Discursos João Paulo II 1981 - Sexta-feira, 15 de Maio de 1981

PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


DE PENTECOSTES


Varanda Central da Basílica de São Pedro

Domingo, 7 de Junho de 1981



Veneráveis Irmãos!

Também quis estar pessoalmente convosco ao findar a concelebração eucarística de hoje; sim, convosco, nesta Basílica que nos reuniu, como os apóstolos no Cenáculo — cum Maria Matre eius! (Ac 1,14) — para proclamar perante o mundo as magnalia Dei (Ac 2,11).

Desejo, convosco, agradecer ao Espírito Santo e, convosco, reconfirmar a nossa fé comum n'Ele, Dominum et vivificantem, a 16 séculos de distância do primeiro Concílio de Constantinopla; convosco desejo implorar-lhe que a Igreja universal, por Ele animada — da qual sois hoje aqui imagem esplendente — seja sempre instrumento de salvação e de santidade, sinal de unidade e de verdade, artífice de justiça e de paz.

Congregavit nos in unum Christi amor!

Reúna-nos sempre assim o Espírito, Amor Pessoal de Deus; e, assim reunidos, envie-nos pelos caminhos do mundo a propagar, intrépidos, a obra de evangelização, a nós confiada no dia da nossa ordenação episcopal; ampare-nos na pregação do Evangelho in omni patientia et doctrina, como Pedro no Pentecostes, como Paulo e como os outros apóstolos, testemunhas de Cristo "até aos confins do mundo" (Ac 1,8): a fim de que tenhamos sempre nova força para anunciar aos nossos Irmãos e Irmãs que só Jesus é "caminho, verdade e vida" (Jn 14,6), e que "não há debaixo do céu qualquer outro Nome dado aos homens que nos possa salvar" (cf. Act Ac 4,12).

A vós; a todos os caríssimos fiéis aqui presentes; a todas as Igrejas do mundo, cujo coração bate hoje em uníssono com o da Igreja de Roma e de Constantinopla, concedo com grande afecto a minha Bênção Apostólica.



RADIOMENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


NAS SOLENIDADES COMEMORATIVAS


DO 1600º ANIVERSÁRIO DO I CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA


E 1550º ANIVERSÁRIO DO CONCÍLIO DE ÉFESO


Solenidade de Pentecostes

Basílica de Santa Maria Maior

Domingo, 7 de Junho de 1981



I. Acto de Veneração

1. Credo in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem.

(Creio no Espírito Santo, Senhor que vida).

Estas palavras, com as quais a Igreja professa a sua fé, fizeram com que nos reuníssimos na manhã de hoje, solenidade do Pentecostes, na Basílica de São Pedro. Efectivamente, completam-se este ano mil e seiscentos anos após a realização do primeiro Concílio de Constantinopla, o qual, precisamente com estas palavras, exprimiu a fé na divindade do Espírito Santo: "Qui cum Patre et Filio simul adoratur et conglorificatur" (que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado).

As mesmas palavras nos trouxeram agora aqui, nestas horas pós-meridianas do Pentecostes, à Basílica de Santa Maria Maior. Se devemos, de facto, render uma plena homenagem de adoração ao Espírito Santo "que dá a, vida" ("Credo in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem"), então, amados Irmãos no Episcopado, devemos venerá-l'O sobretudo em Jesus Cristo: naquele Jesus que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, e nasceu da Virgem Maria. Ele, de facto, só Ele, unicamente Ele, é o fruto mais esplêndido da obra do Espírito Santo em toda a história da Criação e da Redenção. Ele é a plenitude mais perfeita daquela vida que o Espírito Santo dá: Deus de Deus, Luz da Luz, gerado — como Filho da mesma substância do Pai — e não criado, que por nós, homens, e pela nossa salvação encarnou no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo.

2. Para venerar o Espírito Santo, pois, na ocorrência deste ano jubilar, que exige de nós uma devoção particular para com Ele, viemos agora aqui, nesta tarde de Pentecostes, à Basílica Mariana de Roma, a este templo que de há tantos séculos, aqui precisamente, exalta aquele ponto culminante e aquela plenitude da obra do Espírito Santo no homem.

