Discursos João Paulo II 1981 - Quinta-feira, 26 de Março de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À REUNIÃO PLENÁRIA DA CONGREGAÇÃO


PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA


Quinta-feira, 26 de Março de 1981



Venerados Irmãos

1. Ao dirigir-vos a minha cordial saudação, desejo primeiro que tudo agradecer ao Senhor Cardeal Baum as amáveis palavras que houve por bem dirigir-me, recordando momentos decorridos convosco em anos passados. Se prontamente aceitei o convite a mim dirigido, foi também pelo prazer de encontrar rostos conhecidos, e ainda — como é óbvio — pelo empenho em tomar parte no estudo de problemas hoje particularmente urgentes.

O Cardeal Baum, como Prefeito da Congregação, dirige pela primeira vez esta Assembleia: ao mesmo tempo que lhe renovo os votos mais cordiais de fecundo trabalho, quero dirigir também uma palavra de satisfação e reconhecimento ao Senhor Cardeal Garrone, que por 14 anos presidiu este Dicastério em momentos delicados.

A expressão do meu grato apreço abrange, em seguida, todos os Cardeais e Bispos Membros, aqui presentes, pelo sacrifício e pela generosidade com que enfrentam o estudo de questões que tocam tão de perto a vida da Igreja. Quero também agradecer aos Superiores e aos Oficiais da Congregação o sacrifício, que dedicam quotidianamente ao desempenho dos respectivos cargos. Obrigado do coração. Não é necessário dizer quanto aprecio a vossa colaboração, caros Irmãos e Filhos, quanto vos estou reconhecido pelo vosso esforço.

2. Examinei as quatro relações, já tradicionais para estes vossos encontros. Apreciei os temas propostos para o estudo. Pelo que diz respeito aos Seminários, entendo que a formação para o uso dos meios de comunicação social merece atenta consideração, uma vez que os sacerdotes de hoje devem encontrar-se com esses instrumentos, de que podem tirar mesmo vantagens para o apostolado. Por outro lado, o novo documento insere-se bem na série dos já publicados pela Congregação sobre a teologia, a filosofia, o direito canónico, a liturgia e a espiritualidade. Sei que hão-de seguir outros sobre o estudo dos Padres, sobre a doutrina social da Igreja, etc.: ao exprimir a minha satisfação, faço votos por que estas iniciativas possam levar a frutos copiosos.

Faço notar ainda com interesse a ampla documentação acerca de quanto vai sendo feito para a preparação dos futuros educadores do clero. É campo no qual nunca se insistirá suficientemente, sendo os superiores e os professores dos Seminários os verdadeiros plasmadores dos futuros sacerdotes.

Quereria também sublinhar os resultados do inquérito quanto às vocações adultas. É sector que parece oferecer confortantes perspectivas para o próximo futuro. Atentos como estais em recolher prontamente os "sinais dos tempos", não deixareis de endereçar as vossas solicitudes também nesta direcção.

A escassez do tempo não me deixa aprofundar o exame de cada problema, apesar de me interessarem vivamente, pois cada um deles tem a sua importância própria na formação daquele "Homo Dei", cujas características não me canso de recordar nos numerosos encontros, que procuro sempre ter com os seminaristas de todo o mundo e com os seus formadores. Quero todavia insistir ainda aqui em quanto tomo a peito que possua a comunidade cristã sacerdotes santos e doutos, enamorados de Cristo, firmes na doutrina católica, profundos na vida interior, amantes da Igreja, formando um coração só e uma alma só com o próprio Bispo e os outros presbíteros, cheios de zelo pelos seus irmãos e irmãs. Tudo quanto se fizer para atingir este ideal, não poderá deixar de ter a bênção do Senhor e o mais cordial incitamento por parte do Seu Vigário.

3. As questões relativas às Universidades eclesiásticas e às Universidades católicas têm ainda interesse fundamental para a vida da Igreja.

Quanto às primeiras, não há senão que insistir agora na fiel aplicação da Constituição Apostólica Sapientia Christiana. O documento foi bem recebido em toda a parte, embora aqui e acolá se tenham levantado algumas objecções, devidas a particulares situações locais e contingentes. A estas saberá a Congregação encontrar sem dúvida solução conveniente.

