AUDIÊNCIAS 1981 - AUDIÊNCIA GERAL


PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 13 de Maio de 1981




João Paulo II foi vítima de um atentado! Um atentado à sua Pessoa, à Igreja e a todos aqueles que, cristãos ou não, são conscientes do valor da vida. A sua obra humanitária, a sua disponibilidade e vontade de reunir toda a humanidade numa só família, onde reine a paz e a tranquilidade, não podem ser ignoradas nem sequer por aqueles que não professam o nosso credo. A consciência é parte de todos nós.

Publicamos o texto do discurso que Sua Santidade estava para pronunciar na Audiência Geral de 13 de Maio, dia de Nossa Senhora de Fátima:



A importância do ensinamento social parte integrante da concepção cristã da vida

1. Nas semanas passadas, durante os nossos encontros nas Audiências Gerais das quartas-feiras, expus um ciclo de catequese baseada nas palavras de Cristo no Sermão da Montanha.

Hoje, dilectos irmãos e irmãs em Cristo, desejo iniciar uma série de reflexões sobre outro tema para salientar dignamente uma data que merece ser escrita com letras de ouro na história da Igreja moderna: 15 de Maio de 1891. Completam-se, de facto, 90 anos desde que o meu Predecessor Leão XIII publicou a fundamental Encíclica social Rerum Novarum, que não só foi vigorosa e premente condenação da "imerecida miséria" em que se encontravam os trabalhadores de então, no fim do primeiro período da aplicação da máquina industrial no campo da empresa, mas colocou sobretudo os fundamentos para uma justa solução daqueles graves problemas da convivência humana que se expressam com o nome de "questão social".

2. Porque recorda ainda a Igreja, depois de tantos anos, a Encíclica Rerum Novarum?

Muitas são as razões. Primeiro que tudo a Rerum Novarum constitui e é a "Magna Charta da actividade social cristã", como a definiu Pio XII (Radiomensagem para Os 50 anos da Rerum Novarum, Discursos e Radiomensagens 1942); e Paulo VI acrescentou que a sua "mensagem continua a inspirar a acção em favor da justiça" (Octogesima Adveniens, 1) na Igreja e no mundo contemporâneo; ela é também demonstração irrefutável da activa e esclarecida atenção da Igreja pelo mundo do trabalho.

A voz de Leão XIII levantou-se corajosa, em defesa dos oprimidos, dos pobres, dos humildes e dos explorados, e não foi senão o eco da voz d'Aquele que tinha proclamado bem-aventurados os pobres e os que têm fome de justiça. O Papa, seguindo o impulso e o convite "da consciência do seu Apostólico Ministério" (cf. Rerum Novarum, 1), falou: não só tinha para isso o direito, mas também e sobretudo o dever. O que de facto justifica a intervenção da Igreja e do seu Supremo Pastor, nas questões sociais, é sempre a missão recebida de Cristo para salvar o homem na sua integral dignidade.

3. A Igreja é por vocação chamada a ser em toda a parte a tutora fiel da dignidade humana, a mãe dos oprimidos e dos marginalizados, a Igreja dos fracos e dos pobres. Quer viver toda a verdade contida nas Bem-aventuranças evangélicas, sobretudo na primeira, "Bem-aventurados os pobres de espírito"; quis ensinar a praticá-la, assim como fez o seu Divino Fundador que veio "praticar e ensinar" (cf. Act Ac 1,1).

Como observava no ano passado no meu discurso aos operários de São Paulo no Brasil, "a Igreja, quando proclama o Evangelho, sem aliás abandonar o seu encargo próprio de evangelização, procura obter que todos os aspectos da vida social em que se manifesta a injustiça sofram transformação no sentido da justiça" (Discurso aos operários em São Paulo, n. 3; 3 de Julho de 1980). A Igreja está consciente desta sua alta missão: por isso insere-se na história dos povos, nas suas instituições, na sua cultura, nos seus problemas e nas suas necessidades. Quer ser solidária com os seus filhos e com toda a humanidade, partilhando das dificuldades e angústias, e tornando próprias as legítimas exigências de quem sofre ou é vítima da injustiça. Forte com as eternas palavras do Evangelho, ela denuncia tudo o que ofende o homem na sua dignidade de "imagem de Deus" (Gn 2,26) e nos seus direitos fundamentais, universais, invioláveis e inalienáveis; tudo o que lhes dificulta a maior aplicação segundo o plano de Deus. Faz isto parte do seu serviço profético.

