AUDIÊNCIAS 1981

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 14 de Outubro de 1981




O acontecimento de Maio: grande prova divina

1. Na quarta-feira passada, durante a audiência geral, fiz referência ao acontecimento de 13 de Maio. Uma vez que nesse dia foram interrompidos os encontros, que retomamos agora novamente graças à saúde recuperada, desejo partilhar ao menos brevemente convosco o que foi a matéria das minhas meditações naquele período dalguns meses, no qual participei numa grande Prova divina.

Digo: Prova divina. Embora, de lado, os acontecimentos de 13 de Maio — o atentado à vida do Papa e também as consequências dele, relacionadas com a intervenção e com o tratamento na Policlínica Gemelli — tenham a sua dimensão plenamente humana, todavia esta não pode ofuscar uma dimensão ainda mais profunda: a dimensão precisamente da Prova permitida por Deus. Nesta dimensão deve-se colocar também tudo aquilo de que falei quarta-feira passada. Hoje desejo, urna vez mais, voltar a isso.

Deus permitiu-me experimentar, durante os meses passados, o sofrimento, permitiu-me experimentar o perigo de perder a vida. Permitiu-me ao mesmo tempo compreender, claramente e até ao fundo, que esta é uma graça Sua especial para mim próprio como homem, e ao mesmo tempo — em consideração do serviço que desempenho, como Bispo de Roma e Sucessor de São Pedro uma graça para a Igreja.

2. É assim, caros Irmãos e Irmãs: sei que experimentei uma grande graça. E, recordando-vos ao mesmo tempo o que sucedeu em 13 de Maio e durante todo o período seguinte, não posso deixar de falar sobretudo disto. Cristo, que é a Luz do mundo, o Pastor do Seu rebanho, e sobretudo o Príncipe dos pastores, concedeu-me a graça de poder, mediante o sofrimento e com o perigo da vida e da saúde, dar testemunho à Sua Verdade e ao Seu Amor. Precisamente isto julgo ter sido uma graça particular a mim concedida — e por este motivo exprimo de modo especial o meu reconhecimento ao Espírito Santo, que os Apóstolos e os seus sucessores receberam no dia do Pentecostes como fruto da Cruz e da Ressurreição do seu Mestre e Redentor.

É por isto que, este ano, adquiriu para mim significado particularíssimo a festa da Descida do Espírito Santo, quando, juntamente com toda a Igreja, e de maneira especial em união com o Patriarca ecuménico, demos graças pelo dom do Primeiro Concílio de Constantinopla celebrado há 1.600 anos — acrescentando às graças a comemoração, aqui em Roma, depois de 1.550 anos, do Concílio de Éfeso. Desde os tempos do I Concílio de Constantinopla toda a Igreja professa: "Creio no Espírito Santo que é Senhor e dá a vida".

Precisamente a este Espírito Santo "que dá a vida" se referiu Cristo quando, antes da Sua ascensão ao Pai, disse aos Apóstolos: "Tereis força do Espírito Santo que descerá sobre vós e ser-me-eis testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria e até aos extremos confins da terra" (Ac 1,8). Foi o Espírito Santo que, desde o dia do Pentecostes, ajudou os Apóstolos a dar testemunho, primeiro em Jerusalém e em seguida em diversos países do mundo, de então. Foi Ele que lhes deu a força para testemunhar Cristo diante de todo o povo e, quando se dirigiam por este encontro para os tormentos, permitiu-lhes alegrarem-se por "serem ultrajados por amor do nome de Jesus" (Ac 5,41). Foi o Espírito Santo que levou Paulo de Tarso pelas estradas do mundo de então. Foi o Espírito Santo que sustentou Pedro ao dar testemunho a Cristo, primeiro em Jerusalém, depois em Antioquia, e por fim aqui em Roma, capital do Império. Esse testemunho foi confirmado por fim com o martírio, como também o foi o testemunho de Paulo de Tarso, grande Apóstolo das Nações.

