Discursos João Paulo II 1981 - Terça-feira, 21 de Julho de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ANTES DE DEIXAR A POLICLÍNICA GEMELLI


Sexta-feira, 14 de Agosto de 1981



Caros Irmãos e Irmãs

A 13 de Maio, depois do atentado a, minha vida, encontrei imediatamente ajuda eficaz nesta casa, que tem o nome de "Policlínica Gemelli".

Hoje, passados três meses, que na maior parte passei entre vós, posso — depois da feliz e final intervenção ocorrida a 5 de Agosto, na festa de Nossa Senhora das Neves — voltar a casa para que — depois de encontrar a saúde no sentido clínico — eu possa recuperar as forças indispensáveis para o novo exercício do meu ministério na sé de São Pedro.

Desejo pois, neste momento, despedir-me de toda esta instituição hospitalar, que, usando o eloquente nome do Padre Agostino Gemelli, constitui parte orgânica da Universidade Católica da Itália, ligada à Faculdade de Medicina da mesma Universidade.

Nesta altura deveria exprimir profundo e repetido agradecimento a tantos Homens da Policlínica Gemelli — e também aos outros Professores convidados para a colaboração — a quem tanto devo por toda a duração destes três meses, a começar daquela dramática tarde de 13 de Maio. Permito-me todavia adiar para outra altura a expressão adequada de todos estes agradecimentos.

Desejo contudo, juntamente com todos aqueles a quem é devido este agradecimento humano — e também juntamente com todos os que me ouvem neste momento — dar graças a Deus, Criador e Senhor da vida, pela vida salva e pela saúde restabelecida também por obra do incansável esforço de tantos Homens altamente qualificados e plenamente dedicados, e além disso à obra da oração e do sacrifício de inumeráveis amigos talvez do mundo inteiro.

Agradecendo este dom da vida salva e da saúde restabelecida, desejo neste momento agradecer ainda uma coisa: de facto foi-me dado, no decurso destes três meses, pertencer, caros Irmãos e Irmãs, à vossa Comunidade: à comunidade dos doentes que sofrem neste Hospital — por este facto, constituem em certo sentido um organismo particular na Igreja: no Corpo Místico de Cristo.De modo especial, segundo São Paulo, pode dizer-se deles que estão completando na sua carne o que falta aos sofrimentos de Cristo... (cf. Col Col 1,24). Durante estes meses foi-me dado pertencer a este organismo particular. E também isto vo-lo agradeço cordialmente a vós, Irmãos e Irmãs, neste momento, quando me despeço de vós e deixo a vossa comunidade.

Certamente houve e há entre vós muitas pessoas, cujos sofrimentos, incomparavelmente superiores aos meus, por elas suportados com amor, as aproximam mais do Crucificado e Redentor...

Mais de uma vez pensei nisto, abraçando a todos na minha oração como vosso Bispo... E por vezes chegou-me a notícia daqueles, que o Senhor da vida chamou a Si no decorrer destes meses...

Tudo isto vivi, caros Irmãos e Irmãs, dia a dia — e também isto quero dizer-vos, hoje, na minha despedida. Agora sei, melhor que antes, que o sofrimento é tal dimensão de vida, na qual mais que nunca se enxerta no coração humano a graça da redenção. E se a cada um e a cada uma de vós desejo que possa sair deste Hospital, rencontrando a saúde — então, não menos intensamente, desejo que possa levar daqui também aquele enxerto profundo da vida divina, que a graça do sofrimento traz consigo.

Uma vez mais, como vosso Bispo, vos abençoo com o poder recebido de Cristo: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amén.



PALAVRAS DE AGRADECIMENTO


DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SEU REGRESSO NO VATICANO


Sexta-feira, 14 de Agosto de 1981



Desejo saudar a todos com a nossa habitual saudação: Louvado seja Jesus Cristo. Quero agradecer a vossa presença, começando pelos eminentíssimos Cardeais e terminando pelos mais pequeninos, criancinhas de oito meses. Graças a Deus — disseram alguns — eis que o Papa volta à sua casa.

Respondi: Um pouco de paciência, até agora chegou só ao Pátio de São Dâmaso. Mas antes de tudo, fui prestar homenagem a São Pedro Apóstolo no seu sepulcro para lhe agradecer ter querido conservar este seu sucessor ainda algum tempo, apesar de todos os riscos. Depois visitei ainda os túmulos dos meus predecessores e pensei que podia haver lá um túmulo a mais. Mas o Senhor dispôs diversamente; e Nossa Senhora — porque todos nos recordamos bem que era o dia 13 de Maio — cooperou para aquele "diversamente". Misericordia Domini, quia non sumus consumpti.

