Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 21 de Março de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DE CREMONA (ITÁLIA)


Segunda-feira, 23 de Março de 1981



Caríssimos fiéis da Diocese de Cremona

1. A ocasião que vos trouxe a Roma e aqui, na Sé de Pedro, a esta especial Audiência a vós reservada, é muito singular e significativa: a proclamação para toda a Diocese de um "ano mariano", precisamente desde 26 de Maio próximo até 26 de Maio do ano que virá, em coincidência com o quingentésimo quinquagésimo aniversário da aparição de Nossa Senhora em Caravaggio, onde se encontra o Santuário bem conhecido e a vós particularmente querido. Como preparação imediata para tal iniciativa, quisestes encontrar-vos com o Papa, manifestar-lhe a vossa fé e o vosso filial obséquio e escutar a sua palavra.

A vossa visita enche-me de alegria e conforto, e por isso, com os sentimentos do mais vivo e cordial reconhecimento, apresento-vos a minha afectuosa saudação. Primeiramente, desejo saudar o vosso Bispo e os seus Colaboradores; e depois vós todos, que representais a cara Diocese de Cremona e sois intérpretes das suas ricas tradições religiosas e da sua fidelidade cristã. Levai a minha saudação de bênção a todos os irmãos da diocese.

2. Na perspectiva de um ano inteiro dedicado a mais intensa preocupação pastoral, na luz e no amor de Maria Santíssima, desejaria deixar-vos como indicação, válida para agora e para sempre, as palavras mesmas que Ela disse aos criados: "Fazei tudo o que Ele vos disser" (cf. Jo Jn 2,5). Constituí tesouro com todas aquelas iniciativas e actividades de carácter formativo, cultural, sacramental, devocional e caritativo, que vos serão propostas: sede generosos. Fazei que os vossos Pastores fiquem satisfeitos convosco. Ajudai os vossos Pastores, para serem abundantes os frutos e para que o "ano mariano" possa trazer muitas almas à reflexão, à conversão, à maturação humana e cristã, a novo aperfeiçoamento na fé e na virtude, e ao aumento das vocações sacerdotais e religiosas.

3. Em particular, desejaria sugerir-vos três compromissos, que parecem mais importantes nesta nossa época: — primeiro que tudo, um compromisso mais global e completo a respeito da catequese. Muitas vezes a verdade pode desconcertar a razão e sobretudo o instinto que tende à satisfação imediata e sem escrúpulos. Mas a verdade é a revelada por Jesus, ensinada pelo Magistério autêntico da Igreja. Não muda, embora pelo contrário mude continuamente a história. É necessário ter a coragem da verdade e eliminar todas as reticências, as ambiguidades, os subterfúgios e as interpretações confusas ou diluídas, que despertam mal-estar nas almas e deixam as pessoas perplexas e desorientadas. Os erros passam; a Verdade fica. Mas, anunciar e praticar toda a Verdade, por vezes custa. Já Cristo o anunciou, falando do caminho estreito e pedregoso, da porta baixa e da cruz quotidiana. Mas a Verdade ilumina e salva: "Quem Me segue não andará nas trevas" (Jn 8,12); — em segundo lugar, um compromisso mais profundo e decisivo na vida litúrgico-sacramental. Devemos de novo meditar profundamente sobre o valor da Santa Missa entendida como "Sacrifício", que sob as Espécies de Pão e de Vinho — por obra do Sacerdote, que actua "in persona, Christi" — renova misticamente sobre o altar o Sacrifício redentor e único da Cruz. Como homens e criaturas, todos devem implorar e adorar o Altíssimo; como cristãos sabemos que o máximo da oração e da adoração é a Santa Missa. O Sacrifício da Missa é também sacramento, que dá força e consolação à alma, a qual porém, a fim de receber a Eucaristia, deve estar em graça. E aqui enxerta-se a Catequese relativa ao Sacramento da Penitência; — por fim, como último compromisso, um propósito mais generoso e concreto na caridade e no amor para com todos os irmãos, vencendo o egoísmo individual, sacrificando realmente alguma coisa, estendendo a sério a mão a quem está em necessidade.