4. Com muita razão afirmou Pio XI que a Rerum Novarum apresentou à humanidade um magnífico ideal social, haurindo-o nas fontes sempre vivas e vitais do Evangelho (cf. Quadragesimo Anno, 16).

Segundo as orientações do basilar documento leonino, os meus venerados Predecessores não deixaram, em numerosas circunstâncias, de reafirmar esse direito e esse dever da Igreja, de dar directrizes morais num campo, como o sócio-económico, que tem relações directas com o fim religioso e sobrenatural da sua missão. O Concílio Vaticano II retomou esse ensinamento acentuando que "é missão de toda a Igreja ajudar os homens para que se tornem capazes de bem construir toda a ordem temporal e de a ordenar para Deus por meio de Cristo" (Apostolicam Actuositatem AA 7).

Fica assim claro o primeiro grande ensinamento da celebração deste nonagésimo aniversário: o de reafirmar o direito e a competência da Igreja para "exercitar sem obstáculos a sua missão entre os homens e dar o seu juízo moral também sobre coisas que dizem respeito à ordem política, quando isto seja requerido pelos direitos fundamentais da pessoa e pela salvação das almas" (Gaudium et Spes GS 76): o de tornar cada vez mais consciente as Igrejas locais, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, e os leigos, do seu direito-dever de se esforçarem pelo bem de cada homem, e de serem a todo o momento os defensores e os promotores da autêntica justiça no mundo.

5. Reparando com olhar sereno nos acontecimentos histórico-sociais que se seguiram no mundo do trabalho, desde aquele longínquo Maio de 1891, devemos reconhecer com satisfação que grandes passos foram dados e se realizaram grandes transformações com a finalidade de tornar a vida das classes operárias mais em concordância com a dignidade das mesmas.

A Rerum Novarum foi levedura e fermento destas fecundas transformações. Por meio dela infundiu o Romano Pontífice na alma operária o sentimento e a consciência da própria dignidade humana, civil e cristã; favoreceu o nascimento de associações sindicais operárias nos vários países; admoestou os governantes e as nações dos seus deveres para com os fracos e pobres, convidando os Estados à criação de uma política social, humana e inteligente, que levou ao reconhecimento, à formulação e ao respeito dos direitos do trabalho e ao trabalho para todos os cidadãos.

6. A Rerum Novarum reveste em seguida, para a Igreja, particular importância, pois constitui ponto de referência dinâmica da sua doutrina e da sua acção social no mundo contemporâneo.

Durante séculos, das suas origens até hoje, a Igreja sempre se encontrou e enfrentou com o mundo e os seus problemas, iluminando-os com a luz da fé e da moral de Cristo. Isto favoreceu que se originasse e proclamasse, através da história, um corpo de princípios de moral social cristã, conhecido hoje como Doutrina Social da Igreja. É mérito do Papa Leão XIII ter sido o primeiro a procurar dar-lhe um carácter orgânico e sintético. Começou assim, por parte do Magistério, a nova e delicada missão, que é também grande obrigação, de reelaborar, para um mundo em contínua mudança, um ensinamento capaz de responder às modernas exigências e não menos às rápidas e contínuas transformações da sociedade industrial; e, ao mesmo tempo, capaz de tutelar os direitos quer da pessoa humana quer das jovens nações que entram a fazer parte da Comunidade Internacional.

7. Este ensinamento social — como fiz notar em Puebla — "nasce, à luz da Palavra de Deus e do Magistério autêntico, da presença dos cristãos no meio das situações mudáveis do mundo, em contacto com as exigências que delas provêm" (Discurso inaugural, II, 7). O seu objecto é e continua a ser a dignidade sagrada do homem, imagem de Deus, e a tutela dos seus direitos inalienáveis; a sua finalidade, a realização da justiça, entendida como promoção e libertação integral da pessoa humana, na sua dimensão terrena e transcendente; o seu fundamento, a verdade sobre a mesma natureza humana, verdade apreendida da razão e iluminada pela Revelação; a sua força propulsiva, o amor como preceito evangélico e norma de acção. Forjadora de uma concepção sempre actual e fecunda do viver social, a Igreja, ao desenvolver neste último século, com a colaboração dos sacerdotes e leigos competentes, o seu ensinamento social, de natureza religiosa e moral, não se limita a oferecer princípios de reflexão, orientações, directrizes, verificações ou apelos, mas apresenta também normas de juízo e directrizes para a acção que todo o católico é chamado a colocar na base da sua iluminada experiência para traduzi-las depois, de facto, em categorias activas de colaboração e compromisso (cf. Evangelii Nuntiandi EN 38).

