Discursos João Paulo II 1981 - Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS CONGRESSISTAS


DE «MISSÃO AO POVO PARA OS ANOS 80»


Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 1981



Caríssimos Irmãos!

1. Não podíeis deveras dar-me alegria maior do que esta, que me é proporcionada por este vosso Primeiro Congresso Nacional sobre "as Missões ao povo para os anos 80". É verdadeira consolação que vós hoje me trazeis e por este motivo de bom grado vos recebo nesta Audiência particular, vos saúdo com afecto, e vos manifesto o meu agrado e apreço pela vossa magnífica iniciativa: de facto, o Congresso foi desejado, muito oportunamente, para recordar o quinto aniversário da Carta Apostólica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI, de venerada memória, documento de excepcional importância, síntese doutrinal e disciplinar de extraordinário valor iluminador e directivo no campo delicado e essencial da Evangelização, mensagem fundamental a que será sempre necessário fazer apelo.

Saúdo os Organizadores e as várias Comunidades tradicionalmente comprometidas neste apostolado típico da pregação ao povo: Padres Lazaristas, Passionistas, Redentoristas, Franciscanos das três famílias, Missionários do Preciosíssimo Sangue, Jesuítas, Dominicanos, Oblatos de Maria Imaculada, Oblatos Missionários de Rho e ainda outros, entre os quais quero recordar os Sacerdotes seculares que se dedicam a esta obra nas próprias Dioceses, como também as Religiosas e os Leigos que vos ajudam. Se no coração do Vigário de Cristo estão presentes todos os homens com as suas ansiedades e os seus ideais, ainda mais estais presentes vós, que tendes o elevado e tremendo encargo de anunciar o Evangelho na sociedade moderna, de pregar a "palavra de Deus" à humanidade, indicando a verdadeira finalidade da existência, o autêntico significado da viagem terrena, tão difícil e insidiada, e apesar disso tão extremamente importante.

Exprimo-vos também o meu reconhecimento e de toda a Igreja pelo empenho e a boa vontade em manter e actualizar a piedosa e eficaz prática das Missões Populares. Recordando o que mandou o Divino Mestre: "Ide, pois, ensinai todas as nações... ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho mandado" (Mt 28,19-20), não podemos deixar de obedecer com coragem e alegria, anunciando a todos os homens que Jesus Cristo "para nós foi feito por Deus sabedoria, justiça, santificação e redenção" (1Co 1,30).

Ao escrever aos Romanos, São Paulo acentua: "a fé vem da gregação, e a pregação pela palavra de Cristo" (Rm 10,17). É necessário pois ir, falar, pregar, ensinar, anunciar, a fim de que os homens possam crer e invocar (cfr. Rom Rm 10,14-15); e é ainda São Paulo a admoestar-se a si mesmo: "Ai de mim se não evangelizar!" (1Co 9,16) e a escrever ao discípulo Timóteo: "Prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina" (2Tm 4,2).

O mandato de Cristo e a severa admoestação do Apóstolo são válidos ainda hoje. Foram a preocupação que tornou intrépidos e infatigáveis os grandes Padres, os grandes Santos, aos quais é necessário fazer constante referência se quisermos verdadeiramente iluminar e salvar os irmãos: Inácio de Loyola, Filipe de Néri, Vicente de Paulo, Afonso Maria de Liguori, São Paulo da Cruz, Luís Grignion de Monfort, Gaspar do Búfalo, Francisco de Sales, João Baptista Vianney, Maximiliano Kolbe: homens geniais e concretos, que atribuíram o máximo valor precisamente às "Missões populares".

Por conseguinte com força e convicção ainda mais vivas repito hoje o que já escrevi na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae: "As missões tradicionais são insubstituíveis para uma renovação periódica e vigorosa da vida cristã" (n. 47), e exorto todos vós a retomá-las, a revalorizá-las, e repropo-las com métodos e critérios actualizados e adequados nas Dioceses e nas Paróquias, de acordo com as Igrejas locais.

