Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 3 de Abril de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMISSÃO DE PROGRAMAS


DA UNIÃO EUROPEIA DE RADIODIFUSÃO


Sábado, 3 de Abril de 1981



Senhor Presidente Senhoras e Senhores

1. Quero em primeiro lugar desejar-vos as mais cordiais boas-vindas a esta casa. Vós empreendestes há poucos dias, dentro mesmo da Cidade do Vaticano, os trabalhos da trigésima quarta sessão ordinária da Comissão de Programas de Rádio, da União Europeia de Radiodifusão. Sois hóspedes estimados num minúsculo Estado, a Cidade do Vaticano, mínima expressão territorial de uma soberania, cujo fim principal é assegurar autonomia plena ao exercício da autoridade espiritual, a da Santa Sé, centro e coração de uma comunidade pacífica de crentes que não conhece fronteiras mas todos reúne numa mesma fé. A Sé Apostólica coloca-se para além de toda a diversidade de ideologia, mas ao mesmo tempo alimenta, como sempre fez, profundo respeito pela grande variedade das culturas em que se encarna a mensagem evangélica nos diversos povos, e está aberta a todas as formas de colaboração frutuosa com os cristãos de outras confissões, com os crentes de outras grandes religiões e com todos os homens de boa vontade.

Não é sem prazer que faço notar certa correspondência, num plano diferente, é verdade, com os fins da União que representais tão dignamente aqui. Esta, com efeito, é uma organização internacional não governamental, aberta a todos os organismos de radiodifusão, de serviço público da Europa inteira e mesmo da bacia mediterrânea, incluindo numerosos membros associados de outras áreas geográficas e mantendo laços estreitos com as Uniões regionais criadas posteriormente noutras partes do mundo. A vossa associação propõe-se assegurar aos seus membros, respeitando-lhes embora plenamente a autonomia, a rede mais vasta possível de serviços no campo da tecnologia mais avançada, informações de todo o género e trocas de programas. Favoreceis assim o desenvolvimento dos organismos nacionais de radiodifusão que encontram, neste âmbito de colaboração internacional, auxílio eficaz para a sua árdua tarefa: a de corresponder às exigências e às solicitações sempre novas, impostas à radiodifusão pelos desenvolvimentos rápidos que se realizam continuamente na nossa época.

2. A Igreja católica olha com vivo interesse, com respeito e simpatia, para os que trabalham no campo dos "mass-media", mostrando-se ao mesmo tempo exigente e cuidadosa naquilo que espera deles: o Concílio Vaticano II consagrou aos instrumentos de comunicação social o decreto Inter mirifica, cujo tema foi em seguida desenvolvido pela instrução pastoral Communia et progressio, redigida pela Comissão pontifícia para as comunicações sociais. O título da instrução comporta já em si mesmo uma perspectiva confiada daquilo que se espera dos instrumentos de comunicação social, sem que se esqueçam por isso os obstáculos numerosos e importantes, que se opõem, à realização dessa nobre finalidade. Uma secção desta Instrução é consagrada especialmente às transmissões da rádio e da televisão (nn. 148-157),

3. Mas que prova mais expressiva se poderia fornecer do interesse da Santa Sé pelo campo da vossa competência, do que a criação de uma estação radiofónica neste pequeno Estado, quase no dia seguinte à conclusão dos Pactos do Latrão que lhe sancionavam a soberania territorial? Esta estação era o fruto da clarividência de Pio XI e da colaboração do próprio Guilherme Marconi, quem este grande Papa quisera confiar a direcção dos trabalhos de instalação da emissora do Vaticano. Não é coincidência fortuita se a vossa Assembleia — que oferece pela primeira vez à Santa Sé a feliz ocasião de acolher no Vaticano um organismo da União Europeia de Radiodifusão — se realiza precisamente no ano em que a Rádio Vaticano celebra o quinquagésimo aniversário da sua inauguração, que se deu a 12 de Fevereiro de 1931. É igualmente significativo que a Rádio Vaticano, por vontade expressa de Pio XII, tenha aderido à União Europeia de Radiodifusão, desde os princípios, como membro fundador.

