AUDIÊNCIAS 1981 - AUDIÊNCIA GERAL


PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 18 de Novembro de 1981




A aliança de Deus com os homens renova a realidade da vida

1. "Estais enganados, porque desconheceis as Escrituras e o poder de Deus" (Mt 22,29) – assim disse Cristo aos Saduceus, que – recusando a fé na futura ressurreição dos corpos – Lhe tinham exposto o caso seguinte: "Ora, entre nós, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu sem descendência, deixando a mulher a seu irmão" (segundo a lei mosaica do "levirato"); "sucedeu o mesmo ao segundo, depois ao terceiro, e assim até ao sétimo. Depois de todos eles, morreu a mulher. Na ressurreição, de qual dos sete será ela mulher?" (Mt 22,25-28).

Cristo replica aos Saduceus afirmando, no principio e no fim da sua resposta, que eles estão em grande erro, não conhecendo nem as Escrituras nem o poder de Deus (cf. Mc Mc 12,24 Mt 22,29). Sendo o colóquio com os Saduceus referido pelos Evangelhos sinópticos todos três, confrontemos brevemente os textos que nos interessam.

2. A versão de Mateus (22, 24-30), embora não faça referência à sarça, concorda quase inteiramente com a de Marcos (12, 13-25). Ambas as versões contêm dois elementos essenciais: 1) a enunciação sobre a futura ressurreição dos corpos, 2) a enunciação sobre o estado dos corpos dos homens ressurgidos [1]. Estes dois elementos encontram-se também em Lucas (20, 27-36) [2]. O primeiro elemento, relativo à futura ressurreição dos corpos, anda junto, especialmente em Mateus e em Marcos, com as palavras dirigidas aos Saduceus, segundo as quais eles não conhecem "nem as Escrituras nem o poder de Deus". Tal afirmação merece ser considerada em particular, pois exactamente nela especifica Cristo as bases mesmas da fé na ressurreição, a que fizera referência ao responder à questão apresentada pelos Saduceus com o exemplo concreto da lei mosaica do levirato.

3. Sem dúvida, os Saduceus tratam o assunto da ressurreição como um tipo de teoria ou de hipótese, susceptível de ser ultrapassado [3]. Jesus demonstra-lhes primeiro um erro de método: não conhecem as Escrituras; e depois um erro de mérito: não aceitam o que é revelado pelas Escrituras – não conhecem o poder de Deus –, não crêem n'Aquele que se revelou a Moisés na sarça ardente. É resposta muito significativa e muito precisa. Cristo encontra-se aqui com homens, que se julgam experimentados e competentes intérpretes das Escrituras. A estes homens – isto é aos Saduceus – Jesus responde que só o conhecimento literal da Escritura não é suficiente. A Escritura, de facto, é sobretudo meio para conhecer o poder do Deus vivo, que nela se revela, assim como se revelou a Moisés na sarça. Nesta revelação Ele chamou a Si mesmo "o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e de Jacob" [4] – daqueles portanto que tinham sido os progenitores de Moisés na fé, que brota da revelação do Deus vivo. Todos os quais estão já mortos há muito tempo; contudo Cristo completa a referência a eles com a afirmação de que Deus "não é Deus dos mortos, mas dos vivos". Esta afirmação-chave, em que interpreta Cristo as palavras dirigidas a Moisés pela sarça ardente, pode ser compreendida só admitindo a realidade de uma vida, a que a morte não põe fim. Os pais de Moisés na fé, Abraão, Isaac e Jacob são para Deus pessoas vivas (cf. Lc Lc 20,38, "pois para Ele, todos estão vivos"), embora, segundo os critérios humanos, devam ser contados entre os mortos. Reler correctamente a Escritura, e em particular as sobreditas palavras de Deus, quer dizer conhecer e acolher com a fé o poder do Dador da vida, que não está vinculado pela lei da morte, dominadora na história terrena do homem.

4. Parece que se deve interpretar deste modo a resposta de Cristo sobre a possibilidade da ressurreição [5], dada aos Saduceus, segundo a versão de todos os três Sinópticos. Virá o momento em que a resposta, nesta matéria, será dada por Cristo com a própria ressurreição; por ora, todavia, Ele apela para o testemunho do Antigo Testamento, demonstrando como descobrir nele a verdade sobre a imortalidade e sobre a ressurreição. É necessário fazê-lo não nos detendo unicamente no som das palavras, mas subindo também ao poder de Deus, que por aquelas palavras é revelado. Citar Abraão, Isaac e Jacob naquela teofania concedida a Moisés, da qual nos fala o livro do Êxodo (3, 2-6), constitui testemunho que o Deus vivo dá àqueles que vivem "para Ele": àqueles que, graças ao seu poder, têm a vida, ainda que, cingindo-nos às dimensões da história, seria necessário há muito tempo contá-los entre os mortos.

