Discursos João Paulo II 1981 - Domingo, 26 de Abril de 1981


VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A BÉRGAMO (ITÁLIA)

26 DE ABRIL DE 1981

SAUDAÇÃO ÀS AUTORIDADES CIVIS DE BERGAMO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 26 de Abril de 1981



Ilustres Senhores!

Este encontro com as Autoridades civis da Província e da Cidade de Bérgamo, e de toda a Região lombarda, quer idealmente ampliar aquela saudação, que esta manhã dirigi ao Senhor Presidente da Câmara desta cidade. Vim aqui para recordar o Centenário do nascimento do seu Filho mais ilustre, o meu Prédecessor João XXIII; e tive assim a grata oportunidade de visitar a terra da Lombardia, verdadeiramente admirável pelas suas tradições religiosas, pela sua bem conhecida operosidade e pela beleza dos seus panoramas, dos seus rios e dos seus lagos, tão bem decantados pelo génio do vosso grande conterrâneo Alessandro Manzoni.

Agradeço-vos sinceramente este encontro, que revela os vossos nobres sentimentos de apreço e de devoção para com a Sé Apostólica e, ao mesmo tempo, me consente, na qualidade de Pastor da Igreja Universal, exprimir-vos a minha satisfação e estima pela obra diligente e cuidadosa que não cessais de promover para um sempre maior bem-estar civil, social e económico do laborioso povo lombardo.

A presente circunstância é-me também propícia para repetir pessoalmente diante de vós a alta consideração e o profundo respeito que a Igreja sempre teve e tem pela Autoridade civil. Seguindo os ensinamentos do Concílio Vaticano II, dir-vos-ei que a Igreja é plenamente consciente de que "a Comunidade política e a autoridade pública têm o seu fundamento na natureza humana e por isso pertencem à ordem estabelecida por Deus" (Gaudium et Spes GS 42); e sabe que "é dever essencial de todo o poder civil tutelar e promover os invioláveis direitos do homem" (Dignitatis Humanae DH 6).

Estou certo de que a vossa actividade, consagrada à verdadeira prosperidade do povo, quer inspirar-se nestes grandes princípios. Doutra parte, um conceito de progresso diversamente entendido correria o risco não só de sufocar as profundas aspirações do espírito, mas de fazer perder a visão da estatura mesma do homem. Num momento em que certa concepção hedonista e materialista da vida parece fazer esquecer os valores mais verdadeiros e genuínos elo homem, a autoridade civil é chamada a tutelar, nos âmbitos que lhe são próprios, os sacrossantos direitos do homem, tais como a família, o trabalho, a sã educação dos filhos, a liberdade religiosa, a interioridade, a justiça e a paz.

Assista-vos nesta vossa obra, tão benemérita, a contínua protecção do Céu, da qual quer ser penhor e auspício a Bênção Apostólica, que de bom grado torno extensiva a cada uma das vossas famílias e a todas as pessoas que vos são caras.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A BÉRGAMO (ITÁLIA)

26 DE ABRIL DE 1981

ENCONTRO COM O CLERO E OS RELIGIOSOS DE BÉRGAMO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 26 de Abril de 1981



Amadíssimos Sacerdotes
e Religiosos da diocese de Bérgamo

1. Não a partir de hoje, nem só desde o tempo do meu serviço na cátedra de Pedro, mas já de há muitos anos ouço falar elogiosamente do clero da Igreja de Bérgamo: clero escolhido e diligente, clero bom, fiel e sempre ao lado da sua gente.

Voltando de Sotto il Monte, tenho ainda nos olhos a visão do ambiente natural e humano, em que nasceu e recebeu a primeira educação o futuro João XXIII, de sempre venerada memória, a lá tive, clara e límpida, a sensação de como é a população desta nobre terra. E à qualidade da gente — pensei — corresponde a do clero. Nos anos daquele pontificado luminoso, pude imaginar como era este clero; e tal conhecimento tive-o esta manhã, e ele recebe agora a mais segura confirmação.

O que digo não é portanto só elogio, mas antes justo e alegre reconhecimento, que sugere a vós mesmos e a mim o dever de agradecer ao Senhor: Benedicamus Domino!

