Discursos João Paulo II 1980 - Munique, 19 de Novembro de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS ANCIÃOS


Catedral de Munique

Quarta-feira, 19 de Novembro de 1980



Causa-me grande e particular alegria poder encontrar-vos, durante a minha visita na Alemanha, numa hora de prece a vós reservada. Venho a vós como um amigo íntimo; sei que estou amparado no meu ministério precisamente pela vossa participação, pela vossa oração e pelos vossos sacrifícios. Por isso vos saúdo com comovida gratidão, aqui, na grande Catedral de Munique, dedicada a Nossa Senhora! Um obrigado particular pelas sentidas palavras de saudação e pelas orações com que me acompanhastes nestes dias! Convosco, saúdo todos os vossos companheiros anciãos da vossa Pátria, especialmente aqueles que estão unidos a nós através da rádio e da televisão. "Deus abençoe" a todos vós, que na peregrinação desta vida, já há mais tempo do que eu, "suportais o cansaço do dia e o seu calor" (Mt 20,12); há mais tempo do que eu, encontrastes o Senhor e vos esforçais por servi-1'O fielmente nas pequenas e nas grandes coisas, na alegria e no sofrimento!

1. O Papa inclina-se com respeito diante da ancianidade e convida todos a fazerem o mesmo com ele. A ancianidade é o coroamento das etapas da vida. Ela traz em si a colheita do que se aprendeu e viveu, a colheita de quanto se fez e foi alcançado, a colheita de quanto se sofreu e suportou. Como ao final de uma grande sinfonia, os temas dominantes da vida voltam para urna vigorosa síntese sonora. E esta ressonância conclusiva confere sabedoria: sabedoria implorada pelo jovem Salomão (cf. 1R 3,9 1R 3,11), a qual é para ele mais decisiva que o poder e a riqueza, mais importante que a beleza e a saúde (cf. Sab Sg 7,7 Sab Sg 7,8 Sab Sg 7,10); a sabedoria, de que lemos nas regras de vida da antiga Aliança: "Quão bela é a sabedoria nas pessoas de idade avançada, e a inteligência e a prudência nas pessoas nobres! A experiência consumada é coroa dos anciãos" (Si 25,7-8).

A actual geração dos anciãos, que sois vós, meus caros irmãos e irmãs, pertence de maneira muito particular esta coroa honorífica da sabedoria: vós, por certo, em parte experimentastes, sozinhos e com outros durante duas guerras mundiais, inúmeros sofrimentos; muitos perderam parentes, saúde, trabalho, casa e pátria; conhecestes as profundidades do coração humano, mas também a sua capacidade e disponibilidade heróica para ajudar, a sua constância na fé e a sua força de recomeçar de novo.

A sabedoria confere distância, mas não uma distância de afastamento do mundo; ela permite ao homem elevar-se para além das coisas, sem as desprezar; faz-nos ver o mundo com os olhos e com o coração... de Deus! Faz-nos dizer "sim" a Deus, às nossas limitações, ao nosso passado com as suas desilusões, deserções e pecados. De facto, "nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam" (Rm 8,28). Da força conciliadora desta sabedoria florescem, então, bondade, paciência, compreensão e o precioso ornamento da ancianidade: o amor.

Vós mesmos, meus venerados irmãos e irmãs, bem sabeis que esta preciosa colheita da vida, que o Criador previu, não é um processo inatacável. Ela exige vigilância, cuidado, autocontrole, às vezes também luta decisiva. Do contrário, fica, uma vez para sempre, lesada ou igualmente consumida por indolência, capricho, superficialidade, domínio de poder e, com certeza, pela amargura. Não desanimeis; recomeçai sempre com a graça de Nosso Senhor, e usai as fontes de energia que Cristo vos oferece nos Sacramentos do Pão e do Perdão, na palavra da pregação e da leitura bíblica e no colóquio espiritual!

A esta altura certamente me é permitido agradecer de coração, em vosso nome, a todos os sacerdotes que reservam ao cuidado pastoral dos anciãos um lugar decisivo no seu trabalho e no seu coração. Eles prestam com isto, ao mesmo tempo, o melhor serviço a toda a sua comunidade; adquirem assim, em vós, um grupo de fiéis que rezam.