2. Hoje, para um trabalho eficaz no campo da pregação, é necessário antes de tudo conhecer bem a realidade espiritual e psicológica dos cristãos que vivem na sociedade moderna. É necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade que os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se perdidos, confusos, perplexos e até desiludidos; foram divulgadas prodigamente ideais contrastantes com a Verdade revelada e desde sempre ensinada; foram difundidas verdadeiras heresias, em campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se até a Liturgia; imersos no "relativismo intelectual e moral e por conseguinte no permissivismo, os cristãos são tentados pelo ateísmo, pelo agnosticismo, pelo iluminismo vagamente moralista, por um cristianismo sociológico, sem dogmas definidos e sem morai objectiva. É necessário conhecer o homem de hoje para o poder compreender, ouvir e amar, tal como ele é, não para desculpar o mal, mas para lhe descobrir as raízes bem convictos de que há salvação e misericórdia para todos, desde que não sejam recusadas consciente e obstinadamente. Hoje são particularmente actuais as figuras evangélicas do Bom Samaritano, do Pai do Filho Pródigo, do Bom Pastor. É necessário tomar constantemente o pulso desta nossa época, para poder conhecer o homem nosso contemporâneo.

3. Para uma "Missão" autêntica e eficaz, é necessário iluminar as mentes de modo total e seguro.

Hoje não basta já afirmar: é necessário primeiro saber ouvir, para compreender a que ponto se encontra o outro no seu caminho de busca ou no seu drama de derrota ou de fuga, é necessário explicar e prestar atenção às exigências dos outros. Hoje é necessário ter paciência, e recomeçar tudo do início, dos "preâmbulos da fé" até aos "novíssimos" com exposição clara, documentada e satisfatória. É necessário formar as inteligências, com firmes e iluminadas convicções. Sobretudo, hoje é necessário fazer sentir e inculcar o "sentido do Mistério", a necessidade da humildade da razão perante o Infinito e o Absoluto, a lógica da confidência e da confiança em Cristo e na Igreja por ele explicitamente desejada e fundada para dar para sempre aos homens a paz da verdade e a alegria da graça. esta uma tarefa bastante delicada e também fatigante, que exige preparação esmerada e sensibilidade psicológica; e apesar disso é absolutamente necessária.

4. É necessário encorajar paternalmente, com o mesmo amor de Cristo. A "Missão popular" é eficaz quando, corroborada pela oração e pela penitência, impele à conversão, isto é ao retorno à verdade e à amizade de Deus, aqueles que tinham perdido a fé e a graça com o pecado; quando chama para uma vida mais perfeita os cristãos habitudinários, dá fervor às almas, convence a viver as Bem-aventuranças, suscita vocações sacerdotais e religiosas. Para obter estes efeitos é necessário firmeza de doutrina, mas sobretudo bondade de coração! Revesti-vos portanto dos mesmos sentimentos de Jesus e anunciai a todos o que escreveu o Autor da Carta aos Hebreus: "Aproximemo-nos, então, confiadamente, do trono da graça a fim de alcançar misericórdia e achar graça para sermos socorridos no tempo oportuno" Heb.4, 16).

5. Caríssimos! Eis o que desejava dizer-vos, exortando-vos a perseverar nesta magnífica tarefa, tão necessária e tão actual. Bem-aventurados vós, que anunciais a Verdade que salva, a esperança que consola, a certeza que dá alegria agora e pela eternidade!

E confio-vos com particular cuidado a Maria Santíssima, para que vos assista sempre, vos ilumine e vos conforte, e torne particularmente fecundo o vosso apostolado em favor dos homens remidos pelo Sangue do seu Filho!

Para tanto vos acompanha a minha afectuosa e propiciadora Bênção!

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS ALUNOS E OFICIAIS DA ESCOLA NAVAL ARGENTINA

Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 1981



Senhor Director, Capelão-Mor,
Oficiais e Alunos da Escola Matias de Irigoyen
da Prefeitura Naval Argentina

Agradeço-vos profundamente a filial homenagem que — como acaba de expressar o vosso Director — quisestes tributar ao Sucessor de Pedro, ao dispordes-vos a empreender uma nova etapa de serviço à Pátria, apenas terminados os vossos estudos.

Alegra-me especialmente por esta visita se realizar após ter sido estabelecido, com a aprovação da Santa Sé, o serviço religioso que há-de atender e promover a vossa formação moral. De facto, a importante e delicada missão que assumis deve ser guiada por um profundo sentido ético da vida, tanto individual como profissional e social. Deste modo sereis capazes de compreender e servir os valores fundamentais da pessoa e a sua primazia sobre todas as coisas.