2. Sim, devemos sempre agradecer ao Senhor o que nos deu: o nascimento num ambiente de escolhidas tradições cristãs, de sólida laboriosidade e de inata rectidão; a sagrada vocação ao Sacerdócio ou à vida consagrada; os altos exemplos de tantos educadores e pastores, sendo o primeiro deles o amabilíssimo "Papa noster Ioannes". E agradecemos ao Senhor — vós e eu — também a "graça" do encontro de hoje. Acorrendo em visita à terra natal deste meu Predecessor — cuja figura e herança quis recordar, juntamente com as de Paulo VI e de João Paulo I, mesmo na tomada do nome (cf. Encíclica Redemptor Hominis RH 2) — eu considero esta assembleia como momento privilegiado de comunhão eclesial.

Também vós, pelo vosso lado, notais o seu carácter providencial: nós realizamos "hic et nunc", em plena validez e eficácia, pela identidade da fé e pela força coesiva da caridade, aquela comunhão em que se exprime a Igreja. Podemos, portanto, repetir uma vez mais: Benedicamus Domino!

3. Quer ser, o nosso encontro, oportunidade de reflexão e de oração. Sabeis bem como, por uma lei psicológica, é oportuno e salutar fazer de vez em quando uma pausa no nosso ministério pastoral. Serve para se verem melhor as coisas; serve para pensar e para decidir; serve para retomar fôlego. Nem nos falta a este propósito a matéria, que é mesmo abundante e responsabilizadora, tão vasta é a dimensão do nosso Sacerdócio, tão diferenciados os "deveres de estado" que ele comporta, tão numerosos os problemas de "identidade pessoal" e de carácter apostólico que estão diante de nós, tão urgentes as expectativas não só dos fiéis que frequentam as nossas igrejas, mas também daqueles que andam longe ou se declaram estranhos à fé. Para melhor aderir à actualidade, isto é, à vossa mais verdadeira identidade de "ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus" (1Co 4,1), e às necessidades religiosas do tempo presente. Este, de facto, é o quadro de fundo, para que deve olhar sempre o sacerdote.

Espalhada está hoje a sensação — e é supérfluo fazer notar a fundada exactidão dela — de que estão a mudar muitas coisas, como tantas já mudaram dentro e fora de nós. Quem de nós está avançado nos anos e vê já longe o dia da sua Ordenação sacerdotal, adverte o fenómeno ainda melhor que os outros. É natural, portanto, que nos perguntemos quem somos nós e qual é a obrigação que primariamente nos toca no contexto do mundo moderno.

4. Nós somos o que sempre fomos: e com isto quero dizer que devemos ficar como nos quis e nos quer Cristo Senhor. Somos pessoas sobre as quais ele pôs o seu olhar de eleição e de predilecção, a quem deu aquela oculta e pasmosa capacidade de serem "pescadores de homens" (cf. Mt Mt 4,19) com os derivados e específicos poderes de santificá-los, ensiná-los e guiá-los para a salvação. Ao variar a atmosfera ambiental, é necessário mantermos firmes estes pontos-forças, para bem centrar e resolver o aludido problema da identidade e, com ele, o do ministério que é nosso. Dotados de típica conformação que nos ajusta a Cristo Sacerdote, somos participantes e colaboradores da sua própria missão salvífica.

Há porém mais: não obstante a aludida mudança sócio-cultural, não mudou a exigência espiritual. Basta olhar para os homens do nosso tempo, entre os quais fomos escolhidos e a favor dos quais fomos constituídos nas coisas concernentes a Deus (cf. Heb He 5,1); basta olhar para os jovens das novas gerações, que serão os protagonistas de amanhã. Daqui se tira um dado bastante importante, que merece a máxima atenção: se o mundo que nos circunda está a mudar rapida e radicalmente, as necessidades de ordem espiritual, diria, dilataram-se e ampliaram-se em proporção. Por este motivo a palavra, pela minha parte, é fraternal e insistente exortação à confiança e à acção.