Sinto especial satisfação em que se realize o estudo sobre as Universidades Católicas, para lhes dar uma "Magna Charta", em que seja claramente definida a catolicidade delas, embora respeitando a precisa natureza de verdadeiras Universidades. Não será trabalho fácil; merece todavia ser realizado, dada a importância que reveste semelhante clarificação de fundo, para todos os nossos centros de estudos superiores. E o estudo deverá levar também a maior acentuação da presença que os Bispos devem manter na vida e no andamento das nossas Universidades Católicas. Deste modo será mais aprofundada a indispensável colaboração, que deve sempre existir entre Magistério e Ciência.

4. Pelo que toca às Escolas católicas, aplaudo com alegria a iniciativa que se propõe assegurar a particular formação cristã dos leigos, que militam nas fileiras dos educadores nas nossas Escolas. O apostolado educativo é-lhes congenial. O testemunho verdadeiramente eclesial dos leigos é chamado a ter particular ressonância entre os alunos, que, sendo em maioria chamados à vida matrimonial, poderão ver nos seus ensinamentos um modelo para ser imitado sem reservas. Devem fazer-se votos por que a presença de óptimos pais e mães de família, entre os professores das Escolas católicas, tire fundamento às lamentações que às vezes se ouvem entre os pais, preocupados com certas formas de expressão menos acertadas sobre assuntos delicados como a Religião ou a educação sexual.

5. Há, por fim, o sector das vocações, que forma ponto crucial para a vida da Igreja de hoje e de amanhã. O fascículo que a elas se refere testemunha o trabalho intenso que se está realizando neste campo em toda a Igreja. Os "Planos nacionais para a pastoral vocacional", e as várias centenas de "Planos diocesanos", chegados à Congregação, oferecem fundados motivos para se esperar que a messe terá operários suficientes num futuro não longínquo. As estatísticas neles apresentadas são verdadeiramente consoladoras para algumas Nações: todos fazemos votos por que, para as outras, se possa fazer a mesma verificação dentro em breve.

Coroamento e ponto de partida para novo impulso, será o próximo Congresso Internacional de vocações, que vai ser celebrado em Maio, aqui em Roma. Eu mesmo presidirei a solene concelebração inaugural, para sublinhar a importância deste encontro, em que os mais directos responsáveis diocesanos da pastoral das vocações farão aprofundado exame da situação e assentarão em linhas programáticas e operativas para o futuro. Para todos aqueles, que estão diligentemente a trabalhar pelo bom resultado do Congresso, vão desde já o meu agradecimento e os meus bons votos.

Revendo cada um dos aspectos do vosso trabalho, não posso senão agradecer ao Senhor, que me leva a tocar com a mão quanto a Sua graça opera em todas as partes do mundo nos vossos respectivos sectores. Durante as minhas viagens apostólicas, em toda a parte encontrei seminaristas cheios de entusiasmo, lançados confiadamente para o futuro. Encontrei universitários empenhados no nome de Cristo. Encontrei agentes da actividade educativa cada vez mais conscientes da importância eclesial das suas fadigas. São estes panoramas consoladores que nos dão ânimo e nos trazem de novo ao espírito o chamamento firme e encorajante do Salvador: Ego sum... nolite timere. Maria Santíssima, Rainha dos Apóstolos, nos acompanhe a todos com a sua maternal protecção.



PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO


DO CLUBE «PANATHLON INTERNACIONAL»


Quinta-feira, 26 de Março de 1981



Caros Senhores

Sinto satisfação em dar as mais cordiais boas-vindas a todos vós, que vos reunistes em Roma para o Encontro quadrienal do "Panathlon Internacional" e para oferecer o prémio "Facho de Ouro" a personalidades que se distinguiram no campo do Desporto.

A função educativa do desporto é-vos particularmente clara. Ele, de facto, para além da sua expressão agonística, supõe, como substrato ideal, a exaltação de autênticas virtudes humanas, como a lealdade, a generosidade e a criatividade, que se entrelaçam harmoniosamente com o espírito de sacrifício, com o autodomínio e com a temperança, em vista de uma completa formação da pessoa, aberta assim aos mais amplos horizontes da transcendência e da fé.

A vossa Associação concentra a atenção e os propósitos sobre estes conteúdos morais; quer alimentar nos próprios sócios esta perspectiva. Ao alegrar-me sinceramente com isto, faço votos por que ela dirija sempre os seus esforços sobretudo para realçar a pureza das motivações ideais do desporto, e para favorecer, com acção previdente, os laços de fraternidade entre indivíduos, grupos e nações, em sintonia com o eloquente mote escolhido: "Ludis iungit".

Esta nobre tarefa não pode deixar de ser encorajada, especialmente hoje, quando se requer com urgência, em vista de uma profunda recuperação da sociedade, que as jovens gerações se encaminhem para formas concretas e vividas de empenho qualificante e formativo, entre as quais se conta o desporto.