Caríssimos

Perto da vossa Cidade de Cremona, carregada de história, no meio da vegetação da magnífica planura do rio Pó, junto da antiga Vila de Caravaggio, surge o Santuário de Nossa Senhora da Fonte, o maior da Lombardia e um dos mais populares e frequentados da Itália. Vós bem conheceis as circunstâncias da sua origem: a aparição de Maria Santíssima, na tarde de 26 de Maio de 1432, à pobre mulher. "Giovannetta de' Vároli", que, num momento de grave angústia, a Ela se dirigira como a último refúgio e última esperança. Nossa Senhora apareceu-lhe e não só a consolou, mas constituiu-a embaixatriz junto dos poderosos desse tempo e junto dos habitantes de Caravaggio, para os chamar à vida cristã e levá-los à paz. A vidente, embora no meio de oposições e sofrimentos, foi fiel à sua missão, que desempenhou com amor e coragem, consolada pela protecção da Mãe do Céu.

Recordando este facto, sede também vós fiéis e generosos neste "ano mariano". Acompanhe-vos sempre a devoção a Maria e ajude-vos também a minha Bênção Apostólica, que torno extensiva a toda a vossa Diocese.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ALUNOS DA PONTIFÍCIA ACADEMIA ECLESIÁSTICA


Segunda-feira, 23 de Março de 1981



Acolhi de bom grado o desejo expresso pelo vosso caro Presidente, D. Cesare Zacchi, de um encontro convosco, neste momento que se segue logo após os Exercícios Espirituais por vós realizados em Assis, e precede a destinação de alguns dentre vós ao serviço das Representações Pontifícias.

Quereria em primeiro lugar agradecer os votos augurais que me enviastes de Assis. Todas as assinaturas que vi naquela missiva assumem agora a forma de um semblante, ao qual me é grato dirigir-me para um colóquio, que desejaria fosse simples mas também significativo.

Penso que a evocação de São Francisco não vos tenha sido sugerida por circunstâncias casuais, mas proceda antes da profunda intenção e busca de uma inspiração para a vossa vocação. De facto, São Francisco constitui luminoso exemplo também para o ministério que sois chamados a realizar e ajuda eficazmente a compreenderdes o seu verdadeiro sentido e o genuíno espírito. A sua vontade de ser homem evangélico, a sua identificação com Cristo, o seu amor apaixonado, sem reservas e sem críticas à Igreja, no testemunho de radical pobreza, na mansidão como homem da fraternidade universal e da paz, não são estes aspectos e valores próprios da natureza e da missão do Representante Pontifício?

É para este espírito que visa formar-vos a Pontifícia Academia Eclesiástica, cujo 280° aniversário ocorre este ano. Esta, que tem grande tradição e, também hoje, qualificada função, passou, ao longo dos anos, por diversas actualizações a fim de responder às exigências de um idóneo serviço eclesial. Mais recentemente ela renovou-se no contexto da eclesiologia, do Concílio Vaticano II e do novo estilo de relações entre Sé Apostólica e Igrejas locais. A universalidade, que é tão bem representada pela vossa procedência, deve estar acompanhada de outras notas fundamentais que devem caracterizar a Academia Eclesiástica. Quereria indicar-vos algumas.

1. Ela, deve ser acima de tudo lugar de maturação espiritual e cenáculo de oração. Se o exercício de todo o ministério sacerdotal exige profunda vida espiritual, desejaria dizer que a missão, que sois chamados a desempenhar, comporta situações tão peculiares e, às vezes, tão árduas de vida e de acção que, se viesse a faltar a fonte de uma intensa espiritualidade, correr-se-ia o risco de nos privarmos de linfa e de ideais. O tempo que passais neste Instituto seja, por conseguinte, tempo de recolhimento e de profundidade; tempo não de diminuição da ascese, mas de perseverante adestramento naquelas virtudes que no futuro formarão sólido e seguro apoio da vossa missão.

2. A Pontifícia Academia Eclesiástica deve ser depois lugar de assídua preparação cultural, um cenáculo de estudo. O serviço da Santa Sé, participando da sollicitudo omnium ecclesiarum, comporta hoje graves exigências e requer competências que não podem ser improvisadas.

Desejo de coração que saibais enriquecer-vos neste período precioso para a vossa formação, de tal sorte que no futuro possais estar à altura da missão a vós confiada. E, além disso, faço votos por que um esforço sério de estudo vos acompanhe toda a vida.