O Papa, presente no meio de vós, repete-vos em nome e com a autoridade que lhe conferiu, em Pedro, Jesus Salvador: Nolite timere (Mt 14,27 Mc 6,50 Lc 12,32 Lc 24,36)! Não duvideis nunca, Irmãos caríssimos, do vosso sacerdócio, nunca percais a confiança na "consistência" da vossa missão. A quotidiana e generosa profissão da fé — Eu creio em Ti, ó Senhor, que me quiseste como teu sacerdote e continuados da tua missão — deve infundir-vos a quotidiana e firme confiança para vos manterdes no próprio posto, para refrescardes as energias nas fontes inexauríveis da graça, para resistirdes à tentação do desalento e do abandono. Ego sum: volite timere (Lc 4,36 ss.). Pensemos de novo, pensemos de novo na leitura do Evangelho de hoje, segundo domingo de Páscoa: a entrada de Jesus no Cenáculo foi para os Apóstolos, ai reunidos e temerosos propter metum Iudaerorum (Jn 20,19), fonte de paz, de alegria, de coragem e de renovada confiança. Com a Sua ajuda, oxalá também a minha presença hoje entre vós seja portadora destes preciosos e corroborantes dons pascais.

5. O facto das transformações que se deram na sociedade moderna e, ao menos em parte, são irreversíveis, presta-se a uma segunda e igualmente importante consideração. A mim interessa-me expô-la aqui diante de vós para dela tirar uma nova palavra de exortação. Sugere-ma o mesmo Papa João. Não foi ele o primeiro a inculcar na Igreja a ideia da necessária actualização (aggiornamento)? Quantas vezes recorreu ele a este termo ou a expressões equivalentes para fazer compreender a nós, sacerdotes e pastores, a oportunidade a conveniência de adaptar, prudentemente e ao mesmo tempo corajosamente, devido à mudança da situação, os métodos e as formas, a linguagem e o estilo e, dir-se-ia, a táctica e a técnica da nossa acção pastoral (cf. Discorsi, Messaggi, Colloqui del Santo Padre Giovanni XXIII: vol. 1P 132 vol. IV, PP 515, 585, PP 818 vol. V, PP 56,128).

Graças a ele o "aggiornamento" tornou-se palavra-chave, que foi em seguida retomada fielmente pelo Concílio Vaticano II, consignada nos seus documentos oficiais (cf., por exemplo, Const. Sacrosanctum Concilium SC 21 Sacrosanctum Concilium SC 23 Decr. Optatam Totius OT 17 Optatam Totius OT 22 Decr. Perfectae caritatis PC 2-3 Perfectae caritatis PC 7-9 Decl. Gravissimum educationis GE 8), recomendada como meio para garantir, com o indispensável socorro da graça de Deus — "que é o único que dá o crescimento" (cf. 1Co 3,7) — a real eficácia da acção da Igreja.

É preciso, portanto, actualizarmo-nos com sagaz ponderação, sem nunca comprometermos aquilo que é e deve continuar a ser intangível, isto é o património da fé, a herança da tradição ou a observância da disciplina eclesiástica. Mas requer-se também coragem, inovando segundo as exigências que se apresentem, procurando e examinando métodos novos, pondo em movimento aquela inventiva e aquela genialidade que bem correspondem à natureza da pastoral. Esta não é árida ciência de secretária, mas, primeiro que tudo e sobretudo, é arte que nos guia ao aproximarmo-nos das almas dos nossos irmãos. Ars est artium regimen animarum, recorda-nos São Gregório Magno na sua Regra Pastoral (PL, tom. 77, Col 14).

Eis, caros Irmãos, que eu agora repito esta palavra "aggiornamento" diante de vós com a abertura de coração do Papa vosso conterrâneo, confiando muito, como ele, no vosso zelo e indicando-vos os possíveis campos de aplicação, a que tal esforço adaptador poderá utilmente aplicar-se: desde a catequese paroquial, doméstica e escolar, para um anúncio intensivo da Palavra de Deus, até à administração exemplar dos santos Sacramentos; desde o cuidado preferencial pelos pobres até à assistência espiritual dos doentes; desde a necessária presença, mesmo pública, em defesa da vida, da liberdade, da justiça e do trabalho, até à tutela concreta de quem na vida, na liberdade, na justiça ou no trabalho é ameaçado.