É certo que a nossa emissora tem carácter particular: o seu objectivo primeiro e fundamental é difundir o ensino e a voz do Papa, e contribuir para reforçar a comunhão eclesial, graças, em particular, a uma informação vasta, constante e pontual, tão precisa sobretudo para as comunidades locais que, vivendo em condições precárias de liberdade religiosa, não têm outra fonte de informação de que possam dispor. Quanto igualmente aos serviços internacionais de outras emissoras, os quais entram também, embora em menor escala, no vasto horizonte das vossas preocupações, a Rádio Vaticano distingue-se não só pela ausência de finalidades políticas ou económicas, por legítimas que elas sejam, mas também e sobretudo porque não pode constituir a expressão de uma cultura nacional para ser difundida além das fronteiras do seu próprio país: nenhuma nação, nenhuma cultura é, com efeito, "estrangeira" para a Santa Sé, uma vez que esta as abraça a todas na sua essencial "catolicidade".

4. Exerceis funções de alta responsabilidade em organismos de radiodifusão com carácter de serviço público. Este encontro privilegiado dá-me a ocasião de vos comunicar uma das minhas grandes preocupações: o risco de que vá aumentando cada vez mais a distância, mesmo a ruptura, entre, por um lado, o modo de ser e as exigências da sociedade real — quer dizer dos seres humanos concretos que a formam — e, por outro lado, as maneiras como esta realidade é representada pelos instrumentos de comunicação social. Estes constituem no mundo de hoje um poder enorme, de que é fácil abusar cedendo à tentação de os tomar como meio para dominar a opinião pública e manipular as orientações, a hierarquia dos valores e o comportamento do povo. Permiti-me que vos repita o que eu dizia recentemente aos representantes dos "mass-media" em Hiroxima: "Este poder pertence ao povo. Como tudo o que é criado, é universal pelo seu destino e é concebido para o bem de todos. Estais portanto ao serviço do poder do povo e do seu bem-estar. Tendes nisto, com certeza, grande vocação e missão esplêndida; mas exige dedicação sincero e sempre renovada, assim como sentimento constante de responsabilidade para com o público. Peço-vos assim que prossigais consagrando generosamente os vossos esforços à causa dos povos, ao melhoramento da sociedade, à promoção da unidade de toda a família humana" (Encontro com a imprensa em Hiroxima, 25 de Fevereiro de 1981). No desempenho da vossa delicada responsabilidade, pensai sempre nos vossos filhos e ser-vos-á então mais fácil contribuir, quanto depende de vós, para a edificação de uma sociedade mais justa, mais livre, mais humana e mais solidária, em que os filhos de todos possam viver uma vida conforme à dignidade sublime do homem, rica de sentido e aberta à esperança.

Desejo aqui agradecer-vos vivamente o eco dado nos vossos programas às minhas viagens apostólicas e sobretudo à colaboração cordial prestada, por ocasião delas, pelos organismos radiofónicos de todos os países que visitei.

Por fim, caros amigos, peço-vos que aceiteis os meus melhores votos por um êxito decisivo nos trabalhos da vossa Comissão, ao mesmo tempo que peço a Deus, no seu amor misericordioso, que encha com as Suas bênçãos as vossas pessoas, as vossas famílias, os vossos colegas, os organismos de radiodifusão e os países que representais.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO


POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DA ABERTURA


DO ARQUIVO SECRETO DO VATICANO


Domingo, 4 de Abril de 1981



Estou de novo no meio de vós, neste Arquivo Secreto do Vaticano, onde se conservam numerosos documentos que, como é conhecido, nos transmitem os acontecimentos históricos do passado, referentes sobretudo à vida da Igreja nas suas múltiplas manifestações.

A minha presença nesta ocasião, como em 18 de Outubro do ano passado, é devida às manifestações programadas pelo Arquivo do Vaticano para comemorar o primeiro centenário da sua abertura aos estudiosos. Em Outubro passado tive o prazer e a alegria de inaugurar o grandioso complexo de ambientes que, pode-se bem dizer, reduplicaram abundantemente os locais do Arquivo; mas não menor satisfação se me proporciona hoje ao inaugurar esta Exposição de documentos, que apresenta em grandes linhas uma prova do imenso material conservado pelo Arquivo Secreto do Vaticano: material que se tornou objecto de estudo principalmente após a abertura, há cem anos, do mesmo Arquivo.