Animo-vos, por isso, a desempenhardes a vossa missão de serviço com verdadeira consciência cristã, em atitude de constante respeito à verdade e à liberdade das pessoas, e de amor ao vosso País, tornando-vos sempre propagadores e construtores de concórdia e de paz. Com o Apóstolo Paulo desejo-vos: "Que o Senhor da paz vos conceda a paz em todo o tempo e por todas as formas" (2Th 3,16).

Concedo-vos a vós, aos vossos capelães e companheiros, em penhor da constante assistência divina, a Bênção Apostólica, que de coração faço extensiva a todos os vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ALUNOS E PROFESSORES


DO CURSO DO COLÉGIO DE DEFESA DA NATO


2 de Fevereiro de 1981



Caros Amigos

É-me grato receber aqui os membros do Colégio de Defesa da NATO com as suas famílias. Soube que nos seis meses passados estivestes ocupados num programa educativo, estudando os objectivos culturais e morais com o propósito de consolidar a solidariedade internacional. Aprecio a importância deste empreendimento por o seu objectivo último ser a promoção da paz no mundo.

Como sabeis, tenho falado muitas vezes sobre o meu grande interesse pela paz. Estou convencido de que, com a ajuda de Deus, a obtenção da paz para todos os povos e entre todas as nações está ao alcance da capacidade humana. Embora uma verdadeira paz não raro iluda a nossa compreensão precisamente porque a vemos mais como uma moldura a ser imposta de fora, do que como um processo a ser cultivado de dentro. A paz exprime uma realidade dinâmica que tem o fundamento numa harmoniosa relação de pessoas, de tal modo que requer os nossos contínuos esforços. Para alcançar a paz definitiva, devemos primeiro estudar os seus componentes e isto requererá uma investigação dos perigos que ameaçam a paz.

Na minha recente Encíclica indiquei que as primeiras entre as ameaças da paz eram não só os arsenais das armas atómicas, mas uma manipulação da própria noção de paz para os objectivos interessados de parte. A este propósito dizia: "Os meios técnicos à disposição da civilização dos nossos dias encerram, de facto, não apenas a possibilidade de uma autodestruição mediante um conflito militar, mas também a possibilidade de uma sujeição 'pacífica' dos indivíduos, dos âmbitos de vida, de inteiras sociedades e de nações que, seja por que motivos for, se apresentem incómodos para aqueles que dispõem dos relativos meios e estão prontos para servir-se deles sem escrúpulos. Pense-se ainda na tortura que continua a existir no mundo, adoptada sistematicamente por Autoridades, como instrumento de dominação ou de opressão política, e praticada impunemente por subalternos" (Dives in Misericordia DM 11).

Por conseguinte, não pode haver paz onde a dignidade da pessoa humana é desprezada. Onde quer que encontramos o domínio de uma pessoa sobre a outra na opção desta pelo seu destino ou pelo legítimo acesso à verdade, ali já descobriremos as sementes de um amargo ressentimento ou profunda animosidade. Sim, garantir a paz é trabalho essencial da obra pela paz. por isso que eu escolhi como tema para o Dia Mundial da Paz: "Para servir a paz, respeita a liberdade".

Durante estes meses passados, estudastes em Roma as complexidades da paz mundial e adquiristes aumentada consciência no que diz respeito â obtenção da mesma. As vossas investigações colocam-vos agora entre aqueles homens e mulheres para os quais os outros olharão como guias neste campo.

Peço que a vossa visão da dignidade humana nunca desfaleça em vós ao lutardes pela paz. Oxalá contribuais para que a construção da paz seja sempre um apelo para o que há de mais nobre no coração de cada pessoa.

E oxalá esta paz que reflecte a verdadeira bondade do próprio Deus encha os vossos corações e os vossos lares, encorajando-vos a serdes incansáveis trabalhadores pela causa da paz.



                                                        

                                                         Março de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM «GRUPO DE ESPIRITUALIDADE»


DE PARLAMENTARES FRANCESES


Sala Clementina do Palácio Apostólico

Terça-feira, 3 de Março de 1981



Senhor Presidente Senhoras e Senhores

Permiti, antes de tudo, que agradeça os deferentes e confiantes sentimentos que acabais de me exprimir, com tanta cordialidade, em nome de todos os participantes, e também a breve apresentação do vosso distinto grupo. Aprecio vivamente a diligência de peregrinos que vos trouxe em tão grande número a Roma e junto do Papa.