Dinâmica e vital, a Doutrina Social, como toda a realidade viva, compõe-se de elementos duradouros e supremos, e de elementos contingentes que lhe permitem a evolução e o desenvolvimento em sintonia com as urgências dos problemas decisivos, sem lhes diminuir a estabilidade e a certeza nos princípios e nas normas fundamentais.

8. Recordando o nonagésimo aniversário da Encíclica leonina, na esteira e no reflexo do Magistério dos meus Predecessores, desejo portanto reafirmar a importância do ensinamento social como parte integrante da concepção cristã da vida.

Sobre este assunto não deixei, nos frequentes encontros com os meus Irmãos no Episcopado, de recomendar à solicitude pastoral deles a necessidade e a urgência de sensibilizar os próprios fiéis sobre o pensamento social cristão, para que todos os filhos da Igreja sejam não só instruídos na doutrina, mas também educados para exercer a acção social.

Irmãos e Irmãs. Voltaremos ainda mais longamente aos vários temas e problemas, que o aniversário da Encíclica Rerum Novarum evoca. Para concluir esta minha reflexão de hoje, quero responder à interrogação apresentada no início. Sim, a Encíclica Rerum Novarum tem ainda hoje a sua vitalidade e a sua validez estimulante e operante para o Povo de Deus, embora tenha aparecido no longínquo 1891. O tempo não a esvaziou mas aprovou-a; tanto assim que os cristãos a sentem tão fecunda que tiram dela coragem e acção, para os novos desenvolvimentos da ordem social em que o mundo do trabalho está interessado. Continuemos portanto a viver-lhe o espírito com ânimo e generosidade, aprofundando com amor activo os caminhos traçados pelo actual Magistério social e interpretando com genialidade criativa as experiências dos novos tempos.

Comunicado

Durante a audiência geral de 13 de Maio, que não chegou a realizar-se devido ao grave atentado, João Paulo II anunciaria também duas novidades bastante importantes, relativas a novos meios de estudo e orientação pastoral a propósito dos problemas da família. São estas as palavras que o Santo Padre estava para pronunciar:

Desejo agora anunciar-vos que, a fim de ir ao encontro, da maneira mais adequada, das expectativas acerca dos problemas relativos à família manifestadas pelo Episcopado do mundo inteiro, sobretudo por ocasião do último Sínodo dos Bispos, considerei oportuno instituir o "Pontifício Conselho para a Família", o qual substituirá a Comissão para a Família que, como é sabido, fazia parte do Pontifício Conselho para os Leigos.

A tal novo Organismo — que será presidido por um Cardeal, coadjuvado por um Conselho de Presidência composto por Bispos das várias partes do mundo — competirá a promoção do cuidado pastoral das famílias e do apostolado específico no campo familiar, em aplicação dos ensinamentos e das orientações manifestadas pelas competentes instancias do Magistério eclesiástico, de modo que as famílias cristãs sejam ajudadas a realizar a missão educativa, evangelizadora e apostólica a que são chamadas.

Decidi também fundar, junto da Pontifícia Universidade Lateranense, que é a Universidade da Diocese do Papa, um "Instituto Internacional de estudos sobre o matrimónio e a família", o qual iniciará a sua actividade académica em Outubro próximo. Propõe-se ele oferecer a toda a Igreja aquele contributo de reflexão teológica e pastoral, sem a qual a missão evangelizadora da Igreja seria privada de uns auxílio essencial. Será o lugar onde se aprofundará o conhecimento da verdade sobre o matrimónio e sobre a família. à luz da fé, com a ajuda, também, das várias ciências humanas.

