Discursos João Paulo II 1981 - Tóquio, 24 de Fevereiro de 1981


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM OS JOVENS JAPONESES


Tóquio, 24 de Fevereiro de 1981



Caros jovens

1. Este é momento muito especial. para mim: estar aqui com todos vós em Tóquio. No passado senti a alegria — imensa alegria — de encontrar-me com os jovens da Europa, da América do Norte e do Sul, e da África. E agora, durante esta viagem à Ásia, tenho a alegria de me encontrar com a juventude do Japão.

Aonde quer que vá, desejo falar com os jovens, sobre eles e sobre o significado da vida que levam. Isto é o que desejo fazer convosco hoje: falar da vossa finalidade na vida — da finalidade para que viveis; do vosso destino do lugar para onde vos estais encaminhando.

2. Viveis, caros jovens, no meio de um maravilhoso progresso num mundo tecnológico. Recebestes muitas coisas boas na vossa vida, coisas que podem tornar a mesma vida mais fácil, mais interessante e mais agradável. Mas este grande progresso não traz por si só contentamento; não cria por si só paz profunda nos vossos corações. Sim, o materialismo, o permissivismo e o egocentrismo, que tantas vezes acompanham o progresso moderno, tentam invadir a vossa vida e há sempre a possibilidade de eles sufocarem os vossos valores morais espirituais — aqueles valores que trazem real e definitiva satisfação.

3. Como juventude, é importante que tenhais uma visão do mundo e da pessoa humana na sua totalidade. É o nobre papel de uma educação genuína, que vos dá esta visão completa, quando toda a natureza é contemplada na sua beleza e bondade, como reflexo real de Deus Criador. Mas para vós isto não será difícil, porque todos sabem quanto amais a natureza, quanto amais as vossas montanhas, os vossos lagos, as vossas florestas variegadas e a beleza dos vossos jardins. Todos sabem quanto desejais ter uma casa — por pequena que seja — em que possais plantar árvores e muitas flores. E vós jovens, que estudais e trabalhais nas grandes cidades mas viveis em aldeolas, desejais sempre voltar a casa na Primavera, quando as flores desabrocham, e no Outono, quando a natureza se tinge de vermelho. Deste modo e de outros, quereis experimentar íntimo contacto com a natureza; quereis conservá-la incontaminada e protegê-la de possíveis danos.

Uma visão total da natureza e do homem convida-vos a ter grande abertura para com o próximo, para com aqueles que vivem perto de vós, os vossos compatriotas e todos os povos de além-mar. Toda a juventude do mundo é chamada à solidariedade universal. Por este motivo, como jovens deveis ocupar-vos do pobre, do necessitado, do faminto, do inválido, do doente e do que sofre, de todos aqueles que vivem nas margens da sociedade. Onde quer que possam encontrar-se, são todos irmãos vossos e irmãs, na família humana.

Tendes já feito muito para contribuir para a edificação de um mundo mais solidário em que o bem-estar esteja difundido entre todos, e os sacrifícios sejam suportados em conjunto. Mas há ainda pontes para construir; pontes de amizade e fraternidade; pontes de justiça, de amor e paz. Muitos irmãos vossos e irmãs têm ainda necessidade da vossa palavra de ânimo, do vosso auxílio e do vosso apoio no decorrer do caminho da vida.

4. Compreender este vosso papel quanto ao próximo, é parte do que significa ver a vida e o homem na sua totalidade. Podeis ver que uma autêntica satisfação se consegue dando-se as pessoas a si mesmas e quanto este dar é completo. Só assim se encontram a satisfação e a alegria do viver. Ajudando os outros que estão em necessidade, tornais-vos para eles fonte e sinal de esperança. Entretanto, o aborrecimento, o desânimo e até o desespero podem ser afastados pela força da esperança que se desprende dos outros. Esta, é a missão da juventude do hoje: enfrentar em conjunto os desafios da vida, sentirmo-nos responsáveis uns pelos outros e permanecermos unidos no esforço para alcançar as finalidades da vida — assim como os escaladores estão impacientes por alcançar o cume da montanha.