1. A vossa assembleia apresenta uma particularidade pouco comum. Assumis ou assumistes elevados cargos, graves responsabilidades — especialmente de ordem legislativa ao serviço do vosso país, na Câmara dos deputados, no Senado, no Conselho económico e social e noutras instâncias. Compartilhando a mesma fé católica, encontrais-vos neste "grupo de espiritualidade" para aprofundar esta fé e melhor vos inspirardes na vossa vida de homens políticos.

Sinto-me feliz ao ter conhecimento dos tempos fortes que marcam a vida do vosso grupo: noites de meditação e de intercâmbio sobre a Palavra de Deus ou os grandes documentos do Magistério, testemunhos sobre os problemas maiores da Igreja; as celebrações eucarísticas e, entre outras coisas, a missa mais solene de entronização do Arcebispo de Paris; as peregrinações em que tomais parte; o vosso retiro anual: estes momentos mais longos de meditação são-vos muito necessários para encontrardes profundamente a vossa identidade cristã e vos situardes no desígnio de Deus que a sociedade secularizada esfuma. Faço votos por que os vossos outros colegas católicos das Assembleias parlamentares, especialmente os jovens, participem em grande medida, como vós próprios, nestas actividades, e se encontrem à vontade nas mesmas; será necessário acrescentar que elas darão tantos mais frutos quanto mais corresponderem a um compromisso constante? Felicito também os sacerdotes que vos assistem.

Sem dúvida, as vossas múltiplas responsabilidades impõem-vos um ritmo de trabalho muito intenso e, no plano eclesial, tendes também o lugar que vos pertence nas vossas comunidades cristãs habituais, paróquias ou outras associações. Mas desde o momento que tendes um campo de acção específico, é normal que tenhais igualmente um lugar de reflexão cristã a este nível. E agora passo a falar daquilo que vos caracteriza.

2. Eu próprio recebo aqui, como sabeis, os grupos mais diversos. Realizam-se aqui encontros com os homens políticos de todos os horizontes. Penso, de facto, que eles têm direito a um diálogo particular com a Igreja, devido às suas pesadas responsabilidades: é no interesse da própria vida de crentes daqueles que, como vós, se apresentam como tais; e para todos, pode ser frutuoso para a qualidade do seu próprio serviço na sociedade, nacional e internacional. Os Pastores, ao mesmo tempo, devem escutá-los para melhor compreenderem a complexidade dos seus problemas, e testemunhar junto deles a luz e a força do Evangelho.

No que vos diz respeito, a actividade de parlamentar mantém-se, entre as instituições de um regime democrático, actividade-chave para assegurar o bom andamento da vida social e a condução dos assuntos nacionais, num clima leal de debates livres, permitindo àqueles que foram eleitos para este alto cargo dar o seu contributo, os seus pareceres e as suas decisões com grande sentido de responsabilidade. Sei que não raro também desempenhais outras actividades locais, mas aquela, no plano nacional, parece deva requerer em prioridade os vossos estudos, a vossa competência e a vossa presença. Porque os mínimos textos de leis merecem a máxima vigilância, sabedoria e equidade, e isto em cada fase da sua elaboração: preparação em comissões, proposta, introdução de emendamentos, discussão e votação. Depende disto o bem comum de toda a nação, e as repercussões, a breve ou longo prazo, terão grande peso, quer se trate de uma justa repartição dos benefícios ou dos encargos, de projectos educativos ou dos próprios costumes em tudo o que diz respeito ao comportamento moral: vós próprios verificais que, aquilo que é legalmente permitido, embora moralmente seja um mal, depressa gera confusão nas consciências e degradação dos costumes. Faço votos por que mereçais sempre a estima e o reconhecimento dos vossos compatriotas no cumprimento deste serviço qualificado cuja importância quero acentuar, pedindo a Deus vos assista:

