Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 18 de Novembro de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES DA COMISSÃO CENTRAL


DOS CATÓLICOS ALEMÃES


Seminário de Fulda

Terça-feira, 18 de Novembro de 1980



Gentis Senhoras e Senhores
Caros irmãos e irmãs

Desejo antes de tudo agradecer-lhe profundamente, ilustríssimo Senhor Presidente, a sua deferente saudação de homenagem. É para mim motivo de particular alegria encontrar-me com Vossa Excelência, e com a Comissão Central, durante a minha permanência na Alemanha. Como sabeis, quando eu era Arcebispo de Cracóvia, fui por diversos anos Presidente da Comissão da Conferência Episcopal da Polónia para o apostolado dos leigos. Quando se realizou o Sínodo diocesano em Cracóvia, a presença dos leigos foi por mim urgida. Todas estas experiências imprimiram de modo indelével na minha consciência o contributo decisivo dos leigos para a estrutura da vida na Igreja e para o testemunho da mensagem cristã. Graças ao aparecimento de muitas organizações católicas, durante a prova de fogo da luta da Igreja no último século, graças à Comissão Central dos católicos alemães e aos 86 "Katholikentag" que se realizaram até hoje, o apostolado dos leigos na Alemanha deu um contributo insubstituível.

É-me grato portanto ver no meio das pessoas aqui reunidas, a presença viva, por assim dizer, desta história: os representantes das Comissões Centrais, das associações e dos conselhos diocesanos dos católicos. Estão também aqui os representantes do Conselho da Igreja Evangélica alemã, há muito tempo unidos à Comissão Central por vínculos de ininterrupta colaboração.

Senhor Presidente, Vossa Excelência fez referência à minha mensagem para o 86° Katholikentag realizado em Berlim. O tema deste Katholikentag dá-me ocasião também para uma breve resposta à sua delicada saudação: "O amor de Cristo é mais forte!". Não se poderia compendiar nesta frase a experiência da história ultracentenária de um apostolado leigo vigoroso e unido? O amor de Cristo foi sempre mais forte que todas as tendências seculares no campo da política e da cultura; estas não puderam enfraquecer ou destruir a força vital e a força da ideia social da Igreja católica na Alemanha. O amor de Cristo demonstrou-se mais forte do que tudo o que teria podido dividir, na história do seu País, Papas e bispos de um lado, e leigos católicos do outro. O catolicismo alemão teve um papel determinante no esforço pela reconstrução no seu País depois da guerra. O que os leigos deram no campo da cultura, da instrução e do compromisso social e da política, não faz somente parte da história da Igreja, mas também da história nacional e europeia. De onde vem a força para um tal compromisso? De onde deriva a força que determina passos muito importantes para a reconciliação entre a Alemanha e os seus vizinhos a leste e a oeste? Para os cristãos a resposta é óbvia: é a resposta do tema do Katholikentag: "o amor de Cristo é mais forte".

Vossa Excelência, por certo, não escolheu este tema para relatar as experiências do passado. Ao contrário — e esta é a nossa missão — olhou para a frente, visou as tarefas que hoje todos devemos enfrentar.

As tarefas que devem ser enfrentadas, como na alocução Vossa Excelência salientou, são um estímulo a dar maior espaço ao amor mais forte de Cristo, e a encontrar humildemente neste amor soluções mais decisivas e duradouras também para os problemas humanos ou para aqueles que, muitas vezes, parecem insolúveis. Somente a convicção de que o amor de Cristo é o mais forte, pode levar-nos a apresentar imparcialmente a mensagem integral do Evangelho, contra a indiferença, a resignação, o medo e o cinismo. Onde o apoiamos, onde divulgamos o Evangelho com clareza e directamente, onde o testemunhamos com a nossa vida, ali também hoje os homens nos escutam. Sobretudo os jovens.

Devemos formar células vivas, em que os homens crentes possam continuar a afirmar e a viver a liberdade que lhes vem de serem seguidores de Jesus. Certamente nem todos os problemas serão resolvidos de imediato, mas renasce a coragem de empreender o caminho e de confiar na Igreja, na sua comunidade, no seu exemplo e na sua mensagem, e também no seu mandato pastoral e doutrinal, contra toda a dificuldade das normas, instituições e tradições.

A actividade de Vossa Excelência está dedicada, com razão, aos diversos campos da política e da sociedade, da instrução e da cultura, da convivência dos povos e do mundo do trabalho e da economia. Também os problemas actuais do matrimónio e da família, da assistência social, assim como aqueles da arte e dos meios de comunicação exigem o seu cuidado. Esses problemas procuram obter um julgamento adequado e as bases de um agir cristão, precisamente do Evangelho e da doutrina social cristã, para a solução das suas exigências. É justamente isto que o Concílio Vaticano II quis promover e difundir, de modo especial com a colaboração de todos os leigos do mundo. Não diminua o Seu empenho neste campo. Não se limite ao que já foi conquistado. Se o fermento deste mundo for o Evangelho, se também aqui o amor de Cristo se demonstrar o mais forte, então abrir-se-ão para a humanidade novos horizontes, então sentiremos a necessidade de novos desenvolvimentos e de novas situações.

Actualmente, para dar apenas um exemplo, qual é a situação do cristianismo no Seu País, na literatura, no teatro e na arte de hoje? Qual é a presença da Igreja e dos cristãos no campo da imprensa, da rádio e da televisão? Existe adequado contributo cristão para uma convivência, às vezes não fácil, entre alemães e estrangeiros nas suas metrópoles e nas suas empresas? De que modo justifica Vossa Excelência a convivência de povos e a das culturas diversas num mundo único? Qual é a seriedade do Seu empenho ao enfrentar as urgentes exigências de energia e do ambiente?