Reafirmo-vos pois o meu apreço e o meu encorajamento para as finalidades que têm lugar primário na vossa Associação. Ao renovar-vos a expressão do meu agradecimento, elevo ao Senhor "nosso rochedo e salvação" (Sl 62/61, 3), a minha prece por que vos sejam concedidos em abundância os dons da sua assistência durante o vosso caminho, e acompanho-a com a minha Bênção Apostólica, extensiva a todos os vossos Entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DIRIGENTES E AOS ATLETAS


DA EQUIPA ITALIANA DE FUTEBOL "CAGLIARI"


Sábado, 28 de Março de 1981



1. É-me grato este encontro convosco, Dirigentes e Atletas da equipa de futebol do "Cagliari", que, como hóspedes da Cidade eterna para uma competição do campeonato, viestes aqui acompanhados dos vossos familiares.

Saúdo-vos com sincera cordialidade. A vossa visita faz-me tornar jovem no meio dos jovens, porque evoca em mim recordações longínquas no tempo, mas sempre queridas, quando tive também eu ocasião de participar — como tantos na idade juvenil — em disputas de futebol.

Vós representais aquele mundo futebolístico que todos os domingos arrasta massas de pessoas para os estádios, e ao qual os meios de comunicação social dedicam grande espaço. A todos aqueles que vos observam e admiram, deveis oferecer, evidentemente, o espectáculo do jogo, mas recordai-vos que faz parte do vosso dever dar também o exemplo do exercício daquelas virtudes, típicas do mundo agonístico, que devem representar em primeiro lugar uni património vosso pessoal.

Sabei, por conseguinte, distinguir-vos pela lealdade e honestidade, domínio do próprio físico e dos próprios reflexos, respeito pela pessoa e perfeição espiritual. Trata-se de valores que, adquiridos hoje mediante o desporto, vos servirão sempre, mesmo quando o corpo já não responder às exigências do jogo, mas o "desafio" da vida requerer igualmente o vosso empenho de homens.

2. Gosto muito de dirigir o meu pensamento para a vossa bela e ilustre cidade de Cagliari, na qual está sobranceiro o Santuário de Nossa Senhora de Bonaria, e que quis dedicar a um Santo o estádio onde vos treinais e ofereceis ao público a prova da vossa habilidade.

Desejo de coração que a lembrança de Santo Elias seja para vós estímulo para um empenho cada vez maior nos vossos deveres de desportistas e, sobretudo, de homens e de cristãos. Desejo também que o exercício das competições desportivas e o motivo de distensão serena que elas têm em vista oferecer, contribuam para o aperfeiçoamento não só das vossas pessoas, mas também da sociedade que vos segue com tanto interesse.

Com estes votos, invoco do Senhor sobre todos vós e sobre as pessoas que vos são queridas, grande efusão dos dons celestes, e de coração vos acompanho com a minha Bênção.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMISSÃO PROMOTORA


DO «INDEX THOMISTICUS»


Sábado, 28 de Março de 1981



1. Ao agradecer-lhe as cordiais palavras com que Vossa Excelência, Venerado Irmão, na sua qualidade de Presidente da Comissão Promotora do Index Thomisticus, me expôs as características da obra e me apresentou os colaboradores na mesma, á-me grato dar-lhe as boas-vindas e também ao distinto grupo de pessoas que o acompanha nesta Audiência. É para mim motivo de viva alegria poder receber os realizadores de uma obra monumental que, durante decénios, viu empenhados especialistas em diversos campos da cultura, colaboradores generosos e solícitos, benfeitores munificentes, aos quais pertence o mérito de terem sabido intuir o significado e a importância de uma empresa memorável. No decurso de mais de 30 anos, o saber teológico uniu-se à ciência tecnológica mais avançada, para levar avante uma investigação sobre os textos imortais do Aquinate, que hoje chega felizmente à sua meta.