3. Estas palavras — que dirigiu aos Apóstolos Cristo Senhor e Redentor, Cristo eterno Pastor das almas, que lhes dirigiu antes de ir ter com o Pai — referem-se aos seus Sucessores, e referem-se também a todos os cristãos. Os Apóstolos, de facto, são o início do novo povo de Deus, como ensina o Concílio (cf. Decr. Ad Gentes AGD 5). Mas se todos são chamados a dar testemunho a Cristo crucificado e ressurgido, são-no de modo particularíssimo aqueles que, depois dos Apóstolos, receberam em herança o serviço pastoral e magisterial da Igreja. Quantos Sucessores de Pedro nesta Sé Romana selaram com o sacrifício da vida este testemunho do serviço pastoral e magisterial? Manifesta-o a Sagrada Liturgia quando, no decurso do ano, recorda os numerosos Sumos Pontífices que seguiram Pedro em dar o testemunho do sangue.

Destas coisas é difícil falar sem profunda veneração, sem comoção interior. De facto — devido ao sacrifício daqueles que prestaram testemunho a Cristo crucificado e ressurgido, especialmente durante os primeiros séculos — cresceu o Corpo Místico de Cristo, surgiu a Igreja, aprofundou-se nas almas e consolidou-se naquele mundo antigo, que à Boa Nova do Evangelho respondeu, — tantas vezes — com sanguinolentas perseguições.

4. Tudo isto deveriam ter diante dos olhos aqueles que vêm a Roma, às "memórias apostólicas", aqueles que voltam às pegadas de São Pedro e São Paulo. Também eu sou aqui peregrino. Sou estrangeiro, que por vontade da Igreja teve de ficar e de tomar a sucessão na Sé Romana depois de tantos e grandes Papas, Bispos de Roma. E eu também sinto em profundidade a minha fraqueza humana — e por isso repito confiadamente as palavras do Apóstolo: "virtus in infirmitate perficitur" "o poder... manifesta-se.., na fraqueza" (2Co 12,9). E por isso com grande reconhecimento ao Espírito Santo penso naquela fraqueza, que Ele me consentiu experimentar desde o dia 13 de Maio, crendo e humildemente confiando que ela pôde servir para o reforço da Igreja e também para o da minha humana pessoa.

Esta é a dimensão da Prova divina: que para o homem não é fácil descobrir. Não é fácil falar dela com palavras humanas. É todavia necessário falar. É preciso confessar, com a mais profunda humildade, diante de Deus e da Igreja esta grande graça, que se tornou a minha parte, exactamente naquele período em que todo o Povo de Deus estava a preparar-se para uma especial celebração do Pentecostes, dedicada este ano à recordação do I Concílio de Constantinopla — depois de 1.600 anos —, e também do Concílio de Éfeso — depois de 1.550 anos.

Em Éfeso ecoou novamente, para bem de toda a Igreja de então, a verdade sobre Cristo — unigénito Filho de Deus, que por obra do Espírito Santo se fez verdadeiro homem, concebido no seio de Maria Virgem e nascido dela para a salvação do mundo. Maria é portanto verdadeira Mãe de Deus (Theotokos).

Quando portanto, convosco, caros Irmãos e Irmãs, medito na graça recebida, e juntamente na ameaça à vida e no sofrimento, dirijo-me de modo particular a Ela: Àquela que chamamos também "Mãe da divina Graça". E peço que esta graça "não seja vã em mim" (cf. 1Co 15,10) — assim como toda a graça que o homem recebe. Em toda a parte e em qualquer tempo. Peço que — mediante toda a graça que o Pai, o Filho e o Espírito Santo derramam com abundância — nasça aquela força, que aumenta na nossa fraqueza. Peço que aumentem e se expandam também os testemunhos de Verdade e de Amor, para os quais nos chamou o Senhor.

Saudações

Aos peregrinos de língua portuguesa

Afectuosas saudações para os peregrinos e ouvintes de língua portuguesa, vindos, de entre outras partes, de Portugal, do Brasil, de Angola e de São Tomé e Príncipe.

Quis hoje participar-vos o conteúdo das minhas meditações após o treze de Maio: a dimensão espiritual do sofrimento – graça especial de Deus, para mim e para a Igreja.

Uma palavra especial para mestres e alunos da Escola Superior de Guerra do Brasil, que, em viagem de estudo pela Europa, quiseram visitar o Sucessor de Pedro.

