Discursos João Paulo II 1981 - Manila, 21 de Fevereiro de 1981

Mga kaibigan. Maraming salamat sa inyong lahat.

Caros amigos.

Agradeço calorosamente a todos vós.

Quereria visitar-vos na vossa casa, mas não me foi possível. Agradeço-vos ter vindo, ao invés, encontrar-me. Agradeço-vos ter desejado representar os outros que tanto queriam vir mas não puderam. Estar convosco hoje causa-me grande alegria ao coração. Saúdo-vos com afecto e espero que saibais quanta desejei este nosso encontro.

Nas minhas precedentes visitas pastorais na África e no Brasil, encontrei-me com outros homens e mulheres doentes de lepra. Esses encontros causaram-me profunda impressão, porque pude avaliar a paciência amorosa e a coragem com que vivem não obstante as provas e as adversidades.

1. Encontro-me aqui em nome de Cristo Jesus para vos recordar o Seu extraordinário amor por todos os seus irmãos e irmãs, mas particularmente a cada um de vós. Os Evangelhos dão testemunho desta verdade. Reflecti, por alguns instantes, quantas vezes Jesus manifestou a sua preocupação transformando situações de necessidade em momentos de graça. No Evangelho de São Lucas, por exemplo, dez leprosos vieram ao encontro de Jesus suplicando-Lhe que os curasse. O Senhor recomenda-lhes que se mostrem aos sacerdotes, e ao longo do caminho sentiram-se curados. Um deles volta para agradecer. No seu agradecimento, mostra uma fé que é forte, alegre e cheia de louvor pela maravilha dos dons de Deus. Evidentemente Jesus tocou com o Seu amor a intimidade profunda da existência desse homem.

2. Ainda nos Evangelhos de Mateus e Marcos, é-nos apresentado um leproso que pede a Jesus que o cure, mas somente se for da Sua vontade. Que reconhecimento grande sente este homem quando o seu pedido é atendido! Ele corre a difundir a notícia do milagre a todos os que encontra. Tão grande felicidade provém do homem que tem fé! As palavras "se queres podes limpar-me" reflectem uma disponibilidade a aceitar o que Jesus lhe deseja. E a sua fé em Jesus não ficou decepcionada! Caros irmãos e irmãs, oxalá a vossa fé em Jesus seja não menos firme ou constante daquela demonstrada por essas pessoas do Evangelho.

3. Sei que a vossa aflição causa intensos sofrimentos, não através das suas manifestações físicas, mas também pelas incompreensões que tantas pessoas da sociedade continuam a ter a respeito do mal de Hansen. Muitas vezes defrontais-vos com preconceitos muito antigos, e estes tornam-se uma fonte de sofrimento ainda maior. Da minha parte continuarei a proclamar perante o mundo a necessidade de uma consciência ainda maior do facto que, mediante uma adequada ajuda, esta doença poderá ser efectivamente vencida. Por isso, em toda a parte, peço a todos que apoiem sempre mais os corajosos esforços que são feitos para debelar a lepra e curar eficazmente os que estão ainda atingidos por essa enfermidade.

4. Peço-vos que nunca percais a coragem ou fiqueis desesperados. Em qualquer lugar e todas as vezes que encontrardes a Cruz, abraçai-a como fez Jesus, a fim de que seja feita a vontade do Pai. Que o vosso sofrimento seja oferecido em benefício de toda a Igreja, de modo que possais dizer com São Paulo: "Por isso me alegro nos meus sofrimentos... e completo na minha carne aquilo que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu Corpo, que é a Igreja..." (Col 1,24).

Há três dias beatificava no vosso país dezasseis mártires de Nagasáqui. Entre eles está o Beato Lázaro de Kyoto que era leproso. Quanto exultamos pela ajuda que o Beato Lázaro deu aos missionários como tradutor e guia. Afinal o seu empenho em difundir o Evangelho custou-lhe a vida; morreu derramando o seu sangue pela fé. O seu amor por Cristo causou-lhe muito sofrimento e também dores torturantes! Sofreu a incompreensão, a repulsa e o ódio dos outros no seu serviço da Igreja! Mas com a força da graça de Deus, o Beato Lázaro deu testemunho da fé e mereceu o dom precioso da coroa do martírio.

Caros amigos, convido-vos a imitar a coragem do Beato Lázaro a quem estais tão unidos. Compartilhai as convicções da vossa fé com os vossos irmãos e irmãs que sofrem convosco. Retribui o amor dos médicos, enfermeiros e voluntários que cuidam tão generosamente de vós. Esforçai-vos por construir uma comunidade de fé viva, uma comunidade que apoie, fortifique e enriqueça a Igreja universal. Aqui está o vosso serviço a Cristo! Aqui está o desafio para a vossa vida! É aqui que podeis manifestar a vossa fé, a vossa esperança e o vosso amor!