3. E quando vos reunis ao nível deste grupo de espiritualidade, com um animador, que procurais? Não tendes em vista geralmente uma resposta concreta às questões precisas apresentadas pelos vossos debates políticos, tanto mais que preferistes pertencer a formações políticas diferentes, segundo um pluralismo legítimo, em democracia. Mas, antes de tudo, fortificais o vosso ser de cristãos que vos permitirá agir como cristãos; e o facto de terdes uma certa participação espiritual segundo estas condições constitui já um testemunho importante numa sociedade em que as oposições têm tendência a endurecer e a transportar-se em toda a vida. Manifestais assim que as vossas opiniões políticas pessoais, ou as do vosso partido — porque a disciplina do partido nunca dispensaria de agir pessoalmente em consciência — não são tudo na vossa vida, não têm a última palavra; que para além destas opções parciais, há a vossa vida de fé propriamente dita, a vossa pertença eclesial comum. Há o Cristo para o qual todos vós vos dirigis a fim de receber d'Ele a Vida de Deus; há a Sua Palavra e os Sacramentos, nos quais todos vós ides haurir; há a oração em que se exprime a vossa filiação divina comum e a vossa profunda fraternidade; há também a doutrina da Igreja que estrutura a vossa fé; há o intercâmbio cordial e caloroso entre irmãos, e o testemunho que dais juntos do primado dos valores espirituais e da caridade. Tal experiência eclesial une no que é fundamental, como aliás em muitos outros movimentos e lugares de Igreja onde se respeitam, aproximam e confraternizam pessoas de horizontes diferentes.

4. Mas penso que, para além desta comunhão espiritual, podeis também fortalecer as vossas convicções sobre pontos essenciais de ética que vos permitirão fazer juízos e orientar a vossa acção segundo uma consciência clara e recta. É, de resto, o problema de todo o homem e de todo o cristão, qualquer que seja o campo da sua actividade.

Sem dúvida, além dos pontos manifesta e directamente requeridos pela ordem moral (cf. Const. Gaudium et Spes GS 74, par. 4), a fé não determina, de maneira apodíctica, a atitude concreta que é conveniente tomar em função de cada situação ou projecto político, porque muitos elementos que entram em jogo pertencem a uma ordem diversa da ordem da fé e requerem prudência, a ponto de se poder falar de legítima autonomia da política. Mas, para pesar as suas decisões políticas, cada cristão deve tomar em consideração não só os imperativos invioláveis da moral fundamental, que todos os homens e todas as autoridades públicas devem ter em conta, mas também um certo número de objectivos que fazem parte integrante do Evangelho e que são coerentes com ele. Porque se o Evangelho não tem o monopólio destas atitudes comuns aos crentes e aos homens de boa vontade, diminui-lhes porém as exigências e dá-lhes um significado mais profundo e renovado. Não é este todo o sentido da constituição conciliar sobre a Igreja no mundo contemporâneo, e dos documentos que a ampliaram?

5. Permiti-me que cite alguns exemplos.

O cristão encara principalmente a sua tarefa prática como serviço aos homens e busca rigorosa das condições sociais da expansão dos mesmos sob todos os aspectos: serviço que tem ressonâncias muito evangélicas de desinteresse, lealdade, justiça e lucidez, de atenção caridosa às pessoas e às situações.

Servir o homem é considerar toda "a dignidade do ser humano, entendido integralmente, e não reduzido a uma só dimensão"; é, pois, considerar o conjunto dos seus direitos inalienáveis, que evoquei perante a Assembleia das Nações Unidas (2 de Outubro de 1979, n. 13). O respeito da vida humana, em todos os estádios do seu desenvolvimento, é o primeiro entre estes direitos, e por conseguinte o primeiro dever dos cidadãos, de modo particular daqueles que têm responsabilidades legislativas.

Servir a sociedade, é promover ardentemente o sentido do bem comum, o bem de toda a nação e de todo o povo; é fazer que sejam superados os egoísmos dos indivíduos e dos grupos particulares, que são prejudiciais ao interesse dos outros. Mas é evitar, ao mesmo tempo, que a justa liberdade seja abalada, é evitar que jamais seja sacrificada a transcendência da pessoa, que, para a fé cristã, não é nunca um meio, mas um fim.

Como o recente Sínodo acentuou mais uma vez, o cristão concede atenção privilegiada à família, que é a célula primária e fundamental da sociedade e que deve encontrar nas leis a máxima protecção e ajuda; tem em conta também o contributo dos corpos intermediários.