A vós, a vossas esposas, a todos os aqui presentes e a vossos familiares, a minha Bênção Apostólica.

A vários grupos de peregrinos de língua espanhola

Desejo manifestar agora o meu vivo apreço, pela presença nesta audiência, a cada uma das pessoas, famílias e grupos de língua espanhola, provenientes de diversos lugares e Países. A todos envio a minha cordial saudação juntamente com a recordação nas minhas orações.

Este é o segundo encontro na Praça de São Pedro depois daquele 13 de Maio passado, cujas consequências me levaram a experimentar uma prova permitida por Deus, e que foi uma graça para mim mesmo e para a Igreja.

Com a força do Espírito Santo pude dar testemunho da Verdade e do Amor de Cristo morto e ressuscitado, unindo-me ao testemunho dado por tantos Predecessores meus na sede de Pedro, que com o seu sacrifício consolidaram o nascimento da Igreja.

Peço a Maria Santíssima, Mãe da divina Graça, corrobore as minhas forças no constante testemunho da Verdade e do Amor.

Quero mencionar de modo especial a presença nesta Audiência de um grupo de peregrinos de Lima, vindos a Roma para agradecer a declaração da heroicidade das virtudes do Padre Pedro Urraca da Santíssima Trindade.

Oxalá esta singular circunstância vos dê impulso para vos renovardes na vossa consciência de que sois membros da Igreja e testemunhos da fé no vosso próprio ambiente. Com a minha Bênção Apostólica.

Aos peregrinos de língua alemã

Queridos Irmãos e Irmãs!

É para mim uma grande alegria poder saudar-vos hoje aqui lá vejo que sois muito numerosos. Estes encontros semanais, todavia, têm lugar sob a impressão daquele trágico acontecimento de 13 de Maio. O atentado contra a vida do Papa foi uma prova de Deus, na qual experimentei a dor, e me levou às portas da morte. No entanto, ao mesmo tempo — vi aqui a Providência de Deus —, foi uma graça especial para mim e para a Igreja. É precisamente na nossa fraqueza que se faz presente, em plenitude, o poder de Deus. A força do Espírito Santo, que recebemos, converte-nos em testemunhas de Cristo e da sua Igreja, por quem muitíssimos crentes imolaram a sua vida ao longo dos séculos. Juntamente com toda a Igreja confio o meu ministério à especial protecção de Maria, "Mãe da divina graça" e à oração de todos vós. Para terminar saúdo especialmente a numerosa peregrinação da Associação de Santa Cecília, da diocese de Fulda. Oxalá o vosso canto vos estimule não só a estar unidos, mas também vos conduza à oração, à alegria da fé e à coragem na vossa vida diária. Para vós e para todos os peregrinos de língua alemã aqui presentes a minha Bênção Apostólica.

Aos alunos do Instituto Eclesiástico Húngaro

Saúdo com prazer o Secretário da Conferência Episcopal Húngara, Dom Jószef Cserháti, Bispo de Pécs, e aqueles que o acompanham; saúdo também os alunos do Instituto Pontifício Húngaro, presididos pelo seu Reitor. Concedo de bom grado a minha Bênção Apostólica, não só a eles mas também ao dilecto povo húngaro.

Aos peregrinos polacos

Desejo resumir o que disse inicialmente em italiano — embora pense que tenhais compreendido. Como quarta-feira passada, também hoje torno a referir-me ao acontecimento de 13 de Maio. O acontecimento e as suas consequências eram — por um lado — uma prova, uma experiência de Deus; assim o vi e assim continuo a ver agora com o olhar da fé. E nesta experiência de Deus estava a particular graça divina: graça para mim e graça para a Igreja. Dei graças e agradeço ao Senhor por ter podido dar testemunho — mediante esta experiência e com a Sua graça — desta verdade e deste amor, que têm a sua nascente n'Ele mesmo. São estes os pensamentos principais da presente meditação. Desejo, ao mesmo tempo que vo-lo transmito; agradecer a todos os meus compatriotas que — tanto no dia 13 de Maio como durante todo este tempo — me sustiveram com a sua oração. Estou convencido de que esta oração me ajudou e continuará a ajudar, para que eu possa. como os Apóstolos, dar testemunho de Cristo no mundo contemporâneo. Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!