6. Há outro ponto no qual desejo deter-me, e é a relação cada vez mais íntima que deve estabelecer-se no interior do Presbitério diocesano. Em cada igreja local os sacerdotes entre si, os sacerdotes com o seu Bispo, como que formam, pelas razões acima indicadas, uma unidade objectiva e efectiva, do mesmo modo que para a frequência das relações e de mútua colaboração quotidiana, devem também desenvolvê-la e aumentá-la, até ao ponto de fazer delas uma unidade subjectiva e afectiva.

É coisa grande, coisa sublime, é coisa inviolável a profunda unidade que liga o Bispo com os seus sacerdotes. Quando ela é autêntica, então certos problemas encontram imediata solução, então não é preciso mandar in virtute sanctae oboedientiae ou fazer imposições ex auctoritate, então não se está a esperar ou a subtilizar a respeito da ordem das competências, mas vai-se e corre-se aonde quer que haja uma alma para encontrar, para consolar e para salvar. A unidade é o pressuposto de uma generosidade a toda a prova no exercício do sagrado ministério; a unidade favorece a mais pronta disponibilidade.

Faço votos por que não se fenda nunca no meio de vós a solidez de tal unidade, mas antes que esta se consolide numa atmosfera de elevada espiritualidade e contribua assim para a edificação mesma de todo o Povo de Deus. Diz o mártir Inácio aos fiéis da Igreja de Éfeso: "O vosso presbitério, digno de Deus, é posto de acordo com o Bispo, como as cordas o são com a cítera" (IV, 1). O acordo é necessário porque — explica o santo — o pensamento do Bispo modela-se no pensamento de Jesus Cristo, e este no pensamento mesmo do Pai (ibid. III, 2). O meu voto sincero, portanto, é que na Igreja de Bérgamo esta ideal consonância — tão harmónica e harmoniosa no passado entre as escolhidas falanges de tantos sacerdotes e as não esquecidas figuras de insignes Prelados desde São Gregório Barbarigo a Dom Pier Luigi Speranza, desde Dom Giacomo Radini-Tedeschi a Dom Adriano Bernareggi — continue ainda hoje entre vós e em vós, oferecendo positivo e confortante testemunho aos vossos fiéis.

7. Vejo no meio de vós não poucas Religiosas e também os jovens do Seminário. Também a eles dirijo uma palavra especial de saudação e de ânimo.

Quem não sabe qual e quão grande é o contributo das Religiosas na actividade pastoral e na animação eclesial moderna? Se foram justamente abertos os campos do apostolado aos leigos mais sensíveis e generosos, quanto mais vasto é o âmbito em que são chamadas a actuar estas nossas Irmãs, nas quais o carisma da especial vocação religiosa, o consequente vínculo dos votos por elas pronunciados, o inato espírito de compreensão e os outros dotes da sua feminilidade operam conjuntamente, determinando forte impulso que pode chegar, e chega efectivamente, a todos os sectores em que a Igreja está responsavelmente comprometida. Isto com tanto maior vontade o afirmo, aqui em Bérgamo, quanto melhor sei quão enorme impulso deu à expansão da vida religiosa esta Terra fecunda, que só no século passado viu florescer em si mesma tantos novos Institutos. Um pensamento especial dirijo às Irmãs de Clausura que, fiéis à sua particular vocação, estão especialmente presentes com a sua oração e com a sua caridade.

Caras Religiosas: qualquer que seja o modo ou a forma, como se exerce o vosso serviço apostólico — a oração no recolhimento do claustro, a cátedra do ensino, a assistência de carácter social, a causa da boa imprensa ou dos outros meios de comunicação —, onde quer que vos encontreis, sabei sempre manter desperta a consciência da "confluência eclesial" do vosso ser e da vossa função. Sois forças vivas da Igreja e na Igreja: sabei-lo, querei-lo e devei-lo ser. E soi-lo porque assim vos quer o Senhor, que vos chamou. Sois, portanto, protagonistas do Seu Evangelho: sois como as virgens prudentes e vigilantes da parábola, com a lâmpada na mão sempre provida daquele azeite que serve para iluminar, também aos outros irmãos, o caminho para o Espírito celeste (cf. Mt Mt 25,1-13).