Eis tudo o que posso dizer nesta circunstância, agradecendo a todos: não só a vossa presença mas sobretudo as vossas orações e o vosso amor. Não posso deixar de insistir num facto especial: que o Senhor Cardeal Decano todos os dias se apresentava na Policlínica Gemelli para exprimir o laço, a comunhão, do Colégio cardinalício com o Papa e para dizer também: o Papa não deveria estar aqui, deveria estar no Vaticano. Tenho o gosto de hoje poder satisfazer esse voto sublime de Vossa Eminência.

A todos uma vez mais — já que estamos num certo período qualificado do ponto de vista romano, o Ferragosto — desejo-vos um bom Ferragosto.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE JOVENS IRLANDESES


Castel Gandolfo, 25 de Agosto de 1981



Caros amigos da Irlanda

"Fáilte romhaibh go léir".

Agradeço-vos que me pagueis a visita. Tenho o gosto de ouvir os vossos cânticos, de escutar os relatos das vossas vidas. Acima de tudo, tenho o prazer exactamente de estar convosco, pois bem conheceis a minha afeição por vós.

Representais a juventude da Irlanda. Como jovens talvez a vossa característica fundamental seja energia. Sem energia, nada se pode fazer. Mas vós tende-la em abundância.

Sem dúvida, a energia pode ser mal orientada. Pode ser usada para destruir, para fazer mal. Mas, em si, ela é indubitavelmente uma boa coisa. Significa o poder de fazer o bem, de fazer o bem em grande medida. E tenho confiança que usareis a vossa energia para o bem do vosso país, para o bem do mundo todo; que vós a usareis para bem de todos os vossos compatriotas, Irlandeses e Irlandesas, sem excepção, e para o bem dos vossos irmãos e irmãs, residentes noutros países, que podem precisar do auxílio material ou espiritual que vós lhes presteis.

Desejo que vós todos venhais a ser as melhores e as mais vincadas personalidades que seja possível. Desejo que desenvolvais plenamente as imensas possibilidades que Deus vos deu, quando vos fez à Sua própria imagem. Não tenhais medo. Não vos satisfaçais com a mediocridade. "Fazei-vos ao largo, e lançai as redes para a pesca", como Jesus disse a Pedro (cf. Lc Lc 5,4). Sob a orientação de Jesus e com a Sua ajuda, também vós podeis realizar maravilhas, precisamente como fez Pedro.

Uma vez mais vos asseguro da minha confiança, como juventude da Irlanda, e asseguro-vos do meu amor por vós. Dou graças a Deus pelo que sois e peço-Lhe vos abençoe. É talvez mais fácil exultar de alegria. Sei que vós, Irlandeses e Irlandesas estais também sofrendo. Cada dia peço pelo vosso país, pela vossa pátria, pelos vossos irmãos e irmãs, por cada Irlandês e Irlandesa. Agradeço-vos cordialmente a vossa vinda. É a primeira visita que recebo depois de ter sofrido no hospital. "Moladh go deo le Dia. Beannacht Dé oraibh go léir".



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS PEREGRINOS IRLANDESES


Vila Barberini

Castel Gandolfo, 27 de Agosto de 1981



Caros amigos, irmãos e irmãs em Nosso Senhor Jesus Cristo

Não poderia deixar que partísseis sem vir de novo encontrar-me convosco, sem passar ao menos alguns momentos na vossa companhia. Desejo garantir-vos uma vez mais o meu amor por vós, e a esperança e confiança que deposito em vós e em toda a juventude da Irlanda. O futuro pertence-vos, e agora estais na altura de tomar as mais importantes decisões para o vosso próprio futuro e para o futuro dos outros.

Gerardo e Mona assumiram hoje um compromisso recíproco e quanto ao futuro. Desejo-lhes todas as bênçãos na vida que terão em comum. Sei que vós outros lhes desejais também todas as felicidades. Desejamos que eles sejam sempre capazes de pôr em prática, com o auxílio de Deus, o compromisso que tomaram hoje diante de Nosso Senhor e da Igreja. E estes nossos desejos, vossos e meus, dirigem-se também a todos os demais entre vós, que nos próximos anos virão a tomar o mesmo compromisso.

