Precisamente a comunidade espiritual pode prestar neste caso serviço precioso.

4. Tomai seriamente a oração do sumo sacerdote Jesus Cristo, para todos serem um, como encargo urgente para vencer a fractura da Cristandade.

Viveis no País de origem da Reforma. A vossa vida eclesiástica e a espiritual estão profundamente marcadas pela cisão da Igreja, que já dura há mais de quatro séculos e meio. Não deveis resignar-vos a que os discípulos de Cristo deixem de dar o testemunho de unidade diante do mundo. Fidelidade inabalável verdade, abertura e auscultação para os outros, paciência e simplicidade no caminho, amor e sensibilidade — tudo isto é necessário. O compromisso estabelecido não conta; só conta aquela unidade que o Senhor mesmo fundou: a unidade na verdade e no amor.

Ouve-se hoje repetir que o movimento ecuménico das Igrejas está parado, que depois da primavera do caminho conciliar começou uma época de resfriamento. Apesar de muitas dificuldades desagradáveis, não posso estar de acordo sobre este juízo.

A unidade que vem de Deus é-nos dada diante da cruz. Não devemos desejar fugir à cruz, passando a rápidas tentativas de harmonização naquilo que difere, excluindo a questão da verdade. Mas não devemos também desistir, não devemos separar-nos uns dos outros, porque aproximarmo-nos requer o amor paciente e doloroso do Crucifixo. Não nos deixemos separar do caminho trabalhoso para ficarmos parados ou escolhermos caminhos aparentemente mais curtos, estradas enganadoras.

O caminho ecuménico e o esforço pela unidade não devem limitar-se apenas às Igrejas nascidas da Reforma; também no vosso País as relações e atitude fraterna para com as outras Igrejas e as outras comunidades eclesiais, por exemplo para com as Igrejas da Ortodoxia, são da maior importância. Todavia a memória da Confissão de Ausburgo, publicada há 450 anos, é apelo especial para o diálogo com a Cristandade que leva a marca da Reforma e tem tão grande parte na população e na história do vosso País.

5. Recolhei o povo de Deus, oponde-vos ao falso pluralismo e reforçai a verdadeira comunhão.

Já falei do alto valor da unidade fraterna no colégio dos Bispos e do presbitério. Esta unidade deve todavia ser a alma, da qual viva também a unidade do inteiro povo de Deus, em todas as comunidades. Não se trata, na verdade, de enfrear ou limitar a legítima pluralidade de expressão da espiritualidade, da piedade e das escolas teológicas. Mas tudo isto deve ser expressão da plenitude e não da pobreza da fé.

O anúncio e também a vida eclesial podem desenvolver-se livremente para o exterior da vossa sociedade, demos graças a Deus. Todavia a contraposição, para a qual sois chamados, é exigente. Muitas vezes os homens encontram-se na situação de um grande armazém em que todas as mercadorias possíveis são louvadas e oferecidas ao livre uso. Assim na concepção de vida de muitos homens misturam-se elementos de tradição cristã com concepções inteiramente diversas. A liberdade externa, a de pensamento e a de dizer aquilo que se quer, é por vezes trocada com o desejo interno de convencer; em lugar de clara orientação, sucede a indiferença quanto a muitas opiniões e interpretações.

Quais são ao todo as vossas tarefas e as vossas possibilidades diante da situação indicada?

Queria bradar-vos duas palavras. Primeiro que tudo: anunciai a palavra com toda a clareza, indiferentes ao aplauso ou à rejeição. Não somos nós, afinal, quem determina a boa ou má aceitação do Evangelho, mas sim o espírito de Deus. Os crentes e os não-crentes têm o direito de ouvir claramente a mensagem autêntica da Igreja.

Segundo: anunciai a palavra com todo o amor do bom Pastor que se dá, que procura e compreende. Prestai atenção aos problemas enunciados por aqueles que julgam já não encontrar nenhuma resposta em Jesus Cristo e na Sua Igreja. Crede firmemente que Jesus Cristo se uniu, por assim dizer, a cada homem, e que cada homem pode encontrar, n'Ele mesmo, os seus valores humanos autênticos e os seus problemas (ver Gaudium et Spes GS 22 Redemptor hominis RH 13).

Desejaria recomendar especialmente dois grupos ao vosso cuidado de Pastores: trata-se daqueles que, dos impulsos do Concílio Vaticano II, tiraram a falsa conclusão de o diálogo, em que entrou a Igreja, ser incompatível com o claro compromisso do Magistério e das normas da mesma Igreja, e com o mandato do encargo jerárquico fundado inequivocamente na missão de Cristo entregue à Igreja. Mostrai que ambos correm juntos: fidelidade à missão imprescritível e proximidade do homem com as suas experiências e os seus problemas.

O outro grupo: o dos que, em parte por causa de consequências não conformes ou demasiado arriscadas, derivantes do Concílio Vaticano II, já não se sentem acolhidos na Igreja de hoje ou projectam mesmo apartar-se dela. Aqui trata-se de transmitir a estes homens com a maior decisão, mas simultaneamente como toda a prudência, que a Igreja — do Vaticano II e a do Vaticano I e a do Tridentino e dos grandes Concílios — é uma e a mesma Igreja.