8. Quanto a vós, jovens, que no Seminário diocesano estais a reflectir sobre a vossa vocação, desejo deixar-vos uma indicação de esperança e de confiança. Amadurecei no recolhimento e na oração a escolha que estais para fazer e que, inevitavelmente, devereis fazer quanto ao vosso futuro: se a voz do Senhor ressoa no íntimo do vosso coração, disponde-vos a escutá-la: "Oxalá ouvísseis hoje a Sua voz: Não endureçais os vossos corações" (Ps 94,8). O período que estais vivendo é o da vossa formação, e pode ser definido como o período da audição da voz de Deus. É necessário prestar atenção a esta voz para a compreender bem, para lhe captar todos os cambiantes e lhe recolher todas as ressonâncias. A que vos chama ela? Seguramente vos chama à vida cristã segundo aquela medida de plenitude, que pelo Senhor é oferecida a todos: "Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância" (Jn 10,10) . Mas provavelmente chama-vos a uma participação mais directa na Sua missão salvífica: "Já não vos chamo servos (...) mas chamo-vos amigos" (Jn 15,15). E se é assim no vosso caso, como se há-de tomar a responsabilidade de uma recusa? Quem se atreveria a dizer não ao Senhor que chama? Ninguém pode permitir-se errar o caminho na sua vida.

Por isso, caros jovens, reflecti bem, pedi para ter a luz necessária para a vossa escolha e, feita esta, pedi mais ainda para ter a força de perseverar, caminhando sempre "de modo digno do Senhor, agradando-Lhe sempre" (Col 1,10).

E olhai sempre para cima: olhai para Cristo que, do sacerdócio, é ao mesmo tempo o autor, o dador e o exemplar absoluto. D'Ele obtereis a satisfação e o gosto de O seguir e de O servir nas almas. Olhai para cima, como soube fazer desde os anos da sua primeira juventude o vosso e nosso Papa João. "Devo convencer-me sempre — escrevia ele depois de um curso de Exercícios Espirituais em 1898 — desta grande verdade: Jesus, de mim, clérigo Ângelo Roncalli, não quer somente uma virtude medíocre, mas suma: não estará contente comigo, enquanto eu não me fizer ou pelo menos não me esforçar, com todas as minhas forças, para fazer-me santo" (Giornale dell'anima, p. 60).

São palavras antigas, mas ainda válidas e actuais não só para vós, alunos do Seminário de Bérgamo, mas, sendo permanente o ideal da santidade que propõem, são actuais e válidas também para todos vós, sacerdotes e religiosos aqui presentes. Como tais quis publicamente relê-las para dar ânimo, dar testemunho e deixar uma recordação.

Com a minha confortadora Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A BÉRGAMO (ITÁLIA)

26 DE ABRIL DE 1981

AOS DOENTES NO FINAL DA SANTA MISSA EM BÉRGAMO

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 26 de Abril de 1981



Ao término da nossa concelebração, tão solene apesar da chuvA, quero dirigir-me especialmente aos doentes que participaram nesta Eucaristia, com o seu sacrifício, não obstante o mau tempo. Devo assegurar-vos, caríssimos irmãos e irmãs, que a vossa participação e a vossa presença foram muito preciosas para todos nós; para mim e, espero, para o próprio Senhor nosso, Jesus Cristo, de quem sempre o sacrifício eucarístico é sacrifício: Ele sacerdote, Ele hóstia. A este sacrifício trouxestes ele modo visível o dos vossos sofrimentos. A Bênção de Jesus esteja sempre convosco!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


NACIONAL ITALIANO DE ARTE SACRA


Segunda-feira, 27 de Abril de 1981



Veneráveis Irmãos! Caríssimos Artistas!