3. Em terceiro lugar, a Pontifícia Academia Eclesiástica deve ser lugar de maturação do sentido pastoral. Ao Representante Pontifício pede-se hoje uma elevada sensibilidade no relacionamento com os Pastores que o Espírito Santo colocou para dirigir as várias igrejas locais, e um espírito disponível a acolher e interpreta as situações e os problemas pastorais. É esta uma forma mentis que deveis adquirir e desenvolver, para vos tornardes idóneos para o serviço da comunhão eclesial entre as Igrejas locais e a Sé de Pedro.

Agradeço vivamente ao vosso Excelentíssimo Presidente, que se dedica à vossa formação com entusiasmo e abnegação, e sou grato aos vossos professores pelo trabalho que realizam. Faço votos aos alunos, que dentro em pouco concluirão os cursos, por que assumam o seu ministério com generosa disponibilidade e com serena confiança na protecção da Virgem Santíssima. E a todos abençoo de coração em nome Senhor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA VISITA


AO SEMINÁRIO MAIOR JUNTO DO LATRÃO


Quarta-feira, 25 de Março de 1981



Encontramo-nos no solene dia da Anunciação. Anunciação quer dizer vocação: de facto, este é o dia em que à Virgem de Nazaré foi revelada a sua singular vocação; o dia em que a Virgem de Nazaré, ao conhecer a própria vocação, deu uma resposta breve: "Eis aqui a escrava do Senhor".

O mistério da Anunciação tem a sua continuidade; embora tenha sido único, tem sempre as suas analogias na vida da Igreja, pois a vida da Igreja constitui-se por meio das vocações, de diversas vocações. A vida cristã é uma vocação, e na vida cristã há diferentes vocações: há também uma vocação sacerdotal, que pode assemelhar-se especialmente à vocação da Virgem de Nazaré. Há também a vocação religiosa, para a qual se pode fazer a mesma comparação. Assim, podemos dizer que o seminário é um ambiente, onde mistério da Anunciação se repete na vida da Igreja com especial intensidade: é a casa da Anunciação. Para aqui vêm todos os que já receberam a sua Anunciação, já conheceram a vontade de Deus, e já deram a primeira resposta. Eis aqui o servo do Senhor. Vieram para aqui porque no Seminário esta sua resposta deve maturar, deve ser sempre mais aprofundada, mais identificada: quem recebeu a vocação deve identificar-se sempre mais com esta vocação. Este é o objectivo fundamental do Senhor.

Por isso, o dia da Anunciação deve ser celebrado nos Seminários, e de modo especial no Seminário Romano. Estou particularmente grato por ter podido participar nesta celebração da solenidade da Anunciação no nosso Seminário Romano. Agradeço à Providência, à Virgem, e sou grato também a vós que me convidastes para esta celebração da solenidade mariana, que está tão ligada ao Seminário, à sua mesma natureza e profunda finalidade. Faço votos, caríssimos, por que o vosso caminho, o vosso rumo vocacional, seja sempre semelhante a este breve caminho da Anunciação. Faço votos por que a Virgem vos ajude na imitação da sua sensibilidade interior à palavra de Deus e da sua resposta singular, simples e decisiva: Eis aqui a escrava do Senhor.



PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 25 de Março de 1981



Aos Jovens na Basílica de São Pedro

A Anunciação do Senhor mistério fundamental da Encarnação

1. Eis que venho para fazer, ó Deus, a Tua vontade (cf. Sl Ps 39,8 s.; He 10,7).

Eis aqui a escrava do Senhor (Lc 1,38).

São as palavras do Verbo que entra no mundo, e as de Maria que disso recebe o anúncio. Com estas palavras vos saúdo, caríssimos irmãos e irmãs, neste dia soleníssimo dedicado pela Liturgia à Anunciação do Senhor. O coração do crente bate de comoção e de amor com o pensamento do instante inefável, em que o Verbo se tornou um de nós: et Verbum caro factum est. Desde os primeiros séculos voltou-se o coração da Igreja, com toda a devoção, para o facto que hoje recordamos; recordo as mais antigas fórmulas do Credo, que remontam pelo menos ao século II, solenemente confirmadas pelos Concílios, de Niceia de 325, e de Constantinopla de 381; recordo o afresco das Catacumbas de Priscila, do século II, primeiro testemunho comovedor daquele tributo, que a arte cristã dedicou sem descanso à Anunciação do Senhor, com as páginas mais brilhantes da sua história; recordo a grande basílica, construída no século IV em Nazaré por iniciativa da imperatriz Santa Helena. Também a solenidade de hoje é muito antiga. Embora as suas origens não estejam determinadas com certeza cronológica pelos estudiosos, ela, já no fim do século VII (com inícios certamente anteriores), tinha sido definitivamente fixada em 25 de Março. Na verdade antigamente julgava-se que neste dia se tinham realizado a criação do mundo e a morte do Redentor: de maneira que a data da festa da Anunciação contribuiu para levar a ser fixada a do Natal (cf. F. Cabrol, Annonciation/Fête de l'/, em DACL, I, 2, Paris 1924, Col 2247). A solenidade hodierna tem por isso grande significado quer mariano, quer cristológico.