A importância de uma recta mediação da fé não há-de subestimar-se. Quanto estou agradecido de tudo o que foi experimentado por vós na chamada catequese comunitária: crentes que testemunham a fé, que a transmitem a outros!

A situação da fé, indicada acima, diz respeito certamente, de modo especial, aos Sacerdotes. Será verdadeiramente anunciado a todos, dentro de alguns anos, todo o património da fé como a Igreja o apresenta? Animai a isto, tomai-o a peito. E preocupai-vos, quanto possível, também por que o ensino religioso e a catequese abram o caminho da fé e da vida com a Igreja, que aumentam com a experiência de cada dia, muitas vezes tão diversa.

6. Empenhai-vos com todas as vossas forças a fim de os critérios inabaláveis e as normas do proceder cristão se fazerem valer de maneira tão clara como chamativa, na vida dos crentes.

Entre os hábitos de vida de uma sociedade secularizada e a exigência do Evangelho vai-se criando profunda fractura. Muitos querem participar na vida eclesial, mas já não encontram nenhuma relação entre o mundo em que vivem e os princípios cristãos. Julga-se que a Igreja adere fortemente às suas normas só por rigidez, e que isto está em contraste com aquela misericórdia de que Jesus nos dá exemplo no Evangelho. As duras exigências de Jesus e a Sua palavra "Vai e doravante não . tornes a pecar" (Jn 8,11) são ignoradas. Muitas vezes recorre-se à consciência pessoal, mas passa despercebido que esta consciência é o olhar que não possui por si só a luz, mas só quando olha para a fonte autêntica da luz.

Outra coisa: diante da mecanização, da funcionalização e da organização, desperta-se, precisamente na geração mais jovem, profunda desconfiança na instituição, nas normas e na regulamentação. Contrapõe-se a Igreja — com a sua constituição jerárquica, a sua liturgia ordenada, os seus dogmas e as suas normas — ao espírito de Jesus. Mas o espírito precisa de bases para se conservar e transmitir. Cristo mesmo é a origem de cada missão e de cada mandato da Igreja, em que se cumpre a Sua promessa: "Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20).

Dilectos irmãos, conservai presentes no vosso coração todas as necessidades e todos os problemas dos homens — e anunciai-lhes precisamente com firmeza o que Jesus exige, sem calar nada o homem que deveis ter a peito. Só o homem — que é capaz de uma decisão total e definitiva, o homem em que o corpo e a alma concordam, o homem que está pronto a aplicar toda a sua força pela salvação —, só este é invulnerável contra a secreta decomposição da substância fundamental humana.

Dirigi portanto especial atenção à juventude, na qual se observa um despertar tão prometedor, mas também tanto afastamento da Igreja. Dirigi-vos com particular cuidado e cordialidade aos casais e às famílias — o Sínodo dos Bispos, recém-terminado em Roma, não há-de ficar pura teoria, mas há-de desdobrar-se em vida. O afastamento entre grande parte da população trabalhadora e a Igreja, a distância entre intelectuais e Igreja, a exigência para a mulher de ser aceita e sentir-se plenamente realizada, tanto do ponto de vista cristão como do humano, em condições muito mudadas: estes pontos alargam o campo do nosso esforço comum, para os homens crerem também amanhã.

Estou convencido de um novo progresso da consciência moral e da vida cristã estar ligado intimamente, melhor indissoluvelmente, a uma condição: o reavivamento da confissão pessoal. Dai a isto prioridade na vossa cura pastoral.

7. Dirigi a vossa particular atenção ao futuro das vocações espirituais e dos serviços pastorais.

Segundo os cálculos humanos, o número dos Sacerdotes que estão disponíveis para o serviço na pastoral vai reduzir-se, não menos de um terço, dentro de um decénio. Partilho do fundo da alma a preocupação que disto vos vem. Estou convencido, juntamente convosco, que é bom estimular de todas as formas o serviço do Diaconado permanente e também o serviço, sobretudo honorário mas também profissional, dos leigos para os encargos da pastoral. O serviço dos Sacerdotes não pode todavia ser substituído por outros serviços. A vossa tradição da cura de almas não pode ser comparada, sem mais, com as condições da África ou da América Latina. Mas não posso deixar de pensar que lá encontrei maior optimismo, num número de encarregados de almas disponíveis sensivelmente menor do que na Europa Ocidental. Considero, como uma das tarefas mais importantes, fazer todo o possível, com o esforço total da oração e do testemunho espiritual, para que o chamamento de Deus aos jovens, a fim de que se ponham à disposição de um serviço total do Senhor, se faça ouvir. Deste modo e com este objectivo melhorarão as condições nas famílias, nas comunidades e nas associações de jovens. Mas o temor diante da situação difícil ofusca a visão daquilo que o Senhor quer de nós. Diminuírem fortemente a sensibilidade aos conselhos evangélicos e ao celibato sacerdotal, significa tanto um estado de perigo espiritual como a falta de Sacerdotes. Indubitavelmente a salvação das almas é o maior dos preceitos. Mas esta salvação das almas exige precisamente cultivarmos as comunidades mesmas, animarmos cada baptizado e confirmado a dar testemunho de fé, estimularmos a vitalidade espiritual nas famílias, nos grupos, nas comunidades e nos movimentos. Então o Senhor poderá falar e chamar — e os homens poderão ouvir.