1. Ao dirigir-vos a minha saudação, desejo agradecer esta visita que vos trouxe à Casa do Papa, no Vaticano, onde tantos grandes mestres do passado falaram de fé com a linguagem das artes. A Basílica e os solenes edifícios circunvizinhos são pedras que dão testemunho desta síntese espiritual: aqui encontrais um pensamento e um programa, a actualidade perene do credo católico e da Igreja; em redor da Sé de Pedro, no lugar do seu martírio, mediante estas insignes obras de arte torna-se visível às almas e ao povo o desejo profundo de confessar a fé. As artes confessam Deus, e ao mesmo tempo que procuram a Beleza, acham, na maior parte das vezes, os motivos para se encontrarem com a Verdade.

A Igreja e o seu Pastor servem uma causa, a do homem. Pois bem, a experiência ensina que, aproximando-se de Cristo, o homem interior encontra a força original do amor. É importante que tenhais consciência disto e que o procureis: ter sempre diante dos olhos esta orientação profunda que liga o homem ao sobrenatural.

A vossa mediação entre o Evangelho e a vida, de resto, pode tirar inspiração de Cristo mesmo, que foi o primeiro, também através das imagens, a conseguir penetrar na mente e no coração dos Apóstolos e do povo. Com os Evangelhos a arte entrou na história. Dos pequenos centros da Galileia e da Judeia a gente acorria para ouvir a mensagem. E Jesus operou o admirável revestimento, modelou, diríamos com palavras modernas, a narração de maneira que se pudesse não só escutar, mas também ver. Falou do pastor que perdera a ovelha, do semeador que semeara o grão em terrenos diversos, do filho pródigo que se afastara de casa. E os ouvintes compreendiam imediatamente que se tratava deles, ovelhas perdidas, grãos que deveriam ter frutificado, filhos procurados pelo amor do Pai.

2. É espontâneo pensar, a este propósito, na figura do Bom Pastor, símbolo do Salvador, que nós encontramos nos antigos cemitérios cristãos, em pinturas, em sarcófagos, nos epitáfios, nas esculturas, em particular na tão conhecida pela sua sugestiva beleza que está conservada nos Museus Vaticanos.

E se saímos desta pequena ilha vaticana e juntos entramos nas cidades e nos campos italianos, nas zonas dos grandes centros históricos como nos cantos perdidos da península, é uma sucessão de recordações e de imagens: catedrais, igrejas paroquiais, oratórios, ermidas, edifícios sacros, de onde parece levantar-se esta única voz: Deus fez-se homem, Deus morreu e ressuscitou por nós.

O Episcopado, o clero, os artistas e os operários que erigiram estes recintos e templos da oração para significar a vontade da assembleia litúrgica, a tradição, o culto e a vida sacramental, pretenderam representar o corpo místico da Igreja, o memorial pascal e o mistério da unidade.

A arte religiosa, neste sentido, é um grande livro aberto, um convite a crer a fim de compreender. Santo Agostinho escreveu: Fides si non cogitatur nulla est (De praedestinatione sanctorum, 5; PL 44, 963). A recompensa da fé é esta luz maior, luz de graça que ajuda a mente a ver para além do mundo sensível. A obra de arte, que se inspira em Deus, é um sinal, um convite e um estímulo à busca.

Em tantas e tantas obras — penso na Europa e nos continentes longínquos visitados durante as minhas peregrinações apostólicas — pude reconhecer, com admiração, a identidade da fé transmitida nas expressões embora tão diversas da arte. Exorto-vos, pois, a reler a arte como revelação de uma realidade interior, que os crentes de cada época confiaram a todos nós, como expressão de fé e presença de Cristo e da sua Igreja.

3. Esta exortação, amigos artistas, sobre a tradição das imagens sagradas inscreve-se na linha de um ensinamento que vai desde as Cartas de São Gregório Magno às de Adriano I, desde as Cartas dos Papas do Renascimento até às Constituições do Concílio Vaticano II.

O Capítulo VII da Constituição sobre a Sagrada Liturgia é dedicado à arte sacra, e enfrenta argumentos de grande interesse tais como a liberdade dos estilos, as imagens sacras, a formação dos artistas e a educação artística do clero. Assim na Constituição sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, no ponto onde se fala do acordo entre cultura humana e ensinamento cristão (part. II, Cap. II), é afirmada com clareza a grande importância das artes para a vida da Igreja. "Procuram mostrar a natureza própria do homem, os seus problemas, as suas tentativas para se conhecer e aperfeiçoar a si mesmo, bem como ao mundo. Interessam-se vivamente por descobrir o lugar do homem na história e no universo, por apresentar as misérias e as alegrias" (n. 62).