Induz-nos a realizar este novo encontro também a circunstância de neste Ano do Senhor de 1981, em que se completam dezasseis séculos após a realização do primeiro Concílio de Constantinopla, se passarem igualmente mil quinhentos e cinquenta anos após o sucessivo Concílio de Éfeso, que ficou inscrito na tradição viva da Igreja como o Concílio simultaneamente cristológico e mariológico. A obra mais admirável realizada pelo Espírito Santo mediante a Encarnação, ou seja o tornar-se homem do Verbo Eterno, de Deus-Filho, verificou-se com o assenso consciente e com o humilde "fiat" (faça-se) d'Aquela que, ao tornar-se Mãe de Deus, disse de Si mesma: "Eis aqui a serva do Senhor" (Lc 1,38).

Assim, pois, a obra do Espírito Santo, a obra mais perfeita na história da Criação e da Salvação, é constituída simultaneamente pelo facto de o Filho de Deus, consubstancial ao Pai Eterno, se ter feito homem — e de Maria de Nazaré, a serva do Senhor da estirpe de David, se ter tornado a verdadeira Mãe de Deus: "Theotokos". Foi esta a verdade que os Padres cio Concílio professaram; e todo o povo cristão acolheu tal proclamação com grandíssima alegria.

3. Vimos aqui, pois, veneráveis Irmãos, e igualmente todos vós, amados Filhos e Filhas, junto desta Basílica Mariana de Roma, para anunciar — aproveitando a ocasião dos dois importantes aniversários que juntamente se evocam — as "magnalia Dei": as grandes obras de Deus, que iluminam a caminhada da Igreja através dos séculos e dos milénios. E nesta hora que vivemos, em que nos aproximamos já do final do segundo Milénio depois da vinda de Jesus Cristo, nós desejamos, com renovado impulso de fé, rever estas vias que O introduziram no mundo e O tornaram conjunto à história da grande família humana para todos os tempos. Estas vias passaram através da imperscrutável acção do Espírito Santo — d'Aquele que é Senhor e dá a vida — e, ao Mesmo tempo, através do coração humilde da serva, do Senhor, Maria de Nazaré.

"Benedictus Dominus Deus Israel, quia visitavit et fecit redemptionem plebis suae!" (Lc 1,68).

(Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e resgatou o seu povo - Lc 1,68).

"Magnificat anima mea Dominum... quia fecit mihi magna qui potens est" (cf. Lc Lc 2,46-49).

(A Minha alma glorifica o Senhor... porque me fez grandes coisas o Todo-Poderoso - Lc 1,46-49).

II. Acto de Agradecimento

4. Quando nos encontrávamos reunidos esta manhã na Basílica de São Pedro no Vaticano, afigurou-se-nos por um momento que aquele templo esplendoroso era o pobre cenáculo de Jerusalém, onde Cristo Se apresentou depois da sua Ressurreição e, após ter saudado os Apóstolos com votos de paz, soprou sobre eles, dizendo: "Recebei o Espírito Santo" (Jn 20,22). E, mediante tais palavras, os mesmos Apóstolos receberam o Dom que Ele lhes havia alcançado com a Sua paixão e, contemporaneamente, foram confiados ao Espírito Santo no caminho da missão, que o mesmo Cristo havia inaugurado antes deles: "Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós" (cf. Jo Jn 20,21). E toda a Igreja então foi confiada ao Espírito Santo para todo o sempre.

Com as palavras pronunciadas na tarde da Ressurreição já teve início o Pentecostes das festividades hierosolimitanas. E nós, que nos encontramos reunidos nesta festa de Pentecostes do Ano do Senhor de 1981, desejamos receber de novo o mesmo Dom, perseverando como Sucessores dos Apóstolos do Cenáculo na fervorosa entrega ao Espírito Santo, ao qual Cristo nessa ocasião confiou a Igreja de maneira irreversível, até ao fim do mundo.

5. E congregados junto desta Basílica Mariana de Roma, nós sentimos de um modo também novo a semelhança com os Apóstolos que, reunidos no cenáculo, perseveravam em oração com Maria, Mãe de Cristo. Nós viemos aqui porque, recordando de maneira particular a presença de Maria no nascer da Igreja, fixámos o nosso olhar na sua Maternidade maravilhosa, que é para nós esperança e inspiração ao longo dos caminhos da missão herdada dos Apóstolos — herdada a partir do dia do Pentecostes hierosolimitano.