Aludi também à grande importância do presbitério à volta do Bispo. Não poderia o serviço espiritual ser compreendido mais eficazmente, por meio de encontros mais frequentes e mais profundos dos Sacerdotes entre si? Desejaria aludir aqui, uma vez mais, à grande importância da comunidade espiritual dos Sacerdotes, capaz de libertar os particulares de pretensões efectivas e do isolamento. Na medida em que vos empenhardes, com unanimidade e clareza, no testemunho comum do presbitério no celibato e numa forma de vida fundada no espírito dos conselhos evangélicos, o Senhor oferecerá os Seus dons.

8. Preocupai-vos, com um coração universal e uma visão universal, dos vossos crentes.

Permiti-me que me refira à minha mensagem ao "Katholikentag" de Berlim: ajudai a construir uma "civilização do amor" universal. Desejaria fazer-vos notar, antes de tudo, a dimensão do "universal". Sermos cristãos e sermos homens exige agora sermos universais, sermos "católicos". Ao esforço da vossa disponibilidade para socorros materiais uni também o esforço das vossas forças espirituais e religiosas em favor de todos, e estai também prontos a receber e a aprender. Há tanta humanidade inutilizada, tanta experiência espiritual e tanto testemunho de fé construtiva nas Igrejas jovens, que o nosso Ocidente, que se tornou cansado, poderia rejuvenescer-se e renovar-se tomando delas.

Não podemos certamente subtrair-nos a uma dolorosa realidade. Em muitas partes do mundo, a Igreja é perseguida, muitos cristãos, muitos homens, são impedidos de gozar dos seus plenos direitos de liberdade. Não considereis como coisa óbvia e já conseguida a liberdade na vossa sociedade, mas como um esforço em favor de outros que não têm esta liberdade.

O vosso País encontra-se na Europa. Pude colaborar repetidamente com muitos de vós, quando era Arcebispo de Cracóvia, para animar a Europa, para firmar a sua unidade nas fundações espirituais e religiosa. de valor. Reflecti que a Europa pode renovar-se só recorrendo àquelas raízes que fizeram que a Europa existisse. Pensai por fim nisto, precisamente no vosso País: a Europa abraça não só o Norte e o Sul, mas também o Ocidente e o Oriente.

Um pedaço da Europa, um pedaço do mundo, torna-se cada vez mais presente no vosso Pais, através dos muitos estrangeiros que vivem e trabalham no meio de vós. Compete-vos aqui uma tarefa urgente, quer do ponto de vista eclesial quer do social. Pensai n'Aquele que morreu por todos e fez de todos nós Seus irmãos e Suas irmãs.

9. Empenhai-vos pelos direitos do homem e pelas sólidas fundações da convivência humana na vossa sociedade.

Viveis numa sociedade em que é garantido alto grau de protecção à liberdade e à dignidade humana. Estai agradecidos por isto mas não permitais que em nome da liberdade seja propagado um arbítrio que fira a inviolabilidade da vida de todo o homem, mesmo do que ainda não nasceu. Colocai portanto na frente a dignidade e o direito do matrimónio e da família. Só o respeito dos direitos e valores fundamentais inalienáveis garante aquela liberdade que não vem a converter-se em auto-destruição. Reflecti nisto: quanto mais diferem entre si direito e moralidade, tanto mais urgente é a protecção jurídica das convenções morais.

A Igreja do vosso País tem abundância de instituições para a educação e a instrução, secções da Cáritas e o serviço social. Defendei a possibilidade de fornecer o vosso contributo cristão para se construir a sociedade. Pensai, por outro lado, nisto: um testemunho crivei cresce, unicamente pela adesão interna a Jesus Cristo, e não por simples acordo externo com outras forças da sociedade.

10. Contraponde às excessivas exigências e ao consumismo a alternativa de uma vida no espírito de Cristo.

Por um lado, o desejo de posse e de consumo cresce, de maneira que o ter vale muito mais que o ser (ver Redemptor hominis RH 16). Por outro lado, atingimos o limite do crescimento económico e técnico. Queremos acaso construir um caminho para o declínio e a ruína da vida na nossa terra, em vez de ser no sentido do progresso? Requer-se o exemplo dos cristãos que, na esperança dos bens futuros, não se prendem aos passageiros e portanto desenvolvem uma civilização do amor. Estimulai portanto a disponibilidade, tão indispensável para se ser cristão, disponibilidade ao sacrifício e à renúncia; reconheçamos também o significado dos conselhos evangélicos para a sociedade inteira.

11. "Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria" (2Tm 1,7).