O cristão considera primordial o dever de salvaguardar e promover as condições para uma educação moral e espiritual: como podemos deixar de o recordar quando se acentua uma visão puramente materialista e hedonista da vida, quando são obscurecidas as razões de viver?

As desigualdades sociais preocupam em particular modo o cristão, especialmente a sorte daqueles cujas condições de alojamento, de salário, de trabalho, ou infelizmente de desemprego, não permitem uma vida decente, e causam graves prejuízos à vida familiar; e também a situação precária dos deficientes, e dos emigrantes.

Além disso, o cristão recusa-se a deixar-se limitar aos problemas, embora graves, do seu meio ou do seu país, porque ele sente-se solidário com os países menos favorecidos e as inumeráveis massas de pessoas que não têm o mínimo vital de alimentação, de cuidados e de liberdade. Não aceitará nada que possa gerar ou encrudescer, directa ou indirectamente, as oposições e as guerras, mesmo que nisso esteja em jogo o seu interesse. Considera de extrema gravidade as ameaças de destruição de que há não muito falei em Hiroxima. Praticamente, procura orientar no sentido do desenvolvimento, no sentido da solução do problema da fome, e para o progresso da saúde, os imensos recursos da ciência e da técnica.

Para além das divergências legítimas nos meios políticos, o cristão tem a preocupação da verdade e do respeito das pessoas. Confia no poder da reconciliação e no progresso da unidade. Sabe que, sem amor, a civilização caminha para a ruína,

Espero muito, Senhoras e Senhores, que estes princípios cristãos, aliás muito generosos, vos sejam familiares. Pelo menos, confirmem eles, como recordava o Concílio Vaticano II, que "a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova e faz-nos conhecer a vontade divina sobre a vocação integral do homem, orientando assim o espírito para soluções plenamente humanas" (Gaudium et Spes GS 11, par. 1). Faço votos por que o vosso grupo de espiritualidade vos permita aprofundar tais princípios e desenvolvê-los, a fim de que vos inspirem cada vez mais quando elaborardes, ou votardes as leis nas vossas Assembleias. O testemunho e a acção dos cristãos devem, de facto, manifestar-se ali com toda a clareza, e coerência com o Evangelho. Foi meu propósito encorajar-vos, bem sabendo a complexidade da vossa tarefa.

6. Dirijo-me a cristãos e às suas famílias, no momento em que toda a Igreja vai entrar na Quaresma: convido-vos a voltar-vos para Deus, a deixar-vos interpelar pela sua Palavra — "convertei-vos, dirá amanhã a liturgia, e acreditai no Evangelho" — a fim de purificar tudo aquilo que, nas vossas opções pessoais, familiares e políticas, não corresponde à verdade e à caridade de Cristo.

E sobretudo resida em vós a esperança, a esperança de um mundo renovado pelo Espírito de Cristo! Agradeço-vos a vossa visita e de todo o coração vos abençoo, como também as vossas famílias e todos os que vos são queridos. Peço a Deus abençoe também o vosso país; ele tornou-se-me ainda mais próximo, o ano passado, quando da visita a Paris e a Lisieux: desejo-vos que vós próprios contribuais para o seu progresso e a sua honra.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À PONTIFÍCIA COMISSÃO


PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS


Sala do Trono

Quinta-feira, 5 de Março de 1981



Caríssimos Irmãos
Caros membros, consultores e colaboradores
da Comissão para as Comunicações Sociais

Sinto-me feliz em me encontrar convosco, por ocasião de uma reunião como esta. As Assembleias plenárias são um tempo forte muito importante para os órgãos da Cúria. Tanto mais encontram o seu lugar numa Comissão que quer, ela mesma, promover as comunicações sociais. Parece-me importante recolher os testemunhos e as sugestões daqueles que estão continuamente em diálogo, nos seus respectivos países, com os artífices dos "mass media" e que percebem facilmente as suas exigências.

Da minha parte, desde o início do meu pontificado, tenho procurado aproveitar as ocasiões propícias para me dirigir aos representantes da imprensa, da rádio e da televisão. Hoje, por intermédio das vossas pessoas e do vosso apostolado, é-me possível avaliar um pouco melhor como a pastoral das comunicações se desenvolve e encontra adequadas realizações, tanto no centro da Igreja como nas Igrejas particulares, em todos os países e continentes.

