Discursos João Paulo II 1982 - Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1982

Há cento e vinte anos, Benim não tinha tido ainda ocasião de conhecer esta fé. Mas a 18 de Abril de 1861, dois missionários das Missões africanas de Lião desembarcaram pela primeira vez não longe daqui, em Ouidah. Não vinham para colonizar em nome das suas pátrias; aliás, um era espanhol e o outro italiano, e um terceiro, francês, morreu antes de chegar. Eles vinham em nome de Jesus Cristo que destina a cada povo a sua luz e o seu amor, e que agrega a si irmãos de entre todas as raças.

O objectivo destes missionários era suscitar aqui filhos e filhas da Igreja, em sentido completo, levando ao pleno desenvolvimento os seus valores ancestrais compatíveis com o Evangelho, e destinados a serem organizados em Igreja, com os seus sacerdotes, religiosos e bispos. Em menos de cem anos, isto realizava-se com a nomeação episcopal de D. Bernardin Gantin. E embora haja ainda um longo trabalho de evangelização a realizar, a Igreja de Benim é uma árvore solidamente plantada, uma árvore do país.

Mas na Igreja católica, as comunidades cristãs nunca estão sós. Elas devem permanecer unidas às de todo o universo, na mesma fé e no mesmo amor, e enfrentar juntas os grandes problemas espirituais. Devem também ajudar-se mutuamente, como testemunha o facto de os sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos dos outros países continuarem a prestar aqui uma obra muitíssimo útil, e testemunha também, em sentido inverso, a colaboração valiosa que me dá o Cardeal Gantin, em Roma e de Roma, em favor da Igreja universal. E a comunhão estabelece-se em volta do Sucessor de Pedro.

E para reforçar estes laços mútuos que o Papa vem hoje para junto de vós. É a primeira vez na história de Benim. Sou o Bispo de Roma, desta Igreja fundada pelos Apóstolos Pedro e Paulo. O Senhor Jesus confiou a Pedro e ao seu Sucessor, neste Vigário de Cristo, a missão de presidir à unidade de toda a Igreja na fé e na caridade. Ele dá-lhe a autoridade de Chefe para este serviço aos seus irmãos. Serei, por conseguinte, no meio de vós o sinal e o fundamento desta unidade.

Apraz-me, também como Paulo, visitar as Igrejas que não fundei, para me alegrar com o seu progresso e consolidar o seu caminho na fé, em união com os Pastores que estão aqui.

Deus abençoe todos aqueles que me acolhem deste modo, hoje. E abençoe todos aqueles que vou agora encontrar no meu percurso e na nossa assembleia de oração! Que Ele abençoe Benim inteiro!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A VISITA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


POPULAR DO BENIM


Cotonou, 17 de Fevereiro de 1982



Senhor Presidente

1. Vossa Excelência percebe como me sinto particularmente feliz de ter podido visitar os meus irmãos e irmãs da República Popular de Benim, embora durante uma breve escala, e de o ter feito em companhia de alguns dos meus colaboradores mais próximos, o Senhor Cardeal Secretário de Estado e o Senhor Cardeal Bernardin Gantin, filho deste país de quem Benim pode orgulhar-se.

Agradeço portanto a Vossa Excelência ter permitido a realização e o feliz desenvolvimento desta visita. E por meio da sua pessoa, que tem com a sua função de Presidente a alta responsabilidade dos assuntos temporais deste país, saúdo todo o povo de Benim, sem distinção de etnia e de religião, e agradeço igualmente o acolhimento que por ele me foi tributado. Este país aspira desenvolver — com o mútuo auxilio que ele deseja sempre fraterno e respeitoso — todos os seus recursos materiais e humanos, de maneira a atingir uma vida sempre mais digna e assumir livremente o seu lugar no concerto das nações. Compreendo esta aspiração e a ela associo-me de bom grado, pois ela corresponde à vontade de Deus. Isto será obra da nação inteira e é a todos os seus membros que exprimo a minha simpatia, os meus votos e encorajamentos a trabalharem pela sua pátria.