Caros e dilectos filhos da missão episcopal! O vosso encargo é oneroso. Para que os Apóstolos, de quem somos sucessores, pudessem cumpri-lo, o Senhor deu-lhes o Seu Espírito Santo. A este Espírito queremos dar lugar em nós e entre nós. As Suas características são: fortaleza, sabedoria e amor. Fortaleza, falar ao Senhor mesmo e deixar que Ele opere, sem preocupações de aprovação ou de resistência; fortaleza, cuja medida mais interior é a fraqueza da cruz. Sabedoria, que olha com firmeza para á verdade de Jesus Cristo, mas atende igualmente, sem preconceitos, aos problemas e às preocupações do homem de hoje. Por fim e sobretudo, o amor, que tudo arrisca, tudo suporta e tudo espera, o amor que forma unidade, pois caminha com Jesus Cristo para a cruz, une céu e terra, e enlaça, uns com outros, todos os que estão separados. Prometo-vos levar fraternalmente convosco a vossa carga, e de vós imploro a unidade indefectível, cada vez mais profunda, neste espírito. Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe da Igreja, esteja connosco a fim de que se possa preparar um novo Pentecostes.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II AOS LEIGOS

Catedral de Fulda

Terça-feira, 18 de Novembro de 1980



Irmãos e irmãs em Cristo,
Dilectos colaboradores no serviço da Igreja

Era desejo meu, depois do encontro com os irmãos no sacerdócio e no episcopado, encontrar-me, de modo particular, também convosco, junto do túmulo de São Bonifácio, nesta cidade memorável, convosco que compartilhais com eles o peso da jornada, através da colaboração no trabalho missionário da Igreja. Alegro-me sobremaneira pela vossa participação numerosa e saúdo-vos todos de coração.

1. Na Igreja de Jesus Cristo, desde a sua fundação, uma característica dos seus discípulos era a de serem eles "um só coração e uma só alma". Ao mesmo tempo, desenvolvia-se, já nas primeiras comunidades cristãs, uma abundância de serviços, de dons e de tarefas. São Paulo usa repetidamente a imagem de um só corpo que tem muitos membros. Estes serviços não se limitavam, de nenhum modo, apenas ao ministério conferido pela ordenação sacramental. A construção da comunidade, o testemunho da fé, o serviço ao próximo exigem da Igreja uma multiplicidade de tarefas, que podem ser assumidas, em linha de princípio, por todos aqueles que tenham recebido o baptismo e a confirmação e vivam activamente na unidade da Igreja.

Principalmente nas Igrejas jovens, o Evangelho só pode crescer quando muitos se tornam disponíveis e se empenham completamente nesta multiplicidade de serviços. A mesma coisa, porém, não é talvez necessária na velha Europa, onde a Igreja se encontra sempre mais mergulhada num mundo secularizado? Também no vosso país, a vida da Igreja está, mais do que nunca, entregue a muitas pessoas que fazem suas as tarefas da Igreja, empenhando a sua força e o seu tempo, para que a Igreja permaneça e se torne sempre mais viva e crente. Coloca-se aqui em primeiro lugar o peso central do serviço voluntário, das incontáveis tarefas, assumidas muitas vezes com sacrifício, ao lado do vosso trabalho profissional. Contudo, isto é um sinal de dinamismo da Igreja, quando os homens se colocam à sua disposição, com todo o seu saber e com todo o seu tempo, portanto, também profissionalmente. Muitas obras e muitos serviços no campo pastoral, social e educativo que caracterizam a Igreja do vosso país, não poderiam ser realizados sem colaboradores profissionais. É para mim uma grande alegria encontrar, hoje, este grupo que colabora de maneira determinante no serviço da Igreja. O grande número de profissionais em actividade no serviço da Igreja é uma particularidade do vosso país. Sei do trabalho pioneiro desenvolvido principalmente pelas mulheres, sobretudo na Cáritas e na Pastoral.

Quero imediatamente exprimir a todos os colaboradores voluntários e profissionais no serviço da Igreja, através do que participam eficazmente na missão salvífica da Igreja, a minha profunda gratidão e o meu reconhecimento, que valem para todos sem excepção, em qualquer lugar operem, dado que, por motivo de tempo, não poderei, em seguida, dirigir-me explicitamente a cada grupo em particular.

Exercer como leigo uma profissão eclesial significa muitas vezes colocar diante dos hábitos comuns da vida uma clara confissão de fé e fazer concordar entre si as exigências da própria vocação, as exigências da família e as exigências da vida pessoal. Isto só pode ser conseguido através de uma vida consciente que nasce da fonte; do Espírito Santo que recebestes no baptismo e na confirmação. Eu gostaria de vos encorajar a isto e de vos dar algumas indicações de como podereis compreender e actuar o vosso importante serviço à luz deste Espírito. Aquilo que o Senhor disse a Pedro: "Confirma os teus irmãos", eu entendo-o como uma obrigação minha diante também de vós. Que significa confirmar-vos? significa encorajar-vos a viver segundo o Espírito que plasmou Jesus Cristo, que dirige a Igreja e a torna capaz do seu encargo, que também vos foi dado no baptismo e na confirmação e que é fonte de energias para o vosso serviço. É o Espírito de Amor, o Espírito do Testemunho, o Espírito dos Filhos de Deus, o Espírito da Unidade.

2. Paulo escreve na carta à comunidade de Roma: "O amor de Deus derramou-se nos nossos corações através do Espírito Santo" (15, 30). Assim, o Espírito de Deus oferece-se sobretudo como amor. Este é, ao mesmo tempo, seu fruto e sinal de que o Espírito opera; é o máximo dos dons, o carisma que supera todas as coisas.