2. Maria dá o seu consentimento ao Anjo anunciador. A página de Lucas, mesmo na sua frugal concisão, é riquíssima de conteúdos bíblicos antico-testamentários e da inaudita novidade da revelação cristã: desta é protagonista uma mulher, a Mulher por excelência (cf. Jo Jn 2,4 Jn 19,26), escolhida desde toda a eternidade para ser a primeira indispensável colaboradora do plano divino de salvação. É a 'almah profetizada por Isaías (7, 14), a donzela de estirpe real a corresponder ao nome de Miriam, de Maria de Nazaré, humílimo e oculto povoado da Galileia (cf. Jo Jn 1,46); a autêntica novitas cristã — que elevou a mulher à altíssima e incomparável dignidade, inconcebível para a mentalidade hebraica do tempo como para a civilização greco-romana — começa com este anúncio dirigido a Maria por Gabriel, em nome do próprio Deus. É saudada com palavras tão altas que a perturbam: "Kaire, Ave, alegra-te"! A alegria messiânica ressoa pela primeira vez na terra. "Kekaritoméne, gratia plena, cheia de graça"! A Imaculada está aqui esculpida na sua plenitude misteriosa de eleição divina, de predestinação eterna, de clareza luminosa. "Dominus tecum, o Senhor está contigo"! Deus está com Maria, membro eleito da família humana para ser a mãe do Emanuel, d'Aquele que é "Deus connosco": Deus estará doravante, sempre, sem arrependimentos e sem retratações, ao lado da humanidade, feito um com ela para a salvar e lhe dar o Seu Filho, o Redentor: e Maria é a garantia viva, concreta, desta presença salvífica de Deus.

3. Do colóquio entre a Criatura eleita e o Anjo de Deus continuam a derivar para nós outras Verdades fundamentais: "Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, o Senhor Deus dar-lhe-á o trono do Seu pai, David... O Espírito Santo virá sobre ti e a forca do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo, que vai nascer, se há-de chamar Filho de Deus" (Lc 1,31 s., 35). Vem Aquele que, originário da linhagem de Adão, entra nas genealogias de Abraão e de David (cf. Mt Mt 1,1-17 Lc 3,23-38): Está na linha das promessas divinas, mas vem ao mundo sem necessitar da trajectória da paternidade humana, melhor, ultrapassa-a na linha da fé imaculada. Toda a Trindade está empenhada nesta obra, como o Anjo anuncia: Jesus, o Salvador, é o "Filho do Altíssimo", o "Filho de Deus"; está presente o Pai a estender a Sua sombra sobre Maria, está presente o Espírito Santo a vir sobre Ela para lhe fecundar o seio intacto com o Seu poder. Como subtilmente comentou Santo Ambrósio, na exposição sobre esta passagem do Evangelho de Lucas, ouviu-se naquele dia pela primeira vez a revelação do Espírito Santo, e foi logo acreditada: "et auditur et creditur" (Exp. Ev. sec. Lucam, II, 15; ed. M. Adriaen, CCL, XIV, Turnholti 1957, p. 38).

O Anjo pede o consentimento de Maria para a entrada do Verbo no mundo. A expectativa dos séculos passados está concentrada neste ponto; dele depende a salvação do homem. São Bernardo, ao comentar a Anunciação, exprime de maneira estupenda este momento único, quando diz, dirigindo-se à Senhora: "Toda a gente espera, prostrada aos teus pés; não sem razão, porque da tua boca depende a consolação dos aflitos, a redenção dos prisioneiros, a libertação dos condenados, a salvação, por fim, de todos os filhos de Adão, a tua estirpe inteira. Apressa-te, Virgem, em responder" (In laudibus Virginis Matris Homilia IV, 8; em Sermones, I, edd. J. Leclerq et H. Rochais, S. Bernardi Opera Omnia, IV, Romae 1966, PP 53 s.).