6. Oh! Como é belo estarmos aqui! Como é belo que o II Concílio do Vaticano, ao anunciar no nosso século as "magnalia Dei" (as grandes obras de Deus), nos tenha tornado manifesto o lugar particular de Maria no mistério de Cristo e conjuntamente da Igreja! E como é belo que nos tenha indicado tal lugar seguindo fielmente o ensino dos Concílios da antiguidade e a luz herdada dos grandes Padres da Igreja e Mestres da fé!

"A Mãe de Deus é figura da Igreja — como já ensinava Santo Ambrósio — na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo... Pois bem, a Igreja que contempla a Sua santidade misteriosa e imita a Sua caridade... torna-se também, ela própria, mãe: efectivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por obra do Espírito Santo e nascidos de Deus... Na sua acção apostólica, a Igreja olha com razão para Aquela que gerou Cristo, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamente para nascer e crescer também nos corações dos fiéis, por meio da Igreja" (Const. dogm. Lumen Gentium LG 63-65).

7. Demos graças ao Espírito Santo pelo dia do Pentecostes! Demos-Lhe graças pelo nascimento da Igreja! Demos-Lhe graças por ter estado presente a esse nascimento a Mãe de Cristo, que perseverava na oração juntamente com a Comunidade primitiva!

Sim, agradeçamos pela Maternidade de Maria, que se comunicou e continua a comunicar-se à Igreja! Agradeçamos pela Mãe sempre presente no cenáculo do Pentecostes! Agradeçamos, ainda, porque podemos chamá-l'A também Mãe da Igreja!

III. Acto de entrega confiante

8. Ó Vós que mais do que qualquer outro ser humano fostes confiada ao Espírito Santo, ajudai a Igreja do Vosso Filho a perseverar na mesma entrega confiante, a fim de que ela possa derramar sobre todos os homens os inefáveis bens da Redenção e da Santificação, para ser libertada a inteira criação (cf. Rom Rm 8,21).

Ó Vós que estivestes com a Igreja nos princípios da sua missão, intercedei por ela, a fim de que, indo por todo o mundo, ensine a todas as gentes e anuncie o Evangelho a todas as criaturas.

Sim, que a Palavra da Verdade Divina e o Espírito do Amor tenham acesso aos corações dos homens, os quais sem esta Verdade e sem este Amor não podem realmente viver a plenitude da vida.

Ó Vós que conhecestes da maneira mais plena o poder do Espírito Santo, quando Vos foi concedido conceber no Vosso seio virginal e dar à luz o Verbo Eterno, alcançai para a Igreja que ela possa continuamente fazer renascer pela água e pelo Espírito Santo os filhos e filhas de toda a família humana, sem distinção alguma de língua, de raça ou de cultura, dando-lhes dessa maneira o "poder de se tornarem filhos de Deus" (Jn 1,12).

Ó Vós que assim tão profundamente e maternamente estais ligada à Igreja, precedendo na caminhada da fé, da esperança e da caridade todo o Povo de Deus, abraçai a todos os homens que se acham a caminho, peregrinos através da vida temporal em direcção aos destinos eternos, com aquele amor que o próprio Redentor divino, Vosso Filho, derramou no Vosso coração do alto da Cruz. Que Vós sejais sempre a Mãe em todos os nossos caminhos terrenos, mesmo quando estes se tornam tortuosos, a fim de podermos, no final, encontrar-nos naquela grande Comunidade que o mesmo Vosso Filho chamou redil, oferecendo por ela a sua vida como Bom Pastor.

Ó Vós que fostes a primeira Serva da unidade do Corpo de Cristo, ajudai-nos e ajudai todos os fiéis que tão dolorosamente sentem o drama das divisões históricas do Cristianismo, a procurar o caminho da unidade perfeita do Corpo de Cristo, mediante a fidelidade incondicionada ao Espírita de Verdade e de Amor, que nos foi dado à custa da Cruz e da Morte do Vosso Filho.