Há poucas decisões que afectem o futuro em medida comparável ao compromisso que tomais no casamento. Quando prometeis amor, fidelidade e virtude no casamento, fazeis mais do que confirmar o que está nos vossos jovens corações no momento presente: lançais os fundamentos para a sociedade vitalícia e para a família; e o futuro da Igreja e da sociedade civil dependerá grandemente do que estiver construído sobre esses fundamentos.

Em Limerick eu disse: "O verdadeiro amor e a graça de Deus não podem nunca deixar o casamento tornar-se uma relação egoísta de dois indivíduos". O verdadeiro amor é altruísta. Não consiste em procurar-se cada um. Assegura o mais pleno respeito pela dignidade pessoal dos outros, pela inviolabilidade de cada vida humana, e pela sacralidade do modelo que Deus imprimiu na natureza humana, quando fez o homem, varão e mulher, e confiou a seres humanos a missão de cooperar no trabalho divino da criação.

Com o auxílio da graça de Deus quero assegurar a todos que é o verdadeiro amor que determinará o futuro para vós, para as vossas futuras famílias, para o vosso país e para a Igreja. O verdadeiro amor e não a procura de si mesmo ou a busca do prazer. Sois o sal da terra, a luz do mundo. De que utilidade é o sal que está insípido? De que utilidade é a luz que se encontra demasiado frouxa? Faço votos por que todos vós sejais o melhor sal, a mais brilhante luz possível para o futuro. Desejo que façais o mundo mais conforme com o que Deus almeja que ele seja. Conto convosco para o fazerdes assim. Tenho confiança em vós.

No regresso levai estas minhas palavras aos vossos companheiros na Irlanda. Dizei-lhes que tenho confiança em vós todos, que vos amo a vós todos. Seja Cristo sempre a vossa inspiração e a vossa força. E acompanhe-vos a intercessão da Sua Mãe em tudo o que fizerdes, "Faoi bhrat Mhuire sibh. Go raibh Críost ár dTiarna libh i Gcónaí".



                                                  Setembro de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS DOENTES


E DEFICIENTES VINDOS DE VERONA


Castel Gandolfo, 17 de Setembro de 1981





1. Como exprimir a alegria que me causa a vossa visita, caríssimos Irmãos e Irmãs, vindos de Verona acompanhados do vosso Bispo, D. Giuseppe Amari, para me trazerdes o testemunho do vosso afecto e da vossa devoção?

Sou-vos grato por este gesto de cordial adesão, que suscita no meu ânimo um eco vivo e profundo. Saúdo-vos um a um e convosco saúdo, além dos vossos familiares, os sacerdotes e os fiéis das Comunidades paroquiais que vos acompanharam e vos prestam com solicitude a sua assistência. O meu pensamento estende-se também a todas as outras pessoas deficientes e enfermas da diocese de Verona, que não puderam unir-se à vossa peregrinação, mas que certamente estão aqui presentes com o seu afecto e a sua oração.

A todos quero manifestar a alta consideração com que a Igreja olha para a vossa condição e o grande valor por ela atribuído ao contributo, que podeis dar à sua acção para o advento do Reino de Deus no mundo.

2. Soube com aprazimento que a vossa diocese, em relação ao Ano Internacional da Pessoa Deficiente, sugerido pela ONU, programou uma série de iniciativas no sentido de favorecer a inserção na vida social e paroquial de quantos estão impedidos por qualquer forma de deficiência.

Ao exprimir o meu apreço por esta concreta demonstração de sensibilidade humana e cristã, desejo reafirmar o princípio inspirador de toda a acção da Igreja neste campo e, também, que o deficiente é uma pessoa humana a pleno título, cujos direitos inatos permanecem sagrados e invioláveis.

É preciso, portanto, que se favoreça, quanto possível, a sua inserção no contexto vivo das relações sociais, uma vez que toda a marginalização não pode senão incidir negativamente sobre a sua maturidade e sobre a realização das potencialidades, muitas vezes bastante ricas, das quais é porta-voz.

A Comunidade eclesial deve, com a palavra e acção, dar testemunho desta convicção, que é reforçada pela luz da fé. Em toda a pessoa, de facto, a fé ensina a ver a imagem de Deus, a qual resplende luminosa por detrás do véu que a deficiência possa ter estendido sobre ela. Pertence portanto à pessoa, em qualquer caso, o primado sobre outros valores, em particular sobre aqueles de ordem económica.