Peço a todos que acompanhem com as suas orações estas duas iniciativas, que se propõem ser um novo sinal da solicitude e da estima da Igreja para com a instituição matrimonial e familiar, e da importância que Ela lhe atribui quer em ordem à própria vida, quer à vida da sociedade.

Saudações

João Paulo II tinha intenção de dirigir aos vários grupos de peregrinos presentes na Praça de São Pedro na quarta-feira, 13 de Maio, as seguintes palavras que, devido ao atentado à sua Pessoa, não chegou a pronunciar:

A peritos em hidráulica de vários países

Dirijo as minhas saudações aos peritos em hidráulica dos vários países da África, da América e da Ásia, que tomam parte num curso especial realizado em Roma. Faço votos por que a vossa participação no curso e a permanência aqui favoreçam o vosso importante trabalho para bem da humanidade e atraiam bênçãos para os vossos países e para as vossas pessoas Deus vos guie e vos acompanhe.

A um grupo de peregrinos de Tréveros (Alemanha)

Saúdo também muito cordialmente os numerosos participantes na peregrinação organizada este ano pela "Fraternidade mariana da cidade de Tréveros". O vosso número já testemunha a veneração e o amor singular que dedicais à Virgem Maria. Com o vosso exemplo pessoal e com a vossa vida comunitária e de profunda convicção religiosa esforçais-vos, queridos irmãos e irmãs, por contribuir para um novo fomento e renovação da piedade mariana nas vossas famílias e comunidades sobretudo agora, neste mês de Maio, mês de Maria. Maria é o nosso caminho mais seguro para Cristo, se seguirmos seriamente o seu conselho maternal: "Fazei o que Ele vos disser" (Jn 2,5).

Com estes votos peço a Deus vos conceda a Sua luz e assistência, e dou-vos de coração, a vós e a todos os peregrinos aqui presentes, a minha Bênção Apostólica.

Aos Jovens

Como sempre, dirijo-vos, a vós jovens presentes nesta Audiência, no corrente mês de Maio, rico de flores, de alegria e de esperanças, um particular pensamento cheio de afecto e de confiança.

Encontra-se hoje entre vós o Grupo dos estudantes das Escolas "Tullium" e "Marco Túlio Cícero" de Arpino, acompanhados pelos seus professores. Saúdo-os com alegria e infinito reconhecimento: não só pela sua visita, que me é grata, mas sobretudo pelo dom que a sua terra ofereceu à nossa civilização latina e cristã: Marco Túlio Cícero: talvez o maior orador de todos os tempos, certamente um dos mais notáveis que esta terra da Itália viu nascer.

A todos vós, jovens, faço votos por que vivais intensamente estes anos tão importantes da vossa juventude, aprofundando a vossa fé e enriquecendo a vossa inteligência e o vosso coração, de modo a vos preparardes com seriedade e empenho para as responsabilidades que vos esperam.

A minha Bênção vos acompanhe.

Aos Doentes

Queridos irmãos e filhos doentes, ao saudar-vos com tanto afecto indico-vos a Virgem Maria, Mãe de Cristo, a quem, na piedade e na alma dos fiéis, é consagrado este mês de Maio. Na sua existência Ela conheceu a alegria mais íntima e profunda, juntamente com a tristeza e a prova mais terrível. Assim sucede a cada um de nós; e a alegria alterna-se com a dor, misturando na nossa vida as rosas com os espinhos.

A Virgem Santíssima, que é flor dos vales e Mãe Dolorosa, permita que saibamos transformar em mérito o destino que muitas vezes nos leva, com Ela, aos pés da Cruz.

Aos jovens Casais

Queridos jovens Casais, Nossa Senhora "Virgem Mãe" e "Filha do seu Filho" (Dante, Paraíso, 33, 1) foi também Esposa afectuosa, meiga e fiel de José, o carpinteiro de Nazaré. E com ele compartilhou a ténue recordação da antiga grandeza de descendentes de David, e também e sobretudo a humildade do presente, e peso do destino e a dura realidade de todos os dias.

A Virgem comparticipou com José na viagem a Belém, na fuga para o Egipto e na pobreza. A mulher, que divide com o marido as provas da vida, será o apoio mais válido e o coeficiente mais elevado da sua felicidade. E assim também o marido.