Agradeço muitíssimo ao Senhor Cardeal António Samoré, Arquivista da Santa Romana Igreja — e juntamente com ele ao Rev.mo Mons. Martino Giusti, Prefeito, e a todo o Pessoal do Arquivo Secreto do Vaticano — a cordial saudação a mim dirigida e as amáveis palavras com que nos ilustrou brevemente o significado e os assuntos da Exposição. A expressão do meu reconhecimento estende-se depois aos Em.mos Cardeais, às Personalidades da Cúria e do mundo da cultura e a todos os presentes, pela honra que dão com a sua presença nesta cerimónia.

Ao regozijar-me com a realização desta Exposição documentária, não posso deixar de realçar a importância que reveste esta manifestação no âmbito cultural e didáctico: e por isso é muito louvável que o Arquivo do Vaticano tenha querido inseri-la no programa das celebrações pelo centenário.

Os documentos da Igreja testemunham, de modo particular, a difusão do reino de Cristo no mundo, a contínua e tenaz preocupação do Papa e dos Pastores da Igreja pelo rebanho a eles confiado, bem como o seu desejo e os seus esforços pelo triunfo da justiça e da paz no mundo. Trata-se, portanto, de testemunhos que merecem todo o nosso respeito. Além disso, de cada um dos documentos é preciso considerar o elevado valor, que é, ao mesmo tempo, sagrado e precioso. Eis porque não há dúvida de que também os Arquivos podem ser chamados sapientiae templa, por força precisamente daquela riqueza de notícias e de sabedoria que eles conservam, e do impulso que dão à pesquisa histórica, conduzida com altíssimo critério científico.

Eis porque o cuidado, a apresentação digna e adequada destes documentos, dos mais simples aos mais preciosos, se torna um serviço prestado à Verdade. É um acto de amor à Verdade. E, como disse a 18 de Outubro passado na inauguração do novo local de ampliação do Arquivo Secreto, "o amor à Verdade é amor ao homem e é amor a Deus. Com esta persuasão a Igreja colabora com todos os meios possíveis para o conhecimento e a difusão da verdade, e prossegue neste caminho". Também esta Exposição é disto alegre confirmação.

Portanto, consciente disto, o visitante da Exposição, além de admirar o documento exposto — às vezes verdadeira obra-prima de arte e de beleza pelo cuidado com que foi redigido — poderá nele encontrar também, devido ao seu conteúdo, tanto enriquecimento e conforto espiritual. Posso, então, fazer votos, com as palavras da Gaudium et spes, por que esta exposição de documentos ajude a "cultivar o espírito em ordem ao desenvolvimento das capacidades de admiração, de intuição, de contemplação e de formar um juízo pessoal e cultivar o sentimento religioso, moral e social" (Gaudium et spes, II, 59 a).

Não diferentes destes foram os sentimentos que animaram o meu predecessor, o Pontífice Leão XIII, ao colocar à disposição dos estudiosos os arquivos da Santa Sé. Hoje, após um século, recolhemos os frutos daquela providencial decisão; frutos que temos razão de considerar satisfatórios como nunca, pelo bem que proveio em favor da verdade.

Ao congratular-me intensamente com os promotores e com todos os que colaboraram para organizar esta Exposição, espero que manifestação tão significativa alcance pleno êxito, e concedo de coração a todos vós, aqui presentes, a Bênção Apostólica.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS CADETES DA ESCOLA REAL BELGA


Sala do Consistório

Domingo, 4 de Abril de 1981



Caros amigos

Por ocasião da vossa breve permanência em Roma, manifestastes o desejo de ser recebidos na casa do Pai comum de todos os fiéis católicos. Sinto-me feliz por me ser dado saudar-vos esta manhã, durante alguns instantes, e por vos encorajar, a vós que estais na idade em que se tomam as grandes orientações para o futuro, a fortalecer a vossa fé cristã, a aprofundá-la.

Sim, uma das tarefas dos jovens, na nossa sociedade secularizada, consiste em rejeitar o conformismo e o respeito humano para encontrar um verdadeiro estado de espírito cristão, isto é a maneira de se compreenderem a si mesmos e compreenderem o mundo, à luz do Evangelho. Este comportamento requer necessariamente um modo de viver não raro austero, mas dinâmico, coerente com a fé e superiormente progressivo no verdadeiro sentido da palavra.