3. Estou certo de que a diocese de Verona, renovando as tradições de cristã solicitude pelos necessitados, em que sempre se destaca, saberá planejar adequadas formas de intervenção para superar o funcionamento, em que se vêem muitas vezes confinadas as pessoas deficientes e as suas famílias. Graças à generosidade de todos, a solidão será substituída pela participação e o resultado será um enriquecimento recíproco e comum crescimento, do qual brotará uma alegria maior para cada um.

Espero e desejo que a Audiência de hoje venha, a dar novo impulso ao compromisso que toda a diocese assumiu no seu plano pastoral, suscitando, tanto nas pessoas deficientes como nas que se encontram de boa Saúde, a vontade de buscar novas formas de encontro e de colaboração.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, longo caminho se abre diante de vós: empreendei-o com confiança. Caminha convosco o Senhor, que desejou identificar-se com toda a pessoa necessitada e que sofre.

Ao invocar sobre vós e sobre os vossos bons propósitos a constante assistência divina, de bom grado concedo a todos vós a propiciadora Bênção Apostólica, extensiva cordialmente aos vossos familiares e a todas as pessoas doentes, que ao voltar encontrareis nas vossas paróquias. Nossa Senhora vos acompanhe e proteja sempre!

                            

                                                          Outubro de 1981



RADIOMENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


NA VIGÍLIA FRANCISCANA


POR OCASIÃO DA ABERTURA DO VIII CENTENÁRIO


DO NASCIMENTO DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS


Sexta-feira, 2 de Outubro de 1981



Caros Irmãos e Irmãs

A vós todos que estais reunidos na Basílica de São Pedro, e a vós que fostes à Catedral de Assis para uma especial vigília de oração e de reflexão, que deseja ser o primeiro acto das solenes celebrações do oitavo Centenário do nascimento do grande santo e filho da Igreja, Francisco, é-me grato dirigir a minha palavra de saudação e de encorajamento, assegurando-vos a minha espiritual participação.

Sei que em São Pedro estão reunidos mais de cinco mil Frades de todo o mundo, pertencentes às quatro famílias franciscanas, aos quais se une um grande número de jovens Religiosas de Institutos Femininos, de jovens membros da Ordem Franciscana Secular e de muitos grupos juvenis de inspiração franciscana, enquanto na Catedral de Assis, onde Francisco se ajoelhou e rezou, numeroso povo se reúne sob a presidência do Bispo.

Com estas palavras quero dirigir-me, em primeiro lugar, aos jovens, pois precisamente para eles foi organizado um Capitulo Mundial da Juventude Franciscana, que se conclui em Assembleia orante junto do túmulo do Príncipe dos Apóstolos, pedra fundamental da grandiosa construção eclesial: "Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16,18).

A mensagem do Seráfico Frei Francisco, porque profundamente evangélica, é ainda hoje eloquente e rica de ensinamentos. Neste momento é sobretudo um aspecto que desejo submeter à vossa reflexão: o do grande amor pela Igreja, Corpo Místico de Cristo, que se confundia no Santo com aquele do próprio Cristo. O filho de Pietro Bernardone foi homem de Igreja, dedicou-se à Igreja, e pela Igreja, que ele nunca separou do Cristo Senhor, e empenhou , também na dor, todas as mais íntimas palpitações da alma, confirmado nisto pelo apelo do Crucifixo de São Damião: "Vá, e restaure a minha casa". Tal amor caracterizou a sua vocação de reformador e antes ainda aquela de convertido, de homem novo.

É bem conhecido que nos tempos em que teve início o seu testemunho e o do seu movimento, predominavam heresias eclesiais, sempre antigas e sempre novas, que, pretendendo inspirar-se no primordial; introduziam divisões e cismas, opunham o Evangelho à Igreja hierárquica e à sua autoridade, e, apoiando-se numa interpretação subjectiva da Sagrada Escritura, instauravam um livre exame, invocado antes ainda de se apresentar com este preciso nome.

Ora, o carisma e a missão profética de Frei Francisco foram os de mostrar concretamente que o Evangelho está confiado à Igreja e deve ser vivido e encarnado primeiro e exemplarmente na Igreja e com o assentimento e o apoio da própria Igreja. Ele, no silêncio de uma humildade obediente, realizou a luminosa imagem do homem redimido, que desafiou os séculos.