Depois de ter saudado os vossos capelães, desejaria dirigir a minha palavra aos sacerdotes anciãos como vós. Meus caros irmãos! A Igreja agradece-vos o trabalho realizado durante a vossa vida na vinha do Senhor. Aos sacerdotes mais jovens, Jesus disse, no Evangelho de João: "outros trabalharam e vós aproveitais do seu trabalho" (Jn 4,38). Reverendos sacerdotes, tende ainda as aspirações da Igreja no vosso serviço de homens que rezam ad Deum, qu laetificat iuventutem meam (Ps 42,4).

2. Irmãos e irmãs das gerações mais avançadas, vós sois um tesouro para a Igreja, sois uma bênção para o mundo. Quando muitas vezes deveis ajudar os pais jovens, como podeis bem iniciar os pequeninos na história do vosso povo e no mundo da fé, através das narrações da vossa família e da vossa pátria. Os jovens, nos seus problemas, acham mais fácil recorrer a vós que aos seus pais. Sede para os vossos filhos e filhas o mais precioso auxilio nas horas difíceis! Com o conselho e a acção prestais a vossa colaboração aos grupos, às associações e às iniciativas da vida eclesial e civil.

Vós sois o complemento necessário de um mundo que nos entusiasma pela audácia dos jovens e pela força dos assim chamados anos melhores; de um mundo onde só vale o que se pode contar. Vós recordais-lhes que eles continuam a construir no cansaço daqueles que antes foram jovens e plenos de força, e que também eles, um dia, passarão a tarefa a mãos mais jovens.

Em vós, vê-se claramente que o sentido da vida não pode só consistir no ganhar e gastar dinheiro; que em toda a acção externa deve maturar um tanto de interior, e em toda a realidade temporal um tanto de eterno, segundo a palavra de São Paulo: "Ainda que em nós se destrua o homem exterior, o interior renova-se diariamente" (2Co 4,16).

Sim, a ancianidade merece o nosso respeito, o respeito que reluz na Sagrada Escritura quando coloca diante dos nossos olhos Abraão e Sara; convida Simeão e Ana a irem ao templo para o encontro com a Sagrada Família; chama os sacerdotes "anciãos" (Ac 14,23 Ac 15,2 1Tm 4,17 1Tm 4,19 Tt 1,5 1P 5,1); sintetiza a homenagem de toda a criação na adoração dos 24 anciãos; e quando, enfim, chama ao próprio Deus "o Ancião" (Da 7,9 Da 7,22).

3. Poder-se-ia elevar um hino mais esplêndido de louvor à dignidade dos anciãos? Mas permaneceríeis certamente desiludidos, caros anciãos que me escutais, se o Papa não considerasse também o outro aspecto do avançamento na idade, e se vos tivesse trazido só a homenagem talvez inesperada sem vos dizer uma palavra de conforto. À estação outonal em que nos encontramos, não pertencem só a colheita e a alegre magnificência das cores, mas também a secagem dos ramos, a caída e a desintegração das folhas; não só a plena e esplêndida luz, mas também a fosca e desoladora névoa. Analogamente, é próprio da ancianidade não só a vigorosa conformidade ou a síntese reconciliadora da vida, mas também um tempo de diminuição de forças, um tempo em que o mundo pode tornar-se estranho a uma pessoa, a vida um peso, o corpo um tormento.

O peso da idade consiste, além disso, numa certa fragilidade do corpo: os sentidos não são mais tão agudos, os membros não mais tão ágeis e os órgãos tornam-se vulneráveis. É isto, que se experimenta nos dias de enfermidade e acompanha muitas vezes, de dia e de noite, os anciãos.

Eles devem também renunciar definitivamente à actividade que muito lhes agradava. Do mesmo modo a memória pode refutar o seu serviço: as novas informações não são ouvidas mais tão facilmente, e muitas daquelas antigas desaparecem. Assim, o mundo perde a sua familiaridade: o mundo da própria família, com as condições de vida e de trabalho dos adultos tornadas totalmente diversas, com os interesses e as formas expressivas dos jovens tão transformados, com os novos programas e métodos de aprendizagem das crianças, com a crescente intensificação do tráfego e a paisagem muito modificada. Estranho torna-se o mundo da economia e da política, anónimo e impenetrável o mundo da assistência social médica. E até aquele recinto, que deveria oferecer ao máximo um refúgio — a Igreja com a sua vida e o seu ensinamento —, para muitos de vós tornou-se algo estranho ao desejo de satisfazer as exigências dos tempos, as expectativas e as necessidades das novas gerações.

