Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 30 de Dezembro de 1980

A comunhão na Igreja tem necessariamente uma face visível, um aspecto institucional, graças em particular ao serviço da unidade que é um ministério papal, episcopal e presbiteral. Este ministério, todos estes dias, realiza, no sentido forte da palavra, a comunhão entre os cristãos, porque é primeiramente ministério apostólico, ligação autêntica com as origens, com aquilo que deu fundamento à Igreja: Bispos e sacerdotes presidem, com efeito, aos sacramentos e ao anúncio da Palavra que fazem do Senhor Jesus nosso contemporâneo... Além disso, compreendeis talvez melhor ainda, através da vossa inserção passageira nas paróquias de Roma, a importância dos lugares de comunhão. Se eles podem ser diversos, a paróquia conserva lugar preponderante, com a vantagem de ter base geográfica e, portanto, estar aberta a todos os meios. Esta possibilidade material, visível e institucional, parece necessária para encarnar a ideia essencial de comunhão na Igreja: Deus aceita-nos como nós somos, sem discriminação. E o seu Amor gratuito que nos reúne, transpondo muito os nossos particularismos, os nossos méritos ou os nossos pecados. Sei, caros jovens, que muitos dentre vós fizeram, de algum tempo a esta parte, esforços notórios para se integrarem concretamente nas suas paróquias, que tinham tendência para abandonar, levados por motivos diversos. Continuai segundo este impulso. Encontrareis nelas, certamente, para além de decepções possíveis, as raízes da vossa identidade cristã, ouvireis nelas os apelos da Igreja à evangelização e levareis a estas comunidades o sopro evangélico que elas têm o direito de esperar de vós.

A Igreja que está em Roma tenta progredir, ela mesma, na comunhão, dentro das suas próprias estruturas como também nas suas relações com as outras Igrejas. É-me dado verificá-lo quase cada domingo, por ocasião das visitas pastorais às paróquias da minha Diocese. A vossa passagem favorecerá também o desenvolvimento deste espírito de comunhão, tão importante para a vitalidade e a unidade da Igreja. Prova-o a história: cada vez que os encontros e as permutas cessaram na Igreja ou foram impedidas pelos poderes políticos ou outros, instalou-se certa letargia, ou então os particularíssimos ameaçaram a unidade. Isto é verdade entre as comunidades paroquiais, entre as Igrejas locais, entre as Conferências Episcopais, poder-se-ia mesmo dizer entre as Congregações religiosas. O conhecimento dos primeiros séculos cristãos — volto às lições da história — permitem-nos admirar como o sentido eclesial de então despertou redes de comunicação, de confrontação, de solidariedade, de dinamismo e de alegria evangélica. Devemo-nos alegrar vendo que se desenvolve actualmente este espírito universal ou católico, e deve cada um no seu lugar trabalhar para que se reforce.

7. Enfim, há um testemunho complementar que brota da história da Igreja com sede em Roma. E o seu zelo missionário. Bem depressa as comunidades fundadas pelos Apóstolos, a do Oriente — de que recolheu a herança Constantinopla — e a de Roma para o Ocidente, tornaram-se centros apostólicos irradiantes, na única Igreja de Jesus Cristo. Assim Roma, por seu lado, mostrou-se zelo de promover e harmonizar a evangelização das novas nações do continente europeu. Laços particulares se estabeleceram então entre estas novas Igrejas locais e a que tinha contribuído para as fundar; uma cultura espiritual comum, uma alma comum, estabeleceu-se em toda a Europa, nos vossos países; manteve-se apesar de muitas vicissitudes e pode contribuir notavelmente para inspirar e alimentar a unidade que este continente procura nos dias de hoje. Posso testemunhar, por exemplo, que o Cristianismo da minha pátria se desenvolveu em ligação íntima com a Igreja de Roma.