5. O significado pleno deste testemunho, a que Jesus se refere no seu colóquio com os Saduceus, poder-se-ia (sempe unicamente à luz do Antigo Testamento) apreender do modo seguinte: Aquele que é – Aquele que vive e que é a Vida – constitui a inexaurível fonte da existência, e da vida, assim corno se revelou no "princípio" no Génesis (cf, Gn 1-3). Embora, por causa do pecado, a morte corporal se tenha tornado a sorte do homem (cf. Gén. Gn 3,19) [6], e embora o acesso à árvore da Vida (grande símbolo do Livro do Génesis) lhe tenha sido proibido (cf. Gén. Gn 3,22), todavia, o Deus vivo, contraindo a sua Aliança com os homens (Abraão – Patriarcas, Moisés, Israel), renova continuamente, nesta aliança, a realidade mesma da Vida, descobre-lhe de novo a perspectiva e em certo sentido abre novamente o acesso à árvore da Vida. Juntamente com a Aliança, esta vida, cuja fonte é o próprio Deus, é participada àqueles mesmos homens que, em consequência da ruptura da primeira Aliança, tinham perdido o acesso à árvore da Vida, e nas dimensões da sua história terrena tinham sido sujeitos à morte.

6. Cristo é a última palavra de Deus sobre este assunto; de facto, a Aliança, que com Ele e por Ele é estabelecida entre Deus e a humanidade, abre uma infinita perspectiva de Vida: e o acesso à árvore da Vida – segundo o plano original do Deus da Aliança – é revelado a cada homem na sua definitiva plenitude.

Será este o significado da morte e da ressurreição de Cristo, será este o testemunho do mistério pascal. Todavia o colóquio com os Saduceus decorre na fase pré-pascal da missão messiânica de Cristo. A narração do colóquio segundo Mateus (22, 24-30) Marcos (12, 13-27), e Lucas (20, 27-36) manifesta que Jesus Cristo – o qual várias vezes, em particular nos colóquios com os discípulos, tinha falado da futura ressurreição do Filho do homem. (cf. por ex. Mt 17, 9.23; 20, 19 e paral.) – no colóquio com os Saduceus, pelo contrário, não usa este argumento. As razões são óbvias e claras. O colóquio é com os Saduceus, "os quais afirmam que não há ressurreição" (como insiste o evangelista), isto é põem em dúvida a possibilidade mesma dela e entretanto consideram-se experimentados na Escritura do Antigo Testamento e seus intérpretes qualificados. É por isso que Jesus se refere ao Antigo Testamento e, com base nele, demonstra-lhes que "não conhecem o poder de Deus" [7].

7. A respeito da possibilidade da ressurreição, Cristo recorre precisamente àquele poder, que a par e passo acompanha o testemunho do Deus vivo, que é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob – e o Deus de Moisés. O Deus, que os Saduceus "privam" deste poder, já não é o Deus verdadeiro dos seus Pais, mas o Deus das suas hipóteses e interpretações. Cristo, pelo contrário, veio dar testemunho ao Deus da Vida em toda a verdade do Seu poder, que se aplica na vida do homem.

Notas

[1] Embora o Novo Testamento não conheça a expressão "a ressurreição dos corpos" (que aparecerá a primeira vez em São Clemente: 2 Clem 9, 1, e em Justino. Diál 80, 5) e use a expressão "ressurreição dos mortos", entendendo com ela o homem na sua integridade, é todavia possível encontrar em muitos textos do Novo Testamento a fé na imortalidade da alma e a sua existência também fora do corpo (ef. por , Lc 23, 43; Ph 1,23-24 2Co 5,6-8).

[2] O texto de Lucas contém alguns elementos novos a respeito dos quais se trava a discussão dos exegetas.

[3] Como é sabido, no judaísmo daquele período não foi claramente formulada uma doutrina acerca da ressurreição; existiam só as diversas teorias lançadas pelas várias escolas.

Os Fariseus, que se davam à especulação teológica, desenvolveram energicamente a doutrina sobre a ressurreição, vendo alusões a ela em todos os livros do Antigo Testamento. Entendiam todavia a futura ressurreição de modo terrestre e primitivo, prenunciando por exemplo enorme crescimento da colheita e da fertilidade na vida depois da ressurreição.

Os Saduceus, pelo contrário, polemizavam com tal conceito, partindo da premissa de que o Pentateuco não fala da escatologia. É necessário também ter presente que, no século I, o cânone dos livros do Antigo Testamento não tinha sido ainda estabelecido.

O caso apresentado pelos Saduceus ataca directamente a concepção farisaica da ressurreição. De facto, os Saduceus julgavam que a seguia também Cristo.

A resposta de Cristo corrige igualmente quer as concepções dos Fariseus, quer as dos Saduceus.

[4] Esta expressão não significa "Deus que era honrado por Abraão, Isaac e Jacob", mas "Deus que tomava cuidado dos patriarcas e os libertava".