Jovens do Japão, elevai o vosso olhar, hoje e sempre, para a beleza das vossas montanhas e a demais natureza, mas sobretudo para o Criador, cuja beleza e grandeza são manifestadas em toda a criação e particularmente no homem. O vosso olhar e a vossa admiração não devem deter-se nas criaturas, mas devem escutar as suas vozes que a cada um de vós gritam, assim como as ouviu dizer há séculos o famoso Agostinho de Hipona: "Olha para nós.., somos as criaturas Suas" (Santo Agostinho, Confissões, 10, 6).

5. Com vossa licença, desejaria nesta altura acrescentar uma palavra especial para todos os meus irmãos e irmãs da Igreja Católica; esta palavra: em Jesus Cristo, que nós reconhecemos como Filho de Deus feito homem, gerado pela Virgem Maria, vemos a perfeição da humanidade e toda a beleza da manifestação de Deus no inundo. É Cristo que nos revela, na Sua plenitude, o significado do mundo, a dignidade e o destino do homem. É através da fidelidade à mensagem de Jesus — Seu ensinamento e amor fraterno — que podemos prestar o serviço supremo aos nossos irmãos e irmãs, Não esqueçamos nunca as simplicíssimas palavras de Jesus que estão escritas para nós no Evangelho: "O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles" (Mt 7,12). De tal modo, trabalhando em sociedade com os jovens de todas as nações, com todos os vossos compatriotas e com os vossos semelhantes, tereis uma finalidade e um destino na vida, e sereis capazes de criar nova ordem, de harmonia e de paz, de justiça e de amor.

Caros jovens do Japão, tendo plena confiança em vós, exorto-vos a que vençais toda a tentação de egoísmo, a que abrais os vossos corações aos valores transcendentes e ao mundo inteiro. E, juntamente com todos os outros jovens da terra, edificai o mundo de amanhã. Sim, caros jovens do Japão, com a ajuda de Deus, o futuro pertence-vos. O futuro é vosso!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES


DE RELIGIÕES NÃO CRISTÃS


Nunciatura de Tóquio

Terça-feira, 24 de Fevereiro de 1981



Estimados amigos

1. Honrastes-me vindo pessoalmente ao meu encontro, durante esta minha breve mas intensa visita ao vosso país, de incomparável beleza em todas as suas partes, beleza que manifesta a divina presença oculta em cada criatura visível. E, nas virtudes de cortesia e de bondade, de discreta gentileza e de força, inculcadas pelas vossas tradições religiosas, encontro ainda mais os frutos do Espírito Divino que segundo a nossa fé é "um amigo dos homens", "enche o universo", "tendo unidas todas as coisas" (Sg 1,6-7).

Por conseguinte, dirijo-me a vós com as mesmas palavras que foram usadas por São Paulo, o primeiro grande peregrino e pregoeiro universal da fé cristã: "Temo-vos falado francamente... o nosso coração está todo ele aberto para vós. Não é estreito o lugar que nele tendes" (2Co 6,11-12). Vós conheceis os sentimentos expressos pela Igreja católica, especialmente pelo Concílio Vaticano II, a respeito das grandes tradições religiosas da humanidade, tradições de que sois os eminentes representantes no Japão. Bem conheceis estes sentimentos, dado que verificastes a sua manifestação, e a mais recente prova é a minha presença hoje no meio de vós. Até mesmo antes do Concílio Vaticano II, a Igreja católica manifestou as suas atenções por vós. A partir do Concílio, graças aos dignos esforços de muitas pessoas e organismos, inclusive o Secretariado para os Não-Cristãos em Roma, as relações entre nós foram de tal modo desenvolvidas e intensificadas que se pode dizer que vós, hoje aqui presentes, estivestes quase todos no Vaticano — até mais de uma vez — para vos encontrar com o meu predecessor Paulo VI ou comigo. Agradeço-vos por estas visitas, e este encontro tem igualmente o significado de ser um modo de as retribuir.

2. É uma alegria, como também um dever para mim, recordar a vibrante e afável figura do falecido Cardeal Sérgio Pignedoli e o seu grande amor por vós, e que retribuistes com afecto e cortesia. Estou certo de que ele está espiritualmente connosco neste momento. Devo ainda exprimir-vos a minha gratidão, porque demonstrais tanta estima pela Igreja católica no Japão e a vossa disponibilidade a trabalhar juntamente com ela, e é-me grato que os católicos, por sua vez, colaborem activamente convosco.