Bem sei que Vossa Excelência diante de todos estes problemas não se exime, e por isto lhe estou grato. Mas desejo, ao mesmo tempo, estimulá-lo a corajosamente e com toda a Sua decisão percorrer novos caminhos que encontrem muitas pessoas concordes no Seu País e, além dele, em Berlim. Sim, o amor de Cristo é verdadeiramente mais forte.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM


OS PROFESSORES DE TEOLOGIA


EM ALTÖTTING


Convento dos Capuchinhos "Koster San Konrad"

Terça-feira, 18 de Novembro de 1980



Ilustres Senhores Professores!
Caros irmãos meus!

Constitui para mim especial regozijo, ao findar deste dia, encontrar-me convosco. Foi meu desejo pessoal ter um encontro com os representantes da teologia do vosso país. Afinal, hoje mais do que nunca a ciência teológica faz parte integrante das mais relevantes formas de realização e funções da vida eclesial. Saúdo-vos cordialmente a vós e em vós todos os cultores da ciência teológica. Pertencem a uma grandiosa tradição — basta-me pensar em Alberto Magno, Nicolau von Kues, Möhler e Scheeben, Guardini e Pszywara. No meio estes destacados teólogos em representação de muitos outros que, tanto no passado como no presente, enriqueceram e ainda continuam a enriquecer não só a Igreja de língua alemã, mas também a teologia e a vida de toda a Igreja.

Por isso, gostaria de agradecer de coração por esse trabalho a vós e a todos que representais. O trabalho científico é quase sempre uma actividade silenciosa e abnegada. Vale isto particularmente para a preparação de textos que mereçam confiança e a exploração das fontes da teologia. Muitas edições de textos patrísticos, medievais e modernos devemo-las ao abnegado trabalho de pesquisadores do vosso país. Quanto mais abrangente se torna o conjunto do saber teológico, tanto mais se faz mister uma síntese. Em numerosos léxicos, comentários e manuais tendes elucubrado, para quase todas as disciplinas, valiosas e válidas resenhas do estado da ciência respectiva. Precisamente neste tempo pós-conciliar tornaram-se particularmente importantes essas orientações fundamentais, de molde a comunicar, com a visão do presente, a herança do passado. Assim se chegou, sobretudo no campo da hermenêutica bíblica a uma auspiciosa colaboração dos exegetas profissionais, que tem dado e certamente ainda dará precioso impulso também ao empenho ecuménico. Peço-vos a todos continueis essa sólida pesquisa teológica. Prestai bem atenção, nesse afã, às interrogações e necessidades do hodierno ser humano; mas não vos deixeis desencaminhar por eventuais correntes efémeras do espírito humano. O conhecimento científico e, nomeadamente, teológico precisa de coragem para ousar e de paciência para amadurecer. Possui ele as suas leis intrínsecas que não se podem impor de fora.

O facto de pertencer a pesquisa teológica aos genuínos tesouros da Igreja do vosso país, é certamente facilitado pela integração da teologia nas universidades estatais. O relacionamento entre a liberdade da teologia científica e a sua ligação com a Igreja, qual está ele consignado nas concordatas, conservou-se sempre modelar, a despeito de alguns conflitos. Propicia-vos a oportunidade de cultivar a filosofia e a teologia no contexto e em cooperação com todas as ciências de uma universidade moderna. Essa situação deixou o seu cunho na qualidade das escolas superiores de filosofia e teologia dos bispados e das ordens religiosas, das escolas superiores gerais e das escolas superiores pedagógicas, bem como dos institutos eclesiásticos de pesquisa. A publicação dos conhecimentos teológicos não seria, em fim de contas, possível sem prestimosas editoras católicas. Quisera incluir no meu reconhecimento todos os que de múltiplas maneiras fomentam a ciência teológica.

Quem muito recebeu, tem também grandes compromissos. Tendes enorme responsabilidade para com a situação da teologia, que hoje se nos depara tantas vezes crítica. Quisera, pois, aproveitar a ocasião para vos lembrar três perspectivas que tenho particularmente a peito.

1. A complexidade e especialização do saber hodierno comportam uma abundância de temas e questionamentos, métodos e disciplinas. Isso tem trazido preciosos conhecimentos e novas intuições. Mas existe o perigo de que, com essa quantidade de conhecimentos particulares, se ofusque o significado e o escopo da teologia. Visto que num mundo secularizado se dissiparam em grande parte os vestígios de Deus, a concentração no Deus trinitário como origem e perene fundamento da nossa vida e de todo o mundo, permanece o tema mais premente da teologia hodierna. Todo o entusiasmo do conhecer teológico deve, afinal, conduzir ao próprio Deus. Ainda durante o Concílio Vaticano II se acreditava poder pressupor a resposta à questão de Deus. Entretanto tornou-se manifesto que precisamente a relação do ser humano para com Deus fez-se frágil e precisa de ser fortificada. Quisera, pois, pedir-vos que trabalheis com todas as energias para a renovação da compreensão de Deus, e a este propósito gostaria que se ponham em evidência as questões relativas à trindade divina e à ideia de criação.