Esta fórmula volta no livro do Êxodo: 3, 6: 3, 15.16; 4, 5, sempre no contexto da promessa de libertação de Israel: o nome do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob é penhor e garantia desta libertação.

"Deus de X é sinônimo de socorro, de sustentáculo e de abrigo para Israel". Encontra-se sentido semelhante no Génesis 49, 24: "Deus de Jacob – Pastor e Pedra de Israel, Deus dos teus Pais que te ajudará" (ef. Gén 49, 24, 25; cf. também: Gn 24,27 Gn 26,24 Gn 23,13 Gn 32,10 Gn 46,3).

Cf. E. Dreyfus, O.P., L'argument scripturaire de Jésus en faveur de la réssurection des morts (MC XII, 26-27), Revue Biblique 66 (1959) 218.

A fórmula "Deus de Abraão, Isaac e Jacob", em que são citados todos os três nomes dos Patriarcas, indicava na exegese judaica, contemporânea de Jesus, a relação de Deus com o Povo da Aliança como comunidade.

Cf. E. Ellis Jesus, The Sadducees and Qumran, New Testament Studies 10, (1963-64) 275.

[5] No nosso modo contemporâneo para tornar compreensível este texto evangélico, o raciocínio de Jesus diz respeito só à imortalidade; se, de facto, os patriarcas vivem – depois de terem morrido – já agora, antes da ressurreição, escatológica do corpo, então a verificação de Jesus diz respeito à imortalidade da alma e não fala da ressurreição do corpo.

Mas o raciocínio de Jesus foi dirigido nos Saduceus que não conheciam o dualismo do corpo e da alma, aceitando apenas a bíblica unidade psicofísica do homem que é "o corpo e a respiração de vida". Por isso, segundo eles, a alma morre juntamente com o corpo. A afirmação de Jesus, segundo a qual os patriarcas vivem, podia significar para os Saduceus unicamente a ressurreição com o corpo.

[6] Não nos detemos aqui sobre a concepção da morte no sentido puramente veterotestamentário, mas tomamos em consideração a antropologia teológica no seu conjunto.

[7] Este é o argumento determinante que prova a autenticidade da discussão com os Saduceus.

Se a perícope constituísse "acrescento pós-pascal da comunidade cristã" (como julgava por exemplo R. Bultmann), a fé na ressurreição dos corpos apoiar-se-ia no facto da ressurreição de Cristo, que se impunha como força irresistível, como o faz compreender por exemplo São Paulo. (cf. 1Co 15,12).

Cf. J. Jeremias, Neutestamentliche Theologie, I Teil, Gutersloh 1971 (Mohn); cf. além disso I. H. Marshall, The Gospel of Luke, Exeter 1978, The Paternoster Press, p. 738.

A referência ao Pentateuco – havendo no Antigo Testamento textos que tratavam directamente da ressurreição (como por ex. Is 26, 19 ou Da 12,2 – testemunha ter decorrido a conversa realmente com os Saduceus, que julgavam o Pentateuco única autoridade decisiva.

A estrutura da controvérsia demonstra que esta era uma discussão rabínica, segundo os clássicos modelos em uso nas academias de então.

CF. J. Le Moyne, OSB, Les Sadducéeus, Paris 1972 (Gabalda), p. 124 s.; E, Lohmeyer, Das Evangelium des Markus, Göttingen 1959, 15, p. 257; D. Daube, New Testament and Rabbinic Judaism, London 1956, pp. 158-163; J. Rademakers, SJ, La bonne nouvelle de Jésus selon St Marc, Bruxelles 1975, Institut d'Etudes Théologiques, p. 313.

Saudações

Aos peregrinos e ouvintes de língua portuguesa

Quero falar-vos da ressurreição. No diálogo com os Saduceus, que negavam a ressurreição dos mortos, Cristo revidou dizendo não conhecerem a Sagrada Escritura, nem o poder de Deus, que se apresentou a Moisés, na sarça ardente, como o Deus de Abraão, Isaac e Jacob. E Cristo conclui: não é o Deus dos mortos mas dos vivos. Abraão, Isaac e Jacob, longínquos antepassados de Moisés, continuam vivos junto de Deus. Aquele que é, que vive e é a Vida constitui fonte inexaurível de existência e de vida.

Para que as palavras da Sagrada Escritura renovem vossa fé na ressurreição dou-vos a Bênção Apostólica.



Aos grupos de peregrinos de língua francesa

A todos os participantes nesta audiência, formulo votos calorosos para a sua vida pessoal e familiar, para as suas responsabilidades na Igreja e na sociedade, e abençoo-vos de todo o coração.