A Igreja é enviada ao mundo para intervir e anunciar, através da palavra e da acção, este amor que, em última instância, é o próprio Deus.

Ela só pode desempenhar o seu serviço quando uma parte do conteúdo salvífico da sua mensagem pode ser tocado já neste mundo. Por causa disto, desde o início, ao anúncio da palavra seguia-se a acção de amor, seja da parte do Senhor mesmo, que curava os doentes e cuidava dos indigentes no deserto, seja da parte da Igreja ainda nascente, da qual conhecemos, por exemplo, a especial assistência que prestava aos pobres de Jerusalém e a compensação que buscava estabelecer entre a comunidade rica e a comunidade pobre. A diaconia em todas as suas formas pertence de modo imprescindível ao anúncio do Evangelho. Essa diaconia imprime um carácter fundamental a todos os serviços da Igreja. O amor é, ao mesmo tempo, o fundamento e a realização final de toda a vocação, de todo o dom e de todo o serviço.

A respeito disto quero também dirigir uma palavra especial a todos aqueles dentre vós que estão ao serviço da Cáritas eclesiástica. O trabalho da Cáritas tem uma longa história no vosso país, desde a fundação da Associação Cáritas-alemã por obra de Lorenz Werthmann. Esta árvore que ele plantou no fim do século passado produziu realmente bons frutos. Em todos os estratos da sociedade e lugares da República Federal da Alemanha estão presentes os membros da vossa associação: lá estão eles ao serviço de jovens e de anciãos, de crianças e de famílias, de excepcionais e de doentes. Com quase 300.000 homens e mulheres no serviço caritativo, dispõe-se de um verdadeiro exército de assistentes — realmente uma sólida coluna ao serviço da vida social da República Federal da Alemanha.

Verdadeiramente, não tenho necessidade de sublinhar que esse empenho é um motivo de grande alegria para mim. Antes de tudo, simplesmente pelo facto de que fazeis tanto bem; porque enxugais lágrimas e saciais os famintos; porque aliviais a solidão, mitigais a dor e tornais possível a convalescença. Mas também, porque o vosso serviço demonstra que "todas as vias da Igreja levam ao homem" (Redemptor hominis RH 14).

Este serviço dá testemunho de um conhecimento instintivo da bondade de Deus e da ligação da Igreja à mensagem divina até mesmo quando os chamados grupos ateus ou a-religiosos buscam em nós ou na Igreja a experiência desta bondade e benevolência divinas. Para vós que estais no serviço caritativo da Igreja, isto certamente significa uma realidade que não pode ser subestimada. Vós deveis ser como pilares na corrente de uma sociedade em mutação, que ameaça sempre mais a dignidade do homem, a dos homens do futuro, a dos anciãos e dos doentes incuráveis, como também a sua capacidade de transmitir a vida. A protecção de todos esses valores é confiada também às vossas mãos. Do vosso serviço depende para muitos a credibilidade da Igreja, na qual querem encontrar o amor de Cristo que é serviço.

O vosso trabalho deve orientar-se nesta direcção. Disto resultam, quase espontaneamente, algumas consequências, que serão aqui brevemente acenadas. A ajuda ao próximo requer conhecimento de causa bem fundamentado, instrução qualificada e emprego das melhores energias e meios disponíveis. De outro lado, o homem necessita de muito mais do que somente perfeição técnica. Ele tem um coração e naquele que lhe vem ao encontro quer encontrar também um coração. A humanidade não pode ser substituída por equipamentos e sistemas de administração. Este é inclusive o motivo porque, não obstante a oferta de melhores competências e dos melhores instrumentos, o colaborador voluntário deve manter o seu posto no serviço caritativo. Certamente, também ele necessita de preparação. No entanto, a coisa decisiva é a sua disponibilidade a ajudar, é o olhar com que vê a necessidade, a paciência com a qual escuta, a delicadeza que não se torna rotina, que empenha não apenas o seu saber, mas, sobretudo a si mesmo.

Que ninguém se iluda: também o serviço ao próximo pode levar à rotina. Como é pobre aquele que o considera apenas um ganha-pão com suficiente rendimento e tempo de trabalho determinado, sem que o amor pelo próximo e o Evangelho possam distraí-lo da sua fadiga. Contudo, também para aquele que se quis consumar no serviço do bem, que queria servir à Igreja porque o acolhimento da mensagem de Jesus está ligada à credibilidade da Igreja, também para ele chega a monotonia da vida quotidiana: A compaixão passa, a generosidade consuma-se, o coração torna-se desiludido. De onde poderá ele haurir as energias para permanecer neste serviço? Antes de tudo, percebe que esta exigência supera as suas forças. Recorda-se, então, da fonte que produz o amor. Negar-lhe-ia Deus a força do seu Espírito, se ele Lhe pedir?