E como não recordar, entre as Mensagens que os Padres Conciliares, no final da Reunião ecuménica dirigiram a diversas categorias de homens, a reservada aos artistas? "Se vós sois os amigos da verdadeira arte, sois nossos amigos. Desde há longo tempo a Igreja fez aliança convosco... A Igreja tem necessidade de vós... Não recuseis pôr o vosso talento ao serviço da verdade divina".

Os meus votos pessoais são portanto que saibais lançar um novo período na arte. Um pressentimento e um voto neste sentido, ofereceu-no-lo o Pontífice Paulo VI de venerada memória, que recolheu o vosso testemunho na "Colecção de arte religiosa moderna" dos Museus do Vaticano.

4. A referência aos Museus do Vaticano leva-me espontaneamente com o pensamento às preciosas colecções de objectos de arte religiosa, existentes nas Dioceses. Para oferecer ao culto uma aparência digna, os artistas de todos os tempos idearam formas e expressões sempre novas, de onde as diversas igrejas tiraram o seu aspecto inconfundível. As alfaias sagradas, as pinturas, as esculturas e o que está reunido nas várias sacristias, nas Comissões fabriqueiras, nos tesouros das catedrais formam o testemunho privilegiado de uma firme e radicada convicção religiosa. Estas obras, portanto, pertencem à história da piedade, que tem capítulos vastíssimos, aonde confluem as experiências da arte, associadas às ideias que as inspiram. São documentos que devem conservar-se como os livros das bibliotecas, como os valores preciosos de arquivo.

Os Museus diocesanos não são, por conseguinte, um depósito de objectos, mas colecções de obras que é preciso tornar a ver, numa sequência que, depois da classificação e do estudo, as reconduz ao contexto da história da Diocese. Existem, a respeito delas, disposições legislativas quer eclesiásticas quer civis. Exorto a que se observem tanto umas como outras, porque estou convencido que será para vantagem das obras de arte, assegurando-lhes melhor a conservação e a guarda.

Estamos numa época em que se valorizam os objectos antigos e as tradições no propósito de recuperar o espírito original de cada povo. Porque não se haveria de fazer o mesmo no campo religioso, para tirar das obras de arte de cada época indicações preciosas sobre o "sensus fidei" do povo cristão? Ide pois também vós em profundidade, para revelar a mensagem impressa no objecto pela marca criativa dos artistas do passado. Inúmeras maravilhas virão à luz todas as vezes que a pedra-de-toque for a religião.

5. Antes de concluir quereria exprimir o meu agrado por algumas iniciativas que me pareceram interessantes. Um dos vossos grupos estudou a Encíclica Dives in Misericordia com o propósito de a traduzir em imagens visivas. Cada um tem o seu modo de ler, e o vosso certamente está entre os melhores, porque se torna portador de uma mensagem que todos podem facilmente intuir. Pensastes nas parábolas, nas obras de misericórdia, nos temas da idade presente, incluído o dos arsenais atómicos e sentistes-vos ansiosos de participar na irradiação de uma mensagem de paz.

Foi-me dito ainda que outros têm o desejo de levar às famílias, aos novos lares, uma imagem de Nossa Senhora. Entre as impressões mais caras da minha vida estão os ícones da Virgem, os do Oriente, tão altamente espirituais, os do Ocidente, tão doces e humanos, e os tão puros e devotos do Beato Angélico. Como é fácil diante destas imagens rezar "Mater amabilis, mater admirabilis, mater boni consilii"... As ladainhas vêm aos lábios espontaneamente.

Trabalhai pois nesta perspectiva, são estes os meus votos, permanecendo junto da alma do povo de Deus. O estudo iconográfico levar-vos-á a conhecer cada vez melhor a verdade dogmática e podereis dar-vos conta de quanto a tradição litúrgica e a devoção particular se encontraram. A Virgem Mãe está no centro da produção artística de todos os tempos. Ela resplandece também hoje de luz, em cada canto da terra como Aquela em que pulsa o coração da Igreja: "Maria Mater Ecclesiae".