Desejaria encorajar de modo especial os membros da Comissão Executiva da "Caritas Internationalis". Vós esforçais-vos por convidar o povo de Deus à partilha, oferecendo-lhe meios concretos para o realizar com o fim de ajudar, de modo organizado, as comunidades e as pessoas necessitadas. Deus abençoe a vossa obra que, como a dos outros movimentos de caridade, é inseparável do testemunho específico da Igreja!

Desejo, de igual modo, exprimir um encorajamento semelhante aos Cavaleiros do Santo Sepulcro de Jerusalém, cuja generosidade é bem conhecida.

Notei também a presença de peregrinos da Grécia, católicos e ortodoxos: sede bem-vindos, queridos amigos, a este lugar santificado pelos Apóstolos Pedro e Paulo! A fé de todos nós apoia-se no seu testemunho; e por eles, somos estimulados no nosso caminho para a plena unidade, que e verdadeiramente necessário apressar mediante a oração e o amor fraterno. Deus Pai, Filho e Espírito Santo vos abençoe.

Permiti-me dirigir uma particular saudarão às Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, que seguem um curso de renovação espiritual, e as quais encorajo afectuosamente.

Por fim, desejaria saudar especialmente os peregrinos da diocese de Tarbes e Lourdes, com o seu Bispo Dom Donze. Muitas vezes o meu pensamento vai até à gruta bendita de Lourdes, onde gostaria tanto de ter rezado convosco durante o Congresso eucarístico! Fortificados por estas graças, que a Virgem Imaculada dá com profusão ao vosso país, voltai-vos resolutamente para Cristo é esta a conversão pedida a Bernadette — a fim de testemunhar o seu Evangelho por toda a vida.

Aos "peregrinos de língua espanhola

A todas e a cada uma das pessoas de língua espanhola aqui presentes, de modo particular às religiosas e aos membros dos grupos provenientes da Espanha, da Argentina e do México, saúdo cordialmente e dou a minha Bênção.

No meu discurso em italiano falei da resposta dada por Jesus aos Saduceus, que negavam a ressurreição. O Mestre afirma-lhes que não conhecem as Escrituras nem o poder infinito de Deus. Ele, que possui em si mesmo a plenitude da Vida, continua a renovar a realidade da Vida para além da morte, uma vez que não é o Senhor dos mortos, mas dos vivos. Esse Deus vivo, que dá a vida eterna ao homem, é o verdadeiro Deus que nos mostra o Antigo Testamento e se revelará de modo completo em Jesus Cristo.

Aos grupos de peregrinos de língua italiana

Dirijo agora uma particular saudação aos participantes na peregrinação da UNITALSI de Ímola.

Caríssimos, desejo assegurar-vos que estou particularmente junto de vós, que sois chamados a participar no sofrimento d'Aquele que, pregado no lenho da Cruz, trouxe a salvação ao mundo inteiro. Estar unidos à Cruz de Cristo é fonte preciosa de santificação e de mérito. A minha saudação cordial é extensiva a todos os doentes aqui presentes, com a promessa de que os recordo na minha prece, e de todo o coração os abençoo assim como todos aqueles que lhes são queridos.

Saúdo também o grupo de jovens surdos-mudos da Escola Média "Mazzini", de Roma. A eles e a todos os jovens aqui presentes gosto de dizer que uma vida é plenamente realizada, e uma juventude autênticamente feliz, quando sé é capaz de abrir o coração às propostas que nos vêm de Cristo, para poder falar, com o testemunho da vida, das maravilhas realizadas pelo Senhor naqueles que O escutam e O seguem com generosidade.

Acompanho-os de coração com a minha oração e a minha Bênção.

Dirijo-me, por fim, a vós, jovens Casais; que iniciais um caminho a dois, unidos pelo Sacramento e pelo amor mútuo.

Faço votos por que Cristo seja o vosso companheiro de caminhada: partícipe das alegrias, ajuda nas dificuldades, esperança na prova.

A todos a minha Bênção.



PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 25 de Novembro de 1981




O Papa João indicou os caminhos do renovamento no grande sulco da Tradição

1. Exactamente há cem anos — na sexta-feira 25 de Novembro de 1881 — em Sotto il Monte, abria os olhos à vida o pequeno Angelo José Roncalli. Naquele mesmo dia, de tarde, tornava-se cristão aquele que — no decurso da sua longa vida, singularmente rica de graça — se tornaria depois sacerdote, bispo e por último Sucessor de Pedro.