Concentração em Deus e na sua obra salvífica em prol do ser humano significa uma reestruturação interna das verdades teológicas. Deus Pai, Jesus Cristo e o Espírito Santo ocupam o centro. A palavra da Escritura, a Igreja e os sacramentos permanecem as grandes instituições históricas da salvação para o mundo; mas, essa "graduatória das verdades" (Decreto sobre o ecumenismo, 11) desejada pelo Concílio Vaticano II, não quer dizer uma mera redução da abrangente fé católica a algumas poucas verdades fundamentais, como muitos pensaram. Quanto mais profunda e radicalmente se pensa o centro, tanto mais nítidas e conscientes se tornam também as linhas conectivas do centro divino com aquelas verdades que dantes pareciam ficar à margem. A profundidade da concentração patenteia-se, outrossim, no alcance da irradiação para toda a teologia.

A labuta do teólogo a serviço da doutrina sobre Deus converte-se ao mesmo tempo, conforme o entendeu Santo Tomás de Aquino, em acto de amor para com o ser humano (cf. Summa Theol., II-II, q. 181, a. 3c; 182, a. 2c; I, q. 1, a. 7c). Ao tomar consciência, com a maior profundidade e plenitude possível, de que ele é o "tu" de todo o falar divino e o objectivo de todo o agir divino, ilustra-lhe e interpreta-lhe a sua própria dimensão ilimitada, definitiva e eterna.

2. Toda a teologia baseia-se na Sagrada Escritura, funda todas as tradições teológicas na Sagrada Escritura e a ela constantemente retorna. Ficai, pois, fiéis à dupla tarefa de toda a interpretação escriturística: preservai o incomparável evangelho de Deus, que não foi obra humama, e tende ao mesmo tempo a coragem de levá-lo ao mundo, novo em toda a sua pureza. Permanece, pois, o estudo da Sagrada Escritura, como a Constituição sobre a revelação divina do Concílio Vaticano II o diz "a alma da teologia" (n. 24). Ela nutre e rejuvenesce sem cessar a nossa busca teológica. Vivamos da Escritura, e então aproximemo-nos dos nossos irmãos separados com todas as divergências que ainda persistam.

A ponte da Escritura para as inquietações do momento presente não pode deixar de passar, para o teólogo, senão pela tradição. Esta não supre a palavra de Deus na Bíblia; antes, atesta-a através dos tempos mediante novos desdobramentos. Ficai sempre em diálogo com a viva tradição da Igreja. Apreendei dela tesouros que não raro ainda não foram descobertos. Mostrai à comunidade eclesial que com isso não vos abandonais a reminiscências do passado, mas que o nosso grandioso legado desde os Apóstolos até hoje encerra um grande potencial de resposta aos quesitos hodiernos. Seremos capazes de transmitir melhor o evangelho de Deus se prestarmos atenção à Sagrada Escritura e ao seu eco na viva tradição da Igreja. Tornar-nos-emos também mais críticos e sensíveis ao nosso presente. Este não é o único nem tão pouco o último critério do conhecimento teológico.

Não é fácil esse empenho pela grandiosa tradição da nossa fé. Para investigá-la precisa-se de idiomas cujo conhecimento hoje infelizmente tantas vezes faz falta. Trata-se não só de pesquisar historicamente as fontes, mas de fazê-las falar ao nosso tempo com o seu austero apelo. A Igreja católica, que abarca todas as épocas culturais, tem a convicção de que cada época conquistou um certo conhecimento da verdade, que também para nós não deixa de ser útil. Compete à teologia a renovação profética a partir dessas fontes, que são ao mesmo tempo surto e continuidade. Tende o ânimo de conduzir a esses tesouros da nossa fé os jovens que vos forem confiados para o estudo da filosofia e da teologia.

3. A teologia é uma ciência com todas as possibilidades do saber humano. É ela livre na aplicação dos seus métodos e análises. Com a mesma razão deve a teologia considerar a sua relação para com a fé da Igreja. Não é a nós que devemos a fé; ela está, antes, "edificada sobre o fundamento dos Apóstolos e Profetas, a pedra angular é o próprio Cristo" (Ep 2,20). Também a teologia deve pressupor a fé. Pode ela ilustrá-la e fomentá-la, mas não a pode gerar. Também o teólogo está sempre apoiado nos Padres na fé. Sabe que a sua especialidade não é constituída só de meros factos históricos ou de objectos em ampola artificial, mas que se trata da fé vivida da Igreja. Não é por nada, pois, que o teólogo ensina em nome e por encargo da comunidade eclesial de fé. Ele deve tentar novas propostas para a compreensão da fé, mas não passam elas de ofertas a toda a Igreja. Muita coisa se deve corrigir e ampliar em diálogo fraterno, até que a Igreja inteira o possa aceitar. Teologia é, no fundo, um serviço muito sacrificado à comunidade dos fiéis. Por isto, campete-lhe essencialmente o debate sóbrio, a abertura e a prontidão para mudar as próprias opiniões.

Os fiéis têm direito de saber a que coisa se entregam eles na fé. A teologia deve mostrar ao ser humano onde encontra ele consistência final. Não por nada foi dado à Igreja o Espírito da verdade. O magistério só existe para asseverar a verdade da palavra de Deus, sobretudo onde quer que esteja ela ameaçada de deturpações e equívocos. Neste contexto é que se deve encarar, outrossim, a infalibilidade do magistério eclesiástico. Gostaria de reiterar o que escrevi na minha carta de 15 de Maio deste ano aos membros da Conferência Episcopal Alemã: "A Igreja deve..., com muita humildade, estar certa de que ela persiste justamente naquela verdade, naquela doutrina religiosa e moral que recebeu de Cristo, o qual nesta matéria a dotou de especial 'infalibilidade'". A infalibilidade certamente ocupa lugar menos central na hierarquia das verdades, mas é ela "de certo modo a chave para aquela certeza com que a fé é conhecida e proclamada, como também para a vida e conduta dos fiéis. Quando se abala ou se destrói este fundamento essencial, logo começam a esboroar também as verdades mais elementares da nossa fé".