3. Que pode dizer-vos o Papa, vindo de Roma, na sua primeira visita a este nobre país do Oriente? Vós sois os herdeiros e os guardiões de uma venerável sabedoria. Esta sabedoria inculcou no Japão e no Oriente altos níveis de vida moral. Ensinou-vos a venerar o "coração puro, límpido e honesto" (akaku, kiyiku, naoki, kokoro). Inspirou-vos a divisar a divina presença em todas as criaturas, e especialmente em todos os seres humanos. Instilou-vos "a abnegação e o serviço aos outros como ápice da amizade e da compaixão", para usar as palavras do vosso grande mestre Saicho. Ser-me-ia necessário muito tempo para elencar todos os valores espirituais, cujos guardiães e mestres sois vós. Como chefe espiritual da Igreja católica, como discípulo de Cristo e como seu Vigário, exprimo-vos a plenitude da minha alegria porque Deus reservou esses dons para vós e porque os manifestastes com plena e delicada liberdade. As palavras da Bíblia são verdadeiras: a Sabedoria de Deus percorreu a abóbada celeste e caminhou para o fundo dos abismos. Sobre as ondas do mar e sobre toda a terra, sobre todos os povos e nações exerceu o domínio (cf. Ecli Si 24,5-6), "achando as suas delícias junto dos filhos dos homens" (Pr 8,31). Portanto, os cristãos sentem como especial obrigação aplicar as palavras de Jesus que diz: "Quem não é contra nós é por nós" (Mt 9,40 cf. Lc Lc 9,50).

4. Sim, realmente em muitas coisas estais já connosco. Mas, nós cristãos, devemos também dizer que a nossa fé é Jesus Cristo: é Jesus Cristo que nós proclamamos. Diremos ainda mais, repetindo as palavras de São Paulo: "Julguei não dever saber coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado" (1Co 2,2). Jesus Cristo que igualmente ressuscitou para a salvação e a felicidade de toda a humanidade (cf. 1Co 15,20). Por isso, nós levamos o seu nome e a sua mensagem de alegria a todos os povos e, ao honrarmos sinceramente as suas culturas e tradições, convidamos respeitosamente a que O escutem e Lhe abram os seus corações. Quando entramos em diálogo, é para testemunhar o amor de Cristo ou, em termos concretos, "para promover a unidade e a caridade entre os homens e entre os povos, considerando sobretudo o que temos em comum e o que nos move ao cordial conhecimento entre nós" (cf. Nostra aetate NAE 1). A mensagem de Cristo, que é proclamada pela Igreja, está centralizada no amor pelo homem: este é o grande preceito de Cristo, a plenitude da perfeição. Por "homem" entendemos aquele que é o nosso próximo, a pessoa que é formada sob o coração da sua mãe.

5. Na nossa preocuparão pelo homem, nós cristãos estamos dispostos e prontos a colaborar convosco em defesa da dignidade humana, dos seus inatos direitos, da sacralidade da sua vida desde o seio materno, da sua liberdade e da sua autodeterminação a nível individual e a nível da sociedade, da sua educação moral e da primazia da sua dimensão espiritual. Como religiosos, devemos prestar particular atenção em promover cordiais relações sociais e em adoptar um estilo de vida caracterizado por pessoal sobriedade e sincero respeito para com a beleza do mundo em que vivemos. Este é mais que nunca o nosso dever hoje, quando a humanidade precisa de enfrentar as crescentes ameaças por parte de ideologias materialistas e de formas de industrialismo que poderiam privar o homem da sua dignidade. Sei que para este objectivo se deu início ao diálogo e à colaboração tanto no Japão como em Roma, entre a Igreja católica e os organismos religiosos que representais. E renovo o meu agradecimento pelo respeito e confiança, que manifestastes tão claramente para com o Papa e a Igreja católica no Japão. Da sua parte, a Igreja mediante o diálogo torna-se sempre mais católica — sempre mais universal — e isto está de acordo com a sua natureza e com a sua missão de proclamar e dar testemunho do amor de Cristo por todos os seres humanos.