Cristo confiou à Igreja a continuidade da sua obra de redenção, e ainda que a influência desta obra passe além dos confins da Igreja visível, para atingir aqueles da humanidade inteira, inspirando e sustentando todos os válidos e autênticos impulsos de amor e de doação, cabe à Igreja mesma, e portanto aos seus filhos, ser consciente sinal de salvação como afirma com incisivas palavras o Concílio: "Cristo... por meio do Espírito vivificador constituiu o Seu Corpo, que é a Igreja, como sacramento universal de salvação: sentado à direita do Pai, actua continuamente no mundo para conduzir os homens à Igreja, e por ela os unir mais estreitamente a Si e... os tornar participantes da sua vida gloriosa" (Lumen Gentium LG 48).

O mistério da salvação é-nos revelado, é continuado e realizado na Igreja (cf. Apostolicam Actuositatem AA 2 Presbyterorum Ordinis PO 22 Gaudium et Spes GS 40), e desta genuína e única fonte atinge, como água "humilde, útil, preciosa e casta", o mundo inteiro. Trata-se, caros jovens e fiéis, de estar consciente, de compenetrar-se, como Frei Francisco, desta fundamental verdade revelada, encerrada na frase consagrada pela tradição: "Fora da Igreja não há salvação". Só dela, de facto, brota segura e plenamente a força vivificadora destinada, em Cristo e no seu Espírito, a renovar toda a humanidade, e a convocar por isso cada homem a participar do Corpo Místico de Cristo.

Recusando, portanto, toda critica superficial, motivada frequentemente pela própria interpretação, é necessário renovar em profundidade uma responsável solicitude, que se configura numa dúplice vertente.

Por um lado, sois chamados a dar testemunho corajoso de Cristo, precisamente em virtude da vossa profissão franciscana, mediante uma dócil fidelidade à Igreja, assegurando filial obediência e colaboração aos vossos Pastores e procurando o inserimento mais adequado do vosso apostolado na missão e, por conseguinte, na pastoral das vossas igrejas locais. Por outro lado, deveis propor-vos incrementar uma válida resposta às necessidades, às aspirações e aos desafios cruciais, com que a realidade do próximo mais necessitado interpela a vossa acção evangelizadora de jovens e de filhos de Francisco de Assis.

As tarefas são vastas e urgentes; invoquemos juntos a coragem e o amor que animaram o "Poverello" de Assis. O oitavo centenário do seu nascimento seja estimulo para viver intensamente os ideais que ele ainda hoje aponta à humanidade, tão necessitada de salvação. Sobre os vossos propósitos, sobre o vosso empenho invoco a assistência do Senhor ao mesmo tempo que, nesta noite abençoada, repito convosco a oração que brotou da minha alma quando, poucos dias após a minha eleição para o pontificado, me dirigi a Assis para rezar junto do Seráfico Pai.

"Ajuda-nos, São Francisco de Assis, ajuda-nos a aproximar Cristo da Igreja e do mundo de hoje. Tu, que sintonizaste o Teu coração com o dos teus contemporâneos, ajuda-nos, com o coração vizinho ao coração do Redentor, a abraçar as alternativas dos homens da nossa época. Os difíceis problemas sociais, económicos e políticos, os problemas da cultura e da civilização contemporânea, todos os sofrimentos do homem de hoje, as suas dúvidas, as suas negações, as suas debandadas, as suas tensões, os seus complexos, as suas quietações... Ajuda-nos a traduzir tudo isto em simples e frutuosa linguagem do Evangelho. Ajuda-nos a reduzir tudo a categorias evangélicas, de maneira que possa ser Cristo 'Caminho, Verdade e Vida' para o homem nosso contemporâneo" (Visita à Basílica de São Francisco em Assis, 5 de novembro de 1978; Ensinamentos de João Paulo II, 1978, p. 158).

Acompanho-vos com a minha Bênção.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA


ACADEMIA DAS CIÊNCIAS


Sala dos Suíços, Castel Gandolfo

Sábado, 3 de Outubro de 1981



Senhor Presidente
Senhores Académicos
Senhoras e Senhores

1. O programa dos trabalhos que o vosso Presidente apresentou, e do qual eu já tinha conhecimento antes deste encontro, mostra a grande vitalidade da vossa Academia, o seu interesse pelos problemas mais agudos da ciência contemporânea e pelo serviço da humanidade. Já tive ocasião de vos dizer, por ocasião de outra sessão solene, quanto a Igreja estima a ciência pura: é — dizia eu — "um bem, digno de ser muito amado, por que ela é conhecimento e portanto perfeição do homem na sua inteligência... Deve ela ser honrada por si mesma, como parte integrante da cultura" (Discurso à Pontifícia Academia das Ciências, 10 de Novembro de 1979).