Vós sentis-vos mal compreendidos por este mundo dificilmente compreensível, ou melhor, frequentemente um pouco rejeitados.

Vós tendes a impressão de que não se precisa da vossa opinião, colaboração e presença; e isto, às vezes, é infelizmente verdadeiro.

4. Que pode, então, dizer o Papa? Com que devo consolar-vos? Não quero passar o assunto por alto. Não quereria desvalorizar os sofrimentos da ancianidade, as vossas fragilidades e enfermidades, o vosso abandono e solidão. Desejaria, porém, vê-los convosco numa luz conciliante, à luz do nosso Salvador, "que por nós suou sangue, por nós sofreu a flagelação, por nós foi coroado de espinhos". Nas provações da velhice está o vosso itinerário de dor, e vós acompanhais Cristo no seu caminho para a cruz. Não derramastes as lágrimas sozinhos, e nenhuma delas foi derramada por vós em vão (cf. Sl Ps 55,9). Mediante o sofrimento Ele redimiu a dor, e por meio do sofrimento vós colaborais para a sua obra redentora (cf. Col Col 1,24). Aceitai as vossas dores como um Seu abraço, e transformai-as em bênção, tomando-as com Ele da mão do Pai, que na Sua imperscrutável mas indubitável sabedoria e amor, realiza deste modo o vosso aperfeiçoamento. O ouro é provado pelo fogo (cf. 1P 1,7); no lagar a uva torna-se vinho.

Neste espírito, que só Deus pode dar-nos, torna-se então mais fácil ter compreensão também por aqueles que põem à prova o nosso sofrimento com o seu descuido, desatenção e desprezo, e perdoar também àqueles que conscientemente, melhor, propositadamente agravam o nosso sofrimento, mas não podem nunca medir quanta dor nos infligem. Digamos com o Crucificado: "Perdoai-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Também para nós mesmos foi pronunciada esta palavra redentora.

5. Neste espírito — em que agora juntos rezamos uns pelos outros — tomamos consciência com gratidão das amáveis palavras, das atenções e das obras que nos são oferecidas cada dia, mas às quais nos habituamos facilmente, o que nos leva com facilidade a terminar considerando-as como devidas.

Celebramos hoje a festa de Santa Isabel, uma santa que a vossa Nação deu ao mundo inteiro como símbolo da caridade socorredora. Ela é o digno exemplo e a sublime padroeira de todos os que pela sua profissão, num cargo honorífico ou no anonimato, servem o próprio irmão necessitado e nele — sabendo ou não — encontram Cristo. Esta é, caros anciãos, a recompensa que dais àqueles que vos consideram, tanto de mau grado, um peso. Ofereceis-lhes a ocasião de se encontrarem com Cristo, a oportunidade de se superarem a si mesmos, e com a vossa afabilidade tornai-los participantes dos mencionados frutos da vida, que Deus faz maturar em vós! Não oculteis, portanto, as vossas preces num coração vacilante, desiludido ou cheio de censura, mas exprimi-las em toda a sua evidência, persuadidos da vossa dignidade e do bem que se encontra no coração dos outros. Sede alegres em todas as ocasiões que se vos apresentam, para dizer a régia palavra "obrigado", que se eleva de todos os altares e sublinhará a nossa bem-aventurança eterna.

Seja-me permitido agradecer, juntamente convosco, a todos aqueles que em muitas organizações, associações e iniciativas eclesiais, civis e públicas, a alto ou normal nível, na legislação e na administração ou também a título estritamente particular, promovem a assistência espiritual e material dos anciãos, e a sua vida plena e permanentemente inserida na sociedade.

6. Dirijo-me novamente a vós, caros irmãos e irmãs anciãos, para vos dar o conforto que de mim esperais. Diz um provérbio: "Se estás só, visita alguém que está ainda mais sozinho do que tu". Abri os vossos pensamentos àqueles companheiros de viagem que, sob algum aspecto, tendo compreendido pior do que vós, poderão ser ajudados de algum modo por vós dialogando com eles, dando-lhes a mão ou, ao menos, manifestando-lhes a vossa compreensão! Prometo-vos em nome de Cristo que nisto encontrareis força e conforto (cf. Act Ac 20,35). Assim vós exercitais nas pequenas coisas o que fazemos nas grandes.