O amor para com a Igreja concreta, que inclui também a fidelidade ao testemunho da fé e ao magistério eclesiástico, não aparta o teólogo do seu trabalho e não tira a este nada da sua inalienável autonomia. Magistério e teologia têm cada qual o seu papel diferente. E por isto também que se não podem reduzir um ao outro. Todavia, servem ambos ao mesmo todo. É precisamente com essa estrutura que deveis ficar sempre em diálogo uns com os outros. Nos anos após o Concilio vós destes muitos exemplos de boa colaboração entre teologia e magistério. Aprofundai essa base, e continuai, embora ainda e sempre surjam eventuais conflitos, o vosso trabalho comum no espírito da fé comum, da mesma esperança e do amor que a todos une entre si.

Queria encontrar-vos nesta noite para confirmar-vos no trabalho que vindes fazendo e incentivar-vos a novas iniciativas. Não esqueçais a vossa grandiosa missão para com a Igreja dos nossos dias. Trabalhai com diligência, sem vos cansardes jamais. Cultivai com todo o cuidado uma teologia não só do intelecto, mas também do coração. Justamente Santo Alberto Magno, ao ensejo de cujo sétimo centenário de morte vim à Alemanha, não cessava de estimular a que se harmonizasse ciência e piedade, intuição intelectual e totalidade da pessoa. Sede para muitos estudantes de teologia da vossa pátria, especialmente nos dias que correm, modelos de fé vivida. Sede inventivos na fé, a fim de que todos juntos possamos levar, com uma nova linguagem, Cristo e a sua Igreja a tantas pessoas que não partilham mais a vida eclesial. Não olvideis jamais a vossa responsabilidade para com todos os membros da Igreja. Pensai particularmente na importante função da Igreja. Pensai particularmente na importante função de anunciação da fé mediante os missionários em todo o mundo.

Antes de poder conhecer-vos pessoalmente, peço-vos recebais da minha parte fraternas saudações e a bênção de Deus para todos os vossos colegas, colaboradores e estudantes. "A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós" (2Co 13,13).



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

PRECE DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II

À VIRGEM DE ALTÖTTING




Ave, Mãe das Graças de Altötting!

1. Eis que, há vários dias, me vem conduzindo o meu peregrinar por estas plagas germânicas, tão ricas de história, às pegadas do cristianismo, que já desde o tempo dos antigos romanos aqui arribou. São Bonifácio, o Apóstolo da Alemanha, disseminou com bom êxito a fé cristã por entre aqueles jovens povos e selou com o martírio a sua labuta missionária.

É apressado o meu passo, é apertado o programa da peregrinação, de sorte que não me é possível visitar todos os lugares, aos quais me levariam o seu significado histórico e o pendor do meu coração. Existem por aí tantas localidades importantes
e destacadas!

Hoje, que me é dado deter-me por umas poucas horas aqui em Altötting, renova-se-me a consciência de quão ligado está o itinerário desta minha peregrinação à confissão da fé, que constitui a incumbência mais relevante de Pedro e dos seus sucessores. Ao anunciar Cristo – o Filho do Deus Vivente, "Deus de Deus" e "Luz da Luz", "consubstancial ao Pai" – confesso ao mesmo tempo, com toda a Igreja, que Ele se tornou um ser humano por obra do Espírito Santo e nasceu de Maria Virgem. O teu nome, Maria, está inseparavelmente ligado ao Seu nome. A tua vocação e o teu Sim pertencem, desde aquele instante, indissoluvelmente, ao mistério da Encarnação.

2. Junto com toda a Igreja confesso e proclamo que Jesus Cristo é, neste mistério, o único mediador entre Deus e os seres humanos, porquanto a sua Encarnação trouxe a redenção e a justificação aos filhos de Adão sujeitos ao poder do pecado e da morte. Ao mesmo tempo, estou intimamente convencido de que ninguém mais profundamente do que tu, a Mãe do Redentor, foi introduzido neste pujante e avassalador mistério divino, e ninguém é mais do que tu, Maria, capaz de nos introduzir nele da maneira mais fácil e mais clara, a nós que o professamos e dele pessoalmente participamos.

Nesta convicção de fé, vivo eu há muito tempo. Com ela tenho empreendido, desde o início, a minha peregrinação, como Bispo daquela Igreja local que Pedro fundou em Roma e cuja missão especifica sempre foi, e ainda hoje é, servir a communio, isto é, a unidade no amor entre todas as Igrejas locais e entre todos os irmãos e irmãs em Cristo.

Com a mesma convicção eis-me hoje aqui, no teu santuário de graças de Altötting, Mãe das Graças, rodeado pela veneração e o amor de tantos fiéis da Alemanha e da Áustria, bem como de outras regiões de língua alemã; concede-me revigorar esta convicção e apresentá-la a ti nesta prece.

3. Também quero agora confiar-te a Igreja a ti, nossa Mãe, pois estiveste presente no Cenáculo quando a Igreja, em virtude da descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos, se anunciou publicamente. Confio-te hoje, antes de tudo, a Igreja que desde muitos séculos existe nesta terra germânica e forma esta grandiosa comunidade de fé entre povos que falam a mesma língua. A ti, Mãe, relembro toda a história desta Igreja e recomendo as suas tarefas no mundo de hoje: as suas múltiplas iniciativas e o seu indefesso serviço em prol de todos os conterrâneos dentro das fronteiras da mesma pátria, bem como de tantas comunidades e Igrejas em todo o mundo, às quais prestam os cristãos da Alemanha ajuda tão pronta e generosa.