Ao confiar-vos, como também a vossa actividade, à sua protecção, faço votos por que da fervorosa colaboração entre liturgistas, arquitectos, artistas e comunidades paroquiais, possam desabrochar expressões sempre novas de beleza a cantar, com a linguagem artística do presente, a eterna magnificência de Deus, criador e redentor do homem. Com estes sentimentos, concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva a todos os vossos Entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS COMPONENTES DA ORQUESTRA SINFÓNICA


DOS JOVENS DA COMUNIDADE EUROPEIA


Sala do Consistório

Quinta-feira, 30 de abril de 1981



Caros amigos

Sinto satisfação por esta oportunidade de estar convosco, jovens católicos, que fazeis parte da Orquestra dos Jovens da Comunidade Europeia. Sei que estais aqui para ajudar os inválidos da Europa, dando um concerto de beneficência esta noite, como também para socorrer as vítimas do terremoto na Itália meridional, com outras exibições. Vista a generosidade que mostrastes a este respeito, dá-me prazer especial dar-vos hoje as boas-vindas.

Chegais a Roma num período em que a Igreja está a celebrar com vigoroso entusiasmo a Ressurreição de Cristo. Ele é o único que diz de si mesmo "Vim para que tenham vida, e a tenham em abundância" (Jn 10,10). Jesus Cristo mostrou a profundidade do seu amor por todas as gentes mediante os seus sofrimentos e a sua morte. Com a sua Ressurreição oferece uma primavera de esperança a todos os que modelaram as próprias acções no seu amor sacrifical pelos outros. O Concílio Vaticano II recordou à Igreja que ela deve interessar-se por que a vida no mundo seja cada vez mais conforme "à eminente dignidade do homem" (Gaudium et Spes GS 91), em todos os seus aspectos, de modo a tornar aquela vida cada vez mais humana.

No cumprimento da sua tarefa, a Igreja está comprometida em tudo o que influencia a pessoa humana. Como eu disse na minha Encíclica Redemptor Hominis: "o homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão: ele é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo" (Redemptor Hominis RH 14). Notei com verdadeiro interesse os objectivos e as finalidades da vossa Orquestra Sinfónica da Comunidade Europeia. Sei que também compartilhais com a Igreja um profundo desejo de tornar a vida cada vez mais humana. E procurais fazê-lo de dois modos.

Antes de tudo, a expressão artística da vossa música impressiona os anelos e os sentimentos mais profundos do espírito humano. Mais do que a perícia técnica, as vossas representações enriquecem a vossa vida e a dos vossos ouvintes inspirando na alma humana renovado apreço pela verdade, a beleza e a bondade.

E para além disso, procurais satisfazer o aspecto social e étnico da vossa expressão artística oferecendo-a com alegria de coração em benefício do vosso próximo. Deste modo, esforçais-vos por instaurar a salidariedade entre povos diferentes, unir aqueles que estão distantes por culturas diferentes ou vínculos nacionais, desafiar os vossos ouvintes a superarem as aparências, que tendem a criar barreiras entre indivíduos, a fim de salientar a dignidade fundamental de cada vida humana desde o momento da concepção.

A vossa Orquestra contribui para um futuro de maior cooperação e compreensão entre as nações da Europa e, certamente, talvez por fim, do mundo inteiro. Tudo isto constitui elemento basilar da paz mundial e da justiça internacional e reflecte o que há de mais nobre no espírito humano.

Felicito-vos, meus irmãos e irmãs, por esta valiosa tentativa. Sei que encontrareis muita satisfação pessoal em trabalhar juntos, tanto pela alegria que sentis com a música que executais, como pela fraternidade que provocais.

Mas para além disto, faço votos por que os ideais que nutris de promover a dignidade de todos os homens e mulheres sejam efectivamente fomentados nos corações e nos comportamentos de todos os que entendem a vossa mensagem. Peço a Deus Todo-Poderoso coroe de bom êxito os vossos esforços para tornar a vida sempre mais humana. Deus vos abençoe a todos.




Discursos João Paulo II 1981 - Domingo, 26 de Abril de 1981