Podemos dizer que esta pastoral é uma herança que recebemos do Concílio Vaticano II, em primeiro lugar com o Decreto Inter Mirifica e, em seguida, com a Instrução Pastoral Communio et Progressio, preparada por mandato do próprio Concílio, solenemente aprovada por Paulo VI e que forma o texto de referência da vossa actividade apostólica específica.

Os recentes Sínodos dos Bispos proporcionaram o ensejo de recorrer com frequência à utilização dos Meios de Comunicação Social na obra da evangelização.

Atingir o homem de hoje, muito condicionado por estes meios, fazer-se ouvir, fazer-se compreender e fazer-se aceitar, constitui uma problemática pastoral nova, que deve, precisamente, saber utilizar estes meios. É então necessário aceitar as suas exigências, conhecer a sua linguagem. e os seus mecanismos. "Aquele que semeia pouco, pouco colhe". Nós, no entanto, queremos colher para Cristo uma abundante messe. E a isso somos incitados pela expectativa de milhões de fiéis de todas as partes do mundo. Eles querem ouvir, compreender e viver o ideal que, desde há dois mil anos, ilumina e arrebata a civilização que exactamente aqui teve o seu berço.

Desejo vivamente que não se fique apenas nos votos formais, mas que se encontre nestes factos estímulo para um apostolado adequado da Igreja no mundo moderno, apostolado a que os episcopados e o clero, as associações e os organismos católicos ainda deveriam consagrar mais energias e tempo.

Como está escrito na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, trata-se de um verdadeiro desafio. Para cumprir a missão de pregar o Evangelho "sobre os telhados" por todo o universo, "e a todas as criaturas" — para usar as próprias palavras do Senhor —, tarefa primordial que compete a cada Pastor, deve-se poder contar com os recursos dos Meios de Comunicação Social, maravilhosos instrumentos tanto pela sua eficácia como pela sua repercussão, mas que têm também os seus limites e cuja utilização é delicada para que a mensagem evangélica ou o testemunho da Igreja sejam apresentados em toda a sua profundidade.

Desejo que este encontro seja muito frutuoso para todos vós, e especialmente para este centro romano que deve fazer face a um trabalho enorme, também durante as viagens pastorais do Papa!

Estou e permanecerei muito próximo de vós, neste trabalho difícil mas indispensável. Não me alonguei acerca dos temas precisos da vossa Assembleia, que não tive a oportunidade de estudar. Não duvido, no entanto, da vossa competência e das vossas convicções a este respeito. Aproveito antes a ocasião para tomar contacto convosco.

De todo o coração vos concedo, como a todos os membros das Comissões episcopais para os Meios de Comunicação Social que trabalham nos diversos países, e a todos os vossos colaboradores, sacerdotes e leigos, uma particular Bênção Apostólica, pedindo ao Espírito Santo, por intermédio de Maria, as graças necessárias para o vosso importante apostolado.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS SACERDOTES DA DIOCESE DE ROMA


Sala Clementina do Palácio Apostólico

Quinta-feira, 5 de Março de 1980



Veneráveis Irmãos

1. Ao tomar a palavra, depois das várias intervenções que se foram seguindo nesta Sala e eu ouvi com grande interesse, exprimo primeiro que tudo a minha alegria por este encontro, em que me é dado acolher os Sacerdotes da minha Diocese nas suas diversas ordens e nos seus graus. Como não me alegrar vendo ao meu lado — juntamente com o caro e zeloso Cardeal Vigário, e com Suas Ex.cias o Vice-Gerente e os Bispos Auxiliares — tão escolhida falange de Pastores, que responsavelmente contribuem para aliviar com o próprio trabalho o "peso do dia e do calor" da fadiga apostólica, que me foi confiada por Deus nesta dilecta Cidade de Roma, para a qual de toda a parte do mundo se olha como para a Comunidade "digna de Deus, digna de honra, e digna de ser proclamada feliz", porque "preside a universal assembleia da caridade" (Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, Inscr.)?