E o consentimento de Maria é consentimento de fé. Encontra-se na linha da fé. Justamente, portanto, o Concílio Vaticano II, ao reflectir sobre Maria como protótipo e modelo da Igreja, propôs um exemplo da sua fé activa precisamente no momento do Fiat que pronunciou: "Maria não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo, mas... cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens" (Lumen Gentium LG 56).

A seguirmos os mesmos passos da fé activa de Maria convida-nos, por isso, a solenidade de hoje: fé generosa, que se abre à Palavra de Deus, que acolhe a vontade de Deus, qualquer que seja e onde quer que se manifeste; fé forte, que supera todas as dificuldades, as incompreensões e as crises; fé operosa, alimentada como viva chama de amor, que deseja colaborar fortemente com os desígnios de Deus sobre nós. "Eis aqui a escrava do Senhor": cada um de nós, segundo o convite do Concílio, deve estar pronto a responder assim, como Ela, na fé e na obediência, para cooperar, cada um na própria esfera de responsabilidade, na edificação do Reino de Deus.

4. A resposta de Maria foi o eco perfeito da resposta do Verbo ao Pai. O Eis-me aqui por Ela pronunciado é possível na medida em que o precedeu e sustentou o Eis-me aqui do Filho de Deus que, no momento do consentimento de Maria, se torna o Filho do Homem. Hoje celebramos o mistério fundamental da Encarnação do Verbo. A Carta aos Hebreus faz-nos, por assim dizer, penetrar nos abismos insondáveis deste despojamento do Verbo, deste seu humilhar-se, por amor dos homens, até à morte da cruz: "Ao entrar no mundo Cristo diz: 'Não quiseste sacrifício nem oblação, mas preparaste-Me um corpo. Os holocaustos e sacrifícios pelo pecado não Te agradaram. Então Eu disse: Eis que venho — como está escrito de Mim no livro — para fazer, ó Deus, a Tua vontade' " (He 10,5 ss.).

Preparaste-Me um corpo: a hodierna celebração leva-nos, sem mais, à data do Natal, dentro de nove meses; mas ela, com o pensamento misticamente profundo que, segundo disse, foi bem captado pelos nossos irmãos e irmãs da Igreja dos primeiros séculos, conduz-nos sobretudo à próxima Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. O facto de a Anunciação do Senhor cair dentro e a propósito do período quaresmal, faz-nos compreender o significado redentor dela: a Encarnação está intimamente ligada com a Redenção, que Jesus realizou derramando o Seu sangue por nós na Cruz.

Eis que venho para fazer, ó Deus, a Tua vontade. Para quê esta obediência, para quê este abaixamento e para quê este sofrer? Responde-nos o Credo: "Propter nos homines et propter nostram salutem: Por nós, homens, e para a nossa salvação" Jesus desceu do Céu para fazer subir depois lá para cima, com pleno direito, o homem, e, tornando-o filho do Filho, restituí-lo à dignidade perdida com o pecado. Veio para levar a efeito o plano original da Aliança. A Encarnação confere para sempre ao homem a sua extraordinária, única e inefável dignidade. E daqui se origina o caminho que a Igreja percorre. Como escrevi na minha primeira Encíclica: "Cristo Senhor indicou este caminho sobretudo quando — como ensina o Concílio — 'com a encarnação o Filho de Deus se uniu em certo modo a cada homem' (Gaudium et Spes GS 22). A Igreja reconhece, pois, o seu encargo fundamental de fazer que tal união possa continuamente realizar-se e renovar-se. A Igreja deseja servir este único fim: poder cada homem reencontrar Cristo, para que possa Cristo, com cada um, percorrer o caminho da vida, com o poder daquela Verdade sobre o homem e sobre o mundo, contida no mistério da Encarnação e da Redenção" (Redemptor Hominis RH 13).