6. Desejaria dizer mais, porém a linguagem humana é às vezes tão limitada e difícil. Contudo, sei que compreendeis o coração. E as aspirações dos nossos corações dirigem-se para o mesmo objectivo. E assim digo-vos: que o Espírito e o amor de Cristo estejam com todos vós!





VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES


DE OUTRAS CONFISSÕES CRISTÃS


Nunciatura de Tóquio

Terça-feira, 24 de Fevereiro de 1981



Caros irmãos Cristãos do Japão

Obrigado por terdes vindo como representantes das vossas Igrejas e Comunidades, para vos encontrar comigo. "A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós" (2Th 3,18).

1. O movimento ecuménico tornou-nos capazes de ver mais claramente neste tempo os vínculos que unem os Cristãos, mediante Cristo no Espírito Santo, numa única comunhão, embora incompleta devido às reais divisões existentes. Mas Deus, no seu desígnio de amor, chama-nos a uma unidade tão profunda quanto misteriosa, como a entre o Pai e o Filho. Cristo mesmo rezou pelos seus discípulos para que "sejam um, assim como Nós somos um" (Jn 17,22). De facto há "um só Senhor, uma só fé, um só baptismo" (Ep 4,5), que une todos os que foram justificados no baptismo da fé e estão incorporados em Cristo (cf. Unitatis Redintegratio UR 3).

2. Isto tem já importantes implicações práticas para as relações entre as nossas Igrejas e Comunidades, apesar das divisões. Em primeiro lugar, significa que devemos reconhecer-nos reciprocamente em Cristo, que deveremos considerar o sentido daquilo que fazemos nas nossas diversas Igrejas e Comunidades e concordar sobre as nossas respectivas responsabilidades de rezar e de nos encorajar mutuamente. Desde o momento em que agirmos assim, poderemos começar, com o auxílio da graça, a descobrir e a valorizar reciprocamente os valores da vida cristã, "tanto nos indivíduos como nas suas Comunidades e Igrejas" (Unitatis Redintegratio UR 3). Este apreço é obra da graça, mas é também aquilo que da nossa parte podemos favorecer. Às vezes haverá a ocasião para nos reunirmos ou agirmos juntos ao serviço do Evangelho.

3. Em primeiro lugar, somos chamados a rezar uns pelos outros e, em algumas ocasiões, também a rezar juntos, especialmente por que seja restabelecida a plena unidade entre nós. Esta oração é essencial para fazer convergir a atenção sobre o nosso único Senhor Jesus Cristo, que adoramos e a quem devemos dar fiel testemunho. Como ainda há importantes matérias de fé sobre as quais não chegámos todavia a um entendimento, é preciso que haja uma intensa oração pela reconciliação e pela completa unidade que Nosso Senhor quer para o seu povo. Quanto vos desejaria encorajar a empenhar-vos nisto por ocasião da anual Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, associando-vos em todas as partes do mundo num grande acto de intercessão que pode abrir corações e vidas à força de reconciliação de Cristo!

4. Numa tal atmosfera de oração, pode florescer o diálogo teológico e podemos enfrentar, em conformidade das nossas responsabilidades ecuménicas, aquelas difíceis questões que ainda nos mantêm separados. Além disso, a fervorosa prece iluminar-nos-á para vermos e dar-nos-á força para aproveitarmos as ocasiões que se nos apresentarem para um comum testemunho a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Todos os Cristãos do Japão em conjunto são ainda um pequeno número. No entanto, que esplêndida missão é a vossa, de procurar ser um fermento de amor entre as divergências da sociedade, para dar exemplo de altruísmo e proclamá-lo, com todos os outros valores do Evangelho, perante os valores materialistas do consumismo, para realçar a dignidade humana e o valor da pessoa humana contra tudo o que na sociedade moderna poderia diminuí-los. Com o sentido de solidariedade próprio dos Cristãos, que é conhecido em todo o mundo, tendes certamente uma especial habilidade para promover na vossa terra uma consciência da responsabilidade do Japão para com os muitos países e povos da Ásia, que se encontram numa posição menos favorável. Especialmente no diálogo com povos de outra fé, podem os Cristãos reunir-se para promover os valores religiosos e humanos. Entre as diversas tendências no meio das divisões existentes, vós podeis ser um fermento, uma semente de salvação.