Como poderíamos deixar de tributar homenagem de admiração e simpatia aos componentes da qualificada equipe internacional que, a partir do já longínquo ano de 1946, se uniu ao Rev.do Padre Roberto Busa, S.J., ideador e animador incansável da iniciativa? O pensamento dirige-se, antes de mais, para os Padres Dominicanos da Comissão Leonina para a edição crítica das obras do Aquinate, e para o pessoal da IBM, isto é daquele mundo fascinante da tecnologia que, graças a mecanismos tão misteriosos na sua complexidade quanto admiráveis na sua perfeição, consegue obter resultados outrora inimagináveis. Especial menção merecem também quer a Associação Centro Automático de Análise Linguística, que teve a seu cargo a pesada responsabilidade da gestão e do financiamento da empresa, quer a Comissão Promotora, que lhe assegurou o incontestável valor científico. A este propósito, apraz-me recordar que esta Comissão teve como Presidentes, primeiro o então Arcebispo de Milão, Cardeal João Baptista Montini, e depois o Patriarca de Veneza, Cardeal Albino Luciani, meus venerados Predecessores nesta Sé romana. O pensamento alarga-se, por fim, aos numerosos Colaboradores eclesiásticos e leigos, muitos dos quais reunidos no Colégio de Iniciativa, a cujo empenho solícito se deve que o projecto inicial tenha podido logo tomar consistência, completando-se progressivamente nas suas partes e chegando agora à sua definitiva realização.

A todos exprimo o meu apreço, a minha gratidão e o meu encorajamento: apreço pelo contributo fundamental que esta obra traz à cultura; gratidão pela oferta das onze séries dos últimos 25 volumes, que me preocuparei por fazer chegar às Escolas teológicas do Este europeu, às quais já foram destinados os primeiros 31 volumes (uma delas é a Universidade da minha amada Cracóvia); e encorajamento, por fim, porque das palavras do vosso Presidente compreendi que já se vão fazendo outros projectos interessantes para trabalhos análogos, que deveriam levar à compilação de um dicionário histórico do latim eclesiástico, de indiscutível utilidade para a investigação teológica futura.

2. O nosso espírito, entretanto, detém-se com satisfação a observar o resultado obtido em tantos anos de fervoroso empenho: 56 volumes, quase 70.000 páginas, 21 milhões de linhas, mais de um bilião de caracteres elaborados, organizados e fotografados electronicamente com as máquinas da maravilhosa tecnologia moderna. Uma obra-prima monumental, a que os ambientes científicos internacionais reconheceram função de pioneira, isto é a de ter feito chegar "the computers in the humanities", mediante o emprego da automatização na elaboração não só de números e quantidades, mas também das palavras e de uma língua.

Quereria salientar quanto é significativo que o primeiro "livro electrónico", em que o passado se une ao futuro, contenha a análise da obra de um Santo, que soube penetrar com extraordinária perspicácia o segredo do ser contingente e captar-lhe a íntima riqueza numa síntese superior, iluminada pelo reflexo da eterna Verdade, em si mesma subsistente. Como poderíamos deixar de ver nisto quase a indicação providencial do caminho, em que deverá progredir a investigação tecnológica do futuro, isto é o caminho do "distinguir para unir", segundo o bem conhecido aforisma em que se inspirou todo o trabalho intelectual de São Tomás?

E além disso, não posso deixar de observar que o vosso trabalho se conclui, quando ainda são vivos os ecos suscitados pela celebração do centenário da Encíclica Aeterni Patris, com a qual o Papa Leão XIII indicava o Aquinate como guia autorizado e insubstituível dos estudos filosóficos e teológicos. O vosso trabalho traz singular confirmação da perene actualidade de um ensinamento que — para usar as palavras do imortal Pontífice — haure a sua força "das essências constitutivas e dos princípios das coisas, cuja virtualidade é imensa, contendo elas, como num seio, as sementes de verdades quase infinitas, que os futuros mestres depois fizeram frutificar, em tempo oportuno" (Leão XIII, Acta, vol. 1P 273).

3. O que agora se espera do Index Thomisticus é que, mediante os instrumentos nele oferecidos, os estudiosos possam atingir e pôr em evidência novos aspectos, ainda inexplorados, do riquíssimo pensamento do "Doctor Communis".

Em particular, o recenseamento analítico integral do sistema lexical, presente na obra do Aquinate, pode oferecer utilíssima documentação à filosofia da linguagem, demonstrando que, em quem raciocina, está sempre em acção a "lógica do ser", a qual, graças a um certo número de conceitos primários e de certezas primárias, põe em condições de entrar em comunicação com os outros mediante a palavra.

É precisamente a esta "lógica do ser" que se torna necessário referirmo-nos de modo especial hoje, quando de muitos lados se deplora com acerto a falta de comunicação entre as várias ciências e a perda da unidade do saber. Voltar a descobrir esta lógica significa recuperar um denominador comum, sobre cuja base é possível encontrar um ponto de encontro com os outros e encetar com eles um diálogo construtivo.