Dado que é através do Espírito Santo que o amor de Deus se derrama em nossos corações, só pode ser considerado presunção, se alguém, que tenha algo a ver com o serviço de amor ao próximo, renuncia a este Espírito, porque se contenta com o amor do próprio coração. Será que todos aqueles que na Igreja são considerados como modelos activos de amor ao próximo não receberam esta capacidade do Espírito Santo? Muitos deles criaram movimentos e fundaram comunidades. A estes e estas, por um longo período, era transmitido naturalmente o Espírito desde o tempo da fundação. Isto era mais fácil porque se tratava, na grande maioria, de comunidades religiosas, as quais, pela sua própria natureza, podem, mais facilmente que outras instituições, conservar o seu património espiritual. Ainda hoje, cerca de 30.000 colaboradores a tempo integral no serviço da caridade são membros de ordens religiosas. E ninguém pode dizer que poderíamos renunciar a essas pessoas consagradas, pois a sua simples presença já demonstra a íntima conexão que existe entre o serviço prestado aos homens e a possibilidade de prestar este serviço, que vem de Deus. Ninguém pode renunciar àqueles de quem esperamos receber ajuda para as nossas necessidades: para a constante renovação e fortalecimento da nossa própria capacidade de amar através daquele amor que Deus nos coloca à disposição por meio do seu Santo Espírito.

3. O Espírito que Jesus Cristo põe no nosso coração é o Espírito de Testemunho. Somente no Espírito Santo podemos testemunhar que "Jesus é o Senhor" (1Co 12,3). A todos os cristãos é dada esta capacidade e todos são chamados a testemunhar. De modo muito particular e urgente, aqueles que estão ligados à Igreja não apenas na sua vida privada, mas também na sua vida profissional, que são "homens da Igreja". Cada um de nós deve perguntar-se: se o seu testemunho de vida pessoal e o seu comportamento público e profissional correspondem ao que os homens esperam da Igreja e ao que a Igreja espera dos homens.

O testemunho da fé torna-se para muitos de nós o conteúdo da profissão. Nesta linha, gostaria de me dirigir agora, de modo particular, aos professores de religião e aos catequistas. Se olhamos apenas as aparências, temos a impressão que muitas pessoas, hoje, se contentam com trabalhos superficiais, com uma prestação de serviço insuficiente. Se, por outro lado, olhamos com mais profundidade para o interior das pessoas, percebemos, frequentemente, uma grande insegurança pessoal, o desejo de compreensão e de explicação da sentido da vida. No fundo, muitos homens, principalmente os jovens, procuram sobretudo e de algum modo encontrar-se consigo mesmos.

Eles não o conseguem, sem que alguém lhes mostre o caminho, sem que sejam orientados, particularmente os jovens, para descobrir a verdade acerca do homem, do mundo e de tudo o que este contém. Vós, que por encargo da Igreja ensinais religião nas escolas e instituições semelhantes, prestais uma contribuição, cujo peso pode dificilmente ser avaliado. Vós podeis fazê-lo, porque a vossa Igreja, com inteligência e energia, pôde manter até hoje, diante do Estado e da Sociedade, a possibilidade da instrução religiosa nas escolas. Que possibilidades para a salvação dos vossos jovens! Que possibilidades para o conhecimento do Evangelho no vosso país! Uma possibilidade que muitos pedagogos e pastores de almas não alemães invejariam! Que possais com a ajuda de Deus fazer disso um bom uso!

Antes de tudo, isto exige de vós um alto grau de preparação e competência: uma capacidade qualificada de orientar as pessoas e uma teologia sólida. A fé na sua dinâmica interna impele para a compreensão de si mesma: fides quaerens intellectum. Ela é, de um certo modo, como uma substância que exige e sustenta todo o conjunto da pesquisa. Ela é um conteúdo que, como muitos outros — decididamente mais do que muitos outros — atrai aqueles que se colocam perguntas e oferece ao intelecto agudo sempre novas possibilidades de demonstração. Posso compreender muito bem que muitos de vós se voltem para a teologia, que tantos leigos no vosso país se dediquem a esta ciência. O estudo da teologia, por si mesmo, produz um certo fascínio, mesmo que seja somente a nível de saber. Quem poderia dar um objecto mais comovente, mais gratificante ao nosso intelecto que a Palavra, a Palavra de Deus e, em última instância, Ele mesmo, que se entrega a nós por esta Palavra?

Com certeza, o conteúdo desta Palavra é altamente significativo, para que o resultado de tais pesquisas possa ser insignificante. O que decide o sentido da vida do homem não pode ser, ao mesmo tempo, "sim" e "não". Aqui requer-se a verdade, onde quer que esteja. Ela deve ser encontrada, de qualquer forma, nas dimensões que nos são reveladas. Ela deve ser anunciada, de qualquer forma, segundo o modo que nos é possível a nós homens.