5. São Paulo exortava o povo de Corinto: "escutai o meu apelo, tende o mesmo sentimento, vivei em paz e o Deus da paz estará convosco" (2Co 13,11). Ofereço-vos hoje as suas palavras como apoio aos vossos esforços para aspirardes sempre mais aquela plenitude de comunhão desejada por Cristo nosso Senhor. A minha oração é por que esta pequena porção de Cristãos japoneses possa crescer junta para ser um sinal vivo de esperança no Japão e em toda a Ásia.

Oxalá o Senhor vos conserve na sua paz, e o amor de Cristo habite sempre nos vossos corações e nos vossos lares.

Oremos:

Senhor / derramai sobre nós a plenitude da vossa misericórdia / e pela força do vosso Espírito / removei as divisões entre os Cristãos. / Fazei que a vossa Igreja se eleve mais claramente como um sinal / para todas as nações, a fim de que o mundo possa ser inundado / pela luz do vosso Espírito / e crer em Jesus Cristo que Vós enviastes, / que vive e reina convosco e com o Espírito Santo, / um só Deus para sempre. / Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO


COM O EPISCOPADO JAPONÊS


Nunciatura de Tóquio

Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 1981



Caros irmãos em Cristo

1. É motivo de profunda alegria para mim vir ao vosso país por altura da beatificação dos vossos mártires japoneses. Estes santos mártires alinham com os numerosos que a Igreja honra já oficialmente, e a gloriosa história cristã do vosso povo testemunha; nesta o sangue dos mártires foi na verdade semente de cristãos. Espero com ansiedade e alegria a ocasião de honrar estes mártires solenemente em Nagasaqui. Entretanto, o importante acontecimento da beatificação deles dá-me ocasião de fazer uma visita pastoral à Igreja do Japão — ocasião para encontrar-me com todas as categorias de fiéis e a alegria especial de encontrar-me convosco, Pastores do Rebanho.

2. Vim aqui para vos oferecer o meu apoio fraternal na vossa missão de proclamar Jesus Cristo ao "pusillus grex" do Japão e a quem quer deseje livremente escutar a mensagem do Evangelho. Vim para podermos exprimir juntos a nossa unidade em Cristo e na Sua Igreja, para que possais ser reforçados nesta unidade, e para que na força desta unidade possais proceder com renovado vigor correspondendo às exigências da vossa missão pastoral. Quando nós — como sucessores dos apóstolos, como bispos da Igreja de Deus e como servos do Evangelho — escutamos atentamente, podemos ouvir o mesmo grito que foi dirigido ao apóstolo Filipe: "Senhor, queríamos ver a Jesus" (Jn 12,21). E não ressoa acaso ainda hoje este grito na pululante metrópole de Tóquio e em todo o Japão? E não se dirige ele de maneira particular a vós, bispos do Japão?

3. Caros irmãos, o Pai quer continuar a manifestar o Seu amado Filho através do nosso ministério pastoral. Quer manifestá-l'O como salvador misericordioso e amorável do mundo, Mestre da humanidade, o perfeito Filho do homem e o eterno Filho de Deus. Mas o Pai quer também que todos possam ter vida no Seu Filho, e através d'Ele participem na vida da Santíssima Trindade. A nossa resposta a este plano do Pai exprime-se nos programas de evangelização e catequese, com que proclamamos com perseverança Cristo, e nos esforçamos metodicamente por guiar o nosso povo para a plena compreensão da sua fé católica e para a plena maturidade em Cristo.