Como diz São Paulo, necessitamos de "ser renovados mediante a transformação espiritual da inteligência" (cf. Ef Ep 4,23) que é obra do Espírito Santo, que introduz no mistério do Senhor Jesus Cristo e da sua Igreja. Porque não podemos separá-los: a mediação da Igreja é necessária para conhecer a Cristo e viver da sua vida.

Desejo que a vossa permanência em Roma vos permita descobrir muito concretamente alguns aspectos desta realidade viva da Igreja através dos lugares santificados pelos apóstolos Pedro e Paulo, os mártires e tantos santos. Oxalá descubrais que o Senhor deu verdadeiramente à sua Igreja as palavras de vida eterna!

Eis alguns dos votos que formulo por vós, caros amigos, neste tempo de quaresma, que é convite a uma revisão de vida salutar. Recomendo ao Senhor as vossas pessoas e o vosso futuro, que vos desejo seja sempre e totalmente baseado no sentido de serviço. A vós, aos membros da vossa Escola Real dos Cadetes o de modo particular às pessoas que vos acompanham, como também às vossas famílias, concedo de todo o coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ATLETAS E DIRIGENTES


DA SOCIEDADE DE FUTEBOL "SPAL" DE FERRARA


Sábado, 4 de Abril de 1981



Caros Atletas da Sociedade Futebolística de Ferrara!

1. A vossa visita de hoje proporciona-me grande alegria: alegria de ver em vós, antes de tudo, os representantes da dilecta diocese de Ferrara, que, com a sua Catedral estupenda e as suas suaves expressões renascentistas no campo da arquitectura e da literatura — bastaria recordar e arquitecto Biagio Rossetti e o poeta Ludovico Ariosto — constitui uma das cidades italianas mais ricas de tradições culturais e sociais; alegria de receber uma formação de atletas fortes, tais como vós, que fazem do desporto uma profissão consciente e empenhada não só para os bons êxitos da Associação Futebolística, que se inspira na sua própria sigla SPAL (Società Polisportiva Ars et Labor) para uma contribuição desportiva generosa e apaixonada, mas também para oferecer um divertimento são aos numerosos admiradores, que todos os domingos se aglomeram nas arquibancadas dos estádios.

2. Devendo vir a Roma para as disputas do Campeonato, antecipastes a viagem para poder ver o Papa e escutar a sua palavra de exortação. De bom grado me dirijo a vós, como já fiz com outros grupos de atletas e desportistas que vos precederam aqui, para vos manifestar o meu apreço pela nobre actividade lúdica que desempenhais e para vos confiar uma precisa afirmação. Como se sabe, a Igreja, que tem o mandato de promover tudo o que é próprio do homem, sendo toda a acção humana submetida à lei moral, tem também uma mensagem para os desportistas. Ela exorta-os constantemente a assentar a sua vida numa linha de lealdade, de respeito e de domínio de si, tanto no campo das suas competições como no da convivência civil. O desporto torna-se assim palestra de treino não só para o jogo, mas também para a vida. A este propósito o Concílio diz: "Enriqueçam-se os homens... através ainda de exercícios físicos e manifestações desportivas, que ajudam a manter o equilíbrio psíquico, tanto do indivíduo como da comunidade e a estabelecer relações fraternas entre os homens de todas as condições, nacionalidades e raças" (Gaudium et Spes GS 61).

3. O desporto praticado nesta visão global tem alto valor moral e educativo: é escola de grandes virtudes, treino também para as conquistas e para as vitórias do espírito.

Espero que seja também este o vosso programa e o vosso compromisso de atletas. Sede fiéis a estes valores que vos obrigam perante toda a comunidade como cristãos, e igualmente como desportistas. Sede conscientes da vossa responsabilidade, evitando tudo o que vos possa comprometer e levar a subterfúgios.