Que Deus vos abençoe, caros irmãos e irmãs! Abençoe todos os doentes de lepra neste País! Abençoe as vossas famílias, os vossos amigos e todos os que vos assistem! At higit sa lahat inihahabilin ko ang aking sarili sa inyong panalangin, sa inyong pagmamahal. E sobretudo recomendo-me à vossa oração e ao vosso amor.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A VISITA AO CAMPO DE REFUGIADOS


DE MORONG, NAS FILIPINAS


Sábado, 21 de Fevereiro de 1981



Caros irmãos e irmãs

1. Sinto-me feliz de estar convosco hoje, de exprimir a solicitude de toda a Igreja por vós e por todos aqueles que, devido às dolorosas circunstâncias alheias à própria vontade, foram constrangidos a abandonar a terra natal. Quereria que esta ocasião servisse como símbolo da solidariedade da Igreja para com todos os refugiados, como símbolo daquela visita que me seria grato fazer, se possível fosse, a todos os campos ou grupos de refugiados no mundo. Neste momento da história, em que somos apreensivas testemunhas do número sempre crescente de pessoas obrigadas a abandonar a própria terra, agradeço a Deus esta ocasião de estar convosco e de assegurar a cada um a minha profunda solicitude e união com todos vós na oração.

2. Aproveito esta oportunidade para exprimir a minha admiração a todos os que participaram, mediante várias organizações, nas diversas iniciativas de auxílio aos refugiados: os governos — inclusive o das Filipinas — que os acolheram temporariamente; as pessoas e as organizações que oferecem uma residência permanente a esses desterrados, e os assistem no lento e penoso processo para integrar a sua melhor tradição de vida numa nova cultura e nova sociedade. É oportuno também recordar o meritório trabalho do Alto Comissariado para os refugiados, que enfrenta a tarefa mais difícil e ainda tão necessária. Todos estes esforços são certamente dignos de louvor, pois testemunham o inviolável valor e a dignidade de todo o ser humano. Ao mesmo tempo são um sinal de esperança, enquanto demonstram uma consciência atenta, por parte da humanidade, ao clamor dos pobres e dos fracos.

Não posso deixar de recordar o importante contributo que foi dado no mundo inteiro pelas Igrejas locais, fruto do espírito evangélico de caridade.Particularmente, penso em todos os voluntários que trabalham nos campos e centros de acolhimento, homens e mulheres que ofereceram hospitalidade em circunstâncias tão penosas e difíceis. A estes voluntários e às organizações por eles representadas, como também aos que se dedicam, dia após dia, semana após semana, à assistência aos refugiados no processo de se adaptarem à sua nova situação, dirijo uma especial palavra de encorajamento e de louvor.

3. O facto de a Igreja desenvolver notáveis esforços para socorrer os refugiados, especialmente como está a ser feito nestes anos, não deveria causar surpresa a ninguém. Realmente, isto é parte integrante da missão da Igreja no mundo. Ela não deixa nunca de se recordar que o próprio Jesus Cristo foi prófugo, quando criança, tendo que sair com os seus pais da terra natal, para fugir da perseguição. Por isso, em todas as épocas a Igreja sente-se chamada a ajudar os refugiados. E continuará a fazê-lo em toda medida que os seus limites consentirem.

Nesta parte da Ásia muitas foram as calamidades naturais e as catástrofes humanas. Houve, para citar apenas algumas, terremotos, ciclones, inundações e contendas civis. As vítimas dessas calamidades a Igreja estende a sua mão fraterna e procura trabalhar em estreita colaboração com os governos e organizações internacionais, já empenhados no mesmo esforço de socorro. Mas de todas as tragédias humanas do nosso tempo, talvez a maior seja precisamente a dos refugiados. A Igreja dirige-se sobretudo a eles, com o desejo de se colocar ao serviço dos mesmos.

4. Jesus Cristo disse certa vez uma parábola que me é grato recordar neste momento. Conhecem-na também aqueles que dentre vós não compartilham a fé cristã. Trata-se de uma parábola dirigida aos corações dos homens de boa vontade, e não somente aos seguidores de Cristo: é a do Bom Samaritano.