4. Para mostrar Cristo ao mundo, para construir a comunidade da Igreja, nós mesmos devemos ser capazes de dizer com São João: "A nossa comunhão é com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo" (1Jn 1,3). Esta unidade deve ser mantida em todas as suas dimensões eclesiais, entre as quais está a comunhão com a Igreja universal. Esta unidade exige dos bispos a collegialitas effectiva e a collegialitas affectiva com o Sucessor de Pedro e com todos os seus irmãos, bispos de todo o mundo. Exige também uma especial manifestação de unidade entre os bispos de cada Conferência Episcopal. Esta última dimensão é particularmente importante pelo efeito que exerce sobre todos os compromissos apostólicos locais. Mas sobretudo, a unidade pertence ao mistério da Igreja, e o seu valor era profundamente entendido na comunidade cristã primitiva, onde os crentes eram "um só coração e uma só alma" (Ac 4,32). Desde o princípio foram os bispos da Igreja investidos — e são-no ainda hoje — por uma especial responsabilidade pela unidade da Igreja, com a obrigação grave de estarem unidos entre si. As palavras de imposição apostólica de São Paulo têm significado pessoal para cada bispo e cada grupo de bispos: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos o mesmo, e que entre vós não haja divisões; sede perfeitos no mesmo espírito e no mesmo parecer" (1Co 1,10).

5. A expressão desta íntima unidade de colaboração fraterna é indispensável para os vossos programas pastorais. É condição indispensável para a coordenação deles, a sua eficácia e o seu bom resultado. Incito-vos, portanto, a que façais todo o possível por encontrar força na unidade com o fim de promoverdes iniciativas pastorais comuns na evangelização e na catequese. Continuai, amados irmãos, com o mesmo zelo que já inspirou difíceis trabalhos no sector da tradução comum da Bíblia, na publicação do novo Missal, na compilação do novo catecismo e na tradução dos documentos do Magistério.

Mas há muitos outros problemas pastorais que exigem de vós a plena medida do vosso comum empenho pelo bem da Igreja no Japão. A colaboração fraterna de todos os bispos entre si em seguirem as directrizes e o espírito autêntico do Concílio Vaticano II, além das normas pós-conciliares publicadas pela Sé Apostólica, é verdadeiramente um acto de amor pastoral pelo povo.

6. Como a Igreja inteira, sentis vós a urgente necessidade de oferecer uma contínua catequese ao vosso povo. Estou seguro de que fazeis todos os esforços para que nenhuma categoria de fiéis seja descuidada. Na minha exortação apostólica sobre 'a catequese, falei a todos os bispos da Igreja exprimindo-me assim:

"Eu sei que tendes de arrostar com o ministério episcopal cada dia mais complexo e sobrecarregado. Mil e um compromissos vos solicitam... Pois bem: que a preocupação de promover uma catequese activa e eficaz não ceda nada diante de qualquer preocupação, seja ela qual for. Tal solicitude levar-vos-á a transmitir vós próprios a doutrina da vida aos vossos fiéis. Mas o mesmo cuidado há-de levar-vos a assumir nas vossas dioceses, em correspondência com os planos da Conferência Episcopal de que vós fazeis parte, a superior direcção da catequese, rodeando-vos de colaboradores competentes e merecedores de confiança. O vosso papel principal há-de ser o de suscitar e alimentar nas vossas Igrejas, uma verdadeira paixão pela catequese; paixão, porém, que se encarne numa organização adaptada e eficaz... Podeis ter a certeza disto: se a catequese for bem dada nas vossas Igrejas locais, tudo o mais será feito com maior facilidade. Por outro lado — e não seria necessário que eu vo-lo dissesse — se o vosso zelo tiver de vos impor algumas vezes a tarefa ingrata de denunciar desvios e corrigir erros, ele há-de proporcionar-vos muito mais frequentemente a alegria e a consolação de verdes as vossas Igrejas florescentes, por a catequese ser nelas dada como quer o Senhor" (Catechesi Tradendae CTR 63).

Um dos sectores mais dignos de particular zelo pastoral é a necessidade de catequizar os jovens em preparação para o matrimónio. Esta exigência é mais urgente ainda para aqueles que se esforçarem por viver uma vida correcta com o seu consorte ou que não têm a mesma fé ou as mesmas convicções religiosas. Todo o esforço feito neste sector pode contribuir muito para alimentar a santidade do matrimónio e da família. Em todos os esforços de catequese, é necessário proclamar claramente o ensinamento de Cristo e da sua Igreja. A catequese não deve nunca duvidar do poder que tem a graça de Cristo de guiar os fiéis para um alto grau de santidade cristã.