Aos vários grupos italianos

Dirijo cordiais saudações a todos os fiéis provenientes de paróquias, institutos, escolas, associações de todas as partes da Itália. Queridos Irmãos e Irmãs, sede bem-vindos! Desejo que esta vossa peregrinação constitua um momento de graça para um testemunho cristão cada vez mais límpido e generoso na vida quotidiana.

Uma palavra de benevolência e de encorajamento a todos os jovens, cujos entusiasmo da fé e desejo de progredir no conhecimento e no amor de Jesus Cristo, bem conheço.

Aos doentes, que são chamados a oferecer os seus sofrimentos pelo bem da Igreja, asseguro a minha participação e as minhas orações a fim de que o Senhor infunda neles abundantes dons celestes de conforto, de serenidade e de consolação.

Exprimo também aos jovens casais os meus votos de longa e feliz vida conjugal, animada por dedicação contínua e recíproca em vista de um futuro rico de verdadeiras alegrias da parte do Senhor.

E por fim, dirijo particulares votos de bem ao numeroso grupo de Missionários, Sacerdotes, Religiosas e Leigos, que em breve dirigir-se-ão para localidades de missão da África. Caríssimos filhos! O Papa acompanha-vos com a oração e o afecto a fim de que o vosso serviço do anúncio da "Palavra de salvação" seja sempre fecundo.

A todos indistintamente concedo de coração a propiciadora Bênção Apostólica.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 21 de Outubro de 1981




O perdão é uma graça e um mistério do coração humano

1. Também hoje, neste grato encontro convosco, caros Irmãos e Irmãs, desejo voltar ao acontecimento de 13 de Maio passado. Volto a ele para recordar o que já naquele dia foi pronunciado diante de Cristo que é Mestre e Redentor das nossas almas, e que depois foi dito em voz alta e publicamente no domingo seguinte, a 17 de Maio, na oração do Regina Caeli.

Eis as palavras a que hoje não só me refiro, mas que também repito para exprimir a verdade nelas contida, que tanto hoje como então é verdade da minha alma, do meu coração e da minha consciência.

"Caríssimos Irmãos e Irmãs, sei que nestes dias, e de modo especial nesta hora do Regina Caeli estais unidos a mim. Agradeço-vos comovido as vossas orações e abençoo-vos a todos. Estou particularmente próximo das duas pessoas atingidas como eu. Peço pelo irmão que me feriu, a quem perdoei sinceramente. Unido a Cristo, Sacerdote e vítima, ofereço os meus sofrimentos pela Igreja e pelo mundo. A Ti, Maria, repito: Totus tuus ego sum".

Perdão! Cristo ensinou-nos a perdoar. Muitas vezes e de vários modos Ele falou de perdão. Quando Pedro Lhe perguntou quantas vezes devia perdoar ao seu próximo, "Até sete vezes?", Jesus respondeu que devia perdoar "setenta vezes sete" (Mt 18,21 s.). Isto quer dizer, praticamente, sempre: de facto o número "setenta" vezes "sete" é simbólico, e, mais do que uma quantidade determinada, significa uma quantidade incalculável, infinita. Respondendo à pergunta sobre como se deve rezar, Cristo pronunciou aquelas magníficas palavras dirigidas ao Pai: "Pai nosso, que estais no céu"; e entre os pedidos que formam esta oração, o último fala do perdão: "Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos" àqueles que são culpados para connosco (="aos nossos devedores"). Por fim o próprio Cristo confirmou a verdade destas palavras sobre a Cruz, quando, dirigindo-se ao Pai, suplicou: "Perdoa-lhes!", "Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34).

"Perdão" é palavra pronunciada pelos lábios de um homem, a quem fizeram mal. Melhor, é a palavra do coração humano. Nesta palavra do coração, cada um de nós se esforça por superar a fronteira da inimizade, que pode separá-lo do outro, procura reconstruir interiormente o espaço de compreensão, de contacto e de união. Cristo ensinou-nos com a palavra do Evangelho, e sobretudo com o próprio exemplo, que este espaço me abre não só diante do outro homem, mas simultaneamente diante de Deus mesmo. O Pai, que é Deus de perdão e de misericórdia, deseja agir precisamente neste espaço do perdão humano — deseja perdoar àqueles que são reciprocamente capazes de perdoar, àqueles que procuram pôr em prática aquelas palavras: "Perdoai-nos... como nós perdoamos".