São estes, o pensamento que vos confio e os votos, que vos faço. O Senhor vos assista sempre no desempenho da vossa profissão prestigiosa, mas também muito empenhativa pelas suas repercussões psicológicas, sociais e civis. A Bênção Apostólica, que agora concedo a todos vós, aos Dirigentes da Sociedade SPAL, ao Assistente Espiritual e às vossas famílias aqui presentes, assim como aos que ficaram em casa, corrobore estes votos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA VISITA À CASA GENERALÍCIA


DA COMUNIDADE DOS «FATEBENEFRATELLI»


Segunda-feira, 5 de Abril de 1981



1. Desejei este encontro unicamente convosco, caríssimos Religiosos da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, porque me interessava exprimir-vos, juntamente com a estima, a viva gratidão que sinto pelo serviço prestado a esta Cidade pela vossa Congregação no decurso de quatro séculos de história. Não repito quanto já disse, fosse embora em síntese, só há pouco tempo. Mas que poema de caridade, de abnegação, de altruísmo foi escrito pelos "Fatebenefratelli" a partir daquele 25 de Março de 1581, "que foi o primeiro dia em que os mesmos Irmãos começaram a cuidar dos pobres nesta Cidade", como é referido textualmente numa "Memória" da época! Nem esqueço o trabalho discreto, silencioso e tão eficaz, que realizais no Vaticano, desde que Pio IX, em 1874, vos chamou a prestar o "serviço farmacêutico durante a noite".

Tão vasto e generoso esforço de dedicação ao cuidado dos enfermos encontrou origem e estímulo no testemunho daquele humilde servidor dos pobres que foi São João de Deus, que tinha o hábito de assinar-se "Eu frade zero", segundo uma provável interpretação da enigmática sigla que costumava acrescentar no fim das suas cartas. Para operar as Suas maravilhas, Deus precisa de instrumentos que estejam plenamente conscientes da própria nulidade, porque só pessoas deste género sabem abandonar-se, não opondo resistência, às iniciativas imprevisíveis do Seu amor,

O vosso Fundador foi um instrumento assim e Deus escolheu-o para "confundir os fortes" (1Co 1,27), e fazer dele o pai de tão numerosa e benemérita Família de almas generosas.

2. Filhos caríssimos, tendes aos vossos ombros o riquíssimo património de exemplos virtuosos, que a longa falange dos vossos Irmãos foi acumulando no decurso destes 400 anos de presença em Roma e em muitas outras partes do mundo. Cultivai em vós a legítima ambição de lhes emular o testemunho de fé intrépida e de caridade sem confins. São significativas, a este propósito, as palavras com que o primeiro biógrafo do vosso Fundador descreveu o zelo e o fervor da Comunidade primitiva, recolhida no Hospital de Granada. Com traços rápidos mas eficazes anotava: "Todos aqueles que entram aqui para servir, sirvam com caridade e por amor de Deus, sem, nenhum receber salário. E assim a casa é servida melhor que qualquer outra casa do mundo, porque todos entram nela para salvar a própria alma exercitando-se na caridade, e cada um faz mais do que pode, sem que seja necessária qualquer repreensão" (F. De Castro; Storia della vita e sante opere di Giovanni di Dio, Roma 1975, p. 119).

Num tempo como o nosso, em que a solicitude pelo doente se arrisca a passar para segunda ordem, diante da afirmação doutros valores considerados mais importantes, é mais que nunca urgente haver quem testemunhe, com o exemplo e com a palavra, a superior dignidade da pessoa, especialmente se fraca e indefesa. As palavras de Cristo "Estava doente e visitastes-me" (Mt 25,36), estão aí a recordar que tal dignidade subsiste em todo o ser humano, mesmo que fosse o mais miserável, e que nunca pode ser sacrificada em vista de um proveito, mesmo que fosse o mais importante.

Conheceis a resposta que São João de Deus deu ao Arcebispo de Granada, que o exortava a "limpar o Hospital", pondo fora alguns doentes indisciplinados e bulhentos. O biógrafo refere que o Santo "ouviu com muita atenção tudo o que o seu Prelado lhe dizia, e com muita humildade e mansidão lhe respondeu: 'Pai meu e bom Prelado, só eu sou o mau, o incorrigível e inútil, que mereço ser expulso da casa de Deus. Os pobres que estão no Hospital são bons, e de nenhum deles conheço qualquer vício. Depois, já que Deus tolera os maus e os bons, e cada, dia faz nascer sobre todos o Seu sol, não é razoável expulsar os abandonados e os aflitos, da própria casa deles' " (F. De Castro, op. cit., p. 103).