À luz destas perspectivas e invocando sobre todos a protecção de São Tomás, incomparável investigador da Verdade em todos os seus aspectos, de coração vos concedo, como também aos vossos entes queridos, a minha Bênção Apostólica, propiciadora de todos os aspirados bens celestes.



                                                           Abril de 1981



PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 1 de Abril de 1981



Aos Jovens na Basílica de São Pedro



A função positiva da pureza de coração

1. Antes de concluir o ciclo de considerações sobre as palavras pronunciadas por Jesus Cristo no Sermão da Montanha, é necessário recordar essas palavras uma vez mais e retornar sumariamente o fio das ideias, de que estas constituíram a base. Eis o teor das palavras de Jesus: "Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela, no seu coração" (Mt 5,27-28). São palavras sintéticas, que exigem aprofundada reflexão, de modo análogo às palavras em que Cristo se referiu ao "princípio". Aos Fariseus, que — apoiando-se na lei de Moisés que admitia o chamado acto de repúdio — lhe tinham perguntado: "É permitido ao homem repudiar a sua mulher por qualquer motivo?", Ele respondeu: "Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher? Por isso o homem deixará o pai e a mãe, e unir-se-á a sua mulher e serão os dois uma só carne... Pois bem, o que Deus uniu, não o separe o homem" (Mt 19,3-6). Também estas palavras requereram uma reflexão aprofundada, para extrair toda a riqueza nelas encerrada. Uma reflexão deste género consentiu-nos apresentar a autêntica teologia do corpo.

2. Seguindo a referência que fez Cristo ao "princípio", dedicámos uma série de reflexões aos relativos textos do Livro do Génesis, que tratam precisamente daquele "princípio". Das análises feitas surgiu não só uma imagem da situação do homem — varão e mulher — no estado de inocência original, mas também a base teológica da verdade do homem e a sua particular vocação que brota do eterno mistério da pessoa: imagem de Deus, encarnada no facto visível e corpóreo da masculinidade ou feminilidade da pessoa humana. Esta verdade encontra-se na base da resposta dada por Cristo em relação com o carácter de matrimónio, e em particular com a sua indissolubilidade. É verdade sobre o homem, verdade que faz penetrar as raízes no estado de inocência original, verdade que é necessário, portanto, entender-se no contexto daquela situação anterior ao pecado, tal como procurámos fazer no ciclo precedente das nossas reflexões.

3. Ao mesmo tempo, é preciso todavia considerar, entender e interpretar a mesma verdade fundamental sobre o homem, o seu ser de varão e de mulher, no prisma de outra situação: isto é, daquela que se formou mediante a ruptura da primeira aliança com o Criador, ou seja, mediante o pecado original. Convém ver tal verdade sobre o homem — varão e mulher — no contexto da sua pecaminosidade hereditária. E é precisamente aqui que nos encontramos com o enunciado de Cristo no Sermão da Montanha. É óbvio que na Sagrada Escritura da Antiga e da Nova Aliança há muitas narrações, frases e palavras, que vêm confirmar a mesma verdade, isto é, a de trazer o homem "histórico" em si a herança do pecado original; apesar disto, as palavras de Cristo, pronunciadas no Sermão da Montanha, parecem ter — com toda a sua concisa enunciação — uma eloquência particularmente densa. Demonstram-no as análises feitas precedentemente, que foram desvelando pouco a pouco o que está encerrado naquelas palavras. Para clarificar as afirmações relativas à concupiscência, é necessário tomar o significado bíblico da concupiscência mesma — da tríplice concupiscência — e principalmente da concupiscência da carne. Então, pouco a pouco, chega-se a compreender porque define Jesus aquela concupiscência (precisamente: o "olhar desejando") como "adultério cometido no coração". Efectuando as análises respectivas, procurámos ao mesmo tempo compreender que significado tinham as palavras de Cristo para os seus imediatos ouvintes, educados na tradição do Antigo Testamento, isto é, na tradição dos textos legislativos, como também proféticos e "sapienciais"; e, além disso, que significado podem ter as palavras de Cristo para o homem de todas as outras épocas, e em particular para o homem contemporâneo, considerando os seus vários condicionamentos culturais. Estamos persuadidos, de facto, que estas palavras, no seu conteúdo essencial, se referem ao homem de todo o lugar e de todos os tempos. Nisto está também o seu valor sintético: a cada um anunciam elas a verdade que é para ele válida e substancial.