O perdão é uma graça, na qual se deve pensar com humildade e gratidão profundas. É um mistério do coração humano, sobre o qual é difícil delongar-se. Todavia quereria deter-me sobre o que disse. Disse-o porque está intimamente ligado ao acontecimento de 13 de Maio, no seu conjunto.

3. Durante os três meses que estive no hospital, era frequente recordar-me daquela passagem do Livro do Génesis, que todos bem conhecemos:

"Abel foi pastor; e Caim, lavrador. Ao fim de algum tempo, Caim apresentou ao Senhor uma oferta de frutos da terra. Por seu lado, Abel ofereceu primogénitos do seu rebanho e as gorduras deles. O Senhor olhou favoravelmente para Abel e para a sua oferta, mas não olhou para Caim nem para a sua oferta. Caim ficou muito irritado e o rosto transtornou-se-lhe. O Senhor disse a Caim: 'Porque estás zangado e o teu rosto está abatido? Se procederes bem, certamente voltarás a erguer rosto; se procederes mal, o pecado deitar-se-á à tua porta e andará a espreitar-te. Cuidado, pois ele tem muita inclinação para, ti, mas deves dominá-lo'.

Entretanto, Caim disse a Abel, seu irmão: 'Vamos ao campo'. Porém, logo que chegaram ao campo, Caim lançou-se sobre o irmão e matou-o. O Senhor disse a Caim: 'Onde está Abel, teu irmão?'. Caim respondeu: 'Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?'. O Senhor replicou: 'Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra. até Mim' "... (Gn 4,2-10).

4. Voltava-me com frequência à memória, nas minhas meditações no hospital, este texto antiquíssimo, o qual fala do primeiro atentado do homem à vida do homem — do irmão à vida do irmão.

Naquele tempo, portanto, quando o homem que atentou contra a minha vida, era processado e quando recebeu a sentença, eu pensava na história de Caim e de Abel, que biblicamente exprime o "início" do pecado contra a vida do homem. Nos nossos tempos, em que este pecado contra a vida do homem se tornou de novo e de modo novo ameaçador, quando tantos homens inocentes perecem às mãos de outros homens, a descrição bíblica do que aconteceu entre Caim e Abel torna-se particularmente eloquente. Ainda mais completa, ainda mais impressionante do que o mandamento mesmo "Não matar". Este mandamento pertence ao Decálogo, que Moisés recebeu de Deus e que está contemporaneamente escrito no coração do homem como lei interior da ordem moral para todo o comportamento humano. Não nos dirá ainda mais do que a absoluta proibição "não matar" a pergunta que Deus dirigiu a Caim: "Onde está o teu irmão?". E imediatamente após a resposta evasiva de Caim, "Sou, porventura, guarda do meu irmão?", segue-se a outra pergunta divina: "Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim!".

5. Cristo ensinou-nos a perdoar. O perdão é indispensável também para que Deus possa apresentar à consciência humana interrogativos, aos quais espera resposta em toda a verdade interior.

Neste tempo, em que tantos homens inocentes morrem às mãos de outros homens, parece impor-se uma especial necessidade de nos aproximarmos de cada um daqueles que matam, aproximarmo-nos com o perdão no coração e também com a mesma pergunta que Deus, Criador e Senhor da vida humana, fez ao primeiro homem que atentara à vida do irmão e lha tirara — tirara aquilo que é propriedade exclusiva do Criador e do Senhor da vida.

Cristo ensinou-nos a perdoar. Ensinou Pedro a perdoar "setenta vezes sete" (Mt 18,22). Deus mesmo perdoa, quando o homem responde à pergunta dirigida à própria consciência e ao próprio coração com toda a verdade interior da conversão.

Deixando a Deus mesmo o juízo e a sentença na sua dimensão definitiva, não deixemos de pedir: "Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido".