3. Com o exemplo de uma caridade evangélica, assim levada às consequências e tão desarmante, formaram-se inúmeros Irmãos da vossa Ordem. Torna-se espontâneo recordar aqui sobretudo a figura luminosa de Frei Riccardo Pampuri, que a 4 de Outubro próximo será elevado à glória dos Altares. Os exemplos de virtude desta, e de tantas outras almas santas, que militaram nas fileiras da vossa Ordem, constituem aquele património precioso de que eu falava no princípio. Cada um de vós pode estar orgulhoso dele, para tirar inspiração e estímulo nas pequenas e nas grandes opções, mediante as quais ele é chamado a dar sentido à própria vida.

Os meus votos são que saiba cada Religioso da Ordem tirar de tais exemplos indicações concretas, capazes de lhe orientar a acção no meio dos doentes, elevando-lhe o significado a testemunho daquela presença misteriosa, mas real, com que persiste Cristo em atravessar pelo meio dos que sofrem hoje, "fazendo bem e curando", como em tempos passava entre os enfermos da Palestina (cf. Act Ac 10,38).

Com estes desejos, imploro sobre vós, sobre os vossos doentes e sobre todas as pessoas que vos são caras, a abundância das consolações celestes, em penhor das quais vos concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS FUNCIONÁRIOS DO HOSPITAL


DOS «FATEBENEFRATELLI» DE ROMA


Segunda-feira, 5 de Abril de 1981



Caríssimos Irmãos e Irmãs
do Hospital Fatebenefratelli

1. Louvado seja Deus que tornou possível este encontro convosco, residentes neste vetusto e benemérito Hospital da Ilha Tiberina. Agradeço ao Senhor ter-me concedido poder-me encontrar na vossa companhia, para vos exprimir a minha sincera afeição.

Desejo saudar o Prior-Geral da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, o Irmão Pierluigi Marchesi, comprazendo-me com o gentil acolhimento e as confortantes palavras com que desejou abrir esta reunião.

Saudação igualmente afectuosa vai também para todos os Membros do Conselho de Administração; para o Bispo Dom Fiorenzo Angelini, encarregado da assistência espiritual nos Hospitais e Clínicas de Roma; para os ilustres Médicos: Primário, Ajudantes e Assistentes; para o pessoal de empregados, paramédico e auxiliar; para os Capelães, as Irmãs, o grupo dos voluntários e todos quantos, por vários títulos, prestam aqui a sua preciosa obra de solidariedade humana e cristã em favor dos caros doentes. Todos saúdo e a todos dirijo as minhas palavras de ânimo e o meu apreço em nome do Senhor Jesus que, no tempo da Sua vida terrena, mostrou especial solicitude para com os enfermos e curou toda a espécie de doenças (cf. Mc Mc 1,39 Lc 4,44 Mt 9,35). Estes mesmos pensamentos dirijo também a todos os Enfermeiros e às Enfermeiras, de quem em grande parte depende o bom andamento do Hospital, porque são os colaboradores mais próximos dos Médicos e os que mais de perto acompanham os doentes.

2. Encontrando-me nesta casa, por ocasião do quarto centenário da chegada a Roma dos Religiosos da Ordem Hospitaleira, mais conhecidos pelo nome de "Fratebenefratelli", não posso deixar de recordar a história que decorreu por tão longo tempo. As suas origens estão mesmo envolvidas na auréola da lenda, segundo a qual o primeiro núcleo deste asilo seria uma nau que ficou invadida pelas águas lodosas do Tibre. O certo é que já no tempo dos Romanos esta ilha misteriosa era usada para a cura de doentes. Mas foi no século XVI, depois de anos de abandono, que ela retornou o seu destino sanitário à luz do amor cristão, que é o distintivo dos seguidores de Cristo e São João de Deus tão bem soube infundir nos seus filhos espirituais, que de há séculos dirigem este Hospital com amoroso e admirável cuidado. A presença deles em Roma remonta, de facto, a 1581, quando um pequeno número de Irmãos começou a cuidar dos pobres num Hospitalzinho na "Piazza di Pietra", entre as imponentes colunas do antigo Templo de Adriano. A obra de assistência, prestada com dedicação cristã pelos primeiros religiosos espanhóis e italianos, atraiu depressa a estima, o respeito e a veneração dos cidadãos, de maneira que esse primeiro local acabou por tornar-se demasiado apertado para albergar e tratar todos os pobres que se dirigiam à caridade dos Religiosos. Foi então que, em 1584, o Hospital foi transferido para este local mais amplo e confortável. Em quase 400 anos de actividade, restituiu ele a saúde e a alegria de viver aos numerosos doentes de tantas gerações que, nestes quatro séculos, se foram revezando neste centro sanitário. Para os "Fatebenefratelli" vai portanto o aplauso e o agradecimento por parte de Roma, da Igreja e do Papa, por esta benemérita obra de beneficência, que é para eles verdadeiro título de glória.