Antes de abordar os problemas sobre os quais já discutistes nestes dias, e os que vos propondes agora estudar, permiti-me que agradeço calorosamente ao vosso ilustre Presidente, o Professor Carlos Chagas as felicitações que se aprouve exprimir-me em nome da vossa Assembleia, por eu ter reencontrado as minhas forças físicas, graças à misericordiosa Providência divina e à competência dos médicos que me trataram. E sinto-me feliz em aproveitar esta ocasião para manifestar a minha particular gratidão aos Senhores Académicos que, de todas as partes do mundo, me dirigiram os seus bom votos e asseguraram as suas orações.

2. Durante esta Semana de estudos, debruçais-vos sobre o problema da "Cosmologia e física, fundamental", com a participação de sábios do mundo inteiro, desde as duas Américas até à Europa e à China. Este assunto relaciona-se com temas já tratados pela Pontifícia Academia das Ciências ao longo da sua história prestigiosa. Quero referir-me aqui às sessões sobre os micro-sismos, sobre as multidões estelares, sobre as radiações cósmicas, sobre os núcleos das galáxias, sessões que se realizaram sob a presidência do Padre Gemelli, de Monsenhor Lemaitre, e também do Padre O'Connel ao qual dirijo os meus votos mais fervorosos pedindo ao Senhor o assista na sua provada saúde.

A cosmogonia e a cosmologia sempre suscitaram grande interesse nos povos e nas religiões. A própria Bíblia nos fala da origem do universo e da sua constituição, não para nos fornecer um tratado científico mas para precisar as justas relações do homem com Deus e com o universo. A Sagrada Escritura quer simplesmente declarar que o mundo foi criado por Deus, e para ensinar esta verdade exprime-se com os termos da cosmologia usados no tempo de quem escreveu. O livro sagrado quer além disso dar a saber aos homens que o mundo não foi criado como residência de deuses, como ensinavam outras cosmogonias e cosmologias, mas que foi criado ao serviço do homem e para a glória de Deus. Todos os outros ensinamentos sobre a origem e a constituição do universo são estranhos às intenções da Bíblia: esta não quer ensinar como foi feito o céu, mas como se vai para o céu.

Todas as hipóteses científicas sobre a origem do mundo, como a de um atómo primitivo de onde derivaria o conjunto do universo físico, deixam em aberto o problema relativo ao início do universo. A ciência, não pode por si mesma resolver tal questão: é necessário este saber do homem que se eleva acima da física e da astrofísica e a que se chama metafisica; é preciso sobretudo o saber que vem da revelação de Deus. Há 30 anos, a 22 de Novembro de 1951, o meu predecessor, o Papa Pio XII, ao falar do problema da origem do universo, durante a Semana de estudos sobre o problema dos micro-sismos organizada pela Pontifícia Academia das Ciências, exprimia-se deste modo: "Em vão se aguardará uma resposta das ciências da natureza, que pelo contrário declaram lealmente encontrar-se perante um enigma insolúvel. É igualmente certo que o espírito humano versado na meditação filosófica penetra mais profundamente no problema. Não se pode negar que um espírito iluminado e enriquecido pelos conhecimentos científicos modernos, e que enfrenta com serenidade este problema, é levado a quebrar o círculo de uma matéria totalmente independente e autónoma — porque ou incriada ou tendo-se criado ela mesma — e a elevar-se a um Espírito criador. Com o mesmo olhar límpido e crítico com que examina e julga os factos, entrevê e reconhece a obra da Toda-Poderosa criadora, cuja virtude, suscitada pelo poderoso 'fiat' pronunciado há biliões de anos pelo Espírito criador, se manifestou no universo, chamando à existência, num gesto de generoso amor, a matéria transbordante de energia".

3. Regozijo-me vivamente, Senhores Académicos, pelo tema que escolhestes para a vossa Sessão plenária que tem início precisamente hoje: "O impacto da biologia molecular sobre a sociedade". Aprecio as vantagens que advêm — e que podem advir ainda — do estudo e das aplicações da biologia molecular, completada por outras disciplinas como a genética e a sua aplicação tecnológica na agricultura e na indústria, e também, como se julga, para o tratamento de diversas doenças, algumas das quais de carácter hereditário.