Saudação

Afectuosas saudações aos peregrinos de língua portuguesa

Desejo recordar o que no dia treze de maio foi pronunciado diante de Cristo e publicamente dito no domingo seguinte. Hoje, como então, tais palavras exprimem a verdade da minha alma, do meu coração e da minha consciência: agradeço comovidamente as vossas orações e abençoo-vos; estou particularmente perto das duas pessoas feridas juntamente comigo; peço a Deus pelo irmão que me feriu, ao qual perdoei sinceramente. Unido a Cristo, Sacerdote e vítima, ofereço os meus sofrimentos pela Igreja e pelo mundo.

Menciono com gosto o grupo de 20 sacerdotes brasileiros que, juntamente com o Senhor Bispo de Caicó e o Auxiliar de Aracaju, aqui presentes, regressam de uma peregrinação à Terra Santa.

A todos vós e a vossas queridas famílias a minha Bênção Apostólica.

Aos peregrinos de língua francesa
e às Religiosas Servas do Santíssimo Sacramento

Queridos Irmãos e Irmãs

Sede bem-vindos, peregrinos de língua francesa! Deus vos abençoe assim como as vossas famílias e os que vos são queridos! E que Ele vos inspire sempre sentimentos fraternais! Recordei neste instante as palavras que pronunciei depois do atentado à minha pessoa nesta praça: "Peço pelo irmão que me feriu, a quem perdoei sinceramente". Quantos homens hoje atentam à vida de outros homens inocentes! Cristo pede-nos que nos aproximemos deles com o perdão no coração, dizendo-lhes como Deus a Caim: "Que fizeste do teu irmão?". Como no Pai Nosso, peçamos esta graça do perdão.

Às Irmãs do Capítulo Geral das Servas do Santíssimo Sacramento e a todos os peregrinos provenientes da França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Dinamarca e do outros países, tenho a alegria de lhes dar a minha Bênção Apostólica, assim como às suas famílias.

Aos grupos de língua espanhola

Saúdo cordialmente todas as pessoas, famílias e grupos de língua espanhola aqui presentes, manifestando-lhes ao mesmo tempo a minha profunda benevolência e apreço pela sua visita.

Referindo-me aos acontecimentos do passado dia 13 de Maio, quero hoje repetir a mesma palavra de perdão que já pronunciei no dia 17 do mesmo mês. Sim, perdoo o irmão que me feriu como Cristo nos ensina a perdoar. Só assim superamos as barreiras da inimizade e construímos espaços de entendimento, de amor fraterno, numa época em que se cometem tantos atentados contra a vida do homem, da qual só Deus é senhor. Deixemos a Ele o juízo definitivo e saibamos perdoar. Com a minha Bênção Apostólica.

A várias peregrinações de língua inglesa

Durante esta audiência, na qual saúdo de modo particular o grupo das Irmãs do Bom Pastor e os peregrinos provenientes da Inglaterra, Escócia, Irlanda, Dinamarca, Índia, Canadá e Estados Unidos, desejo reafirmar os sentimentos que tive no momento do atentado à minha vida. Renovo o perdão então expresso. Foi Cristo que ensinou Pedro e todos nós a perdoar um número infinito de vezes. Mediante o perdão humano o próprio Deus perdoa aqueles que são capazes de perdoar os outros. Continuemos a rezar: Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

Faço extensivas as minhas calorosas boas-vindas aos membros da Comissão Episcopal dos Estados Unidos para o Colégio Norte-Americano. O vosso interesse comum por este importante seminário é um excelente exemplo de dedicação pastoral e de acção colegial. A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo vos encoraje no vosso ministério episcopal.

É para mim um grande prazer saudar o Bispo Flanagan e o grupo de sacerdotes americanos que celebram as Bodas de Ouro de Ordenação. Oxalá os ideais do sacerdócio de Cristo continuem a inspirar-vos e a sua paz encha os vossos corações.

Com afecto e gratidão saúdo os membros da Cruz Vermelha e os doentes trazidos a Roma. Asseguro-vos que toda a Igreja vos ama e encoraja.