Maria, que és bem-aventurada porque creste (Lc 1,41), a ti confio o que parece a coisa mais importante no serviço da Igreja neste país: o seu forte testemunho de fé diante da hodierna geração de homens e mulheres deste povo, em vista da crescente secularização e indiferença religiosa que grassa por aí. Oxalá este testemunho fale sempre a linguagem clara do Evangelho e encontre destarte acesso aos corações, sobretudo da geração jovem. Atraia a juventude e entusiasme-a para uma vida conforme ao modelo do "homem novo" e para os diversos serviços na vinha do Senhor.

4. Mãe de Cristo, que rezaste antes da sua Paixão: "Pai... todos devem ser uma só coisa" (), quão ligado está o meu peregrinar através destas terras germânicas, precisamente neste ano, com o premente e humilde anseio pela unidade entre os cristãos, que desde o século XVI estão separados! Poderia alguém desejar, mais intimamente do que tu, que se realizasse o que pediu Cristo no cenáculo da Última Ceia? E se nós mesmos devemos confessar termos sido cúmplices da cisão, mas hoje oramos por uma nova unidade no amor e na verdade, não poderemos então esperar que tu, Mãe de Cristo, ores juntamente connosco? Não poderemos esperar que com esta oração sazone um dia, no tempo oportuno, a dádiva daquela "comunidade do Espírito Santo" (2Co 13,13), que é indispensável "para que o mundo creia" (Jn 17,21)?

A ti, Mãe, confio o futuro da fé nesta antiga terra cristã; e lembrado das angústias da última, terrível guerra, que rasgou feridas tão profundas particularmente nos povos da Europa, confio a ti a paz no mundo. Quem dera surja entre estes povos nova ordem que se baseie no plena respeito dos direitos de cada nação e de cada pessoa no seio da sua própria nação, ordem genuinamente moral em que possam conviver os povos como sendo uma família, graças à devida paridade de justiça a liberdade.

Eis a prece que te dirijo a ti, Rainha da Paz, Espelho da Justiça eu, – João Paulo II, Bispo de Roma e sucessor de São Pedro– e deixo-a aqui no teu Santuário das Graças de Altötting, em perpétua memória. Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO ENCONTRO


COM OS ARTISTAS E OS JORNALISTAS


"Hercules-Seal der Residenz

Munique, 19 de Novembro de 1980



Gentis Senhoras e Senhores

A minha cordial saudação vai para os artistas, e publicistas que, durante a minha visita, vieram a Munique de todas as partes da República Federal da Alemanha. Alegro-me de pode encontrar-me convosco nesta cidade, que foi sempre o coração da arte e, neste último período, se tornou importante centro dos meios de comunicação de massa. Este nosso encontro deve representar um contributo para o diálogo entre a Igreja e a arte, entre a Igreja e os meios de comunicação social, um contributo para o diálogo que por longo tempo foi incompleto ou se realizou sob o signo do contraste e da oposição. Desejaria aludir aqui, em seguida, aos laços que existem entre a Igreja e a arte, entre a Igreja e o jornalismo, os quais podem levar a melhor compreensão recíproca e a frutuosa colaboração para serviço do homem.

1. A relação entre a Igreja e a arte nas arquitectura, na arte figurativa, na literatura, no teatro e na música, tem história complexa. Se não fosse pelos esforços realizados, por exemplo, pelos mosteiros, presumivelmente não teriam sobrevivido os tesouros dos autores antigos, gregos e latinos. Com grande naturalidade pôs-se a Igreja em contacto com a antiga literatura e cultura. Por longo período de tempo foi a Igreja considerada mãe da arte. Actuava como mecenas; os conteúdos da fé cristã forneciam os motivos e os temas da arte. Quanto isto é exacto, fácil é reconhecê-lo com uma simples experiência mental: tiremos da história da arte europeia e alemã tudo o que está relacionado com a inspiração cristã e religiosa, e veremos quão pouco terá ficado da arte.

Nos últimos séculos, sobretudo a partir de 1800, o laço entre a Igreja e a cultura, e portanto entre a Igreja e a arte, afrouxou-se. Aconteceu isto em nome da autonomia e tornou-se mais agudo em nome de uma inundante secularização. Entre a Igreja e a arte abriu-se um fosso, que se tornou cada vez mais largo e profundo. Isto mostrou-se particularmente evidente no campo da literatura, do teatro e mais tarde do cinema. Este afastamento recíproco acentuou-se com a crítica à Igreja e ao Cristianismo, e sobretudo à religião em geral. A Igreja, por seu lado — isto é em certo modo compreensível — desconfiava do espírito moderno e das suas múltiplas formas de expressão. Este espírito era considerado inimigo da Igreja e da fé, crítico quanto à revelação e à religião. A atitude da Igreja estava em proteger-se, pôr-se à distância e opor-se em nome da fé cristã.

2. O Concílio Vaticano II lançou as bases de uma relação substancialmente nova entre a Igreja e o mundo, entre a Igreja e a cultura moderna, e com isto também entre a Igreja e a arte. Poder-se-ia definir como relação de doação, abertura e diálogo. A isto une-se a doação de hoje, a actualização ("aggiornamento"). Os Padres conciliares dedicam, na constituição pastoral Gaudium et Spes um capítulo inteiro (n. 53-63) à correcta promoção dos progressos culturais e enfrentam o problema, como na Igreja antiga, sem limitações ou temores, com franqueza. O mundo é realidade independente, tem legitimidade própria. Nesta parte é também tratada a autonomia da cultura e da arte: Esta autonomia, se bem interpretada, não é protesto contra Deus ou contra os testemunhos da fé cristã; é antes a manifestação de o mundo de Deus ser uma criação única, livre, entregue e confiada ao homem, para o desenvolvimento da sua cultura e da sua responsabilidade.