Nesta Audiência, que por feliz coincidência, seja embora casual, nos encontra aqui reunidos nesta data tão significativa, não posso deixar de recordar de modo especial esse meu grande Predecessor, cuja memória abençoamos nos nossos corações e está na consciência de todos os povos do mundo. Há cem anos nascia, aquele que, seguindo o fio de ouro da "boa Providência" — como ele gostava de lhe chamar frequentemente —, deixaria sinal indelével na história da Igreja do nosso tempo. Desejaria eu, juntamente convosco, fixar a atenção no significado, na importância e na grandeza que teve, para a Igreja e para o mundo, a presença daquele homem no meio de nós. Ao fazer isto, uno-me com o pensamento à visita que realizei à sua terra natal, agora conhecídissima em todo o mundo, a 26 de Abril último. Era o meu tributo pessoal de afecto e veneração, neste Centenário, para com aquele que, ao subir à sé de Pedro, tomou o nome profética de João — aquele que o meu imediato Predecessor e eu mesmo conservámos em sinal de amor e reconhecimento àquele grande Papa, ao lado do de Paulo. "Veio um homem enviado por Deus, e o Seu nome era João" (Jn 1,6): estas palavras, que foram universalmente aplicadas a ele, e certamente o faziam estremecer como sinal de predilecção divina, são ainda símbolo da sua missão pontifícia.

2. O Papa João foi grande dom de Deus à Igreja. Não só porque — bastaria, isto para tornar imperecedoura a recordação — legou o seu nome ao acontecimento maior e transformador do nosso século: o anúncio do Concílio Ecuménico Vaticano II, que previu, segundo chegou a confessar, como por misteriosa e irresistível inspiração do Espírito Santo; não só porque celebrou o Sínodo Romano, e quis dar início à revisão do Código do Direito Canónico. Foi um grande dom de Deus porque fez sentir viva a Igreja ao homem de hoje. Foi, como o Baptista, um Precursor. Indicou os caminhos do renovamento no grande sulco da Tradição, como extensamente desenvolvi nos meus discursos de Sotto il Monte e de Bérgamo. Quis "ser voz" (Jn 1,23) a fim de preparar, a Cristo, novo advento à Igreja e ao mundo. Na sua mensagem para a Páscoa de 1962 quis dizer: "É ainda Pedro, no seu mais recente embora humilde Sucessor, que rodeado de imensa coroa de bispos se dispõe, vacilante mas confiado, para falar às multidões. A sua palavra levanta-se do fundo de vinte séculos, e não é sua: é de Jesus Cristo, Verbo do Pai e Redentor de todas as gentes, e é ainda ele que indica à humanidade os caminhos principais que levam à convivência na verdade e na justiça" (21 de Abril de 1962: Discorsi, IV, 721 s.).

Aquela voz agitou o mundo. Pela sua simplicidade e ausência de rodeios, pela sua humildade e discrição, pela sua coragem e pela sua força. Por meio daquela voz ouviu-se claramente a Palavra de Cristo: no seu apelo para a verdade, a justiça, o amor e a liberdade, qualidades em que se deviam inspirar as relações entre os homens e entre os povos, segundo as linhas dominantes da grande Encíclica Pacem in terris; ouviu-se quando sublinhava quer os valores da pessoa, núcleo único e irrepetível em que se reflecte directamente a glória do Rosto de Deus, criador e redentor, quer os da família, núcleo social que fundamenta a vida da sociedade e da Igreja, a quem ela oferece os próprios filhos como sinal de esperança e de promessa, especialmente nas vocações sacerdotais e religiosas; e ouviu-se ao repropor aos homens os caminhos da oração e da santidade. "Veio um homem, mandado por Deus, e o seu nome era João".

3. A nota dominante desta sua acção na Igreja foi o optimismo. Por isso, esse Pontífice foi, e é ainda, querido ao nosso coração. Chamado às responsabilidades do supremo governo da Igreja quando só três anos, ou pouco mais, faltavam para completar o octogésimo ano de vida, ele foi um jovem, no espírito e no coração, como se se tratasse de um prodígio da natureza. Sabia olhar para o futuro, com inabalável esperança; esperava para a Igreja e para o mundo o florescimento de uma estação nova, confiada à boa vontade e à recta intenção de uma nova humanidade, mais justa, mais recta e melhor. O Concílio devia assinalar nova primavera, como ele costumava repetir; devia ser "novo Pentecostes"; devia ser "nova Páscoa", isto é "um grande despertar, uma retomada de mais animoso caminho" (Mensagem cit.: Discorsi, IV, 221).