5. A Igreja não esquece — como poderia fazê-lo? — que o Verbo, neste acontecimento que hoje recordamos, se oferece ao Pai para a salvação do homem, para a dignidade do homem. Naquele acto de oferta de Si mesmo está contido já todo o valor salvífico da Sua missão messiânica; tudo está já encerrado "in nuce" aqui, nesta misteriosa entrada do "Sol de justiça" (cf. Mt Mt 4,2) nas trevas deste mundo, que não O admitiram (cf. Jo Jn 1,5). Mas, assegura-nos o evangelista João "a todos os que O receberam, aos que crêem n'Ele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus; ... nasceram de Deus. E o Verbo fez-Se homem e habitou entre nós, e nós vimos a Sua glória, glória que vem do Pai, como Filho único, cheio de graça e de verdade" (Jn 1,12 ss.).

Sim, Irmãos caríssimos e Irmãs, vimos a Sua glória. A Liturgia apresentou-no-la hoje diante dos olhos na sua misteriosa e inefável grandeza, que nos vence com a sua magnificência e nos sustenta com a sua humildade: "O Verbo fez-Se homem e habitou entre nós".

Acolhamo-l'O.

Digamos-Lhe também nós: Eis-me aqui, venho cumprir a Tua vontade. Estejamos disponíveis para a acção do Verbo, que deseja salvar o mundo também mediante a colaboração de todos os que acreditámos n'Ele. Acolhamo-1'O. E com Ele, acolhamos cada homem. As trevas parecem ainda querer sempre prevalecer: a riqueza iníqua, o egoísmo indiferente ao sofrimento dos outros, a desconfiança recíproca, as inimizades entre os povos, o hedonismo, que entenebrece a razão e perverte a dignidade humana, todos os pecados que ofendem a Deus e vão contra o amor do próximo. Devemos dar, até no meio de tantos contratestemunhos, o testemunho da fidelidade; devemos ser, até entre tantos não-valores, o valor do bem que vence o mal com a sua força intrínseca. A Cruz de Cristo dá-nos a força para isso, a obediência de Maria dá-nos o exemplo. Não recuemos. Não nos envergonhemos da nossa fé. Sejamos astros que brilham no mundo, luz que atrai e calor que persuade.

Com a minha Bênção Apostólica.

Saudações

A peregrinos polacos

Desejo dirigir hoje aos meus compatriotas aqui presentes, proporcionalmente poucos, e também aos milhões não presentes, aqui, que vivem sobretudo na Polónia, o meu pensamento e o meu coração cheio de amor, cheio de esperança e cheio de preocupação. Li, com muita atenção, as palavras escritas pelo Primaz no seu comunicado de domingo dirigido à Igreja e a toda a sociedade, e uno-me, neste espírito de preocupação e de esperança a todos os meus compatriotas, a toda a minha Pátria. Deus permita que mais uma vez vença o sentido de responsabilidade pelo bem comum, por este grande bem comum que tem o nome de Polónia. Assim, como disse durante a minha visita, a minha peregrinação à Pátria, há quase dois anos.

Abençoo de coração todos os presentes, e todos aqueles que vivem na Polónia, e também todos os nossos irmãos que se encontram no estrangeiro, e que se unem a nós nestes encontros da quarta-feira.

A um grupo de peregrinos ingleses provenientes de Londres

Desejo dirigir urna palavra de boas-vindas ao grupo proveniente de Londres: os membros do "Leo Baeck Lodge of B'nai B'rith". Prometo-vos as minhas orações, e faço votos por que a vossa visita a Roma seja fonte de felicidade espiritual.

A um grupo de Religiosas franciscanas da diocese de Münster (Vestefália)

Saúdo hoje cordialmente de maneira especial o numeroso grupo de Irmãs franciscanas da diocese de Münster. A entrega cega e confiada à vontade de Deus no serviço a Cristo e à humanidade, a que nos exorta a festa de hoje, é precisamente o ideal primordial da vossa vida religiosa. Como Maria, o vosso padroeiro São Francisco é para vós exemplo esplendoroso dessa entrega. Em conformidade com a vossa regra franciscana, procurai imitá-lo com fidelidade e zelo nas múltiplas tarefas, grandes e pequenas, de todos os dias. Com estes votos peço para vós e para todos os peregrinos aqui presentes a força e a assistência de Deus com a minha especial Bênção Apostólica.

A uma peregrinação de lbi (Espanha)

Desejo agora dirigir uma palavra de especial saudação aos membros do grupo proveniente de Ibi, Alicante.