3. Ao mesmo tempo que para os Religiosos, que dirigem este Hospital, o meu pensamento corre, espontânea, e obrigatoriamente, para todos os Médicos que deram no passado e dão hoje os seus cuidados à cura e ao alívio dos hospitalizados.

Caríssimos Médicos, tenho o prazer de utilizar esta circunstância para reafirmar também a vós, como já fiz noutras ocasiões, a benevolência, a estima e a esperança que a Igreja deposita em vós e na vossa experiência para uma missão tão alta e generosa, como é a do serviço aos irmãos que sofrem. Apraz-me, a este propósito, fazer minhas as palavras que o meu venerado Predecessor Pio XII dirigiu a um grupo de Cirurgiões em 1945: "Como é elevado, como é digno de toda a honra o carácter da vossa profissão! O médico foi designado por Deus para ir ao encontro das necessidades da humanidade que sofre. Foi Ele, que criou este ser, agora consumido pela febre ou dilacerado, que vedes aqui entre as vossas mãos; é Ele, que o ama com amor eterno e vos confiou a missão nobilitante de restituir-lhe a saúde. Vós levais para o quarto do doente e para cima da mesa de operações alguma coisa da caridade de Deus, do amor e da ternura de Cristo, o grande Médico da alma e do corpo. Esta caridade não é sentimento superficial, que tenha falta de firmeza... É, de facto, amor que abraça o homem todo, um ser que é seu irmão na humanidade, e cujo corpo enfermo está ainda vivificado por uma alma imortal, que todos os direitos da criação e da redenção unem à vontade do seu Mestre Divino" (Discorsi e Radiomessaggi, VI, p. 304).

Quis citar esta passagens estupenda do discurso de Pio XII, uma vez que põe em evidência a missão dos médicos e a solidariedade humana e cristã que eles devem mostrar juntamente com a ciência e com os progressos da experimentação. Por baixo da severa investigação científica, sempre necessária para uma diagnose exacta, sabei também vós ter uma inspiração humana e profunda simpatia por aqueles que recorrem ao auxílio que lhes podeis prestar. Sede constantemente servidores da vida; nunca, nunca, instrumentos de morte! Fazei tudo com amor, por amor de Cristo, que não deixará sem recompensa, tudo quanto fizerdes pelos mais pequenos entre os seus: pois com cada uns desses quis Ele identificar-se: "Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40).

Conforte-vos na vossa profissão este motivo ideal; seja ele a palpitação secreta, que nobilite os vossos esforços; seja ele o empenho sagrado que vos faça descobrir nos que sofrem, sobretudo nos mais abandonados, o rosto doloroso de Cristo e o Seu olhar cheio de reconhecimento. Deixai-vos guiar por estes sentimentos no cuidado dos vossos doentes e "o Deus do amor e da paz estará convosco" (2Co 13,11).

4. E a vós, caros Enfermos, presentes nesta reunião ou deslocados para os corredores deste Hospital que vos direi? Renovo-vos uma vez mais a saudação e o meu particular afecto. E em seguida, dir-vos-ei que me sois queridos: não só pela caridade que todos nos devemos mutuamente, mas também pelo título particular que vos faz participar, mais que os outros, no mistério da Cruz e da Redenção; sois-me queridos porque a dor vos confere uma dignididade que merece preferência de afecto; sois-me queridos porque vejo em vós os tesouros da Igreja, que é continuamente enriquecida com o dom dos vossos sofrimentos; sois-me queridos porque peregrinos para o Céu, seguindo um caminho íngreme e áspero que passa através da porta estreita; sois-me queridos porque a vós pertence a bem-aventurança reservada por Cristo àqueles que sofrem. Sede portanto abençoados!