O Evangelho de Lucas descreve a parábola narrando como certo homem foi despojado, espancado, abandonado e deixado meio morto à beira da estrada. Segundo o relato do Evangelho, "um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de piedade. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: Trata bem dele e o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar" (Lc 10,33-35). O Bom Samaritano não se preocupa com o que possam criticar-lhe pelo auxílio dado a uma pessoa que "tradicionalmente" era considerada o seu inimigo. E não lhe faz nenhuma pergunta: donde vem, porque está ali, para onde vai. Não faz qualquer outra interrogação. Muito simplesmente, o Bom Samaritano vê a pessoa ferida e em necessidade, oferece-lhe espontaneamente a sua ajuda, leva-a para uma estalagem preocupando-se par que receba tudo o que é necessário para lhe restituir a saúde. Esta é a caridade! Caridade que não faz excepção por causa da origem étnica do outro, por motivo religioso ou preferência política; não faz excepção alguma; caridade que vê a pessoa como irmão ou irmã necessitado e tem a peito somente uma coisa: prestar-lhe auxílio imediato e unir-se a ela. Oxalá esta caridade possa inspirar-nos todos a ter compaixão por milhões de refugiados, que reclamam o nosso auxílio!

5. Meus irmãos e irmãs aqui presentes, e vós todos que ouvireis a minha voz. Oxalá não percais nunca a confiança em toda a humanidade e possais pensar que não sois esquecidos! De facto, por ninguém fostes rejeitados. Não sois considerados um fardo muito pesado para ser carregado. Em todos os países do mundo há homens e mulheres de boa vontade que têm cuidado de vós, se preocupam do vosso futuro e todos os dias se recordam de vós nas suas orações.

6. Finalmente, peço a cada um que se una comigo num veemente apelo às nações. Na presença do Senhor da história e diante do Supremo Juiz do coração humano, faço apelo em favor de todas as pessoas exiladas no mundo inteiro. Dirijo um apelo a fim de que sejam aumentados os auxílios em favor delas, de tal sorte que os esforços sejam mantidos, aumentados e consolidados.

Dirijo o apelo a que se continue a rezar por todos os refugiados dispersos pelo inundo, e por uma calorosa solicitude humana e amor fraterno para com todos os irmãos e irmãs, que precisam da nossa solidariedade e do nosso apoio.

Que Deus abençoe todos vós!





VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES


DE ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS CATÓLICOS


Iloilo City, Filipinas

Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 1981



Caros irmãos e caras irmãs

Vim à cidade de Iloilo para anunciar a vós todos o meu amor em Cristo Jesus. Saúdo todos os habitantes desta cidade e todo o povo desta grande Arquidiocese de Jaro. Desejo exprimir a minha estima fraterna pelos sacerdotes e pelas religiosas que trabalham neste sector da vinha do Senhor, e oferecer a todos vós o meu encorajamento e o meu apoio ao esforço que fazeis cada dia para proclamar o Evangelho de Deus com a palavra e com o exemplo, e para construir a comunidade dos fiéis.

1. A providência de Deus, porém, estabeleceu de maneira especial que esta parte da minha visita fosse dedicada a um encontro com os leigos católicos e particularmente com representantes das várias associações e dos vários movimentos. Meus caros leigos: saúdo em vós os herdeiros da fé católica que está profundamente radicada na tradição e na cultura do povo filipino. Dou graças a Deus pelo vosso amor e pelo vosso zelo, enraizados em vós pelo Espírito de Jesus. Sinto-me muito próximo de vós, hoje; é como se me dissésseis que apreciais a vossa missão na Igreja e quereis ser reforçados e encorajados na vossa vocação cristã como leigos consagrados no Baptismo e unidos a Cristo pela fé. E é para isto que vim: para falar-vos da vossa dignidade cristã — o que significa pertencer a Cristo —; da responsabilidade da vossa missão e da urgência da tarefa que Cristo vos confiou.

2. Sim, amados leigos, Jesus Cristo mesmo, com o seu Baptismo e com a sua Confirmação, vos comprometeu no apostolado dos leigos, esta maravilhosa partilha da missão salvífica da Sua Igreja (cf. Lumen Gentium LG 33). A vossa missão e o vosso destino estão ligados para sempre a Cristo, Salvador do mundo. Tendes uma função específica a desenvolver na realização do plano de redenção de Deus. O Concílio Vaticano II falou da necessidade de reconhecer a participação de toda a criação no louvor de Deus. Chamou-vos, com a vossa actividade no mundo, para vos ajudardes uns aos outros a atingir uma santidade de vida ainda maior, "a fim de que este mundo possa ser impregnado pelo Espírito de Cristo e possa cumprir mais eficazmente o seu destino na justiça, no amor e na paz" (Lumen Gentium LG 36).