Opiniões, pontos de vista privados, especulações não são suficientes para aquele que avalia o seu efeito na caminhada da vida do homem e está atento ao respeito devido a este homem. Elas não podem contentar aqueles que se tornaram conscientes de poder chegar através das respostas teológicas à causa primeira da verdade. Deus revelou-nos a sua palavra, que não poderíamos encontrar e a acolher por nós mesmos, somente com a força do nosso intelecto — ainda que tenha sido entregue à diligência da nossa razão demonstrar a credibilidade desta palavra e a sua correspondência às nossas perguntas, e às nossas cognições humanas. Pertence à lógica interna da Revelação o facto que a defesa e a interpretação dessa palavra tenha necessidade de um dom especial do Espírito. Em consequência disso, o estudo da teologia católica deve permanecer impregnado da disponibilidade de ouvir o testemunho vinculante da Igreja e acolher as decisões daqueles que, enquanto pastores da Igreja, têm a responsabilidade diante de Deus de tutelar o depósito da fé. "O exame, a aprovação ou a rejeição de qualquer ensinamento pertencem à missão profética da Igreja", como escrevi na minha carta de 15 de Maio deste ano endereçada aos membros da Conferência Episcopal Alemã. Sem a Igreja a Palavra de Deus não teria sido transmitida nem conservada; sem a Igreja não se pode querer a palavra de Deus.

A compreensão intelectual da Palavra de Deus deve ser certamente integrada também com um outro aspecto: a fé, para além de ser conhecida, deve ser vivida. No próprio Novo Testamento uma fé que surgisse apenas do saber seria rejeitada como perversão — como, por exemplo, nos admoesta a Epístola de Tiago que também as forças demoníacas conhecem o Deus único; dado, porém, que não aceitam esta ciência com o seu ser, resta para eles apenas a necessidade de tremer diante deste Deus; resta-lhes a punição, não a salvação (cf. Tg Jc 2,19).

Quando Deus nos dirige a sua Palavra, Ele não nos anuncia nada que diga respeito a coisas ou terceiros, Ele não nos comunica "alguma coisa", mas comunica-Se. Jesus, como verbo insuperável com o qual Deus se comunica, é, ao mesmo tempo,
o próprio Deus. Deste modo, a Palavra de Deus exige-nos uma resposta que Lhe deve ser dada com toda a nossa pessoa. A realidade de Deus escapa àquele que se limita a considerar a Sua palavra e a Sua verdade apenas como um objecto neutro de pesquisa. A única maneira conveniente de se aproximar de Deus enquanto Deus é a adoração. O mestre Eckehart, um dos grandes místicos do vosso povo, exortava, por isso, os seus ouvintes a desembaraçarem-se "do Deus imaginado". Deus, que permanece um puro e simples "Ele", deixa-nos sozinhos e vazios. Deus usa o "tu" connosco. Podemos encontrá-1'O somente quando somos capazes de tratá-1'O por "Tu". Por conseguinte, como dizia Eckehart, deve-se ter Deus aqui e agora "nos sentimentos, nas aspirações e no amor". Poderia reagir adequadamente a Ele somente aquele que fosse completamente penetrado por um íntimo e espiritual interesse pelo Deus presente.

Também Jesus exige para Si a entrega total da pessoa, quando nos revela os desígnios do Pai. A Sua palavra não pode ser entendida como transmissão de simples informação de coisas, mas como chamada ao seguimento. A Sua pregação visa o testemunho, que adquire a sua grande evidência na dedicação de vida dos primeiros apóstolos. A Sua mensagem exige, através da comunhão no saber, a união pessoal com Ele, ou — como diz o escrito apostólico Catechesi Tradendae — "a unidade de vida com Jesus Cristo" (n. 5).

Assim, caros colaboradores da nossa Igreja, na transmissão da mensagem de Jesus, o vosso testemunho é insubstituível. Verba docent, exempla trahunt — sabiam já os Romanos; e, recentemente, escreveram alguns bispos africanos numa carta pastoral: "As crianças aprendem mais vendo que ouvindo". No testemunho reside o serviço mais importante que vós, mestres de religião, podeis prestar aos vossos alunos, a fim de que juntamente convosco experimentem, ao menos em parte, a amizade do Senhor; a fim de que o temor de Deus e a união com a Igreja possam ser identificados a partir do vosso comportamento; a fim de que lhes transmitais o alto valor da oração e da celebração eucarística, não apenas com palavras, mas também com o vosso testemunho de vida pessoal.

4. O Espírito que o Filho de Deus nos comunica faz-nos também filhos e filhas de Deus. Deus não nos deu o Espírito da escravidão mas o Espírito de filhos adoptivos (cf. Rom Rm 8,15 Ga 4,6). Isto deve ser visto em nós pelos outros, deve irradiar do nosso serviço. A Igreja deve ser apresentada como convidativa, atraente, justamente como família de Deus. Seguramente isto exige que não demonstremos um comportamento de escravos, um puro e simples calcular e julgar. E exige, ao mesmo tempo, dos que têm responsabilidades na Igreja a obrigação de, nas relações com os colaboradores, levarem em conta este "novo tipo" de Evangelho.

Tenho aqui diante dos olhos principalmente dois grupos de serviço: aqueles dentre vós que trabalham na administração eclesiástica e, por isso, determinam, de modo considerável, com o seu comportamento, a imagem externa da Igreja diante da opinião pública — e o grande número dos que se encontram directamente , no serviço pastoral, no serviço à família de Deus, enquanto comunidade — e os assistentes e as assistentes de pastoral.