Somos um corpo com muitos membros: aqueles que levam ajuda e aqueles que a recebem, os mais sadios e os mais enfermos, os mais jovens e os mais velhos; aqueles que já se realizaram na vida, aqueles que estão ainda em vias de realização; aqueles que estão em crescimento; aqueles que são jovens e aqueles que um dia foram jovens; aqueles que são anciãos e aqueles que no futuro o virão a ser. Todos representamos, uns para os outros, a plenitude do corpo de Cristo e todos nos ajudamos para o aperfeiçoamento nesta plenitude: "A estrutura completa de Cristo" (Ep 4,13).

7. O último conforto, que juntos procuramos, meus caros peregrinos "neste vale de lágrimas" (Salve Rainha), é aquele diante da morte. Desde o nosso nascimento caminhamos ao seu encontro, mas na velhice tornamo-nos mais cônscios do seu aproximar-se, se não sufocamos violentamente os nossos pensamentos e sentimentos. O Criador dispôs que na velhice se prepare, se facilite e se exercite a aceitação e o domínio da morte. O envelhecimento, que temos considerado, é um despedir-se gradualmente da plenitude ininterrupta da vida, e do contacto directo com o mundo.

A grande escola da vida e da morte leva-nos em seguida para junto de algum túmulo aberto, faz-nos assistir a algum moribundo, antes de nós mesmos estarmos naquele estado, para ajudar — que no-lo conceda Deus! — os outros com a oração.

O ancião experimentou muitas vezes tais lições da vida e experimenta-as com frequência crescente. É esta uma grande vantagem no caminho do grande limiar, que frequentemente nos imaginamos de maneira unilateral como abismo e noite. Habituamo-nos a olhar para além, mas Deus pode, mais amiúde do que pensamos, conceder aos que nos precederam, acompanhar-nos e cuidar de nós na vida terrena.

Foi um pensamento de fé viva e profunda ter dedicado uma Igreja "às almas do purgatório". E as duas Igrejas alemãs em Roma denominam-se "Santa Maria no Campo Santo" e "Santa Maria da Alma". Quanto mais os nossos irmãos do mundo visível chegam aos limites da sua possibilidade de nos ajudar, tanto mais devemos ver os mensageiros do amor de Deus naqueles que já enfrentaram a morte e de lá nos esperam: os Santos, os padroeiros de cada um de nós, os nossos pais e amigos falecidas, que esperamos tenham sido acolhidos pela misericórdia de Deus.

Muitos de vós, meus caros irmãos e irmãs, perderam a presença visível do seu companheiro de vida. Por eles é dirigida a minha oração pastoral: "Procurai sempre ter mais consciência de que Deus é companheiro da vossa vida; então estareis imediatamente mais unidos àquele que vos foi concedido ser o vosso companheiro de caminho, e ele mesmo já encontrou a meta da sua vida em Deus".

Sem a confiança em Deus não existe em definitivo nenhum conforto no momento da morte. Ademais, Deus quer, com a morte, precisamente que nos abandonemos de modo total ao Seu amor, ao menos nessa hora suprema da nossa vida, sem alguma outra segurança senão a d'Ele. Como poderíamos mostrar-Lhe de maneira mais sincera a nossa fé, a esperança e o amor?

Um último pensamento neste contexto. Certamente falei ao coração de cada um de vós. A própria morte é um conforto! A vida nesta terra, ainda que não fosse "um vale de lágrimas", não poderia oferecer-nos uma pátria para sempre. Ela tornar-se-ia sempre mais uma "prisão", um "exílio" (cf. Salve Rainha). De facto, "todo o transitório é apenas uma figura" (Goethe, Fausto II, coro final)!

E assim vêm-nos presentemente aos lábios as palavras indeléveis de Santo Agostinho: "Criastes-nos para vós, ó Senhor; e o nosso coração está inquieto até que não repouse em vós" (Confissões, I, 1, 1).