A todos vós, provados pelo sofrimento, que me escutais, será porventura necessário recordar que a vossa dor vos une cada vez mais ao Cordeiro de Deus, que mediante a Sua Paixão "tirou o pecado do mundo"? (Jn 1,29). E que portanto também vós, associados a Ele na paixão, podeis ser co-redentores da humanidade? Conheceis estas luminosas verdades. Não vos esqueçais nunca de oferecer os vossos sofrimentos pela Igreja, a fim de que todos os seus filhos sejam coerentes com a sua, fé, perseverantes na oração e fervorosos na esperança.

O que disse no Cottolengo de Turim, repito-o hoje com energia,: "Com a vossa dor podeis fortificar as almas vacilantes, chamar para o caminho recto as transviadas, restituir serenidade e confiança às incertas e angustiadas. Os vossos sofrimentos, se generosamente aceitos e oferecidos em união com os do Crucificado, podem oferecer contributo de primeiro plano na luta pela vitória do bens contra as forças do mal, que de tantos modos assaltam a humanidade contemporânea" (Insegnamenti di Giovanní Paolo II, III, 1, 1980, p. 874).

Sabei aceitar e viver a esta luz as vossas experiências de dor: não recuseis nunca fazer dádiva ao Senhor e à Igreja dos vossos sacrifícios e dos vossos sofrimentos ocultos: sereis vós mesmos os primeiros a ter assim mérito e recompensa.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs, no termo do meu colóquio convosco nesta tarde do quinto domingo da Quaresma, não posso deixar de fazer ressoar o eco do anúncio de esperança, que ouvimos na proclamação do Evangelho da Missa de hoje. Antes de realizar o milagre da ressurreição de Lázaro em Betânia, Jesus faz de si uma solene proclamação, que daria, a gerações e gerações de cristãos através dos séculos, esperança não enganadora, melhor, certeza firmíssima. Diz o Senhor a Marta, irmã de Lázaro: "Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê essa Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim nunca Morrerá" (Jn 11,25-26). Enquanto Filho de Deus, Jesus não só é mediador para os Seus fiéis, mas também autor ou causa eficiente daquela vida superior, que vence a morte e não é dada só no último dia, mas todos os dias. O Senhor pede a Marta, e portanto a todos nós, esta fé. Respondamos também nós, juntamente com Marta, com uma profissão de fé na messianidade de Jesus: "Sim, ó Senhor, creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus que havia de vir ao inundo" (Jn 11,27). Reconheçamos também nós Cristo como o nosso Senhor, como Aquele que está diante de nós, como estava diante daquele túmulo de Lázaro em Betânia. Temos necessidade, também nós, de ressurreição. Toda a nossa vida não é acaso um ressurgir do mal, da doença e da morte? Mas não temamos, há uns Salvador, há Jesus Cristo entre nós. Ele está diante de nós e brada-nos como a Lázaro: "Sai para fora!" (Jn 11,43). Sai para fora da tua enfermidade física e moral, da tua indiferença, da tua preguiça, do teu egoísmo e da desordem em que vives. Sai para fora do teu, desespero e da tua inquietação, por que chegou o tempo prenunciado pelos profetas, o tempo da salvação, em que "Meu povo, vou abrir os vossos túmulos,.., meterei em vós o Meu espírito, a fins de vos restituir à vida" (cf. Ez Ez 37,12-14).

Vivamos a nossa vida terrena com esta esperança e com esta perspectiva, que nos ,dá calma, serenidade interior, paz profunda e confiança, na comum certeza de que em nós não há centelha de vicia, que não esteja destinada a ressurgir com Cristo.

Neste espírito, na proximidade das santas Festividades pascais, exprimo do fundo do coração, a todos e cada um de vós, fervorosos votos de alegria cristã e contínua ressurreição em Cristo, nosso Redentor.




Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 3 de Abril de 1981