8. Assim o Evangelho, a história da Igreja e a experiência que tendes em Roma permitem que vos aproximeis melhor do mistério da Igreja, compreendais as exigências e os caminhos da plena unidade dos cristãos e vos situeis melhor a vós mesmos na linha dos discípulos autênticos de Cristo, à procura da plena reconciliação. Colocai-vos assim no verdadeiro clima da fé, da esperança e da caridade. Possuidores desta identidade cristã, precisais de orar — felicito-vos por reconhecerdes tanta importância à oração — e precisais de actuar. Actuar conforme vós orastes e ao mesmo tempo que vós orais segundo os sentimentos cristãos que germinaram ou se aqueceram nos vossos corações durante este grande encontro. «Não são os que dizem 'Senhor, Senhor' que entrarão no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai», dizia Jesus no fim do Sermão da Montanha (Mt 7,21). E preciso encarardes a mensagem cristã das bem-aventuranças, nas vossas atitudes concretas, quotidianas, no coração mesmo do mundo, em todos os meios em que o Senhor vos chama a viverdes. Bem-aventurados os que têm uma alma de pobre. Bem-aventurados os mansos — e, neste tempo de violência, a mansidão supõe grande força de alma para lutar sem ódio e sem violência pela justiça. Bem-aventurados precisamente os que têm fome e sede de justiça. Bem-aventurados os misericordiosos. Bem-aventurados os puros de coração. Bem-aventurados os que fazem reinar a paz, a paz prometida por Isaías, a paz tal como a dá Jesus, conforme o lembravam as leituras desta vigília. Bem-aventurados os que são perseguidos por motivo da sua fidelidade a Cristo (cf. Mt Mt 5,2-12). Quer dizer que é preciso respeitar os direitos e a liberdade dos homens, praticar a reconciliação, perdoar, repartir, e acima de tudo considerar o próximo como irmão, como o irmão de Cristo. Este é o sal, este é o fermento, esta é a luz, este é o testemunho pessoal e comunitário de que o mundo necessita para que se instale pouco a pouco uma civilização do amor. O que supõe renúncia a si mesmo, compromisso e perseverança, que só é possível encarar e viver numa fé total em Cristo, num espírito de infância.

Porque em certos dias — não é verdade? —, sois tentados, como Filipe e André antes da Multiplicação dos pães, a exclamar: «Mas que é isso, para tanta gente?» (Jn 6,9). Sim, que é isso para as necessidades imensas, que os actuais meios de comunicação levam a descobrir mais e mais? Que é isso, sobretudo em comparação com os meios de que dispõem os poderosos, os ricos, os chefes políticos, os que têm as maiores responsabilidades na repartição dos bens, nos preparativos ou nas decisões de guerra? E verdade que precisamos de ser humildes, tanto mais que as misérias, as fraquezas, os egoísmos e as injustiças estão também em nós. Humildes, mas nunca indiferentes. Nunca desanimados. Nunca inactivos. Os primeiros cristãos não se deixaram deter por tais considerações, embora parecessem perdidos no imenso Império romano que tinha outros costumes. E também não se detiveram os apóstolos modernos da caridade. Porque a mudança do mundo, que está nas Mãos de Deus e não unicamente nas nossas, começa pela conversão dos corações, do coração de cada um , do meu e do vosso. Começa pela maneira de tratar como «próximo» o Samaritano, que hoje encontro no caminho ou procuro encontrar. Trata-se de estabelecer o clima de fraternidade querida por Cristo, de lhe realizar uma parte concreta e de vos preparardes para melhor assumir amanhã as responsabilidades de homens e mulheres. Trata-se, numa visão de fé, de unir a Cristo, ao Cristo redentor, estas orações e estes gestos de amor realizados como «Igreja», e de esperar a graça da ressurreição que os transfigurará.

Meditamos longamente sobre a Igreja, sobre a sua missão. Talvez tenhais compreendido melhor até que ponto a Igreja é nossa Mãe. E esta maternidade da Igreja faz-nos voltar os olhos e o coração para Maria, a Mãe santíssima do Divino Redentor: durante toda a sua vida, concebendo a Cristo e sofrendo com Ele, «Ela prestou à obra do Salvador uma cooperação absolutamente sem igual por obediência, fé, esperança e ardente caridade..., tornou-se para nós, na ordem da graça, nossa Mãe» (Lumen Gentium LG 61). E por isso necessário contemplarmos continuamente Maria para aprendermos, com o seu exemplo, a construir a Igreja; precisamos de a invocar sem descanso para melhor nos inserirmos no nosso lugar dentro da Igreja.

Evocamos, com efeito, a magnífica missão que está confiada à Igreja inteira, e, nela, a cada comunidade eclesial em que os jovens devem inserir-se e actuar.

Abençoando-vos de todo o coração, peço ao Espírito Santo que vos invada com luz e força. Pedi também vós pela missão que me é confiada pelo Senhor ao serviço da unidade dos cristãos: «Sejam todos um... para que o mundo creia». Amén.









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