Ó Vós que sempre desejastes servir! Vós que servis como Mãe toda a família dos filhos de Deus, alcançai para a Igreja, enriquecida pelo Espírito Santo com a plenitude dos dons hierárquicos e carismáticos, que ela possa prosseguir com constância no sentido do futuro pelo caminho daquela renovação que provém daquilo que diz o Espírito Santo e que teve expressão no ensino do II Concílio do Vaticano, assumindo nessa obra de renovação tudo o que é verdadeiro e bom, sem se deixar enganar, nem numa direcção nem na outra, mas discernindo assiduamente entre os sinais dos tempos aquilo que serve para o advento do Reino de Deus.

Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo — acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo directamente ao Vosso coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e, ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega confiante Vós também esperais de maneira particular. Tomai sob a Vossa protecção materna a inteira família humana que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança.

Ó Vós que — mediante o mistério da Vossa particular santidade, isenta de toda e qualquer mácula desde o momento da Vossa concepção — experimentais de maneira particularmente profunda que "a criação geme e sofre... as dores do parto" (Rm 8,22), ao mesmo tempo que, "submetida à caducidade", "nutre a esperança de que será, também ela, libertada da escravatura da corrupção (ibid. 8, 20-21), contribuí, sem cessar, para a "revelação dos filhos de Deus" que "a mesma criação aguarda, ansiosamente" (ibid. 8, 19), para entrar na liberdade da sua glória (cf. ibid. 8, 21).

Ó Mãe de Jesus, Vós que já estais glorificada no Céu em corpo e alma — qual imagem e início da Igreja que deverá ter o seu completamento no século futuro — aqui sobre a terra, enquanto não chegar o dia do Senhor (cf. 2P 3,10), não deixeis de brilhar diante do Povo de Deus peregrino, como sinal de esperança segura e de consolação (cf. Const. dogm. Lumen Gentium LG 68).

Deus Espírito Santo, que com o Pai e o Filho sois adorado e glorificado: acolhei estas palavras de humilde entrega confiante dirigidas a Vós passando pelo coração de Maria de Nazaré, Vossa Esposa e Mãe do Redentor, à Qual também a Igreja chama sua Mãe, porque d'Ela apreende, desde o cenáculo do Pentecostes, a própria vocação materna. Acolhei estas palavras da Igreja que peregrina, proferidas no meio de canseiras e de alegrias, entre temores e esperanças, palavras que são expressão de entrega humilde e confiante, palavras com as quais a Igreja confiada a Vós para sempre, Espírito do Pai e do Filho, no cenáculo do Pentecostes, não cessa de repetir convosco ao seu Esposo divino: Vem!

Sim, "o Espírito e a esposa dizem ao Senhor Jesus 'Vem'" Apoc 22, 17). "E assim a Igreja universal aparece como um povo unido, pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Const. dogm. Lumen Gentium LG 4).

Assim se expressa neste dia, mediante a nossa voz, a Igreja, confiando na Vossa bondade materna, ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria.



                                                         Julho de 1981



MENSAGEM TELEVISIVA DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DOENTES REUNIDOS JUNTO DA GRUTA DE LOURDES


Terça-feira, 21 de Julho de 1981



Caros doentes, queridas pessoas deficientes,
caros enfermos do Congresso Eucarístico.

O meu pensamento afectuoso e a minha oração dirigem-se a todos os congressistas, junto da gruta de Lourdes, mas, por um motivo todo especial, a vós mesmos.

Lourdes é o ponto alto onde os doentes vindos do mundo inteiro ocupam sempre o primeiro lugar, atendidos pelos seus irmãos que estão bem de saúde, para apresentarem o seu sofrimento à compaixão da nossa Mãe, a Virgem Maria, à misericórdia de Cristo Jesus, e retornarem com o conforto que vem de Deus.

Vós estais no centro do Congresso que celebra a presença real de Cristo sob o humilde sinal do pão, o Cristo que sofreu e ofereceu a Sua Paixão para entrar na Vida e nos abriu o seu Reino.

Nunca deixais de ser membros que pertenceis inteiramente à Igreja; não só comungais como os outros o Corpo do Senhor, mas comungais na vossa carne a Paixão de Cristo. Os vossos sofrimentos não se perdem: contribuem, de maneira invisível, para o crescimento da Caridade que anima a Igreja. O Sacramento da Unção dos Enfermos une-vos de modo especial a Cristo, para o perdão dos vossos pecados, para o reconforto da vossa alma e do vosso corpo, para aumentar em vós a esperança do Reino de luz e de vida que Cristo nos promete.