4. Qual é esta verdade? Indubitavelmente, é uma verdade de carácter ético e portanto, afinal, de uma verdade de carácter normativo, assim como normativa é a verdade contida no mandamento: "Não cometerás adultério". A interpretação deste mandamento, dado por Cristo, indica o mal que é necessário evitar e vencer — precisamente o mal da concupiscência da carne — e ao mesmo tempo indica o bem a que a vitória sobre os desejos abre caminho. Este bem é a "pureza de coração", de que fala Cristo no mesmo contexto do Sermão da Montanha. Do ponto de vista bíblico, a "pureza de coração" significa a liberdade de todo o género de pecado ou de culpa e não só dos pecados que dizem respeito à "concupiscência da carne". Todavia, aqui ocupamo-nos de modo particular de um dos aspectos daquela "pureza", o qual constitui o contrário do adultério "cometido no coração". Se aquela "pureza de coração", de que tratamos, se entende segundo o pensamento de São Paulo, como "vida segundo o Espírito", então o contexto paulino oferece-nos uma imagem completa do conteúdo encerrado nas palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha. Contêm uma verdade de natureza ética, põem de sobreaviso contra o mal e indicam o bem moral do comportamento humano, aliás, levam os ouvintes a evitar o mal da concupiscência e a adquirir a pureza de coração, Estas palavras têm portanto significado normativo e, também, indicador. Dirigindo para o bem da "pureza de coração", indicam ao mesmo tempo, os valores a que o coração humano pode e deve aspirar.

5. Daqui a pergunta: que verdade, válida para todo o homem, está contida nas palavras de Cristo? Devemos responder que está nelas encerrada não só uma verdade ética, mas também a verdade essencial sobre o homem, a verdade antropológica.Por isso, exactamente, remontamos a estas palavras ao formular aqui a teologia do corpo, em estreita relação e, por assim dizer, na perspectiva das palavras precedentes, em que se referira Cristo ao "princípio". Pode-se afirmar que, com a sua expressiva eloquência evangélica, à consciência do homem da concupiscência é, em certo modo, recordado o homem da inocência original. Mas as palavras de Cristo são realistas. Não procuram obrigar o coração humano a voltar ao estado de inocência original, que o homem já deixou atrás de si no momento em que cometeu o pecado original; pelo contrário, indicam-lhe o caminho para uma pureza de coração, que lhe é possível e acessível também no estado da pecaminosidade hereditária. É, esta, a pureza do "homem da concupiscência", que todavia está inspirado pela palavra do Evangelho e aberto à "vida segundo o Espírito" (em conformidade com as palavras de São Paulo), é esta a pureza do homem da concupiscência, que está envolvido inteiramente pela "redenção do corpo", realizada por Cristo. Precisamente por isto encontramos nas palavras do Sermão da Montanha a referência ao "coração", isto é, ao homem interior. O homem interior deve abrir-se à vida segundo o Espírito, para que a pureza evangélica de coração seja por ele participada: para que ele reencontre e realize o valor do corpo, libertado dos vínculos da concupiscência mediante a redenção.

O significado normativo das palavras de Cristo está profundamente radicado no seu significado antropológico, na dimensão da interioridade humana.

6. Segundo a doutrina evangélica, desenvolvida de modo tão maravilhoso nas Cartas paulinas, a pureza não é só abster-se da impudicícia (cf. 1Th 4,3), ou seja temperança, mas, ao mesmo tempo, abre também o caminho para uma descoberta cada vez mais perfeita da dignidade do corpo humano; o que está organicamente ligado com a liberdade do dom da pessoa na autenticidade integral da sua subjectividade pessoal, masculina ou feminina. Deste modo a pureza, no sentido de temperança, desenvolve-se no coração do homem que a cultiva e tende a descobrir e a afirmar o sentido esponsal do corpo na sua verdade integral. Esta mesma verdade deve ser conhecida interiormente; deve, de certo modo, ser "sentida com o coração", para que as relações recíprocas do homem e da mulher — e mesmo o simples olhar — readquiram aquele conteúdo autenticamente esponsal dos seus significados. E é precisamente este conteúdo que no Evangelho é indicado pela "pureza de coração".