Agradeço-vos os filiais sentimentos que quisestes manifestar-me com a vossa visita, assim como os presentes oferecidos e que serão destinados às crianças deficientes.

Encorajo-vos a olhar para a vossa vicia com sentido cristão, pensando no bem dos outros e procurando levar um pouco mais de serenidade e recursos educativos a todos, especialmente à infância. Com estes votos concedo-vos, assim como às vossas famílias e aos vossos conterrâneos, a Bênção Apostólica.

Aos participantes no "International Training Course on Orbital and Palpebral Plastic Surgery"

Saúdo os participantes no "International Training Course on Orbital and Palpebral Plastic Surgery", que se realiza aqui em Roma, e, com a minha Bênção, faço-lhes votos por um aprofundamento cada vez maior dos seus problemas profissionais em vista de um serviço sempre mais eficaz às necessidades do homem.

A neo-Sacerdotes da Companhia de Maria

Dirijo uma particular saudação aos seis neo-Sacerdotes, religiosos da Companhia de Maria ou Monfortinos, e ao grupo formado pelos seus familiares e amigos.

A vossa nova vida de serviço ao Senhor e à Sua Igreja exige certamente muito de vós. Mas a vossa força e a vossa alegria deverão provir da total doação de vós próprios a Jesus Cristo, além da protecção materna de Maria Santíssima.

E a minha cordial Bênção vos acompanhe também.

A vários grupos paroquiais europeus

Desejo também saudar os representantes dos grupos paroquiais europeus aqui presentes, animados pela espiritualidade do Movimento dos Focolares. Sei que estudais nestes dias o tema: "O sim do homem a Deus". Pois bem, os meus votos são que possais dizer sempre "sim" ao Senhor, como o disse Maria no momento da anunciação, e tornar-vos, deste modo, nas suas mãos, instrumentos fecundos de salvação para os irmãos.

Com estes votos abençoo-vos de coração.

Aos Doentes

Saúdo agora os doentes presentes nesta Audiência, juntamente com o grupo de pessoas anciãs e enfermas, hospedadas e assistidas pelas beneméritas "Irmãzinhas dos Pobres", na sua Casa da Praça de São Pedro in Vincoli, em Roma.

Caríssimos, neste tempo de quaresma, em que os cristãos recordam, também mediante o pio exercício da Via-Sacra, o Salvador do mundo, que por causa dos nossos pecados suou sangue, foi flagelado e coroado de espinhos, também vós, no vosso itinerário de sofrimento, acompanhais Cristo no seu caminho para a Cruz. Deste modo, não estareis já sós, não derramareis lágrimas em vão, porque, unidos a Ele, o vosso padecimento é remido, aliás torna-se fonte de redenção para vós e para todos os homens. Se assim souberdes abraçar as vossas dificuldades e tribulações, merecereis ser chamados a ser realmente colaboradores de Cristo na obra de santificação das almas. Sirva-vos de conforto neste vosso empenho cristão a minha especial Bênção.



Aos Jovens na Basílica de São Pedro

1. A todos dirijo as minhas afectuosas boas-vindas, e juntamente convosco saúdo as autoridades escolares e os professores que vos acompanharam a este encontro.

Desejo reservar menção especial ao grupo mais numeroso, o do Instituto do Sagrado Coração, de Florença, dirigido pelas Irmãs da Delegação Especial da Sociedade do Sagrado Coração: às Religiosas, ao Corpo Docente, aos Alunos e às Alunas, e às respectivas famílias dirigem-se a minha cordial saudação e a expressão do meu apreço pelo sério empenho formativo, tanto cultural como cristão, que caracteriza este centro escolar.

2. O nosso encontro assume particular significado devido à solenidade litúrgica na qual ele se realiza. Hoje a Igreja celebra a anunciação do Senhor feita pelo Arcanjo Gabriel a Maria Santíssima. Trata-se da realização daquele inefável mistério de amor, que é o intercâmbio entre a divindade de Deus e a nossa humanidade. Por misericordioso desígnio de Deus, a humanidade, prevaricadora com o pecado original, não foi abandonada a si mesma: um salvador, membro do género humano, portanto "nascido de mulher" (Ga 4,4), da "estirpe de David" (Rm 1,3), devia alcançar a vitória no combate com Satanás (cf. Gén Gn 3,15). E isto realizou-se mediante a Virgem Santíssima, a quem o Arcanjo do Senhor depois de a saudar cheia de graça, objecto do divino amor, faz o convite à exultação, porque o Filho que dela há-de nascer, por obra do Espírito Santo, será o próprio Filho de Deus: a Ela, portanto, e mediante Ela à humanidade, o Verbo solicitou uma natureza humana, e Maria, na sua total disponibilidade à divina vontade, ofereceu-Lha: "Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).