3. Para realizar isto, devereis permanecer unidos a Cristo. As Suas palavras são o fundamento para a vossa eficácia: "Eu sou a videira, vós as varas; sem Mim nada podeis fazer" (Jn 15,5). Chama-vos verdadeiramente, hoje mesmo, a um maior amor, porque vos convida a uma continua conversão do coração. Chama-vos a uma maior união com ele na Sua Igreja, porque é nela que o encontrais. A união com Cristo na sua Igreja é, além disso, a condição essencial de toda a vossa eficácia apostólica. E Cristo que vos confia a vossa missão, mas uma missão que é coordenada na unidade do seu corpo pelos pastores da Igreja. Isto explica o grande valor que existe numa comunhão amorosa de fé e disciplina com os vossos Bispos que, segundo as palavras da Carta aos Hebreus, "velam pelas vossas almas, das quais terão de dar contas" (He 13,17).

4. Ouvistes a Boa Nova da Salvação e abraçaste-la com alegria, dando frutos de justiça e santidade de vida. No entanto, é importante que a graça da fé se desenvolva em vós e em todos os crentes com a ajuda de Deus e vos leve a uma consciência mais profunda da pessoa e da mensagem de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Catechesi Tradendae CTR 19). A necessidade de uma catequese sistemática é uma das máximas exigências da Igreja nos dias actuais. É um grande desafio para vós, como católicos filipinos. Como leigos sois chamados, individual e colectivamente, a responder a tal desafio.

5. Entre todas as possibilidades abertas à acção do apostolado individual, a família ocupa um lugar de primária importância. A família pode dar uma resposta eficaz à secularização do mundo; a família tem um carisma especial de transmissão da fé e de assistência no desenvolver uma evangelização inicial. Na intimidade da família, cada indivíduo pode encontrar uma oportunidade para dar testemunho pessoal do amor de Cristo. Os pais têm o direito e o dever de catequizar os seus filhos; possuem o imenso privilégio de serem os primeiros a ensinar os filhos a rezar. Para citar as palavras do meu predecessor João Paulo I, gostaria de "encorajar os pais no seu papel de educadores dos seus filhos — os primeiros catequistas e os melhores. Que grande tarefa e que desafio para eles: ensinar aos filhos o amor de Deus, torná-lo qualquer coisa de real para eles! E com a graça de Deus, como é fácil para algumas famílias desenvolver o papel de primeiro seminário: o germe de uma vocação ao sacerdócio é alimentado através da oração em família, do exemplo da fé e do apoio do amor" (21 de Setembro de 1978).

6. Além das variadas oportunidades de exercer o apostolado individual, recomendo vivamente que se intensifique o apostolado de grupo através de organizações católicas e de movimentos leigos inspirados na Igreja. Quero citar com profunda gratidão o imenso serviço prestado à Igreja pelas organizações católicas durante os últimos decénios. A sua dedicação ao apostolado dos leigos, segundo os carismas das suas respectivas finalidades, tem merecido a admiração da hierarquia, e desejo acrescentar: o meu próprio apreço. Sem dúvida, poderão ser desejáveis algumas mudanças e adaptações para tornar estas organizações e estes movimentos mais adequados para irem ao encontro das actuais exigências do apostolado, mas a existência dessas associações e desses grupos continua a ser de grande ajuda para a missão da Igreja.

Consultando os vossos Bispos e párocos, sede abertos aos novos métodos de actividade apostólica, para construir continuamente o Corpo de Cristo. As pequenas comunidades cristãs, onde são mais facilmente possíveis o intercâmbio pessoal e a prática do amor e da solidariedade fraterna, abrem vastas possibilidades de criatividade no apostolado. Recordai sempre que a eficácia da vossa actividade no apostolado depende da vossa união com a hierarquia e entre vós mesmos. O vosso apostolado será frutuoso na medida em que vos mantiverdes fiéis e firmemente ligados à Igreja local na qual estais inseridos, e à Igreja universal (cf. Evangelii Nuntiandi EN 58).

7. O contínuo empenho cristão colectivo do povo leigo filipino não é sentido apenas na comunidade eclesial. É também força imensa que leva a potência do Evangelho a agir sobre a cultura, transformando-a e purificando-a. Operando de harmonia com a sua natureza eclesial, as vossas associações e os vossos movimentos são um meio particularmente eficaz para proclamar o compromisso da Igreja com a dignidade da pessoa humana e com o progresso da liberdade e dos direitos de todos os filipinos. O Povo de Deus, enriquecido com a paz de Deus, deve sentir-se comprometido sempre e comunitariamente para realizar essa justiça humana, que é um requisito da paz social.