Com isto lançou-se a premissa que facultou à Igreja entrar em nova relação com a cultura e com a arte, numa relação de colaboração, de liberdade e de diálogo. Isto é mais facilmente possível e pode ser bastante mais frutuoso, se a arte no vosso Pais é livre e pode realizar-se e desenvolver-se na liberdade. Se vós exercitais a vossa profissão na liberdade responsável, a Igreja quer e deve estar sempre ao vosso lado, perto de vós na solicitude pela dignidade do homem, num mundo que é agitado nos seus fundamentos.

3. A Igreja vê a profissão dos artistas e dos jornalistas numa disposição de ânimo, que define ao mesmo tempo os meios, a grandeza e a responsabilidade dos encargos deles. Segundo a concepção cristã, cada homem é imagem e semelhança de Deus. Isto refere-se de modo particular à actividade criativa dos jornalistas e dos artistas. A vossa profissão é profissão criativa, correspondente àquele encargo. Vós dais forma e substância à realidade e ao material que o mundo vos oferece. Não vos detendes na mera representação ou na descrição da superfície. Procurais "concentrar" a realidade do homem e do seu mundo no sentido original da palavra. Procurais por meio da palavra, do tom, da imagem e da representação, fazer examinar e tornar compreensíveis a verdade e a profundidade do mundo e do homem, das quais fazem parte também os abismos humanos. Por assim dizer, o que é importante não é um acordo secreto, cristão ou de Igreja, da arte ou dos artistas, dos meios de comunicação ou dos jornalistas, mas sobretudo um reconhecimento do ponto de vista da fé cristã, reconhecimento que está cheio de positividade, de respeito e de compreensão. O Cardeal alemão Nikolaus de Kues escreveu esta frase: "A criatividade e a arte, que uma alma tem a felicidade de albergar, não são criativas por si mesmas, porque só Deus cria, mas são por Ele transmitidas e emanadas".

4. Perguntemo-nos ainda: sobre que se baseiam os laços e vínculos recíprocos entre a arte e a Igreja, entre a Igreja e o jornalismo? Podemos responder: o tema da Igreja e o tema dos artistas e dos jornalistas é o homem, a imagem do homem, a verdade do homem, o "ecce home", a quem se referem a história, o mundo e o ambiente, como também o contexto social, económico e político numa obra.

A Igreja, como via da mensagem da fé cristã, recordará sempre que a realidade do homem não pode ser descrita adequadamente prescindindo da dimensão teológica, que não deve nunca ser esquecida; e recordará que o homem é criatura, limitada no tempo e no espaço, precisando de auxilio e complemento. Que a vida humana é dom e aceitação, que o homem anda à procura de significado, de salvação e de libertação, por que é limitado de muitos modos pelos constrangimentos e pela culpa. A Igreja sempre se recordará que em Cristo se encontra a verdadeira e única imagem do homem e da humanidade. Jesus Cristo fica sendo, como diz o filósofo alemão Karl Jaspers, a mais autorizada entre as pessoas mais autorizadas da história. E o Concílio sublinha: "Cristo, que é o novo Adão..., desvela também plenamente o homem ao homem e torna-lhe conhecida a sua altíssima vocação" (Gaudium et Spes GS 22).

Também a arte, em todas as suas manifestações — e a esta juntam-se as possibilidades oferecidas pelo cinema e pela televisão — tem como tema fundamental o homem, a imagem do homens e a verdade do homem. Embora a aparência muitas vezes diga o contrário, também a arte contemporânea está consciente destas profundas afirmações e instâncias. A origem religiosa e cristã da arte não está completamente exaurida. Temas como a culpa e a graça, o engano e a libertação, a injustiça e a justiça, a misericórdia e a liberdade, a solidariedade e o amor do próximo, a esperança e a consolação, encontram-se na literatura hodierna, nos livros de texto e nas distribuições das cenas, e deparam-se-nos com ampla ressonância.

A colaboração entre a Igreja e a arte, no que diz respeito ao homem, apoia-se em desejarem ambas libertar o homem dá escravidão e quererem que ele tome consciência de si mesmo. Abrem-lhe ambas o caminho da liberdade — liberdade das exigências das necessidades, da produtividade a todo o custo, da eficiência da programação e da funcionalidade.

5. Dissemos que a Igreja e a arte têm como objecto o homem, a sua imagem, a sua verdade e a revelação da sua realidade — isto dizemo-lo agora, no momento do "aggiornamento", para usar o termo do Concílio Vaticano II.

Este esforço requer, da parte da Igreja e da arte, grande serviço, o serviço à solidez. A Igreja está assinalada esta tarefa; porque a verdade é solidez. Nas manifestações actuais da arte, na literatura e no teatro, na arte figurativa, no cinema e também no jornalismo, o homem é despojado de todas as componentes e supra-estruturas românticas — é representado, por assim dizer, numa nudez realista. Fazem parte desta característica da arte de hoje também a exibição das aberrações e das perturbações, dos temores e do desespero, do absurdo e da insensatez, a representação de um mundo e de uma história depravados até à caricatura. Muitas vezes isto é justificado com a supressão de todos os tabus.