7. Se na experiência interior do homem (isto é, do homem da concupiscência) a "temperança" se desenha, por assim dizer, como função negativa, a análise das palavras de Cristo, pronunciadas no Sermão da Montanha e relacionadas com os textos de São Paulo, consente-nos deslocar tal significado para a função positiva da pureza de coração. Na pureza consumada o homem goza dos frutos da vitória alcançada sobre a concupiscência, vitória a que se refere São Paulo ao exortar a que "se mantenha o próprio corpo com santidade e respeito" (1Th 4,4). Mais, exactamente numa pureza assim consumada manifesta-se em parte a eficácia do dom do Espírito Santo, de que o corpo humano "é templo" (cf. 1Co 6,19). Este dom é sobretudo o da piedade (donum pietatis), que restitui à experiência do corpo — especialmente quando se trata da esfera das relações recíprocas do homem e da mulher — toda a sua simplicidade, a sua limpidez e também a sua alegria interior. Este é, como se vê, um clima espiritual, bem diverso da "paixão e concupiscência", sobre que escreve Paulo (e que, por outro lado conhecemos devido às precedentes análises; baste recordar o Si 26,13 Si 26,15-18). Uma coisa é, de facto, a satisfação das paixões, outra a alegria que o homem encontra em possuir-se mais plenamente a si mesmo, podendo deste modo tornar-se, ainda mais plenamente, um verdadeiro dom para outra pessoa.

As palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha dirigem o coração humano precisamente para tal alegria. A elas é necessário confiarmo-nos a nós mesmos, confiarmos os nossos pensamentos e as próprias acções, para encontrar a alegria e a oferecer aos outros.



Aos Jovens na Basílica de São Pedro

Rapazes e jovens caríssimos

Estou contente de vos dirigir a minha particular saudação neste encontro, que é todo para vós. Vejo-vos numerosos e cheios de entusiasmo, e isto conforta-me, porque convosco a Igreja é jovem, convosco é rica do desejo de contribuir para a renovação do mundo, convosco está pronta também a superar todas as possíveis dificuldades.

Vós sabeis que já está próxima a festa da Páscoa, que é a mais importante de todo o ano. Contudo, ela é precedida pelo período da Quaresma, que estamos ainda a viver nestes dias. Este é, por isso, um período de preparação, quase de introdução às celebrações pascais.

Pois bem, quero dizer-vos que, sob este ponto de vista, a Quaresma é um pouco a imagem da nossa vida ou pelo menos de parte dela. Também nós devemos preparar-nos, se quisermos realizar grandes coisas ou de alguma maneira úteis a nós mesmos e à sociedade. As coisas importantes não se improvisam. De modo particular os vossos anos representam uma etapa de preparação e de tirocínio para enfrentardes depois, com fruto, as futuras responsabilidades, que a vida vos reservará na família, na sociedade, na Igreja.

Por isso, desejaria fazer-vos uma recomendação: vivei diligentemente e com alegria estes vossos anos, para que não sejam vazios mas densos de conteúdos; vivei-os no estudo, na oração, no aprofundamento da vossa fé cristã e também nos exercícios físicos para o cultivo da saúde. Só assim eles poderão constituir uma reserva preciosa e fecunda para os anos futuros. Certamente vós tendes na Escola tarefas a cumprir e provas a fazer. E bem sabeis que elas tanto mais bom êxito terão quanto mais estiverdes seriamente preparados. Assim é na vida. Ela vos reserva tarefas e provas ainda mais empenhativas, mas pelos resultados também mais satisfatórias, que exigem não só o conhecimento teórico de uma lição, mas sobretudo a maturidade integral da vossa pessoa. Eis porque deveis esforçar-vos desde agora, e sempre, por crescer interiormente, por adestrar-vos na virtude, por ser generosos e não egoístas, por amar os outros e aprender a servi-los, por contribuir para a paz social e em geral para um mundo verdadeiramente melhor. Assim, também a vossa alegria será mais plena.

É nestes exactos termos que se exprimia de maneira feliz o grande profeta Isaías num texto, que é lido precisamente na Quaresma:

"É este o jejum que eu aprecio:... quebrar toda a espécie de jugo..., repartir o seu pão com o esfomeado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os nus... Então a tua luz surgirá como a aurora... Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá; clamarás e Ele dirá: 'Eis-Me aqui!'... A tua luz brilhará na escuridão, e as tuas trevas tornar-se-ão como o meio-dia" (Is 58,6-10).

Rapazes e jovens caríssimos, sejam estas palavras o vosso luminoso programa! E o Senhor vos ajude a realizá-lo todos os dias, enquanto eu vos concedo de coração a minha paterna Bênção Apostólica.



Saudações

A um grupo misto Católico-Anglicano proveniente de Tolosa e Manchester

Dou as boas-vindas ao grupo de peregrinos Católicos e Anglicanos provenientes de Tolosa e Manchester; e faço votos por que a "gemelagem" das duas Catedrais contribua para maior compreensão e progresso da unidade entre Católicos e Anglicanos em ambas as cidades.