Sede felizes, queridos jovens Casais. E Deus vos acompanhe.



                                                                             Outubro de 1981

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 7 de Outubro de 1981




Como Pedro, experimentei a eficácia das orações da Igreja

1. Foi-me dado hoje, depois de longa interrupção, retomar as Audiências gerais, que se tornaram uma das fundamentais formas de serviço pastoral do Bispo de Roma.

A última vez, os peregrinos vindos a Roma reuniram-se para tal audiência no dia 13 de Maio. Todavia ela não se pôde realizar. Todos sabem por que motivo...

Hoje iniciando, depois de um intervalo de quase 5 meses, este encontro, tão querido a mim e a vós, não posso deixar de fazer referência ao dia 13 de Maio.

2. Mas antes não me é lícito deixar de manifestar-vos a comoção e a dor que ontem me causou a notícia da trágica morte do Presidente egípcio Sadat.

Caiu em consequência de um acto terrorista de extrema gravidade e selvageria, que desperta sentimentos de amargura e consternação e nos torna pensativos e preocupados, pelas consequências possíveis.

O Presidente Sadat tinha-se feito apreciar pelas qualidades de homem, crente em Deus, e pelas suas corajosas iniciativas de paz, com que procurara abrir novos caminhos de solução do longo e sanguinolento conflito entre árabes e israelianos.

Convido-vos a rezar por este grande Estadista e pelas outras vítimas do bárbaro atentado, entre as quais um Bispo da Igreja copta-ortodoxa; pedimos também pelas famílias deles, em particular pela consorte e pelos filhos do Presidente, feridos com tanta dureza nos seus afectos.

A nossa imploração suba ainda a Deus para obter que o Povo Egípcio e os seus Governantes possam vencer esta prova em fraternal convivência e ordenado progresso, levando para a frente a busca da paz, que foi o anelo do seu Presidente; e para invocar que, neste tempo — perturbado por tantas violências, temores e preocupações — o Senhor apresse, para os Países do Próximo Oriente, o dia da reconciliação e da paz.

3. "Misericordiae Domini, quia non sumus consumpti" — Foi graças ao Senhor que não fomos aniquilados (Lm 3,22).

São as palavras do Povo de Deus com que exprime ao seu Senhor o reconhecimento pela salvação — e louva por ela a Misericórdia Divina.

Hoje desejo repetir estas palavras diante de vós, caros Irmãos e Irmãs, reunidos para a audiência da quarta-feira. Desejo que elas sejam, por assim dizer, o eco daquele 13 de Maio — e daquela audiência geral que não se pôde realizar por causa do atentado contra o Papa.

4. Durante estas longas semanas de internamento na "Policlínica Gemelli", veio-me muitas vezes mente o episódio dos dias mais antigos da Igreja, em Jerusalém, descrito nos Actos dos Apóstolos. Eis que Herodes prendera Pedro: "Depois de o mandar prender, meteu-o na prisão, entregando-o à guarda de quatro piquetes... de soldados..., na intenção de o fazer comparecer perante e povo, a seguir à Páscoa. Enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja rezava a Deus, instantemente, por ele. Na noite anterior ao dia em que Herodes contava fazê-lo comparecer, Pedro estava a dormir entre dois soldados, bem seguro por duas correntes, e diante da porta estavam sentinelas de guarda à prisão. De repente, apareceu o anjo do Senhor e a masmorra foi inundada de luz. O anjo despertou Pedro, tocando-lhe no lado, e disse-lhe: 'Ergue-te depressa'! E as correntes caíram-lhe das mãos. O anjo prosseguiu: 'Põe o cinto e calça as sandálias', coisa que ele fez. Depois disse-lhe: 'Envolve-te na tua capa e segue-me'. Pedro saiu e seguiu-o. Não abrangia a realidade do que lhe estava sucedendo por intervenção do anjo, pois julgava ter uma visão.

Depois de atravessarem o primeiro posto da guarda e o segundo, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma. Saíram, avançando por uma rua e logo o anjo se retirou de junto dele. Pedro, voltando a si, exclamou: "Agora sei que o Senhor enviou o Seu anjo e me arrancou das mãos de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava" (Ac 12,3-11).