8. Caros irmãos e irmãs: não deveis surpreender-vos se alguma vez as iniciativas mais dignas são sujeitas à fragilidade humana e à oposição de outrem. A vigilância é sempre condição para a liberdade cristã — a vigilância expressa sobretudo na oração. Jesus disse aos seus discípulos: "Vigiai e orai para não caírdes em tentação" (Mt 26,41). Podem apresentar-se tentações ideológicas, podem surgir divisões, mas basta-vos a graça de Cristo — a graça de Cristo que vos chama à unidade e ao amor fraterno, a graça de Cristo que vos transforma em povo de esperança.

Jesus Cristo chamou-vos verdadeiramente a participardes da sua missão salvífica e a construirdes a comunhão da Sua Igreja. Ao mesmo tempo, Ele prepara-vos para o esforço cristão e para a vitória: "No inundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo" (Jn 16,33).

E vencendo o mundo em tudo aquilo que é pecaminoso e corrupto, vós sereis, ao mesmo tempo, capazes de oferecer ao Pai, em união com Cristo, a glória da criação, e de orientá-la para o louvor da Santíssima Trindade. Como leigos no mundo, podeis oferecer uma contribuição única no seu género, numa função eclesial, ao diálogo de salvação da Igreja. Podeis oferecer ao mundo não apenas a mensagem de Cristo, mas também a sua concreta aplicação na vossa vida, favorecendo o espírito mesmo de diálogo em amizade, no serviço e no amor. Meus caros irmãos e irmãs: é esta a vossa dignidade e a vossa força: permanecer unidos a Cristo, participando da Sua missão salvífica, promovendo a Sua causa, construindo o Seu reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz. Fareis isto, dia após dia, semana após semana, no lugar ordinário mas, no entanto, extremamente importante que ocupais, na vossa vida quotidiana de cristãos.

9. E não vos esqueçais jamais que Maria, Mãe de Cristo, está convosco. Ela é a mãe da misericórdia e do belo amor, que vela pelo povo filipino há séculos e continuará a presidir ao vosso destino nos anos vindouros. Conduzir-vos-á ao seu Filho e ajudar-vos-á a comunicá-1'O aos outros, a comunicar Jesus ao mundo.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM TRABALHADORES


E PROPRIETÁRIOS EM BACOLOD CITY


Iloilo, Ilha de Panay, Filipinas

Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 1981



Dilectos irmãos e irmãs

1. "A graça e a paz de Deus nosso Pai e de Jesus Cristo Senhor" (Ph 1,2). Com esta bênção do apóstolo Paulo saúdo-vos a todos muito cordialmente. É grande alegria para mim vir ter convosco hoje, nesta cidade de Bacolod, para me encontrar com o povo das ilhas "Negros Occidental". Só me desagrada a brevidade desta visita ao meio de vós, mas ainda muitas são as comunidades das Filipinas que me convidaram, do Norte ao Sul destas belas ilhas. Mesmo que não tenha senão poucas horas para estar convosco, desejo que saibais que todo o encontro com o povo filipino é para mim de especial importância, porque sois vós, jovens e anciãos, que lhe imprimis esse carácter. E por isso, do profundo do meu coração vos digo: obrigado por terdes vindo todos, aqui, esta tarde; obrigado por me fazerdes sentir em casa própria em Bacolod. Madamo guid nga Salomat! Um obrigado muito ardente!

Venho em nome do Senhor Jesus e como Seu servo. Venho como Bispo de Roma, Vigário de Cristo e vossa irmão na fé. Venho como amigo de todo o povo, especialmente dos jovens que são tão numerosos aqui e cujas faces risonhas me trazem tão profunda alegria. As minhas fraternais saudações dirigem-se em primeiro lugar para o vosso pastor António Yapsutco Fortich, que gentilmente me convidou para esta ilha, e aos outros bispos e sacerdotes presentes. Nos sacerdotes, diocesanos e religiosos, e nas irmãs, saúdo eu os sucessores dos primeiros missionários que, há mais de quatrocentos anos, estabeleceram florescentes comunidades cristãs nestas terras. Neles saúda os incansáveis trabalhadores pela causa da fé, que mantêm viva entre o povo a mensagem do Evangelho com o seu desinteressado serviço e generosa dedicação, colaborando com o Bispo, em espírito de unidade e na "obediência à fé" (Rm 1,5).