3. Caríssimos jovens! Da meditação atenta e serena da resposta de Maria, advém o convite a uma fé profunda e a uma grande generosidade. A sociedade de hoje é às vezes sufocada pelos condicionamentos de uma visão agnóstica e materialista e pela tentação de autonomia humana, fechada à transcendência. É necessário que tenhais larga visão de fé, que afirmeis uma abertura para horizontes muito amplos: os do Absoluto, para poderdes apreender o sentido definitivo da existência humana e o comunicardes aos vossos coetâneos. É só mediante esta fé do Amor que salva, que as jovens gerações poderão encontrar a força para uma afirmação construtiva da dignidade do homem, em sintonia com a sua vocação de filho de Deus. Só desta sempre renovada procura do Senhor, advém para vós a força de generosa doação. A vós é confiada a construção de uma nova "civitas", dentro de cujos muros sejam cancelados as discriminações, as injustiças, os desequilíbrios e as lutas. Para isto é necessária uma acção perseverante e generosa, inspirada e alimentada pelo amor, que encontra precisamente a sua fonte naquela graça divina, meritória do "sim" de Maria. Coragem, caríssimos jovens, os horizontes são vastíssimos, multíplices as propostas. Convém agir com esclarecida criatividade e invencível perseverança. Não vos poupeis a nenhum compromisso, a qualquer esforço exigido pela consciência de dever colaborar na construção de um mundo mais justo, mais são. Conforte-vos a minha Bênção Apostólica, que vos concedo como também aos vossos familiares e professores.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS CAVALEIROS DO SANTO SEPULCRO DE JERUSALÉM


Quinta-feira, 26 de Março de 1981



Senhor Cardeal! Excelência!
Ilustres Senhores!

1. É-me grato dirigir-vos uma breve mas cordial palavra de saudação e boas-vindas a este encontro familiar, por ocasião da vossa reunião em Roma, na qualidade de Membros do Grão-Mestrado da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém.

Agradeço vivamente as cordiais expressões que o Cardeal Maximiliano de Fürstenberg, fazendo-se intérprete dos vossos comuns sentimentos, se aprouve dirigir-me.

Mas exprimo-vos sobretudo sincera satisfação pela vasta e múltipla actividade que vós, com a solícita colaboração dos mais de 10.000 Cavaleiros e Damas, membros da Ordem, realizais para satisfazer as necessidades espirituais e sociais dos cristãos, residentes na Terra Santa: necessidades deveras graves que não podem deixar-nos indiferentes, como já recordei no domingo passado durante a reza do Angelus.

2. Em particular, tomei conhecimento, com igual satisfação, do relatório mediante o qual me expusestes os esforços por vós realizados para ajudar as obras e as instituições do Patriarcado Latino de Jerusalém; as escolas católicas, entre as quais a Universidade de Belém, o Seminário patriarcal e os hospitais espalhados por toda aquela região.

A honra que vos cabe de pertencerdes à vossa Ordem Equestre, vos faça sentir sempre e cada vez mais encargo e a responsabilidade de distinguir o vosso trabalho com uma vida exemplarmente cristã e com adesão coerente, generosa e desinteressada a Cristo e à Igreja. Deste modo enriqueceis realmente a vossa Ordem de méritos insignes e de verdadeira glória, e dareis ao mundo a melhor confirmação da razão da existência e do trabalho da mesma.

3. Por meu lado, seguindo o exemplo dos meus venerados Predecessores, reafirmo-vos o meu apreço e o meu encorajamento a continuardes, sem desfalecer, a obra benéfica que está em coincidência com a minha solicitude por aquela Terra santificada pela passagem do Senhor e dos seus Apóstolos, e para a qual, na oração, dirijo quotidianamente o meu pensamento e o meu coração.

Com estes sentimentos e estes votos, desejo-vos todo o bom êxito no vosso compromisso e concedo-vos a propiciadora Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva a todos os membros da vossa Associação.




Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 21 de Março de 1981