Deste modo não há os consagrados à morte e aqueles que estão na assim chamada vida. Diante de todos nós existe um nascimento, uma transformação, da qual tememos os sofrimentos como Jesus no jardim das oliveiras, e da qual já trazemos em nós o êxito radioso, desde quando fomos sepultados com o baptismo na morte e na ressurreição de Cristo (cf. Rom Rm 6,3-6 Col 2,12).

Com todos vós, que estais aqui presentes nesta catedral dedicada a Nossa Senhora ou coligados através da rádio e da televisão; com todos aqueles com quem pude encontrar-me nestes dias; com todos os cidadãos e habitantes deste magnífico País, com todos os crentes e com todos aqueles que andam à procura, com as crianças e os jovens, os adultas e os anciãos, desejaria nesta hora de despedida que a nossa reflexão se tornasse uma oração: "Desde o seio materno sois o meu protector... Não me desampareis na minha velhice" (Ps 70,6 Ps 70,9). "Ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto vivendo a esperança, aguardamos a vinda de Cristo Salvador!" (Ordinário da Missa).

E desejaria unir a minha oração, por nós elevada nesta catedral, que é sempre expressa no Espírito e por Jesus sempre apresentada ao Pai, à oração em louvor d'Aquela que como primeira redimida é para nós Mãe e Irmã.

"Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém".

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DA ALEMANHA


Aeroporto de Munique-Riem

Quarta-feira, 19 de Novembro de 1980



Ilustríssimo Senhor Presidente da República Federal!
Venerado Senhor Cardeal, caros Irmãos no Episcopado!
Senhoras e Senhores!

1. A minha viagem pastoral através da Alemanha chega ao seu término. Neste momento de despedida, gostaria de exprimir a minha sincera gratidão a Deus e aos homens pelo dom deste evento único e memorável.

Agradeço-lhe de coração, Ilustríssimo Senhor Presidente, o acolhimento extremamente amigável que me reservaram os cidadãos deste País, em cada lugar por onde passei.

Gostaria de expressar um agradecimento, de modo especial, aos inumeráveis colaboradores que, durante semanas inteiras, trabalharam intensamente para o sucesso da organização externa desta viagem, obrigados, certamente, a algumas horas suplementares de trabalho. Penso, aqui, sobretudo na administração civil, na polícia, nos guardas de fronteira e, de modo particular, nos pilotos de helicópteros, no pronto socorro da Ordem, de Malta, nas agências de viagem e nas comissões locais de cada diocese. A todos, um cordial muito obrigado.

Recordamos nesta viagem algumas etapas da história da Igreja e do povo deste País. Eu estava bem consciente de ser peregrino numa terra cujas raízes cristãs remontam ao tempo dos Romanos; uma terra, na qual o Santo bispo e mártir Bonifácio colocou, no século VIII, os fundamentos desta Igreja local; Igreja esta da qual saiu, na Idade Média, uma série historicamente importante de Papas e Imperadores, de Santos e de homens doutos. É a terra na qual há 700 anos morreu Santo Alberto Magno e na qual há 450 anos foi proclamada a Confessio Augustana.

2. Se, no que diz respeito a este passado distante, recordo alguns dos seus marcos miliários, não posso, do mesmo modo, preterir os eventos da história mais recente. Não há muito tempo, em Setembro de 1978, quando ainda Cardeal e Arcebispo de Cracóvia, estive na Vossa Terra, juntamente com uma delegação de Bispos poloneses. Aquela visita ocorreu apenas algumas semanas depois da eleição do Papa João Paulo I e — quem teria pensado? — somente alguns dias antes da sua morte. Ora, ninguém poderia supor que a Divina Providência me teria chamado para assumir, imediatamente depois dele, a herança da Cátedra de Pedro.

Dois motivos que me oferecem a ocasião para mencionar aqui, no momento da minha partida, estes eventos históricos antigos e recentes. O primeiro motivo é que aquela visita dos bispos poloneses, chefiados pelo Cardeal Primaz da Polónia, testemunhava um importante desenvolvimento que se tinha verificado e ainda continua entre vós e a minha pátria: faço alusão àquele processo que se propõe como meta a superação das trágicas consequências da segunda guerra mundial, sobretudo daquelas consequências que se imprimiram nos corações dos homens. Eu conheço-as por experiência pessoal, porque eu com a minha Nação experimentamos profundamente a cruel realidade daquela guerra mundial.