2. Em particular, porém, as minhas saudações sinceras vão para vós, meus irmãos e irmãs do laicado católico em Bacolod, para vós que sois tão grande parte do único Povo de Deus, renascidos em Cristo e unidos pelo Seu Espírito Santo. Como acreditais em Cristo e fostes regenerados no sacramento do Baptismo, sois filhos de Deus. Como acreditais em Cristo, podeis aproximar-vos d'Ele no sacramento da Penitência e receber o Seu amor na Sagrada Eucaristia. Tenho conhecimento da consideração em que tendes os Sacramentos e quero animar-vos a que vos mantenhais sempre fiéis a eles. São a vossa fonte de vida e de esperança, e dar-vos-ão a força de permanecer fiéis ao vosso chamamento de cristãos, de verdadeiros cristãos. E, observados pelos outros, dever-se-ia dizer de vós: "Olha quanto se amam". Amai-vos uns aos outros, meus irmãos e irmãs, amai-vos em Jesus Cristo. Fazendo isto, sereis verdadeiras testemunhas de Jesus, do seu imenso amor por cada ser humano. Jesus precisa de vós, dilecto povo da Igreja em Bacolod. Jesus precisa de vós, o Seu amor na verdade não atingirá o mundo sem o testemunho da vossa vida cristã. Jesus não pode estar plenamente presente nas vossas cidades e aldeias, nas vossas famílias e escolas, nos vossos locais de trabalho e nos campos, se vós, fiéis, não O levardes lá, não O tornardes manifesto através daquilo que dizeis ou fazeis, tornando-O visível através do amor que tendes uns pelos outros.

3. A mensagem que hoje vos trago é mensagem de amor, a mesma mensagem que a Igreja levou aos homens de todo o mundo nas épocas passadas, e não deixará nunca de levar às gerações futuras. É a mesma mensagem que vós, Igreja de Bacolod, deveis proclamar a todos os homens desta ilha.

É no nome de Cristo, pois deve anunciar a Sua mensagem de amor ao mundo inteiro, que a Igreja fala em favor da dignidade do homem, criado à imagem de Deus (cf. Gén Gn 1,26) e remido por Jesus Cristo. Como a Igreja crê na dignidade concedida por Deus a todo o ser humano, reconhece como sua missão abraçar, com a própria solicitude, o homem na sua totalidade: o homem, cujo destino definitivo é Deus, o homem que deve viver na sua completa realidade quotidiana, segundo a dignidade que lhe é própria. Por estas razões deseja a Igreja levar a mensagem de salvação, que lhe confiou Cristo, a todo o ser humano, a toda a cultura e todo o ambiente social, ao género humano inteiro, mas, em primeiro lugar, àqueles que se encontram em dificuldades. Sem abandonar a sua tarefa especifica de evangelização, procurará também assegurar que todos os aspectos da vida humana e da sociedade, de que o homem faz parte, sejam impregnados pelo respeito para com a dignidade humana e, portanto, para com a justiça.

4. No mundo de hoje existem demasiadas situações de injustiça. A injustiça reina quando algumas nações acumulam riquezas e vivem na abundância, enquanto outras não podem oferecer à maioria da sua gente os recursos de primeira necessidade. A injustiça reina quando, no interior da mesma sociedade, alguns grupos possuem a maior parte dos bens e poderes, enquanto largos estratos da população não podem prover decentemente com os meios de existência as suas famílias, nem sequer com longas horas de extenuante trabalho nas fábricas ou nos campos. A injustiça reina quando as leis de crescimento económico e de ganho, cada vez maior, determinam as relações sociais, deixando na pobreza e miséria aqueles que não têm outra coisa para oferecer senão o trabalho das próprias mãos. Conscientes desta situação, não hesitará a Igreja em tomar a seu cargo a causa do pobre e tornar-se a voz daqueles que não são escutados quando falam para pedir justiça, não para pedir esmola.

Sim, a preferência pelo pobre é preferência cristã! É preferência que exprime a solicitude de Cristo que veio proclamar uma mensagem de salvação para os pobres; e os pobres, de facto, são verdadeiramente amados por Deus; Deus é quem dá garantia aos direitos deles. A Igreja proclama a sua preferência pelos pobres no interior da totalidade da sua missão evangelizadora, que se dirige a todas as gentes. Nenhuma área da sua missão pastoral será omitida na sua solicitude pelos pobres: pregar-lhes-á o Evangelho, convidá-los-á para a vida sacramental da Igreja e para a oração, falar-lhes-á do sacrifício e da ressurreição, e inclui-los-á no seu apostolado social.

5. Disseram-me que muitos de vós aqui presentes fazem parte do sector agrícola, e mais em particular do cultivo da cana-de-açúcar, como proprietários, plantadores ou trabalhadores. Todos vós viveis perto da terra e esta subministra-vos os meios de subsistência. A vós todos quero dirigir algumas palavras especiais em referência às vossas situações particulares e à mensagem social da Igreja.