Daqui o vigor e a ousadia das suas iniciativas. Daqui a sua confiança nos jovens, que ele chamou para assumirem as grandes responsabilidades da vida, individual e pública, sem negligências, sem hesitações e sem temores. Daqui sobretudo o seu ardor missionário, que lhe fazia abraçar o mundo com amor apaixonado, que se transformava em oração: e é sabido que tinha no seu escritório um grande mapa-mundo, para seguir mais de perto a vida dos povos na terra inteira; e que todos os dias, na reza do terceiro mistério gozoso, recomendava, "a Jesus que nasce, o número sem número de todas as crianças,... de todas as estirpes humanas que, nas últimas vinte e quatro horas, de noite e de dia, vêm à luz quase em toda a parte na face da terra" (À Sociedade It. de Obstetrícia e Ginecologia, 5 de Maio de 1962: Discorsi, IV, 241). Tal ardor missionário tinha-o absorvido e vivido desde os anos passados em "Propaganda Fide", e depois nos contactos em raio cada vez mais vasto do seu serviço eclesial, até a Sé de São Pedro. Teve confiança nas populações autóctones; quis dar uma marca cada vez mais incisiva à presença dos filhos daquelas terras no clero e nos episcopados, sublinhando-lhes o valor eclesiológico com as várias ordenações, tanto sacerdotais como episcopais, que ele mesmo quis realizar aqui em Roma, a fim de colocar em clara evidência a tarefa primariamente missionária, do mandato da Igreja e do seu Chefe visível. Segundo disse numa destas ordenações de Bispos missionários, "o humilde Vigário de Cristo une cada manhã, à volta do seu cálice, os filhos dispostos numa imensa coroa, vindos de todos os pontos da terra: com particular ternura se dirige aos seus cooperadores no apostolado ainda inúmeros graças a Deus, mas sempre insuficientes para as exigências e as aspirações da messe, operários do Evangelho, distribuídas em todos os continentes" (8 de Maio de 1960: Discorsi, II, 337).

Desta expectativa optimista, quase uma spes contra spem (cf. Rom Rm 4, Rom Rm 4,18), que soube esperar de Deus na paciência o momento da graça, e estimular nos homens o consentimento e a colaboração, surgiu aquela imensa simpatia, com que os nossos contemporâneos acompanharam a actividade daquele Pontífice e lhe choraram a morte como a de um antigo Patriarca, mesmo de um pai. A tal esperança respondeu a confiança dos jovens — agora homens amadurecidos, certamente empenhados como eu desejo, em viver e pôr em prática os seus ensinamentos — que viram nele quem os convidava a tomarem o seu lugar na sociedade e na Igreja. E com ela se explica a irradiação extraordinária que, em todas as categorias sociais e profissionais, receberam o seu ensinamento, a sua palavra e a sua actividade, mesmo na breve duração daquele intensíssimo pontificado.

4. O Papa João teve, por fim, em medida sensibilíssima e extraordinária, a aspiração da unidade. Foi um esforço tenaz, tecido de confiança em Deus e de simpatia nas relações humanas, de são realismo e de generosa abertura; foi um programa, continuamente seguido em todas as etapas da sua vida, até às palavras pronunciadas ainda no leito de morte: "É particularmente o unum sint que entregou Cristo como testamento à sua Igreja. A santificação do clero e do povo, a união dos cristãos e a conversão do mundo são portanto a tarefa principal do Papa e dos bispos" (Discorsi, V, 618).

Ut unum sint! O testamento de Cristo na hora da Eucaristia e da Paixão teve ressonância constante no coração do Papa João: aquela frase foi por ele repetida, inúmeras vezes, e diz-nos que ele vivia o drama da divisão entre os cristãos e a expectativa da união no esforço de prosseguir — como disse na tarde do histórico dia da inauguração do Concílio, retornando uma expressão a ele querida — de prosseguir "em acolher aquilo que une, deixando de lado, se é que existe, alguma coisa que pudesse manter-nos um pouco em dificuldade" (11 de Outubro de 1962: Discorsi, IV, 592).

Ut unum sint! Esta recomendação impeliu até hoje a Igreja no caminho, fatigante mas para a frente e construtivo, que desde então se foi abrindo com etapas singularmente importantes e prometedoras, e que, com a graça de Deus, prossegue incansavelmente em todos os níveis. Acompanhe do Céu o Papa João esta obra, como seu luminoso modelo, como propulsor inspirado e como eficaz intercessor!

5. Caríssimos irmãos e irmãs.

Desejaria, ainda aludir aos vinculos que aquele grande Pontífice, de que recordamos hoje o exacto centenário de nascimento, teve com a minha terra, de origem, visitando a cidade de Cracóvia em 1912, celebrando a Santa Missa na Catedral e dirigindo-se várias vezes como peregrino ao Santuário de Jasna Gora. E ainda as recordações pessoais, ligadas à celebração do Concílio, devem aqui ser recordadas, mesmo que seja de fugida. Baste termos hoje diante dos olhos e do coração — para continuar com impulso límpido e ardente no serviço da sociedade e da Igreja, a que cada um de nós é chamado na própria vocação — a figura de João XXIII, que nos chama aos nossos deveres de amar a Cristo e de servir o homem. Como eu disse em Bérgamo, "do limiar da casa em Sotto il Monte, das colinas da... terra de Bérgamo, vê-se a Igreja como cenáculo de todos os povos e continentes, aberta para o futuro" (L'Osservatore Romano, ed. port. de 13.5.81, pág. 8). Nesta perspectiva cheia de promessas, desde aquela humilde terra de origem até à vizinha Basílica, onde os seus despojos mortais repousam à espera da ressurreição, nós olhamos hoje para a figura do Papa João, o Papa bom, o Papa do Concílio, o Papa do ecumenismo, das missões e da Igreja que deseja abraçar o mundo, a fim de lhe pedir que ainda do céu nos abençoe a todos, e a todos nos anime para seguirmos as suas pisadas.