A literatura, o teatro, o cinema e a arte figurativa apresentam-se hoje como crítica, como protesto, como oposição e como acusação contra este estado de coisas. A beleza parece pertencer a uma categoria da arte que serve uma representação do homem na sua negatividade, na sua contradição, na sua falta de caminhos de saída e na essência de todo o significado. Isto parece ser o "ecce homo" de hoje. O chamado "mundo são" torna-se objecto de escárnio e de cinismo. O Concílio Vaticano II pôs-se todos estes quesitos com grande franqueza no seu decreto sobre os meios de comunicação social (Inter mirifica ).

Contra a representação do mal, nas suas formas e nos seus vários aspectos, também em nome da fé cristã e da Igreja, nada há que objectar. O mal é uma realidade; cuja dimensão foi vivida e sofrida precisamente no nosso século, precisamente na vossa pátria e na minha, até aos confins mais extremos. Sem esta realidade do mal não seria possível medir igualmente a realidade do bem, da libertação, da graça e da salvação. Isto não é deixar passar o mal mas indica onde ele se encontra. E aqui devemos referir um estado de coisas que não é nem inócuo nem pouco importante. O espelho do negativismo nas várias manifestações da arte hodierna não poderia tornar-se uma finalidade? Não poderia conduzir ao prazer do mal, ao gosto da destruição e da ruína, ao cinismo e ao desprezo pelo homem?

Quando é mostrada a realidade do mal, quer-se apresentar, mesmo na íntima lógica da arte, o terrível como terrível, quer-se atemorizar. Deste modo a representação não tem como fim confirmar o mal; propõe-se antes como finalidade que a situação não piore, pelo contrário, que melhore. Deves mudar a tua vida, deves voltar para trás para começar de novo, deves opor-te ao mal, para não ter o mal a última palavra, não se torne concreta realidade. O que não é somente o brado e a exortação da Igreja, é também o empenho da arte e do jornalismo em todos os campos — e isto não comporta nova hipoteca moralística. A força que ajuda, a força que salva, a força libertadora e purificadora foi representada pela arte desde o tempo dos gregos; disto nos vem o encorajamento à esperança e à busca de uma interpretação, embora todas as perguntas sobre o "porquê" não possam ser resolvidas. Nada disto deve perder-se na arte de hoje, para bem da arte mesma e do homem. Neste serviço pode-se e deve-se chegar a uma união da arte e da Igreja, sem isto lhes apagar as respectivas originalidades.

6. Quando a Igreja se ocupou do "aggiornamento", do aggiornamento da fé cristã, das suas directrizes e das suas promessas, devemos dizer: nunca a situação do homem de hoje, a sua sensibilidade, mas também os limites das suas possibilidades foram representados de modo tão eficaz como pela arte e pelo jornalismo de hoje. A Igreja é obrigada e orientada a seguir esta direcção. Quando a, fé cristã deve ser transmitida como palavra e resposta ao homem, as perguntas devem ser apresentadas conscientemente.

A Igreja precisa da arte. Precisa para transmitir a sua mensagem. A Igreja precisa da palavra, que seja testemunho e transmissão da palavra de Deus e ao mesmo tempo seja uma palavra humana, que faça parte do património linguístico do homem de hoje, assim como é expressa pela arte e pelo jornalismo contemporâneo. Só deste modo pode a palavra manter-se viva e, ao mesmo tempo, comover o homem.

Ao serviço da fé, como é manifestada no serviço divino, põe-se também a música. Todos sabem que muitas grandes composições e obras musicais devem a sua criação ao convite à fé viva da Igreja e a serem serviço divino. A fé não precisa só de conhecimento e de palavras, mas também de cânticos. E a música mostra que a fé é também alegria, amor, veneração e exuberância. Estas motivações e inspirações estão vivas ainda hoje. Muitas vezes a música procura novas expressões no âmbito da reforma da liturgia. Aqui o campo oferece ainda vastas possibilidades. O laço entre a Igreja e a arte, no campo da música, é vivo e frutuoso.

Coisa semelhante se pode dizer das relações entre a Igreja, a arquitectura e a arte figurativa. A Igreja precisa de espaço, para poder celebrar o serviço divino, para reunir o povo de Deus e para as múltiplas actividades deste. Depois das terríveis destruições da última guerra mundial, em todo o mundo e sobretudo na República Federal da Alemanha nasceu uma arquitectura cristã que testemunha a vitalidade da Igreja. A arquitectura das igrejas modernas não quer ser imitação do românico, do gótico, do renascentista e do barroco, cujas esplêndidas criações enriquecem a Baviera; a arquitectura das igrejas modernas, com o espírito e a sensibilidade do nosso tempo, e servindo-se dos meios hoje disponíveis, quer dar forma e expressão à fé de hoje e ao mesmo tempo dar-lhe morada onde encontrar-se. Há disso exemplos excelentes. Para todos quantos tomaram parte nesta obra grandiosa — arquitectos e artífices, teólogos e construtores, párocos e leigos — vai o nosso agradecimento.

7. A Igreja precisa da arte. E precisa dela de muitos modos. Mas também a arte precisa da Igreja? Até agora parece que não. Mas quando o laço entre religião, Igreja e arte é tão estreito, como procurei demonstrar sobretudo quanto ao homem, à imagem do homem e à sua verdade — e quando a fé cristã com os seus conteúdos, transmitidos pela Igreja, inspirou a arte nas épocas do seu maior esplendor e continuou a inspirá-la até hoje, também e sobretudo na Alemanha, então é possível perguntarmo-nos: Mas não se empobrece a arte? É ela capaz de revestir conteúdos e motivos essenciais, quando abandona o caminho da verdade, que é representado pela Igreja?