Quando encontrava doentes, em Roma ou nas minhas viagens, gostava de me deter com cada um deles, de os ouvir e abençoar, para lhes manifestar que cada um deles era objecto da ternura de Deus. É assim que fazia Jesus.

Deus permitiu que eu próprio sinta, presentemente, na minha carne, o sofrimento e a fraqueza. Sinto-me ainda mais próximo de vós. Do mesmo modo compreendo melhor a vossa provação. "Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1,24). Convido-vos a oferecer comigo a vossa provação ao Senhor, que realiza grandes coisas pela Cruz; a oferecê-la para que a Igreja inteira conheça, mediante a Eucaristia, urna renovação de fé e de caridade; para que o mundo conheça a graça do perdão, da paz e do amor.

Que Nossa Senhora de Lourdes vos conserve na esperança!

Abençoo todos aqueles que vos amparam com a sua amizade e com os seus desvelos, e de vós recebem um apoio espiritual.

E a vós próprios, com todo o meu afecto, dou-vos a bênção em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.



MENSAGEM TELEVISIVA DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO EUCARÍSTICO


INTERNACIONAL DE LOURDES


Terça-feira, 21 de Julho de 1981



Caros Irmãos e Irmãs que participais no Congresso Eucarístico de Lourdes
Louvado seja Jesus Cristo!

Desde o primeiro anúncio do Congresso Eucarístico, fiquei desejando com ardor participar nele pessoalmente. Desejava reunir, para a oferecer a Cristo, a imensa homenagem que subiria para Ele da Cidade mariana. Queria associar-me directamente a vós, para testemunhar — com que firmeza na fé, com que entusiasmo de adoração, de gratidão e de alegria, com que empenho "tara- . bém resoluto — a Igreja recolhe, celebra e conserva o memorial do Sacrifício do Senhor, "Pão partido para um mundo novo", para a salvação dos Seus irmãos. No lugar pró, prio, convosco, junto da gruta bendita, pensava eu implorar de Maria, nossa Mãe, a Virgem Imaculada, as graças de conversão que estão em correspondência com este sacramento do Amor divino e se requerem para que chegue esse mundo novo, segundo a mensagem confiada por ela a Bernadette Soubirous.

Tenho muita pena de não estar fisicamente presente no meio de vós. Mas a Providência convida-me a oferecer este sacrifício, como muitas outras pessoas doentes ou impedidas, e a estar presente sem vos ver e sem vos ouvir, mas com um coração tanto mais ardente quanto ele melhor compreende o preço do Amor do Senhor e está certo da vossa devoção eucarística.

Aqueles, que eu gostaria de saudar e animar de viva voz, abençoo-os com afecto caloroso: vós antes de todos, meus caros Irmãos no Episcopado, reunidos à volta do Cardeal Bernardin Gantin que vos enviei como Legado; vós, sacerdotes e diáconos, ministros com eles da sagrada Eucaristia; vós, seminaristas, dos quais recebem alguns nesta ocasião o sacerdócio; vós, religiosos, religiosas e pessoas consagradas, cujo estado de vida é o sinal do "mundo novo"; vós, pais e mães de família, leigos delegados pelas vossas paróquias ou pelos vossos movimentos, representando os diferentes meios de vida, os múltiplos países, e a variedade das idades; vós especialmente, meninos, adolescentes e jovens, tão capazes de entender o dinamismo do Amor de Cristo. Dei lugar especial aos doentes, tão vizinhos da Cruz. Agradeço a todos quantos favoreceram o acolhimento dos Congressistas em Lourdes. Saúdo também os nossos irmãos e irmãs que, embora não estando em plena comunhão connosco, insistiram em se associar à reflexão e à oração eucarísticas, fazendo votos por que um dia possamos partilhar do mesmo cálice do Senhor. A minha oração abraça todas as comunidades da Igreja católica representadas em Lourdes, para que aumente Cristo a coesão fervorosa delas na fé e na caridade. Rogo em especial pela crescimento das jovens Igrejas, pedindo para elas o pão quotidiano ao mesmo tempo que o Pão da Vida. Por fim saúdo cordialmente os filhos e as filhas da França, de que me despedi o ano passado em Lisieux com um "até mais ver", os quais recebem na própria terra, em Lourdes, o Congresso do Centenário.