Saudações

Faz hoje cem anos nascia o meu querido Predecessor, o Papa João XXIII. É-me grato evocar, aqui convosco, a sua memória.

Com a sua vida e obra, ele foi um autêntico dom de Deus à sua Igreja: pela oportunidade e ousadia das iniciativas – lembre-se o Concilio Ecuménico; pela simpatia humilde e irradiante dos apelos, em nome de Cristo, a favor da verdade, da justiça, da liberdade e do amor; pelo optimismo franco e esperança firme, apontando aos homens ideais generosos e vias para a paz, e à Igreja, sempre missionária, caminhos de renovação, em Cristo, para a sua presença ao mundo e para a união de todos os cristãos. Venerando a sua memória, louvemos a Deus!

Que a todos estimule o seu exemplo, com a minha Bênção Apostólica!

Aos peregrinos de língua francesa

Agradeço aos responsáveis e aos membros da Orquestra Filarmónica de Lille a sua amável visita. Alguns de entre eles são meus compatriotas e o Primeiro violino é mesmo originário de Cracóvia! Tenho o prazer, queridos artistas, de vos desejar muito êxito nas vossas viagens de concertos. Oxalá possais ajudar os vossos auditórios de cultura ou populares, a comungar profundamente os mais nobres sentimentos do espírito e do coração humano que a Bíblia nos ensina serem reflexos de Deus! Encorajo-vos a irradiar a bondade, a piedade, a alegria, a coragem e a esperança que vibram muitas vezes nas obras que executais e que vos esforçais por traduzir mediante os vossos diversos instrumentos. Deus vos abençoe, e Santa Cecília, a célebre mártir romana festejada domingo passado, vos proteja!

Abençoo igualmente todos os peregrinos presentes nesta audiência, assim como as respectivas famílias e aqueles que lhes são queridos.

A um grupo de peregrinos de Pittsburgh

Dou especiais boas-vindas ao grupo de Pittsburgh, especialmente aos membros do Coro de São Paulo. O zelo pela casa de Deus e pela sua glória cumule os vossos corações, hoje e sempre.

Aos vários grupos de peregrinos italianos

Dirijo em primeiro lugar uma cordial saudação aos numerosos Reitores dos Santuários Marianos da Itália, reunidos em Roma para participarem no XVII Congresso Nacional da sua Associação, que tem por tema: "A consagração mariana, caminho espiritual da Igreja" Faço-lhes votos por que aprofundem cada vez mais a função de Maria à luz do mistério de Cristo, que representa o ponto central da nossa fé, de modo a fazer progredir verdadeiramente a Igreja numa adesão crescente a Ele, seu Chefe.

Uma saudação, particularmente afectuosa aos Alunos das Escolas Primárias romanas "Poggio Ameno" e "Livio Tempesta" e aos da Escola Primária estatal de Grottaferrata. Caríssimos, sei que o Centro Nacional Apostolado da Bondade na Escola vos conferiu prémios especiais por ocasião do "XXXI Dia da Bondade na Escola". Dou-vos os meus parabéns e exorto-vos a ser sempre dignos deles por toda a vossa vida.

Dirijo também a minha saudação aos novos Conselheiros Eclesiásticos locais da "Associação dos Cultivadores Directos", reunidos para um curso de sociologia rural, e aos jovens do "Ente Patronato Assistenza Coltivatori Agricoli", vindos a Roma para um curso de formação profissional.

Faço ao mesmo tempo extensiva a minha saudação a todos os jovens aqui presentes e confirmo-lhes a grande esperança que neles deponho para a Igreja e para o mundo de amanhã.

Aos doentes asseguro como sempre todo o meu afecto e a minha particular recordação na oração.

E por fim saúdo os jovens Casais, fazendo-lhes votos por uma longa e feliz vida na comunhão com o Senhor.



                                                                           Dezembro de 1981

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 2 de Dezembro de 1981




A formação da antropologia teológica

1. "Quando ressuscitarem dentre os mortos, nem casarão nem se darão em casamento" (Mc 12,25). Cristo pronuncia estas palavras, que têm significado-chave para a teologia do corpo, depois de afirmar, no colóquio com os Saduceus, que a ressurreição é conforme ao poder do Deus vivo. Todos os três Evangelhos Sinópticos trazem o mesmo enunciado, mas a versão de Lucas diferencia-se nalguns particulares da de Mateus e de Marcos. Essencial é para todos a verificação de que, na futura ressurreição, os homens, depois de readquirirem os corpos na plenitude da perfeição própria da imagem e semelhança com Deus — depois de os readquirirem na sua masculinidade e feminilidade — "não tomarão mulher nem marido". Lucas no capítulo 20, 34-35 exprime a mesma ideia com as palavras seguintes: "Os filhos deste mundo casam e são dados em casamento; mas aqueles que forem julgados dignos de participar do outro mundo e da ressurreição dos mortos, nem se casam, nem são dados em casamento".