Vós amais a terra, procurais com amor torná-la fértil. Pertenceis a esta terra e esta terra pertence-vos. No seu amor gratuito, Deus não só criou o homem e a mulher, mas deu-lhes a terra para que a vida humana pudesse ser sustentada pelos seus esforços. Desde o princípio, e em benefício de todos, Deus quis a interacção da terra e do trabalho, para que a plena dignidade do homem pudesse ser sempre protegida e promovida,

6. Sim, a dignidade humana deve ser promovida pela terra. Como a terra é um dom de Deus em benefício de todos, não é admissível o uso deste dom de tal modo que os benefícios por ela produzidos sirvam apenas para um número limitado de pessoas, enquanto as outras — a quase totalidade — estão excluídas dos benefícios que a terra produz.

Apresenta-se uma exigência verdadeiramente cristã, por isso, àqueles que possuem ou administram a terra. Sei que muitos de vós, possuidores de plantações ou plantadores estão verdadeiramente interessados no bem-estar dos próprios trabalhadores; a Igreja, porém, consciente da sua responsabilidade, sente-se estimulada a apresentar-vos muitas vezes os ideais de amor e de justiça e a animar-vos a confrontar constantemente as vossas acções e as vossas atitudes com os princípios éticos relativos à prioridade do bem comum e ao fim social da actividade económica. O direito a possuir é legítimo em si mesmo, mas não pode separar-se da sua dimensão social mais vasta. Na sua Encíclica Populorum Progressio, Paulo VI, fazendo-se eco do ensinamento do Concílio Vaticano II, especificou este princípio de modo verdadeiramente claro quando escreveu: "Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para o uso de todos os homens e de todos os povos, de maneira que os bens da criação devem igualmente afluir às mãos de todos, segundo a regra da justiça que é inseparável da caridade" (Gaudium et Spes GS 69). Todos os outros direitos, de qualquer género, compreendendo o da propriedade e do comércio livre, são subordinados a ela: não devem portanto embaraçar-lhe, mas sim, pelo contrário, facilitar-lhe a realização, e é dever social grave e urgente restituí-los à sua finalidade original (n. 22). Os proprietários e os plantadores não deveriam, por isso, deixar-se guiar principalmente pelas leis económicas de crescimento e de proveito, nem pelas exigências de competição ou de acumulação egoísta dos bens; deveriam, pelo contrário, deixar-se guiar pelas exigências da justiça e do imperativo moral que leva a contribuir para a realização de um decente nível de vida e de condições de trabalho, que tornem possível aos trabalhadores e à sociedade rural viver vida verdadeiramente humana e ver respeitados todos os seus direitos fundamentais.

7. Do mesmo modo os trabalhadores — sejam eles duma-ans, sacadas ou operários das indústrias — devem deixar-se guiar por um conceito verdadeiramente humano e cristão do próprio dever. O trabalho humano permanece sendo o elemento mais importante na empresa económica, porque é através deste que o homem exerce o seu domínio sobre o mundo material para a construção e a edificação da sua própria dignidade humana (cf. Gaudium et Spes GS 67). O homem ou a mulher, que trabalha, torna-se cooperador de Deus. Criado à imagem de Deus, o homem recebeu a missão de governar o universo, para as riquezas dele poderem ser desenvolvidas e usadas em benefício de todos, de modo que ofereçam a cada pessoa humana a possibilidade de viver segundo a sua própria dignidade e, portanto, dar glória a Deus. A todos os trabalhadores da cana-de-açúcar digo, como igualmente digo a qualquer outro trabalhador, encontre-se ele onde se encontrar: não vos esqueçais nunca da grande dignidade que Deus vos deu, não vos deixeis nunca degradar pelo vosso trabalho; recordai-vos, pelo contrário, sempre da missão que Deus vos confiou: ser, por meio do trabalho das vossas mãos, os Seus colaboradores na continuação da obra da criação. Vede no vosso trabalho obra de amor, ele de facto exprime amor pelos que vos são caros e o vosso interesse pelo bem-estar da vossa família. Tende orgulho de trabalhar a terra.