7. Como bispos, devemos estar convencidos da necessidade de não enfraquecer nunca as normas da vida cristã que apresentamos ao nosso povo. A nossa responsabilidade pastoral solicita a propormos profunda aceitação das Bem-aventuranças, radical esforço quanto aos valores evangélicos. O nosso povo, remido e santificado pelo sangue do Salvador, é capaz de acolher o convite divino que nos pertence transmitir. Os católicos japoneses têm repetidamente demonstrado que são capazes de conservar o seu património cultural, encarnando ao mesmo tempo nele o elemento original do cristianismo, aquela novidade de vida em Cristo. Têm mostrado uma compreensão da doutrina da Cruz e da vocação universal à santidade. É necessário manter viva a memória dos vossos mártires, para que o vosso povo saiba sempre que ela é sua herança para a glória "na Cruz do Senhor nosso Jesus Cristo" (Ga 6,14).

8. Mas acima de todas as coisas, o apostolado das vocações merece o vosso esforço intenso e unido. Por graça de Deus, uma elevada percentagem de mulheres católicas têm abraçado a vida religiosa. Mas o Evangelho tem ainda necessidade de muitas testemunhas. É importante que seja dada aos jovens a oportunidade de ouvirem o chamamento de Cristo.

E muitos jovens, uma vez que ouvem e vêem Jesus, querem segui-l'O. Além de se promoverem e obterem as vocações mediante a oração e o esforço, há outros dois aspectos dinâmicos que lhes dizem respeito: grande atenção à justa formação daqueles que acolheram o chamamento de Deus, e recto uso dos talentos sacerdotais e religiosos. Em particular, os seminários maiores devem ser objecto do mais profundo interesse pastoral por parte dos bispos, para que as prioridades do sacerdócio sejam compreendidas muito tempo antes da ordenação. Para todos nós — e vale a pena repetir continuamente isto — as prioridades apostólicas do sacerdócio são: "a oração e o ministério da palavra" (Ac 6,4). Apoiar os vossos sacerdotes nestas actividades significa promover o plano de Cristo pelo Seu Corpo que é a Igreja. Entre todos os membros do rebanho, nenhum têm maior direito ao vosso amor fraterno do que os sacerdotes que vos são associados no Evangelho de salvação: os vossos próprios sacerdotes diocesanos e os missionários que servem generosamente ao vosso lado. O vosso amor, o vosso interesse, a vossa preocupação pessoal por eles como amigos são exemplo salutar para os mesmos na sua relação própria com o resto do povo de Deus.

9. Na minha primeira Encíclica dediquei trechos bastante longos a dois aspectos vitais da vida da Igreja. Os sacramentos da Penitência e da Sagrada Eucaristia. Insisti repetidamente no grande poder destes sacramentos quanto à vida cristã, e hoje quero animar-vos pessoalmente a fazer tudo o que puderdes para ajudar a comunidade eclesial a apreciar plenamente o valor da confissão individual, como encontro pessoal com o Salvador misericordioso e amoroso, e a ser fiel às directrizes da Igreja numa questão de tanta importância. As normas da Sé Apostólica, a respeito do uso absolutamente excepcional da absolvição geral, atendem também a "um direito do próprio Cristo em relação a todos e cada um dos homens por Ele remidos" (Redemptor hominis RH 20).

10. O vosso ministério próprio e o dos vossos sacerdotes, como também toda a actividade da Igreja universal, atingem o seu auge no sacrifício eucarístico.Neste a proclamação de Jesus Cristo é completa. Neste a evangelização encontra a sua fonte e o seu vértice (cf. Presbyterorum Ordinis PO 5). Neste a vossa unidade em Cristo encontra a sua plena expressão. Com que alegria estou à espera de celebrar a Eucaristia convosco por três vezes nos próximos três dias, oferecendo ao Pai, em união com Jesus Cristo, todas as esperanças e aspirações, todas as alegrias e todas as tristezas do povo japonês, pedindo "que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja acolhida com honra, como também o foi entre vós" (2Th 3,1).