Saudações

Aos peregrinos de língua alemã
Queridos irmãos e irmãs

As minhas cordiais boas-vindas a todos vós presentes nesta audiência. Uma vez mais voltamos hoje ao acontecimento do dia 13 de Maio. Já no mesmo dia do atentado e depois, na reza do Angelus do domingo seguinte, perdoei o autor do atentado com amor cristão. O próprio Cristo exortou-nos insistentemente a isto e no momento da sua morte deu-nos una luminoso exemplo, quando, na cruz, pediu pelos seus verdugos: "Perdoai-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem" (Lo. 23, 34). Desde o crime de Caim, todos os assassínios são fratricídios, cujo sangue, da terra, clama a Deus no céu. Peçamos por todos aqueles que mancham assim as suas mãos e as suas consciências: "Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido".

Saúdo, a seguir, com muita alegria, os três grandes grupos de peregrinos da diocese de Munique, um dos quais se compõe de peregrinos de uma só paróquia —seiscentos peregrinos da Paróquia de Santa Isabel de Rheine —. Oxalá neste ano jubilar da vossa padroeira, Santa Isabel seja especialmente para vós e para todos os peregrinos da vossa diocese, exemplo e estímulo para uma contínua disponibilidade ao serviço dos necessitados. Cristo mesmo pede-nos o nosso serviço abnegado e o nosso amor para com eles. Não o neguemos nunca aos nossos irmãos e irmãs desamparados!

Saúdo igualmente os numerosos peregrinos da Associação "Katholiken in Wirtschaft und Verwaltung" (KKV). Agradeço-vos de coração o vosso generoso presente para as pessoas necessitadas da Polónia, minha pátria.

Deus vos pague! A vós e a todos os peregrinos de língua alemã aqui presentes dou, em nome de Cristo, a Bênção Apostólica.

Aos peregrinos provenientes da Croácia

Queridos Croatas!

Saúdo também todos os peregrinos da Croácia, vindos a Roma neste mês mariano,

Recitai, queridos croatas, o Rosário e recomendai esta oração a todos os membros das vossas famílias. Dizei-lhes que o Papa os ama e abençoa.

Aos peregrinos polacos

"Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!"

Saúdo os meus compatriotas na língua materna. Tenho a certeza que compreenderão também os outros Eslavos presentes, por exemplo, os irmãos Eslovacos.

Caríssimos, durante as audiências de Outubro, volto ao acontecimento de 13 de Maio para, de qualquer modo, comentar este acontecimento. Hoje falei de modo particular do perdão, que em certo sentido constitui precisamente o ponto central daquele doloroso episódio: o ponto através do qual todo o acontecimento foi levado a Cristo e em Cristo ao Pai. Cristo, de facto, ensinou-nos a dizer "Pai nosso, perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Ao mesmo tempo, pensamos no Livro do Génesis, onde encontramos a descrição do primeiro atentado do homem ao homem — Caim e Abel — atentado à vida do irmão.

Reflecti nestas palavras, palavras de Deus, que esta descrição contém, a fim de que elas cheguem a todos aqueles que de qualquer modo atentam à vida do homem inocente; a fim de que estas palavras dêem pleno significado ao preceito "Não matar"; a fim de que na nossa civilização, em que o mal de matar se alastra cada vez mais, este mal seja eliminado.

São estes os pensamentos da audiência geral de hoje.

"Bóg zaplac" pela vossa presença, "Bóg zaplac" pela vossa oração. Não sou devedor: a oração pela Pátria não deixa nunca de estar nos meus lábios e no meu coração. Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!

Aos grupos italianos

.Saúdo todos os peregrinos provenientes das várias partes da Itália, que sei serem numerosos e aos quais confirmo a minha benevolência.

Em particular, dirijo as minhas saudações aos jovens aqui presentes e convido-os a porem sempre o seu entusiasmo ao serviço de Cristo.

Aos queridos doentes assegura de coração a minha constante recordação na oração, a fim de que sirva para eles de conforto e os ajude a descobrirem o valor do sofrimento.

E por fim desejo aos Jovens Casais uma vida serena no amor recíproco, fecundo da graça do Senhor.

A todos concedo a minha Bênção.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 28 de Outubro de 1981


O Rosário ocasião privilegiada de rezar com a Mãe de Deus

1. Aproxima-se o fim do mês de Outubro, mês do Santo Rosário. Desejo, por ocasião desta última audiência geral de Outubro, fazer referência à primeira realizada neste mês. (Foi também a primeira audiência geral, depois da interrupção de alguns meses causada pelo acontecimento de 13 de Maio). Aquela primeira audiência, a seguir ao intervalo, deu-se no dia dedicado à Bem-aventurada Virgem do Rosário.