Ao mesmo tempo, ficai sabendo que a Igreja vos apoia nos vossos esforços para verdes respeitados os vossos direitos de trabalhadores. Há noventa anos, a grande encíclica social Rerum Novarum dizia muito claramente que o trabalhador tem direito a um salário que lhe dê uma justa parte da riqueza que ele ajuda a produzir, e que as condições de trabalho não deveriam ter em vista incrementar cada vez mais o ganho económico da empresa, mas devem tender a salvaguardar a inviolável dignidade do homem como indivíduo, como sustentáculo da família e como construtor da sociedade a que pertence. Foi constante ensinamento da Igreja terem os trabalhadores o direito de se unirem em associações livres com o objectivo de defender os seus interesses e contribuir como colaboradores responsáveis para o bem comum. Essas associações deveriam ser protegidas por leis apropriadas que, mais que limitarem as suas actividades, deveriam garantir a livre busca, para o bem-estar social, de todos os seus membros e dos trabalhadores em geral.

Onde quer que as pessoas trabalhem juntas, inspiradas pela finalidade de assegurar a dignidade de todo o ser humano e de construir uma sociedade baseada na justiça, será sempre viva a esperança de um mundo melhor, e será possível encontrar os caminhos e os meios que dêem a possibilidade de repartir os frutos do progresso com todos, na comunidade. Quando os direitos legítimos de toda a categoria forem respeitados, será possível encontrar caminhos pacíficos para a realização do bem comum e ninguém hesitará em pôr ao serviço dos seus irmãos, numa comum busca de uma justa sociedade, a plena riqueza dos próprios talentos, habilidade e influência. Os organismos governativos, que são guiados por uma justa atenção pela dignidade humana, não se tornarão instrumentos de opressão ou poder, para uma classe ou categoria.

As livres associações dos trabalhadores, que baseiam a própria acção na inigualável dignidade do homem, inspiram confiança como interlocutores de igual grau numa busca de justas soluções. Os trabalhadores e os dadores de trabalho, que aprendem a reconhecer-se uns aos outros como irmãos, não ficarão presos por amargas disputas que deixam os problemas por resolver e enfraquecida ou arruinada a solidariedade humana. Quando é o homem mesmo — o homem com a sua insuperada dignidade — a medida que é aplicada aos problemas sociais, então não haverá espaço para a violência na luta pela justiça. Adoptar o homem como critério de toda a actividade social, significa empenhar-se pela transformação de toda a situação injusta, sem destruir o que se procura defender: uma sociedade baseada na fraternidade e no amor. A violência nunca pode ser meio para resolver os conflitos sociais; e a luta de classes, que opõe um grupo ao outro, não pode ser fonte de justiça tendo como suas premissas a destruição e o desprezo do homem. Para construir uma sociedade verdadeiramente humana, nas Filipinas, cada homem e cada mulher devem fazer uma opção pela justiça e pelo amor; pela solidariedade e a fraternidade, contra o egoísmo e o ódio. Escolhei a dignidade humana e será vosso um futuro melhor!

9. Meus caros amigos de Bacolod, das ilhas "Negros Occidental", e vós todos que viestes de longe para estar comigo hoje, sei que não vos falta generosidade e coragem. Nas vossas comunidades, nas cidades e nas aldeias, mantende viva a maravilhosa herança de valores e de qualidades que é a vossa força para o futuro. Permanecei fiéis ao que sois: conservai sempre a vossa alegria, o vosso amor pela família, a vossa solidariedade dentro de cada comunidade, e sobretudo a vossa firme vontade de repartir tudo o que sois e tudo o que tendes — mesmo que pequeno ou humilde — com os vossos irmãos e as vossas irmãs que se encontram em necessidade. Fazendo isto, a vossa comunidade distinguir-se-á pelo sinal da humanidade.

A todos os meus irmãos e irmãs em Cristo digo eu: mantende vivas nos vossos corações a confiança em Deus, a fidelidade à Igreja e a devoção à Bem-aventurada Virgem Maria.

Chegou o momento de vos deixar: Tanto desejaria estar convosco mais tempo, mas outros estão esperando unir-se comigo no vínculo do amor que nos une em Jesus Cristo. Obrigado pela vossa presença aqui e por terdes compartilhado juntos esta hora. Sinto-me mais rico por vos ter encontrado e por ter verificado o vosso orgulho de Filipinos e de Cristãos.

Ao voltardes para as vossas aldeias e para as vossas famílias, levai convosco a bênção do Papa. E dizei a todos os que estavam na impossibilidade de estar presentes aqui hoje, aos anciãos e aos doentes, que o Papa os ama e os traz sempre no coração e nas orações. Abençoo-vos a todos em nome de Jesus Cristo, nosso misericordioso Salvador.

Deus vos abençoe, enquanto vos apartardes levando o amor e a solicitude que vos dedico,

Kabay pa nga bendisyonan limo sang Diyos!



Discursos João Paulo II 1981 - Manila, 21 de Fevereiro de 1981