Tenho inabalável confiança na comunidade científica mundial, e de modo muito particular na Pontifícia Academia das Ciências, certo de que graças a elas o progresso e as pesquisas biológicas, como de resto todas as outras pesquisas científicas e a sua aplicação tecnológica, se realizarão no pleno respeito das normas morais, salvaguardando a dignidade dos homens, a sua liberdade e a sua igualdade. É necessário que a ciência seja sempre acompanhada e controlada pela sabedoria que pertence ao património espiritual permanente da humanidade, e que se inspire no desígnio de Deus inscrito na criação antes de ser em seguida anunciado pela sua Palavra.

Uma reflexão que se inspire na ciência e na sabedoria da comunidade científica mundial deve iluminar a humanidade sobre as consequências — boas e más — da pesquisa científica, e de modo especial da que diz respeito ao homem, a fim de que, por um lado, não se permaneça em posições anticulturais que atrasam o progresso da humanidade, e que por outro lado não se ofenda o que o homem tem de mais precioso: a dignidade da sua pessoa, destinada a um verdadeiro progresso na unidade do seu ser físico, intelectual e espiritual.

4. Outro assunto deteve nestes dias a atenção de alguns de entre vós, sábios eminentes de diversas partes da terra convocados pela Pontifícia Academia das Ciências: é o das doenças parasitárias que afligem os países mais pobres do mundo e são grave obstáculo para a promoção do homem no quadro harmonioso do seu bem-estar físico, económico e espiritual. Os esforços envidados para eliminar o mais possível o flagelo provocado nelas doenças parasitárias, em boa parte da humanidade, são inseparáveis dos que é preciso empreender em favor do desenvolvimento sócio-económico das mesmas populações. Os homens têm normalmente necessidade de uma saúde estável e de um mínimo de bens materiais para poderem viver dignamente segundo a sua vocação humana e divina. É por isto que Jesus Cristo rodeou de amor infinito os doentes e os enfermos, e curou miraculosamente algumas das doenças de que vos ocupastes nestes últimos dias. O Senhor inspire e assista a actividade dos sábios e dos médicos que dedicam as suas pesquisas e a sua profissão ao estudo e às exigências das enfermidades humanas, especialmente das mais graves e mais humilhantes!

5. Ao lado do tema das doenças parasitárias, a Academia tratou o problema de uma calamidade de amplitude e gravidade catastróficas, que poderia atingir a saúde da humanidade se viesse a rebentar um conflito nuclear. Além da morte de boa parte da população mundial, um conflito nuclear poderia provocar efeitos incalculáveis sobre a saúde das gerações presentes e futuras.

O estudo pluridisciplinar que vos aprestais a realizar não poderá deixar de constituir para os Chefes de Estado um apelo às suas imensas responsabilidades e de suscitar na humanidade inteira uma sede cada vez mais ardente de concórdia e de paz: esta aspiração vem do mais profundo do coração humano, e também, da mensagem de Cristo que veio trazer a paz aos homens de boa vontade.

Em virtude da minha missão universal, quero fazer-me ainda mais uma vez intérprete do direito do homem à justiça e à paz, e da vontade de Deus, que deseja ver salvos todos os homens. E renovo o apelo que lancei em Hiroxima, em 25 de Fevereiro passado: "Tomemos agora uma solene decisão, que a guerra não seja nunca mais tolerada (e ainda menos procurada) e considerada como meio para resolver as divergências. Prometamos aos nossos semelhantes que nos dedicaremos infatigavelmente ao desarmamento e à abolição de todas as armas nucleares. Substituamos a violência e o ódio pela confiança e o interesse".

6. Entre os esforços a realizar pela paz da humanidade, há o que tem em vista garantir a todos os povos a energia necessária para o desenvolvimento pacífico deles. A Academia ocupou-se deste problema durante a Semana de estudos do ano passado. Sinto-me feliz por hoje poder reconhecer a Medalha de ouro Pio XI a um sábio que, de modo notável contribuiu, com as suas pesquisas no campo da fotoquímica, para a utilização da energia solar, Trata-se do Professor Jean-Marie Lehn, do Colégio de França e da Universidade de Estrasburgo, ao qual exprimo as minhas vivas felicitações.