Este episódio, sucedido nos primeiros dias da Igreja em Jerusalém, veio-me a cada passo à mente durante o internamento no hospital. Embora as circunstâncias de então e as de hoje pareçam tão diferentes entre si — foi porém difícil ao convalescente, o qual é o sucessor de Pedro na sé episcopal romana, não meditar nessas palavras do Apóstolo: "Agora sei que o Senhor... me arrancou das mãos de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava"...

5. Referi esta passagem dos Actos dos Apóstolos também pelas palavras, que encontramos nela e constituíram para mim, naquele período, tão grande sustentáculo. "Enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja rezava a Deus, instantemente, por ele" (Ac 12,5);

Experimentei, caros Irmãos e Irmãs, de modo semelhante a Pedro — segregado e destinado à morte — eficácia das orações da Igreja. Experimentei-o imediatamente: por parte daqueles que estavam reunidos para, a audiência geral, que não se pôde realizar. Experimentei a eficácia de tal oração no mesmo dia, 13 de Maio, à medida que a notícia do atentado era divulgada através dos meios de comunicação em todo o mundo. Esta notícia despertou reacções provenientes das várias partes do mundo, de diversos países, dos Chefes dos Estados, dos Governantes das Nações, de tantos homens e tantos ambientes diversos. Sobretudo, porém, aquela notícia reuniu os homens em oração. Encheram-se as catedrais episcopais e as igrejas paroquiais. Rezaram juntamente connosco os irmãos ortodoxos e protestantes. Mas não só eles. Rezaram também os seguidores de Moisés e de Maomé. E ainda outros.

É-me difícil pensar em tudo isto sem comoção. Sem profundo reconhecimento para com todos. Para com todos aqueles que no dia 13 de Maio se reuniram em oração. E para com todos aqueles que perseveraram nela em todo este tempo. Estou agradecido por toda esta oração aos homens, meus Irmãos e Irmãs. Estou agradecido a Cristo Senhor e ao Espírito Santo, que mediante este acontecimento, sucedido na Praça de São Pedro no dia 13 de Maio às 17 h. e 17 m., inspirou tantos corações para a oração comum.

E pensando nesta grande oração, não posso esquecer as palavras dos Actos dos Apóstolos, que se referem a Pedro: "A Igreja rezava a Deus, instantemente, por ele" (Ac 12,5).

6. "Debitores facti sumus" — Fizemo-nos devedores (Rm 1,14).

É assim. Tornei-me ainda mais devedor para com todos. Sou devedor para com aqueles que directamente contribuíram para salvar a minha vida e me ajudaram a voltar à saúde: para com os Professores e os Médicos, as Irmãs enfermeiras e o Pessoal leigo na Policlínica Gemelli. Sou ao mesmo tempo devedor para com aqueles que me circundaram com aquela extensa onda de oração no mundo inteiro. Sou devedor.

E de novo me tornei devedor da Santíssima Virgem e de todos os Santos Patronos. Poderia esquecer que o acontecimento na Praça de São Pedro se realizou no dia e na hora, em que, há mais de 60 anos, se recorda em Fátima, em Portugal, a primeira aparição da Mãe de Cristo aos pobres e pequenos camponeses? Porque, em tudo aquilo que sucedeu exactamente nesse dia, notei aquela extraordinária protecção maternal e solicitude, que se mostrou mais forte do que o projéctil mortífero.

Hoje — memória da Mãe do Santo Rosário. Todo o mês de Outubro é mês do Rosário. Agora que, à distância de quase cinco meses, me é dado encontrar-me novamente convosco, caros Irmãos e Irmãs, na audiência da quarta-feira, desejo que estas primeiras palavras que vos dirijo sejam palavras da gratidão, do amor e da confiança mais profunda. Assim como o Santo Rosário é, e continua sempre a ser, uma oração de reconhecimento de amor e de confiado pedido: a oração da Mãe da Igreja.

E a esta oração, uma vez mais, todos animo e convido, especialmente durante este mês do Rosário.

7. Aceitai, queridos participantes neste encontro, estas primeiras palavras, que se ligam com a recordação do 13 de Maio. Dado que elas não podem conter tudo, procurarei ainda completá-las nos encontros seguintes.