É feliz momento de intimidade espiritual o nosso, que recorda a primitiva comunidade cristã, que o Livro dos Actos descreve como "um só coração e uma só alma" (Ac 4,32). O Senhor está connosco. É o que nos assegura a promessa que Ele fez no Evangelho a todos os que se encontram reunidos em Seu nome (cf. Mt Mt 18,20). N'Ele me apraz sentir hoje aqui presentes, unidos pelo comum vínculo de uma caridade fraternalmente viva e quente, também os sacerdotes que as obrigações do ministério detiveram noutros pontos. A todos quero abraçar, a todos agradecer, a todos abençoar.

2. O assunto, para o qual foi chamada a nossa atenção, reveste importância fundamental no conjunto das actividades apostólicas, em que se distribui o plano pastoral da Diocese: a formação religiosa da juventude na escola é encargo em si mesmo delicado, que as circunstâncias actuais, tanto no interior das estruturas escolares como também no âmbito mais vasto da mentalidade e dos costumes sociais, tornam singularmente árduo e, por vezes, mesmo áspero e ingrato. Desejo aproveitar esta circunstância para testemunhar, primeiro que tudo, o meu apreço e a minha estima por todos os que despendem as suas energias neste serviço altamente meritório: a eles dirijo, com afecto, uma especial palavra de complacência e de exortação, que desejaria fosse recebida como conforto e apoio nas dificuldades da fadiga quotidiana.

O pensamento vai, em primeiro lugar, para a Escola católica, cuja presença na nossa Cidade é particularmente consistente. Os qualificados manípulos de Religiosos e de Religiosas, que dedicam o melhor de si mesmos à obra educativa dentro destas Instituições, devem poder contar com a compreensão e o apoio da inteira Comunidade eclesial. A sua acção, de facto, atinge todos os dias dezenas de milhares de jovens, com os quais eles podem travar um diálogo educativo que, nascendo das mil oportunidades oferecidas pelo desenvolvimento das diversas disciplinas e valendo-se de certo estilo de vida alimentado no interior do Instituto, é capaz de exercer um influxo educativo especialmente profundo e duradouro.

Cada Pastor de almas não pode portanto deixar de olhar com fervor e simpatia para a actividade exercida pelos Institutos católicos que operam na área da Diocese, e a eles deve oferecer aquela colaboração que as circunstâncias tornam, por sua vez, possível e oportuna. Ao mesmo tempo os Directores e os Professores das Escolas católicas devem sentir o empenho de se inserirem activamente na Igreja local, mantendo com ela constantes contactos nos organismos para isso predispostos e orientando os jovens para as estruturas pastorais que, no plano tanto diocesano como paroquial, promovem iniciativas para eles orientadas. É necessário evitar formas de isolamento que afastando os jovens da participação na vida da Comunidade eclesial, correriam o risco de lhes prejudicar, ao terminarem os estudos, a perseverança na prática religiosa e até mesmo talvez nas próprias opções da fé.

3. Vem depois a Escola "pública". A este propósito, desejaria dizer imediatamente que o Sacerdote não pode ter em pequena conta as possibilidades de acção apostólica, abertas diante dele mesmo neste campo. Penso até que urge não deixar perder nenhuma das oportunidades oferecidas neste sector pela ordenação jurídica vigente. Isto já na Escola primária, em que são iniciadas as crianças no conhecimento unitário dos primeiros elementos das várias disciplinas. Como não ver nesta fase do tirocínio escolar uma importante premissa para os sucessivos progressos da evangelização? Os Sacerdotes empenhados na actividade pastoral farão bem, portanto, em aplicar-se para oferecer em tal campo, nos limites que lhes são consentidos, toda a sua colaboração, quer nos contactos com os alunos, quando devem completar o ensino religioso dado pelos Mestres de classe, quer no diálogo construtivo com os Directores didácticos e com os Mestres, e mediante toda a outra iniciativa que possa mostrar-se oportuna.

Particular cuidado é atribuído ao ensino da Religião na escola média inferior e superior. É a esse nível, com efeito, que se encontram as dificuldades maiores e as mais frequentes perplexidades, mas é também em tal âmbito que se abrem as mais estimulantes perspectivas. Ao assegurar que as reflexões, expostas por todos os que tomaram há pouco a palavra, não deixarão de constituir objecto de devida consideração, tenho o gosto de aproveitar a circunstância para recordar alguns princípios, que é necessário terem-se presentes nesta matéria, e para indicar as consequentes linhas de acção.


Discursos João Paulo II 1981 - Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 1981