11. Perseveremos portanto, caros Irmãos, apesar dos obstáculos e dos maus êxitos, apesar da fraqueza humana, em oferecer o Evangelho livremente e na sua inteireza. É este o nosso contributo diante da solidão do mundo, é esta a nossa resposta ao egoísmo do homem, à falta de significado que muitos encontram na vida, à tentação de fuga, inércia e desânimo. Como ministros de Cristo oferecemos a Sua Palavra e o terno amor do Seu Sagrado Coração: é este o nosso contributo original e específico para o diálogo da Salvação, a fim de se promoverem a dignidade do homem e a liberdade final da humanidade.

Em nome de Jesus prossigamos com confiança, e em nome de Maria alegremo-nos. São Paulo Miki e os seus companheiros mártires compreenderam o significado destas palavras e o doce poder delas. Oxalá este hábito permaneça por longo tempo no Japão: conduzir as futuras gerações a Jesus por meio de Maria.

Caros irmãos: obrigado pelo vosso convite para vir ao Japão. Obrigado pelo vosso apoio fraterno e por vos associardes a mim no Evangelho. "Amo-vos a todos em Cristo Jesus! Amém" (1Co 16,24).



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS SACERDOTES E RELIGIOSOS DO JAPÃO


Catedral de Tóquio

Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 1981



E agora desejo dirigir o meu pensamento aos irmãos religiosos que se esforçam pelo alto ideal de seguir a Cristo mais de perto em castidade, pobreza e obediência. Depois terei também a oportunidade de falar às religiosas do Japão.

Caros irmãos, a vossa união com Cristo, iniciada com o baptismo e reforçada mediante a vossa consagração religiosa, implica especial união com a Igreja. Vós participais mais completamente do mistério da sua vida e estais mais profundamente inseridos na sua missão no mundo. Consciente desta dimensão eclesial da vida religiosa, repito-vos o que escrevi na minha primeira Encíclica: "A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, de modo particular, do nosso, é a de dirigir o olhar do homem e de endereçar a consciência e experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo, de ajudar todos os homens a ter familiaridade com a profundidade da Redenção que se verifica em Cristo Jesus" (Redemptor Hominis RH 10).

As vossas vidas consagradas a Cristo mediante os conselhos evangélicos são capazes de elevar as mentes e os corações da nossa geração para o Único que é Santo, para o único que é o Criador e Salvador de todos. Sendo verdadeiramente alegres, mensageiros de verdade, servos generosos dos que estão em necessidade, e homens de oração animados pela profunda confiança no Senhor, vós elevais o olhar dos homens e das mulheres do nosso tempo. Ergueis na esperança os seus olhos. Ajudai-los a discernir o que é possível fazer para "andar sobre as alturas" (cf. Hab Ha 3,19), para entrar na união de amor e no diálogo com Deus.

Desejo dizer uma palavra especial aos sacerdotes aqui presentes, religiosos e diocesanos. O ponto central do ministério sacerdotal é proclamar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, proclamação que atinge o seu climax e o seu fim na celebração eucarística. Comprometido como vós nesta missão vital da Igreja, peço-vos presteis particular atenção a um ponto sabre o qual eu tratei na minha recente Encíclica: "A Igreja vive uma vida autêntica quando proclama a misericórdia, o mais admirável atributo do Criador e do Redentor" (Dives in Misericordia DM 13).

Oxalá todas as vossas palavras e acções sejam um eloquente testemunho ao nosso Deus, rico em misericórdia. Que os vossos sermões inspirem esperança na misericórdia do Redentor! Oxalá o modo como administrais o Sacramento da Penitência ajude todas as pessoas a experimentarem de maneira singular o amor misericordioso de Deus, mais forte do que o pecado. E que a vossa gentileza pessoal e o vosso amor pastoral ajudem cada um a descobrir o Pai misericordioso sempre pronto a perdoar.

Além disso, meus irmãos sacerdotes, oxalá estejais sempre unidos entre vós e com os vossos bispos. Como Inácio de Antioquia escreveu a Policarpo: "Que a unidade, o maior de todos os bens, seja a vossa preocupação". A unidade dentro do presbitério não é algo sem importância para a nossa vida e o nosso serviço sacerdotal.


Discursos João Paulo II 1981 - Tóquio, 24 de Fevereiro de 1981