2. Como resulta destas palavras, o matrimónio, aquela união em que, como diz o Livro do Génesis, "o homem... se unirá a sua mulher e os dois serão uma só carne" (2, 25) — união própria, do homem desde o "princípio" — pertence exclusivamente "a este mundo". O matrimónio e a procriação não constituem, pelo contrário, o futuro escatológico do homem. Na ressurreição perdem, por assim dizer, a sua razão de ser. Aquele "outro mundo", de que fala Lucas (20, 35), significa o remate definitivo do género humano, o encerramento quantitativo daquele círculo de seres, que foram criados à imagem e semelhança de Deus, para que, multiplicando-se através da conjugal "unidade no corpo" de homens e mulheres, sujeitassem a si a terra. Aquele "outro mundo" não é o mundo da terra, mas o mundo de Deus que, conforme sabemos pela primeira Carta de Paulo aos Coríntios, o encherá inteiramente, tornando-se, "tudo em todos" (1Co 15,28).

3. Contemporaneamente aquele "outro mundo", que segundo a revelação é "o reino de Deus", é também a definitiva e eterna "pátria" do homem (cf. Flp Ph 3,20), é a "casa do Pai" (Jn 14,2). Aquele "outro mundo", como nova pátria do homem, surge definitivamente do mundo actual, que é temporal — submetido à morte, ou seja à destruição do corpo (cf. Gén Gn 3,19, "em pó te hás-de tornar") — através da ressurreição. A ressurreição, segundo as palavras de Cristo referidas pelos Sinópticos, significa não só a recuperação da corporeidade e o restabelecimento da vida humana na sua integridade, mediante a união do corpo com a alma, mas também um estado completamente novo da vida humana mesma. Encontramos a confirmação deste novo estado do corpo na ressurreição de Cristo (cf. Rom Rm 6,5-11). As palavras transmitidas pelos Sinópticos (Mt 22,30 Mc 12,25 Lc 20,34-35) de novo soarão nessa altura (isto é depois da ressurreição de Cristo) àqueles que as tinham ouvido, diria quase com nova força probante, e ao mesmo tempo adquirirão o carácter de unia promessa convincente. Todavia por ora detemo-nos nestas palavras na sua, fase "pré-pascal", baseando-nos só na situação em que foram pronunciadas. Não há qualquer dúvida de que já na resposta dada aos Saduceus, Cristo desvela a nova condição do corpo humano na ressurreição, e fá-lo propondo exactamente uma referência e um confronto com a condição de que o homem tinha sido participante desde o "princípio".

4. As palavras "Nem casarão nem se darão em casamento" parecem ao mesmo tempo afirmar que os corpos humanos, recuperados e também renovados na ressurreição, manterão a sua peculiaridade masculina ou feminina e que o sentido de ser, no corpo, varão ou mulher será no "outro mundo" constituído e entendido de modo diverso daquilo que foi "desde o princípio" e depois em toda a dimensão da existência terrena. As palavras do Génesis, "o homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne" (2, 24), constituíram, desde o princípio, aquela condição relativamente à masculinidade ou feminilidade, estendendo-se também ao corpo, que justamente é necessário definir "conjugal" e ao mesmo tempo "procriativa" e "generativa"; ela, de facto, está ligada com a bênção da fecundidade, pronunciada por Deus (Elohim) na criação do homem "varão e mulher" (Gn 1,27). As palavras pronunciadas por Cristo sobre a ressurreição consentem-nos deduzir que a dimensão de masculinidade e feminilidade — isto é o ser, no corpo, de varão e de mulher — será de novo constituída juntamente com a ressurreição do corpo no "outro mundo".

5. É possível dizer alguma coisa ainda mais pormenorizada sobre este tema? Sem dúvida, as palavras de Cristo referidas pelos Sinópticos (especialmente na versão de Lc 20,27-40) autorizam-nos a isto. Lemos nelas, com efeito, que "aqueles que forem julgados dignos de participar do outro mundo e da ressurreição dos mortos... já não podem morrer; são semelhantes aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus" ( Marcos referem só que "serão como anjos nos céus"). Esse enunciado consente sobretudo deduzir uma espiritualização do homem segundo uma dimensão diversa daquela da vida terrena (e até diversa da do mesmo "princípio"). É óbvio que não se trata aqui de transformação da natureza do homem na angélica, isto é puramente espiritual. O contexto indica claramente que o homem conservará no "outro mundo" a própria natureza humana psicossomática. Se fosse diversamente, não teria sentido falar de ressurreição.


AUDIÊNCIAS 1981 - AUDIÊNCIA GERAL