O Congresso no seu conjunto — encontros, conferências, vigílias, liturgia das horas, procissões, adorações, e sobretudo a celebração da Santa Missa — sei que devia contribuir para vos colocar em presença do mistério eucarístico, para dele recolher os diferentes aspectos, para lhe celebrar as maravilhas e lhe procurar os prolongamentos na vida. Como dizia Jesus: "Ditosos os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem" (Mt 13,16)!" Reconhecestes Cristo, realmente presente no sacramento que inaugura a "mundo novo", para o qual partiu Ele o pão do Seu Corpo e derramou e Seu Sangue. E fizestes ao mesmo tempo a experiência da fraternidade dos filhos de Deus, da felicidade que se encontra em partilharem e receberem uns dos outros. Juntos compreendestes que os homens não vivem só de pão, nem mesmo de'amizade humana, mas de Deus; que são capazes de se reunir por qualquer palavra e qualquer gesto que desejam significar e construir o mundo novo com Cristo. Sois felizes!

Permiti-me agora, como sucessor de Pedro, que vos dirija a minha mensagem. Ofereço-vo-la como meditação particular sobre a "fracção do pão". Confio-vo-la para dela viverdes e a transmitirdes.

A experiência que fizestes aqui, em Lourdes, durante este Congresso, investiu-vos de uma missão de testemunhas, na Igreja e para o mundo. À maneira dos discípulos de Emaús, felizes por encontrarem o Senhor ressuscitado e O reconhecerem "na: fracção do pão" (Lc 24,35), ides voltar às vossas terras, "com o coração ainda a arder" (ibid., 24, 32) com as palavras ouvidas. Pertencer-vos-á fazer que se compreenda à vossa roda que, ainda nos nossos dias, o Senhor se encontra na "fracção do pão", e que este encontro dá sentido à vida. A minha intenção é agora dizer-vos sob que condições, precisando três convicções.

1. A primeira é que "o mundo novo" — de que encontramos um sinal e um esboço efectivo na partilha, na troca mútua, na hospitalidade, na comunhão de ideal, na generosidade em servir, na unidade da fé e no fervor na caridade — não tem outro fundamento senão, Jesus Cristo, o Filho do Pai, tornado por amor nosso irmão na humanidade. Este mundo novo foi anunciado por Ele, durante toda a Sua vida terrestre, como Reino de Deus; merecido pelo Seu sacrifício, inaugurado pela ressurreição e pelo dom do Seu Espírito. Constrói-se doravante à volta de Cristo presente no coração dos homens, primogénito dentre os mortos e Cabeça da Igreja (cf. Col Col 1,18). Encontrará o seu termo quando Cristo tiver enchido tudo com a Sua plenitude (cf. Ef Ep 1,24), no além, "terra nova e céus novos" (Ap 21,1), de que o mundo, renovado hoje segundo o Seu Espírito, não passa nunca de ser o esboço (cf.. Const. Gaudium et spes GS 38-39). Afinal, a humanidade nova surgiu, para a fé cristã da Cruz, e é nesta que a "fracção do pão"começa, por revestir sentido: "Isto é o Meu corpo que será entregue por vós—este Cálice é a Nova Aliança no Meu sangue" (1Co 11,24-25).

Sim, a verdadeira fracção do pão, a que é fundamental para nós cristãos, é simplesmente a do sacrifício da Cruz. É dela que as outras derivam e é para ela que as mesmas confluem. Foi bem, com efeito — para que a humanidade não se encerre na sua recusa, para que a última palavra não pertença à injustiça, para que o ódio seja abolido e se abra a história para um futuro novo — que aceitou Cristo ser Ele mesmo na Cruz a vítima oferecida pelo pecado, pela incredulidade e a injustiça. Foi nessa hora que Ele, o Pão vivo descido do céu, operou na nossa terra a fracção do pão por excelência, estendendo livremente as Mãos sobre a Cruz para destruir a morte e conduzir à vida. O mundo novo dependia deste Sacrifício: o muro de separação foi nessa altura: abatido, a ressurreição dos mortos, confirmada: e, com ela, realizada a possibilidade de uma humanidade unificada (cf. Ef Ep 2,15). Será portanto a primeira convicção da qual vós tereis de viver e de que vos peço deis testemunho.