A este respeito, desejo expressar a minha profunda gratidão ao grupo de Cardeais e Bispos alemães que, recentemente, foram à Polónia retribuir aquela visita. Eu vos serei muito grato, dilectos irmãos, se continuardes com os vossos esforços, para aprofundar ainda mais estes contactos. Na verdade, temos diante dos olhos a história da Igreja e do Cristianismo desta nação com a sua dimensão milenária, na qual a vida dos seus cidadãos, muitas vezes, não foi fácil. Esta nação polonesa foi-vos dada pela Divina Providência como directo vizinho oriental... Possa o conceito dominante dessas relações serem sempre o ensinamento dado pelo Concílio Vaticano II sobre a troca recíproca de bens entre as igrejas, que se baseia sobre as diferentes nações, línguas e relações históricas. Um tal intercâmbio de bens espirituais pertence à própria essência da comunhão na Igreja de Jesus Cristo.

Sim, trata-se justamente disto! Devemos fazer tudo o que depende de nós, para dar um novo fundamento e uma nova forma à vida e à coesão entre os homens e as nações e, assim, superar as consequências daquela terrível experiência do nosso século. Os mártires e os santos de todos os tempos até ao beato Maximiliano Kolbe demonstraram-nos que o "amor de Cristo é mais forte", como diz o tema do último Katholikentag de Berlim. Segundo este princípio, a construção de um futuro melhor, para as nações e para os homens, não somente é possível, mas é até um grave dever para nós: uma tarefa do nosso tempo, neste segundo milénio depois de Cristo, que já entrou na sua última fase.

Por isso, sou-vos profundamente agradecido pelo convite para esta viagem pastoral, que pude realizar em vosso favor ainda, este ano, a fim de vos oferecer o meu serviço, enquanto Bispo de Roma e sucessor de São Pedro.

3. O segundo motivo das minhas precedentes considerações é que, a partir deste convite, feito primeiramente pelo Senhor Cardeal de Colónia e, depois, por todos os Cardeais e Bispos conjuntamente, colhi não apenas um particular apelo do passado distante e recente, mas também o desafio do futuro, cujas linhas foram traçadas pelo espírito do Concílio Vaticano II. Precisamente na vossa terra, onde nasceu Martinho Lutero e onde foi proclamada há 450 anos a Confessio Augustana, este desafio do futuro pareceu-me extremamente importante e decisivo. De que futuro se trata? Trata-se do futuro que promana da oração de Jesus Cristo feita por nós, como seus discípulos, na noite da última ceia: Eu te peço, Pai; que "todos sejam um" (Jn 17,21). Esta oração do Senhor torna-se para nós fonte de uma nova vida e de uma nova aspiração. Como bispo de Roma e sucessor de São Pedro, coloco-me total e absolutamente no fluxo desta aspiração. Reconheço nela a voz do Espírito Santo e a vontade de Cristo, à qual gostaria de ser fiel e obediente até ao fim.

Eu quero servir a unidade, quero percorrer todas as vias através das quais Cristo, depois das experiências de séculos e milénios, nos guia para aquele ovil no qual Ele sozinho é o único e seguro pastor.

Por isso, o meu grande desejo era fazer esta visita precisamente neste ano jubilar, tão importante do ponto de vista ecuménico. Gostaria, por conseguinte, de agradecer cordialmente ao Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha e às Comunidades de trabalho das Igrejas Cristãs pela participação no encontro com o Papa e pela aceitação do diálogo com ele no seu País.

Nutro a firme esperança de que a unidade dos cristãos, pela força do Espírito de verdade e de amor, esteja já em andamento.

Sabemos quanto foi longo o tempo da separação e da divisão. Não sabemos quanto será longo o caminho para a unidade. Uma coisa, porém, sabemos com certeza: devemos fazer muito, sobretudo perseverar na oração, numa oração sempre mais eficaz e íntima. A unidade pode ser-nos dada unicamente como dom do Senhor, como fruto da sua morte e da sua ressurreição, na devida "plenitude dos tempos".

"Vigiai e orai" (Mt 26,41) no Jardim do Getsémani das numerosas experiências históricas, a fim de não cairdes em tentação e não desfalecerdes no caminho!