A todos vós, Senhores, dirijo as minhas sinceras congratulações pelo trabalho que realizais na pesquisa científica. Peço a Deus Todo-Poderoso vos abençoe, a vós, às vossas famílias, a todos aqueles que vos são queridos, aos vossos colaboradores e a toda a humanidade em favor da qual, por caminhos diversos mas convergentes, vós e eu cumprimos a missão que nos foi confiada por Deus.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA V ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS LEIGOS


Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Segunda-feira, 5 de Outubro de 1981



Caros amigos do Pontifício Conselho para os Leigos

1. É sempre para mim grande alegria receber-vos por ocasião da vossa Assembleia plenária anual, a vós todos, membros, consultores e pessoal do secretariado, reunidos como uma família à volta do vosso presidente, o Cardeal Opílio Rossi. Poderia eu mesmo dizer que nos encontramos como "velhos amigos", pois, há ainda poucos anos — embora nos pareça que se trata unicamente do passado — eu era consultor do Conselho dos Leigos. Hoje diviso entre vós rostos bem conhecidos. Pelo contrário, outras pessoas com quem trabalhámos e das quais conservámos uma lembrança muito querida, precederam-nos na casa do Pai, onde, assim esperamos, contemplam o Senhor face a face. E depois estais vós todos, que eu trago igualmente no meu coração e que a vossa Assembleia me dá cada ano ocasião de conhecer melhor.

Desejaria, primeiro, agradecer a vós todos o precioso serviço que prestais ao sucessor de Pedro colaborando, de maneira específica, no seu ministério pastoral, isto é promovendo e orientando a participação dos leigos na vida e na missão da Igreja. Trata-se nisto de uma tarefa imensa que nos legou o grande acontecimento conciliar: permitir a um número sempre crescente de cristãos comprometerem-se a viver, de maneira consciente e coerente, o seu sacerdócio de baptizados, como pedras do edifício eclesial, membros do Corpo de Cristo, cidadãos e protagonistas do seu povo peregrino.

Agradeço-vos igualmente e, por meio de vós, agradeço a todos os movimentos e associações, aos conselhos e aos grupos de Leigos do mundo inteiro que, por intermédio do Pontifício Conselho para os Leigos, me enviaram tão numerosas e calorosas mensagens de participação na minha prova. Estas mensagens foram para mim de grande conforto. Em troca, encarrego-vos de dizer aos vossos esposos e às vossas esposas, aos vossos filhos, aos vossos colegas de trabalho, aos membros das associações e dos movimentos a que pertenceis e aos membros das comunidades em que viveis, que o Papa os ama, lhes pede que estejam unidos a ele, e precisa desta unidade expressa na oração e na partilha de intenções comuns.

Sim, mais que nunca devemos dar o testemunho da nossa unidade profunda e inabalável numa Igreja, serena e mais adulta, firme e viva, alegre e cheia de esperança, diante das tarefas elevadas que a evangelização exige e diante dos desafios históricos que deve enfrentar, quando esta Igreja caminha entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus.

2. Quisestes centrar o tema da Assembleia plenária do Dicastério sobre aspectos particulares da vocação primordial dos leigos cristãos, quer dizer, "a gerência das coisas temporais que eles ordenam segundo Deus" (Lumen gentium LG 31), a impregnação pelo espírito evangélico das múltiplas estruturas da vida social.

Já o meu predecessor Paulo VI, na sua notável exortação apostólica Evangelii nuntiandi, sublinhara, na linha do Concílio, que a "vocação específica" e a "forma singular de evangelização" do laicado se realizavam por meio das tarefas variadas desempenhadas na ordem temporal, a fim de pôr "em execução... todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e activas nas coisas do mundo" (n. 70). Há nisso uma urgência: o laicado católico deve estar à altura das exigências que requer, pela sua presença original, a renovação dos diversos campos da vida e do trabalho humano.

No coração das situações e dos problemas em que se joga o futuro do homem, ele deve, em particular, ser a testemunha de uma humanidade nova, criar novos espaços em que se possa fazer a experiência da fraternidade, alimentar a sua imaginação criadora com o dinamismo do Evangelho, dar o exemplo do sacrifício generoso — comportando o difícil equilíbrio entre prudência e coragem — dos que se debatem para abrir a Cristo, Senhor da história, as portas do coração do homem, da cultura dos povos, do futuro das nações e de uma nova ordem internacional. A Igreja precisa de leigos que sejam arautos do Evangelho, a fim de que este penetre o tecido inteiro da vida social, lhe constitua a trama, que é base da "civilização do amor", ela própria sinal precursor da vinda do Senhor, e portanto da plenitude do Reino.

E assim, esperemos nos Leigos, tenhamos confiança neles e animemo-los a comprometerem-se, de maneira que seja ultrapassada certa visão deformada do sacerdócio que obscurece o sentido do ministério pastoral, quando o sacerdote sucumbe à tentação de se tornar um chefe no plano político, sindical ou social.


Discursos João Paulo II 1981 - Terça-feira, 21 de Julho de 1981