2. E eis o principio que daí deriva: o sacrifício da Cruz é tão decisivo para o futuro do homem que não o terminou Cristo nem voltou Ele ao Pai, senão depois de nos ter deixado o meio de nele tomarmos parte como se nele tivéssemos estado presentes. A oferta de Cristo na Cruz — que é o verdadeiro Pão da Vida partido — é o primeiro valor que deve ser comunicado e repartido. Por isso, antes de subir ao Calvário, Cristo quis, no silêncio sagrado do Cenáculo reservar o tempo para cumprir uma fracção litúrgica do pão: celebrou-a com os Doze e pediu-lhes que a renovassem, em Sua memória até ao dia em que voltasse para inaugurar os tempos novos. Sobre o pão e o cálice da primeira Páscoa cristã, fez então os gestos e pronunciou as palavras que, pelo ministério dos vossos Bispos sucessores dos Apóstolos e pelo dos sacerdotes cooperadores dos Bispos, foram renovados aqui para vos fazerem chegar ao Sacrifício de Cristo e, por meio d'Ele, à ressurreição que há-de transformar todas as coisas.

Muito bem o sabeis, caros Irmãos e Irmãs, esta celebração eucarística não é coisa nova ao lado do Sacrifício da Cruz; não se vem juntar a ele e não o multiplica. A Missa e a Cruz são apenas um só e mesmo sacrifício (cf. Carta Dominicae Cenae, 9). Todavia a fracção eucarística do pão tem papel essencial, o de colocar à nossa disposição a oferta primordial da Cruz. Torna-a actual hoje para a nossa geração. Tornando realmente presentes o Corpo e o Sangue de Cristo sob as espécies do pão e do vinho, ela torna — com isso mesmo — actual e acessível à nossa geração o Sacrifício da Cruz, que fica sendo, na sua unicidade, o eixo da história da salvação, a articulação essencial entre o tempo e a eternidade. A Eucaristia é assim na Igreja a instituição sacramental que, a cada etapa, "substitui" o Sacrifício da Cruz, lhe oferece uma presença ao mesmo tempo real e activa. Assim pode ela manifestar a cada época o seu poder de salvação e de ressurreição. Graças à sucessão apostólica e às ordenações, Cristo deu às palavras institucionais da Sua Eucaristia, juntas à acção do Seu Espírito, força e poder até ao tempo do Seu regresso. É Ele que as pronuncia, pela boca do sacerdote consagrante; é Ele que nos faz assim participar, na fracção do pão, do Seu único Sacrifício.

Tal é a maravilha da Eucaristia. Pela sua importância, pertence juntamente com a Paixão e a Ressurreição, à história da nossa salvação. É uma das estruturas constitutivas da Igreja: "faz a Igreja". A nossa época não pode enganar-se: deve reconhecer-lhe todo o seu lugar no mapa do mundo novo.

Para que assim seja, escusado será, dizer que importa o mais possível conservar toda a força que têm as palavras do Senhor, como a Tradição unânime da Igreja, os Padres, os Concílios, o Magistério e o sentir comum dos fiéis sempre receberam e compreenderam: isto é, que o Senhor crucificado e ressuscitada está verdadeira, real e substancialmente presente na Eucaristia, e assim fica enquanto subsistem as espécies do pão e do vinho; deve-se-Lhe não só o maior respeito, mas o nosso culto e a nossa adoração (cf. Carta Dominicae Cenae, 3, 12). É este o coração da Igreja, o segredo do seu vigor; ela deve velar com zeloso cuidado por este Mistério e afirmá-lo na sua integridade.

3. Por fim, caros Irmãos e Irmãs, o Congresso ter-vos-á feito melhor compreender o papel dos ministros da Eucaristia e o de todo o povo dos baptizados no que diz respeito à Missa.

Os sacerdotes, tendo recebido o sacramento da Ordem, tomam no meio de vós o lugar de Cristo, Cabeça da Sua Igreja; o ministério sagrado deles é indispensável para significar que a fracção do pão realizada por eles é dom recebido de Cristo que ultrapassa radicalmente o poder da assembleia; é insubstituível para ligar validamente a consagração eucarística ao Sacrifício da Cruz e à Ceia (cf. Carta Dominicae Cenae, n. 9). Vós tereis cada vez mais a peito acolher este ministério com respeito e reconhecimento, e pedir que a Igreja não tenha nunca falta de padres, de padres santos.