4. Ainda uma vez, gostaria de lhe agradecer cordialmente, Senhor Presidente da República Federal, e a todos os representantes das autoridades estatais, pelo convite a mim dirigido.

Despedindo-me, exprimo os meus melhores votos de bênçãos para todos os cidadãos do seu País, incluindo neles todos os seus irmãos e irmãs que vivem no estrangeiro e todos os que já há muito tempo emigraram para diversas nações do mundo.

Permita-me unir estes votos a um convite e a um apelo. Já passou muito tempo, desde a catástrofe da última guerra com as suas imagens terrificantes, a qual passou como um terremoto pela Europa e pela nossa pátria. E, no entanto, deve-se repetir sempre de novo o apelo por um mundo futuro que, segundo as palavras do Concilio Vaticano II, deve ser "mais ' digno do homem", e, na verdade, de todos os homens da terra. Concordais comigo que um tal desejo representa um desafio. De facto, o mundo e a vida que este contém podem tornar-se mais dignos do homem apenas se o próprio homem se esforça constantemente para ser mais digno da sua condição de ser humano, em todos os âmbitos e dimensões da sua existência.

Serei grato, da maneira mais profunda, à Divina Providência, se este ardente desejo se cumprir nos vossos corações e no vosso meio e se tornar sempre mais uma realidade, para vós, para cada um em particular e para todos, juntamente com todos os outros homens e nações. Serei igualmente agradecido, se vós, filhos e filhas de uma nação tão importante, herdeiros de uma cultura excelente e descendentes de personalidades tão grandes da história da Europa e do mundo, vos tornardes sempre mais pioneiros daquela civilização do amor, a única capaz de fazer o nosso mundo mais digno do homem.

Possa esta ser a resposta histórica do futuro às dolorosas experiências do passado. Dirijo estes votos indirectamente a toda a Europa, pois ao vosso País foi assegurado pela Providência um posto central. Toda a Europa está esperando que se actue no seu meio aquela civilização do amor que se inspira no espírito do Evangelho e que, ao mesmo tempo, é também profundamente humanista. De facto, ela corresponde às profundas necessidades do homem, também na dimensão social da sua existência. Com esta dimensão a civilização do amor significa aquela forma de coexistência e de convivência na qual a Europa formará uma verdadeira família de povos. Assim como a cada um dos membros de uma família humana se deve todo o respeito, do mesmo modo, na família das nações; é necessário que cada nação, pequena, média ou grande, seja respeitada. Estas nações já possuem a sua longa história, a sua plena identidade e a sua. própria cultura. A esta verdadeira maturidade histórica corresponde o direito à autodeterminação e, naturalmente, também os direitos das outras nações devem ser devidamente respeitados. Já é hora de começarmos a pensar no futuro da Europa, não a partir de uma posição de força e de prepotência, não de uma posição de predomínio económico e de egoísmo, mas a partir do ponto de vista da civilização do amor, que dá a cada nação a possibilidade de ser ela mesma e permite a todas as nações em maneira comunitária, de libertarem-se da ameaça de um novo conflito e da recíproca destruição. O amor permite a todos sentirem-se verdadeiramente livres em vista da plena aquisição da própria dignidade. Por isto, ocorre contribuir com a política de uma justa solidariedade, que torne impossível a quem quer que seja desfrutar do próximo para o próprio interesse; ao mesmo tempo, deve-se evitar toda a forma de abuso e opressão. Estes são os votos que vos exprimo nos últimos momentos da minha presença no vosso País. Acrescento a estes a minha gratidão pelos dias aqui passados.

Deus abençoe este Pais com todos os seus habitantes.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À CHEGADA EM ROMA


Aeroporto de Fiumicino, Roma

Quarta-feira, 19 de Novembro de 1980



Senhor Ministro,
Senhores Cardeais,
Senhores Embaixadores,
Caríssimos Irmãos

1. Retornando a Roma, minha sede episcopal, depois das vivas emoções de uma breve, porém, intensa viagem, rica de encontros e de colóquios, exprimo, antes de tudo, a minha gratidão ao Senhor que me concedeu visitar os queridos irmãos da Alemanha, conversar pessoalmente com eles e com as mais altas Autoridades daquele nobre País.