Saudações

A uma peregrinação proveniente da Hungria

Encontra-se hoje aqui presente um numeroso grupo de húngaros emigrados em vários Países. Vieram em peregrinação a Roma para celebrar o 750º aniversário da morte de Santa Isabel da Hungria. Uma afectuosa saudação a todos, e de modo particular a Dom Tomás Jung, Bispo de Banat e a Dom Stefan Laszlo, Bispo de Burgenland. Na minha carta enviada para as celebrações de Santa Isabel na diocese de Fulda, apresentei esta filha da terra húngara a todos os cristãos, como exemplo do serviço e do amor para com o próximo.

A todos aqueles que vivem na Hungria ou se encontram nos vários Países do mundo, asseguro o meu cordial pensamento, e imploro com afecto sobre eles particulares bênçãos celestes.

A peregrinos franceses

Hoje, é-me dada a grande alegria de retomar as audiências gerais depois de uma interrupção de quase cinco meses. E apraz-me manifestar a minha gratidão a todos aqueles que rezaram por mim. Mas este agradecimento dirige-se em primeiro lugar ao Autor de todas as graças que me salvou, como noutro tempo salvara Pedro das mãos de Herodes. Sinto-me ainda devedor para com a Virgem Maria cuja protecção materna se exerceu em meu favor. Ajudai-me a agradecer-Lhe, dirigindo-Lhe comigo uma oração de acção de graças, especialmente neste mês de Outubro consagrado ao Rosário.

Entre os grupos presentes quero saudar os peregrinos da diocese de Cahors, vindos para a beatificação daquele que foi bispo tão solícito do seu rebanho, Alain de Solminihac.

Queridos peregrinos de Lião, e vós, queridas filhas da Madre Claudina Thévenci, esforçai-vos por imitar a sua simplicidade evangélica, o seu fervor e o seu realismo perante as necessidades do mundo sedento de amor e de luz.

E por fim, é com especial satisfação que recebo hoje os membros do "Primeiro Congresso Internacional sobre o descobrimento e a história das regiões polares boreais", organizado pela "Comissão ártica de Mónaco".

A todos aqui presentes, concedo a minha afectuosa Bênção Apostólica.

A vários grupos de língua inglesa

É uma alegria para mim encontrar-me mais uma vez na Praça de São Pedro. Vim a esta Audiência geral com gratidão a Deus pela sua grande graca de ter salvado a minha vida, e agradeço a Nossa Senhora a sua maternal protecção. As minhas boas-vindas são extensivas a todos os visitantes da Inglaterra e do País de Gales, da Irlanda. da Suécia, elo Canadá e dos Estados Unidos.

Dirijo especiais saudações aos novos estudantes do Venerável Colégio Inglês em Roma, e aos membros do "Ballet Folclórico Guadalupano", de Guadalupe, Arizona. A paz e a alegria de Nosso Senhor Jesus Cristo estejam sempre nos vossos corações.

A dois grupos de peregrinos alemães

"É graças ao Senhor que não fomos aniquilados" (Lm 3,22). Com este louvor dirigido à misericórdia de Deus e cheio de alegria, queridos irmãos e irmãs, saúdo-vos também a vós dos países de língua alemã, nesta primeira audiência depois do trágico dia 13 de Maio deste ano. Juntamente convosco dou mais uma vez graças à bondade e à Providência de Deus e também à poderosa protecção da Santíssima Virgem pela milagrosa salvação do perigo de morte e quero continuar encomendando o meu serviço apostólico às vossas orações especiais. Saúdo com particular alegria nesta festividade do Rosário o grupo de peregrinos da "Fraternidade Operária de Associações Marianas na Alemanha". Agradeço-vos a meritória iniciativa de fomentar a recitação do Rosário, especialmente entre a juventude e nas famílias jovens. Benzo de coração todos esses milhares de cruzes e de rosários que trazeis e, por intercessão da Mãe de Deus, peço constante protecção e ajuda para todos aqueles que quiserem tomá-los nas suas mãos e rezar.