Mas o vosso baptismo faz também de vós, a outro título e noutro sentido. "um povo de sacerdotes". Graças a esta qualificação, cada um dentre vós é chamado a apresentar-se a si mesmo em oferta generosa, aceita pelo Pai em Cristo. Pertence-vos dar à vossa participação eucarística o mesmo sentido que deu Cristo ao Seu Sacrifício. Não morreu para desaparecer, mas para ressuscitar, a fim de a Sua Palavra e a Sua acção continuarem, a fim de a missão recebida do Pai ser terminada com o poder do Espírito. Os seus membros são chamados à liberdade segundo o Espírito, e à iniciativa; o caminho da fé e da unidade está aberto, as normas da humanidade nova estão proclamadas. Cristo espera, do Seu povo sacerdotal, a coragem de avançar e realizar no caminho da caridade, de sofrer e morrer até, sem dúvida como os mártires, mas acreditando como estes no bom êxito obtido pelo sacrifício.

Esta reflexão teológica tem prolongamentos humanos de ordem fraternal. Este Congresso ensinou-vos a viver a fracção do pão em Igreja, segundo todas as suas exigências: o acolhimento, a troca, a partilha, o ultrapassar das fronteiras, a vontade de conversão, a renúncia aos preconceitos, o cuidado de transformar os nossos meios sociais até nas suas estruturas e no seu espírito. Compreendestes que, para ser verdadeiro e lógico, o vosso encontro à mesa eucarística deve ter consequências práticas. Pois se é verdade que, na Eucaristia, Cristo torna realmente presentes o Seu Corpo e o Seu Sangue, assim como o Seu Sacrifício da Cruz com o poder de ressurreição, isto é para nós comunicarmos em plenitude de tais riquezas: não só em espírito, mas também sacramentalmente, para ir até à fonte que é Cristo, e depois, na vida concreta e na história, para ir até ao extremo do nosso esforço, não descuidando nada daquilo que depende do homem.

Tal a mensagem que dirijo afectuosamente a cada um de vós, congressistas e peregrinos de Lourdes. Lembrar-vos-á quais são os três elementos constitutivos do "mundo novo" pelo qual estais resolvidos a trabalhar. A Igreja de hoje não deve descuidar nenhum deles.

Caros Irmãos e Irmãs, contemplando assim Cristo no Seu Mistério eucarístico, o vosso olhar encontrou o de Maria Sua Mãe. Foi nela, por obra do Espírito Santo, que se formou Jesus, o corpo e o sangue de Jesus. "Nasceu da Virgem Maria". Bem-aventurada aquela que acreditou! Depois da sua intervenção realizou-se o primeiro sinal de Jesus, em Caná, provocando a fé nos discípulos. No Calvário, está ela unida ao dom supremo do Seu Filho. Na sua presença, enquanto orava com os discípulos no Pentecostes, veio em abundância o dom do Espírito Santo. Associada para o futuro à glória de Cristo, no "mundo novo", ela mostrou-se, precisamente aqui, em Lourdes, aos olhos de Bernadette, tão próxima dos homens, dos homens pecadores, da necessidade de conversão e da sede de felicidade plena que tinham!

Estai certos que ela intercede por vós, para vos levar, para levar a Igreja, à plenitude da fé eucarística e da renovação espiritual.

Concluindo esta mensagem, volto-me com ela para o Senhor:

Ó Cristo Salvador, damos-Te graças pelo Teu sacrifício redentor, única esperança dos homens!

Ó Cristo Salvador, damos-Te graças pela fracção eucarística do Pão, que instituíste para Te encontrares realmente com os Teus irmãos no decorrer dos séculos!

Ó Cristo Salvador, incute no coração dos baptizados o desejo de se oferecerem contigo e de se comprometerem pela salvação dos seus irmãos!

Tu que estás realmente presente no Santíssimo Sacramento, derrama abundantemente as Tuas bênçãos sobre o povo reunido em Lourdes, para que este Congresso fique sendo verdadeiramente sinal do "mundo novo"!

Amém.

Do Vaticano, 13 de Julho de 1981.



                                                        Agosto de 1981


Discursos João Paulo II 1981 - Sexta-feira, 15 de Maio de 1981