Deste modo, pude avizinhar-me da alma religiosa e do coração generoso daquele povo, já por mim conhecido, admirando as suas antigas tradições de fé, o seu testemunho de solidariedade humana, a sua vontade de dar sempre mais um genuíno testemunho cristão, e apreciando os seus profundos valores éticos, fundamentais para um autêntico progresso civil.

Foi motivo de grande alegria, poder acolher o convite dos Bispos e das supremas Autoridades da República Federal da Alemanha, para um encontro tão significativo, realizado por ocasião das comemorações do sétimo centenário da morte de Santo Alberto Magno, em cuja honra presidi, em Colónia, onde está sepultado, uma solene Liturgia.

2. Entre os momentos mais significativos, gostaria de recordar o encontro com o mundo da ciência, da cultura e da vida universitária, realizado sob o património e na perspectiva dos ensinamentos do Doctor universalis, Alberto Magno, personalidade excepcional de estudioso, de mestre, de pastor e de pacificador, defensor convicto da distinção entre as ciências humanas, atingíveis com a pura luz da razão, e a teologia, ciência da revelação divina.

Memorável também, sob o aspecto ecuménico, o encontro, em Mogúncia, com os representantes das outras Confissões cristãs. Este inseriu-se no quadro das comemorações do 450° aniversário da Confessio augustana, que constitui, também hoje, um apelo aos cristãos de boa vontade a percorrer com consciência clara a via de busca da verdade e o caminho da união. Gratificante foi também o encontro com a Comunidade hebraica.

Além disso, foram também alegres as horas passadas com os imigrados de várias nações, entre os quais se distinguia um denso grupo de italianos, que cooperam, com a sua presença e com o seu trabalho inteligente, dentro do quadro de uma nova e crescente mentalidade europeia, com o progresso daquele País.

Elementos qualificantes desta peregrinação pastoral foram os encontros, em Fulda, com os seminaristas, o clero, a Conferência Episcopal e as organizações de leigos empenhados no serviço à Igreja e no apostolado. Estes encontros realizaram-se ao lado do túmulo de São Bonifácio, apóstolo e organizador da Igreja entre os povos germânicos, estreitamente ligam dos por meio dele à Sé Apostólica. O seu sepulcro é considerado centro religioso da Alemanha católica; ao seu lado e em reconhecimento dos valores originais e da perenidade da obra daquele grande Bispo e Mártir, reúne-se todo o ano a Conferência Episcopal.

Tenho presente também as grandes multidões, ora exultantes, ora silenciosas e orantes, seja das cidades já nomeadas, seja de Bonn, Osnabrück, Altötting e Munique, que quiseram manifestar devoção ao Sucessor de Pedro, reafirmando a sua comunhão com a Sé Apostólica. De modo especial, permanecem no meu coração todos os doentes que encontrei ao longo do meu itinerário.

3. Concluindo esta viagem, gostaria de dirigir, mais uma vez, uma saudação reconhecida e de bons votos ao povo alemão, com um férvido agradecimento ao Episcopado e às Autoridades civis pelo amável convite e pela sensibilidade com que sustentaram o meu propósito pastoral e seguiram a minha peregrinação.

E agora, dirijo-lhe, Senhor Ministro, o meu sincero e grato apreço, pelas nobres e cordiais palavras com as quais saudou o meu retorno, em nome do Presidente da República e do Governo italiano. A cada um dos presentes exprimo um pensamento respeitoso e reconhecido: aos Senhores Cardeais; às ilustres Personalidades do Estado italiano; ao representante do Presidente da Câmara Municipal de Roma; aos distintos membros do Corpo Diplomático e a quantos me acolheram com saudações de boas-vindas; aos Dirigentes das sociedades aéreas, Lufthansa e Alitalia, aos pilotos, à tripulação, a todos os que se esforçaram pelo sucesso desta viagem.

Elevo,,ainda uma vez, o meu ânimo grato ao Senhor, pela realização deste último serviço pastoral, que, espero, concorra para a paz e para a solidariedade fraterna entre os povos da Europa, e abençoo de coração todos os que estão aqui presentes, a Cidade Eterna e a dilecta Itália.




Discursos João Paulo II 1980 - Munique, 19 de Novembro de 1980