A peregrinação japonesa "Don Bosco"

Desejo cordiais boas-vindas hoje ao grupo proveniente do Japão. Durante a minha visita pastoral ao Japão procurei conhecer melhor o vosso País e o seu povo. Renovo as minhas orações por todos vós, a fim de que cresçais no amor de Deus e antecipeis a vinda do seu reino servindo os outros e contribuindo para a causa da paz. Deus vos abençoe a todos.

A um grupo de Religiosas alemãs

Dirijo hoje uma especial saudação de boas-vindas ao Conselho Geral e às Mestras de Noviças da Congregação das Pobres Irmãs Escolápias de Nossa Senhora, que se encontram aqui presentes. Pedindo a luz e a assistência de Deus, uno-me ao vosso intercâmbio de experiências de carácter internacional, sobre o urgente problema das vocações religiosas e sobre as rectas orientações espirituais na vida religiosa. Tende em conta, antes de tudo, as palavras que o Concílio dirige aos religiosos: "o exemplo da sua vida é a melhor recomendação do seu instituto um. convite a abraçar a vida religiosa' (Perfectae caritatis PC 24). Desejando que estas vossas reuniões sejam frutuosas e que o vosso seguimento pessoal de Cristo seja sempre mais profundo, concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica.

Aos participantes no IV Congresso Nacional (italiano) para Delegadas e Animadoras das Pontifícias Obras Missionárias

Desejo também dirigir particular saudação às participantes no IV Congresso Nacional para Delegadas e Animadoras das Pontifícias Obras Missionárias.

Caríssimas! Viestes a Roma de cerca de cem Dioceses da Itália para estudar em conjunto o tema da animação da comunidade em vista da evangelização universal à luz da Encíclica Dives in Misericordia, e eu aprecio vivamente e agradeço a vossa presença e o empenho exemplar que demonstrais neste trabalho apostólico tão importante e significativo. O Senhor abençoe os vossos propósitos e os torne eficazes, a fim de que nas vossas Dioceses surjam numerosas e santas vocações missionárias e se incremente cada vez mais o empenho para anunciar a todo o mundo o amor misericordioso do Altíssimo.

À peregrinação da diocese de Acqui Terme (Itália)

Participa nesta Audiência de hoje a peregrinação da diocese de Acqui Terme, acompanhada pelo seu Bispo D. Lívio Maritano.

Ao dirigir a Ti, venerado Irmão, e aos teus fiéis, a minha cordial saudação, desejo exprimir antes de tudo a minha gratidão pelos sentimentos de sincero apego à Sé de Pedro, de que é testemunho esta visita. A diocese de São Guido, que deu à Igreja Santos da estatura de um São Paulo da Cruz e de uma Santa Maria Domingas Mazzarello, deve sentir vivamente o dever de generosa adesão aos valores evangélicos, a que um património assim tão rico de tradições cristãs a compromete. A visita aos lugares consagrados pelo sangue dos Mártires e, de modo particular, a paragem junto do túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo estimulem em vós o propósito de que, "como bons dispenseiros das graças de Deus, ponha cada um à disposição dos outros o dom que recebeu" (1P 4,10). São palavras da Primeira Carta de Pedro, que vos deixo como recomendação especial juntamente com a minha Bênção Apostólica, que de boa vontade faço extensiva àqueles que vos são queridos e à inteira Comunidade diocesana.

Aos Doentes

A vós, caríssimos doentes, que sofreis, e que todavia quisestes participar nesta Audiência, desejo exprimir de modo muito especial a minha afectuosa saudação. Agradeço a vossa presença tão significativa, e sobretudo o exemplo que dais, aceitando cumprir com amor e generosidade a vontade de Deus. Neste período da Quaresma que estamos vivendo e ao aproximar-nos da Semana Santa, gosto de vos dizer também aquilo que afirmei em Anchorage, no Alasca: "Não nos deixemos nunca confundir pelo sofrimento que pode entrar na nossa vida, mas procuremos antes transformá-lo à luz da Cruz do nosso Salvador Jesus Cristo. Oxalá depositemos sempre a nossa confiança no Espírito Santo, para descobrirmos em cada situação nova uma ocasião para alargar o amor redentor de Cristo" (26 de Fevereiro de 1981, Homilia no Delaney Park).

A minha confortadora Bênção Apostólica vos ajude.




Discursos João Paulo II 1981 - Quinta-feira, 26 de Março de 1981