Saúdo também a grande peregrinação que veio a Roma proveniente da diocese de Essen, presidida pelo Bispo Auxiliar Dom Julius Angerhausen, assim como os grupos de deficientes da "Fraternidade" das dioceses de Colónia e de Mogúncia. A vós e a todos os peregrinos e visitantes aqui presentes provenientes da Alemanha, da Áustria e da Suíça dou de todo o coração a Bênção Apostólica com a qual ficam também benzidas todas as recordações que levais.

Aos numerosos peregrinos de língua espanhola

Saúdo agora cordialmente todos os peregrinos, famílias e grupos de língua espanhola presentes nesta Audiência e provenientes de diversos Países, de modo particular as numerosas Religiosas, alunas e ex-alunas dos colégios Jesus-Maria, vindas a Roma para a beatificação da Serva de Deus Claudina Thévenet.

Retomamos com este encontro as costumadas Audiências das quartas-feiras, interrompidas desde 13 de Maio passado por causa do conhecido atentado contra o Papa.

Agradeço as vossas orações e as de todos aqueles que rezaram pelo meu restabelecimento durante estes cinco meses. Asseguro-vos que correspondo com a minha recordação junto do Senhor e dou-vos como prova do meu afecto uma Bênção especial.

A peregrinos de língua portuguesa provenientes de Portugal e do Brasil

Saúdo cordialmente os peregrinos e ouvintes de Portugal, do Brasil e de língua portuguesa, particularmente os aqui presentes e os que fazem parte da romagem promovida pelos Missionários Combonianos.

Ao retomar as Audiências Gerais não posso deixar de mencionar o dia treze de maio para proclamar: "Misericordiae Domini, quia non sumus consumpti": palavras com que o Povo de Deus agradece ao Senhor a Salvação e louva a Misericórdia Divina.

A todos vós e a vossos seres queridos a minha Bênção Apostólica.

A peregrinos provenientes da Polónia

Saúdo todos muito cordialmente: os sacerdotes da diocese de Siedlice e das paróquias da Santíssima Trindade e de Cristo Rei; e os artesãos e trabalhadores do sector da sanidade de Bydgoszcz; os peregrinos da paróquia de São Miguel de Poznan, da Colegiada de Kalisz, de Bilgoraj, Zamosc, Pabianice e Kalowica: os Irmãos de São João de Deus provenientes de Varsóvia para as recentes beatificações; a peregrinação franciscana, também vinda para as beatificações; os peregrinos de Tarnów, Gostyn, Slearzysko-Kamienna; os grupos de apicultores sob a assistência dos Padres Filipinos; a peregrinação de religiosas Isabelinas, mestras de noviças e educadoras: os ferroviários polacos de Tarnowskie Góry; um grupo de peregrinos de Varsóvia; a peregrinação da Associação "Polónia-Itália"; e os peregrinos individuais de Kroscienleo, Gliwice, Poznan, Walbrzych, Sosnowiec, Katowice e Danzig. Como a presente audiência geral é a primeira depois do dia 13 de Maio (a 13 de Maio tinha começado mas não foi terminada), recordo hoje aquele dia nas minhas considerações. Recordo-o sobretudo para adorar a misericórdia, divina que se manifestou sobre mim, e a protecção particular da Mãe de Deus. Pensando nos Actos dos Apóstolos, recordo como a Igreja, toda a Igreja, rezou por Pedro quando estava na prisão. Aqui repetiu-se aquela oração. E é por isso que desejo agradecer a todos de modo muito cordial. E visto que os meus compatriotas participaram nesta oração de modo especial, desejo agradecer-lhes muito particularmente.

Desejo ainda saudar os nossos irmãos Eslovenos presentes também nesta audiência. Desejo, por fim, saudar os Ucranianos do Canadá — The Ucrainians from Canada. Slawa Iusus Chrystul.

A todos os grupos italianos

Desejo saudar todos os grupos de língua italiana já anunciados precedentemente, isto é, os vários peregrinos paroquiais, assim como os grupos de trabalhadores de Altavilla Irpina e de Pádua, e por fim o grupo de alunos do Colégio "Sacro Cuore" de Milão com as outras crianças jovens presentes na Audiência.

Antes da Bênção Apostólica, apraz-me dirigir a cada um, cordiais votos de serena prosperidade e de espiritual progresso, à luz da protecção materna da Santíssima Virgem, que hoje invocamos com o título de Nossa Senhora do Santo Rosário.




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