A vós, queridos colaboradores de pastoral, quero dirigir-me agora de modo particular. Comparados com outros profissionais destinados a outras tarefas na Igreja sois pouco numerosos. Contudo, o vosso serviço tem uma distinção particular entre todos os serviços dos leigos; pois ele ajuda a construir a comunidade, através do testemunho do Evangelho nos diferentes grupos da comunidade e nas diferentes situações de vida, fazendo retornar à Igreja os que dela se distanciam, formando colaboradores voluntários.

O impulso para o engajamento dos leigos no serviço da salvação de outros homens desmente todos os pessimistas. Quantos jovens, na verdade, estão prontos a assumir este serviço! Ninguém que reflicta sobre isto poderá afirmar que o Evangelho tenha perdido a sua força de atracção. De facto, aquele que se encaminha para este serviço tem certamente a sua própria história. Sem dúvida tereis percorrido esta estrada com o aplauso da opinião pública. Mas tê-lo-eis feito debaixo de observações críticas da parte de colegas e, muitas vezes, mesmo dos parentes. Segundo a opinião de muitos não se pode transformar em profissão a disponibilidade de oferecer à vida do próximo um apoio da fé. Isto seria absolutamente estranho ao nosso tempo. E, se a isto acrescentamos que os contornos futuros deste serviço não são completamente claros, ou até previsíveis, uma tal escolha de vida termina parecendo, aos olhos de muitos, como uma insensatez.

Mas vós pressentis que a Palavra de Deus e o serviço da Igreja necessitam de homens e que não vos podeis furtar a esta necessidade. E estou seguro que, entrementes, não apenas tendes sentido o peso de uma tal responsabilidade, mas também já tendes provado a gratidão de muitos homens. Tal gratidão é seguramente a melhor confirmação da pertinência do nosso trabalho.

E necessário permanecer fiel, embora ulteriores esclarecimentos sobre a vossa formação profissional ainda necessitem de algumas reflexões; embora não tenhais experimentado da parte de todos os membros da comunidade aquela aceitação e confirmação desejadas. Para mim, parece importante que prossigais com inteligência, principalmente nas situações difíceis, e que vos recordeis do idealismo inicial, a fim de que procureis convencer gradativamente outros colaboradores e também a comunidade. Acreditamos todos que um só e mesmo Espírito guia a comunidade e os corações dos homens. É Ele também que dá vida ao vosso serviço na Igreja. Justamente nos momentos de tribulação sois convidados a confiar neste Espírito.

Eu sei que este meu conselho exige muito de vós. Isto significa que ninguém se deve deixar contagiar pela continua verificação das horas de trabalho e do direito ao tempo livre, ainda que diariamente isto seja escrito nos jornais; que deve deixar atrás de si o seu modo de pensar em termos de avanço, ainda que isto seja corrente na nossa sociedade; que deste modo conseguirá uma sempre maior identificação, não com a Igreja sem pecado que todos sonhamos, mas com a concreta Igreja de hoje, que não deixa de estar cheia de fraquezas humanas.

Uma tal identificação, de modo nenhum, nos faz cegos, mas, pelo contrário, justamente videntes, a saber, voltados para o bem que se descobre somente com o coração — ou seja, com o olhar da benevolência. Deste modo, consegue-se descobrir e anunciar o positivo: antes de tudo tentar-se-á compreender as decisões daqueles que carregam nos ombros a responsabilidade da Igreja, os bispos e os padres, mesmo quando criticados pelos outros; o importante não é o cepticismo, a cura da distância interior, mas a antecipação da confiança.

Uma última coisa: existe na pastoral também o serviço do diácono permanente, que se abre ao dom sacramental da chamada de Deus, para estar junto dos homens com a ajuda e o testemunho que haurem do altar, instrumento espiritual da Igreja. Liturgia e anúncio, pastoral e diaconia demonstram aqui o seu íntimo ligame. Se percebeis dentro de vós este chamamento de Deus, eu vos peço: abri-vos a ele!

5. O Espírito que recebestes é, finalmente, o Espírito da Unidade. Os muitos serviços são expressão e dons do único Espírito. Cada um deve ter a coragem e a modéstia de dizer sim a um particular dom e a uma tarefa particular. Isto significa que eu devo, ao mesmo tempo, levar a sério e estimar a fé e o empenho do meu irmão tanto quanto os meus. Colaboração, consideração recíproca, disposição para se reconciliar sempre de novo, para sempre recomeçar novamente com os outros, tudo isto não é menos importante que a fidelidade ao próprio encargo. Unidade, ou seja: uma colaboração aberta, bondosa, paciente, compreensiva entre os padres, diáconos e leigos. Somente se todos se esforçam para isto, pode o testemunho daquela unidade conseguir "que o mundo creia" (Jn 17,21).

A tudo isto acrescento um pedido especial: fazei vossa a preocupação da Igreja para aumentar as vocações sacerdotais e religiosas!

Quero que saibais e estejais seguros que estou ao vosso lado no vosso serviço. Peço-vos que me ajudeis a desempenhar o meu! Então, o Espírito do Senhor renovará também através de nós a fisionomia da Igreja e da terra.



Discursos João Paulo II 1980 - Mogúncia, 17 de Novembro de 1980