O encontro de hoje quer ser convite sincero para todos os artistas a nova colaboração, a nova cooperação em plena confiança com a Igreja, convite a redescobrir a profundidade da dimensão espiritual e religiosa, característica em todos os tempos da arte nas suas formas de expressão mais nobres e mais altas.

8. Na reflexão de hoje incluímos também os publicistas e os jornalistas, que exercem a sua obra profissional na imprensa, na rádio e na televisão.

A visita do Papa à República Federal da Alemanha foi acompanhada pelos meios de comunicação social, quer dizer, por vós, publicistas e jornalistas; é continuamente seguida por vós com transmissões do vivo, informações e comentários, que exprimem sobretudo benevolência e aprovação. Tudo isto vos desejo agradecer do coração. Graças ao vosso trabalho, o que se realiza nalgumas cidades da República Federal é divulgado a milhões e milhões de pessoas. Nunca o Evangelho teve na história uma possibilidade deste género: de atingir tantos homens. Por este serviço — que é serviço à fé, à Igreja e portanto serviço ao homem — desejo apresentar-vos de novo agradecimentos.

Nesta ocasião todos encontram modo de observar o poder que foi colocado nas vossas mãos, nas mãos dos publicistas e dos jornalistas. Tendes enorme influência no público, na formação das opiniões e na consciência de milhões de homens. A palavra e a imagem que transmitis — da realidade do mundo, do homem, da sociedade e também da fé cristã — é determinante para o juízo, o comportamento e actuação de muita gente.

Contrapondo-se à unificação e ao abuso da imprensa durante o período do nacional-socialismo, surgiu na República Federal da Alemanha uma imprensa pluralista. Prescindindo das diferenças políticas e ideológicas, os jornalistas têm a missão de discutir com os outros as próprias convicções e posições, de distinguir e expor as próprias tendências ideológicas e de clarificar e precisar o próprio ponto de vista. Esta grande sorte de liberdade encerra também em si grande responsabilidade. A informação e o comentário das noticias da imprensa devem ser caracterizados pela objectividade, pela capacidade de juízo e belo sentimento de justiça. O perigo de manipular as notícias segundo as próprias tendências é semelhante ao de dar a precedência a acontecimentos sensacionais. No campo da imprensa escandalística existem muitos exemplos deploráveis. É no campo da informação política que se manifesta a ética do jornalista. O peso da sua responsabilidade não será nunca justamente apreciado. Numa sociedade livre, o jornalista não pode trabalhar sem descobrir manifestamente uma clara e fundamental certeza moral e sem a consciência da grande importância da comunicação de massa.

9. A responsabilidade dos publicistas torna-se manifesta sobretudo quando se toma em consideração o efeito dos meios de comunicação.

É responsabilidade dos publicistas ter sempre presente os possíveis efeitos da sua actividade. As investigações sobre os efeitos dos meios de comunicação estão ainda nos inícios, como objecto de ciência. Existem as primeiras indicações sobre os efeitos que as transmissões de actos de violência têm sobre os jovens.

É justo sublinhar que, para o tipo e o grau destes efeitos, não são responsáveis só os meios de comunicação, mas estes não podem negar o próprio influxo, afastar as acusações e repelir as acusações, por trás de uma cómoda defesa. Os publicistas, juntamente com os pais e os mestres, são chamados a reparar nos efeitos nocivos destas representações de violência e a dar o próprio contributo para eliminá-los.

O mesmo vale para o desenvolvimento da cultura política. Também nisto estão os meios de comunicação ligados por um enredo de relações. O jornalista responsável deve ter plena consciência das próprias possibilidades de contribuir para um são desenvolvimento da cultura política, da adesão à verdade, e para maior consideração do valor pessoal dos outros.

Clara indicação do papel de guia dos meios de comunicação, sobretudo da televisão, é fornecida pela análise do desenvolvimento dos nossos valores morais. Aqui os meios de comunicação contribuíram para a mudança dos regulamentos, das normas e das obrigações morais dos homens: no campo do comportamento sexual quer dos jovens quer dos adultos, da maneira de conceber o matrimónio e a família e sua realidade vivida, a educação das crianças. Alguns meios de comunicação social, mudando de maneira responsável as atitudes, abriram aos homens maior liberdade nas relações recíprocas e muitas vezes aprofundaram as relações pessoais entre um homem e outro. Mas hoje é também claro o que talvez seja tido em limitada consideração pelos meios de comunicação e pelos jornalistas que trabalham para eles: a mudança repentina de uma suposta maior liberdade veio a dar em falta de freios; o abandono das obrigações morais levou a novas violências, que não são dignas do homem e da sua dignidade global; a confiança nas relações pessoais enfraqueceu-se. Certamente os meios de comunicação estão longe de ser os únicos responsáveis de tal estado de coisas, mas deram início a este processo e contribuíram para incrementá-lo.

O jornalista tem obrigação de tomar cada vez maior confiança nos efeitos do seu trabalho e em não fechar os olhos diante deste problema. De facto, o poder que lhe foi entregue não representará nunca um perigo, caso o desempenhe com escrúpulo e responsabilidade. O critério da obra de um jornalista não deve ser o êxito para o efeito desejado, mas sim a verdade e a objectividade. De tal modo servis a vossa profissão, de tal modo servis e ajudais o homem.

Para este serviço autêntico à verdade e ao homem, na arte e no jornalismo, peço, e suplico de coração em favor de vós todos, que estais aqui reunidos, e em favor de todos os vossos colegas, a luz e a assistência de Deus.



Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 18 de Novembro de 1980