No fim de Outubro desejo, juntamente convosco, Irmãos e Irmãs, dirigir um olhar para a simplicidade e, ao mesmo tempo, para a profundidade desta oração, à qual a Mãe Santíssima de modo particular nos convida, nos incita e nos anima. Rezando o Rosário, penetramos nos mistérios da vida de Jesus, que são ao mesmo tempo os mistérios da Sua Mãe. Nota-se isto muito claramente nos mistérios gozosos, começando pela anunciação, passando pela visitação e o nascimento da noite de Belém, e indo em seguida, através da apresentação do Senhor, até ao Seu encontro no templo, quando Jesus tinha já 12 anos. Embora possa parecer que os mistérios dolorosos não nos mostram directamente a Mãe de Jesus — com excepção dos últimos dois: a subida ao Calvário e a crucifixão — podemos todavia pensar que estivesse espiritualmente ausente a Mãe, quando o seu Filho sofria de modo tão terrível no Getsémani, na flagelação e na coroação de espinhos? E os mistérios gloriosos são também mistérios de Cristo, nos quais encontramos a presença espiritual de Maria — primeiro entre todos o mistério da ressurreição. Falando da ascensão, a Sagrada Escritura não menciona a presença de Maria — mas pôde acaso não estar ela presente se, logo a seguir, lemos que se encontrava no cenáculo com os mesmos Apóstolos que tinham saudado pouco antes a Cristo quando subia ao céu? Juntamente com eles, prepara-se Maria para a vinda do Espírito Santo e participa no Pentecostes da Sua Descida. Os últimos dois mistérios gloriosos orientam os nossos pensamentos directamente para a Mãe de Deus, quando contemplamos a sua assunção e coroação na glória celeste.

O Rosário é oração que diz respeito a Maria unida a Cristo na Sua missão salvadora. É ao mesmo tempo oração a Maria — a nossa melhor medianeira junto do Filho. É por fim uma oração que de modo especial rezamos com Maria — assim como oravam juntamente com ela os Apóstolos no cenáculo, preparando-se para receber o Espírito Santo.

2. Isto é tudo o que desejo dizer sobre esta tão querida oração no fim do mês de Outubro. Ao fazê-lo, dirijo-me a todos aqueles que mediante a sua oração — não só a oração do Rosário, mas também a oração litúrgica e todas as outras — me ampararam durante os meses passados. Já agradeci isto outras vezes. Agradeci também durante a primeira audiência geral do corrente mês. Mas as expressões desta gratidão não bastam nunca. Hoje portanto desejo manifestar uma vez mais o meu reconhecimento, dando-me conta de quanto sou devedor a todos aqueles que me ampararam e continuam ainda a amparar-me com a oração.

A maior parte deste apoio só a Deus é conhecida. Mas chegaram-me neste período milhares e milhares de cartas, em que pessoas de todas as partes do mundo me expressaram a sua participação e me asseguraram a sua prece. Desejaria, entre essas muitas, citar hoje uma só, a de uma menina que me escreveu: "Caro Papa, desejo-te que melhores depressa para voltares a ler o Evangelho e a Palavra de Deus. Sei que perdoaste àquele homem que te feriu e assim também quero perdoar a quem me acusa ou me castiga. Faz que me comporte sempre bem e que em toda a parte haja paz":

3. Junto do fim da Carta de São Paulo aos Efésios encontramos as seguintes palavras: "... Fortalecei-vos no Senhor pelo Seu soberano poder. Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demónio. Porque nós não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas contra os Principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares... Empunhai sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno... Orai unicamente, em união com o Espírito, multiplicando invocações e súplicas. Perseverai nas vossas vigílias, com preces por todos os santos, e também por mim, para que me seja dado anunciar corajosamente o Mistério do Evangelho, do qual, mesmo com as algemas, sou embaixador, e para que tenha a audácia de falar dele segundo convém" (Ep 6,10-20).


AUDIÊNCIAS 1981