2. Os católicos têm nesta obra a sua parte, e são capazes, como é do seu conhecimento, Senhor Presidente, de dar a este desenvolvimento económico, social e cultural da nação importante contributo, em vista do número deles e da qualidade da sua visão das coisas, profunda e ao mesmo tempo aberta a todos os aspectos da vida. Ao longo dos cento e vinte anos de evangelização, as suas qualidades ancestrais, que são grandes, não foram renegadas nem inibidas pela Igreja, mas antes reforçadas, purificadas, quando necessário, aperfeiçoadas e ampliadas pela fé cristã. Pôde esta libertar os filhos deste país de um certo temor ao formar a alma deles na paz a respeito do Criador; ela chama-os sem cessar à lealdade, ao respeito do amor e da vida, ao trabalho solidário, à partilha, ao serviço desinteressado, ao perdão, à coragem nas provações, à esperança. E os cristãos têm espontaneamente atribuído grande importância às obras educativas e hospitalares, como eminentes formas de serviço. Os frutos deste modo de agir são autenticamente africanos e cristãos. Sem dúvida eles são ainda limitados em extensão, e imperfeitos; aliás a Igreja bem sabe que se trata de uma obra-exigente, que deverá ser continuamente retomada, pois comporta sobretudo a formação paciente e proba dos espíritos e dos corações, para lhes permitir enfrentar todos os seus deveres, como homens e mulheres responsáveis. Todavia é mais fácil que ela se deixe desviar por motivos de ideologia ou simplesmente de negligência. Mas julga-se a árvore pelos seus frutos.

3. Por isto os católicos, com os seus pastores, conscientes da importância deste empreendimento, no apego à sua pátria, não pedem privilégios, mas querem poder participar plena e livremente em toda a vida da nação e nas responsabilidades que ela comporta, como todos os seus concidadãos. Eles estão certos que somente assim se encontrará o verdadeiro progresso para todos. E querem ao mesmo tempo poder desenvolver tudo o que é exigido pela fé por eles professada, a nível da oração, da educação na fé, da prática religiosa, da vida familiar, do testemunho comunitário, das reuniões necessárias. Eles não podem aceitar um ensino que esteja em oposição à sua consciência. Sabem ainda que nem só de pão vive o homem, e os seus relacionamentos pessoais e comunitários com Deus são de capital importância. Destes não obtêm senão mais ardor, num clima de confiança, para trabalhar em busca do pão quotidiano. Eles depositam confiança em Vossa Excelência para continuar a receber todas estas garantias.

De facto, é missão da Sé romana da Igreja universal ajudar os católicos nesta tomada de consciência. E é sempre honroso para os governantes compreender bem estas profundas exigências do seu povo e dos crentes que dele fazem parte.

4. Vossa Excelência, Senhor Presidente, teve a gentileza de recordar os esforços da Santa Sé em promover no mundo inteiro a paz e a justiça — duas palavras que definem o trabalho da Comissão presidida pelo Cardeal Bernardin Gantin —, para favorecer o entendimento e a cooperação, num plano de igualdade e no mútuo respeito. Sim, é isto que nós queremos, em benefício de todos os povos, aos quais reservamos um mesmo amor e igual consideração.

Com estes sentimentos, desejo sinceramente a paz a toda a nação de Benim. Do mesmo modo desejo-lhe a prosperidade, a felicidade, o progresso social e espiritual. Desejo ainda a esta nação as melhores condições de liberdade e de dignidade nas suas relações com as outras potências, assim como nas relações internas entre todos os cidadãos. E estes ardentes votos, que me são inspirados só pela caridade haurida do Evangelho, confio-os a Deus que deseja o bem de todos e continua a ser o juiz das consciências e o Mestre da história. Que Ele abençoe Benim!

Agradeço-lhe ainda, Senhor Presidente, a sua amável hospitalidade.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM OS BISPOS DE BENIM


Arcebispado de Cotonou, 17 de Fevereiro de 1982



Caros Irmãos no Episcopado

1. Como estou feliz em me encontrar no meio de vós, entre vós! Ousaria quase dizer: é deste modo que tenho a impressão de exercer melhor a minha missão de confirmar as Igrejas, enquanto Deus me der saúde para isso. Aprendo assim a conhecer as vossas dioceses de Cotonou, de Abomey, de Lokossa, de Natitingou, de Parakou e de Porto Novo graças ao Pastor de cada uma delas. E alegro-me por D. Adimou ser agora coadjuvado nas suas pesadas responsabilidades de Arcebispo de Cotonou e de Presidente da Conferência Episcopal, por D. Isidoro de Souza. Deveria citar um oitavo Prelado, vosso predecessor, o caro Cardeal Gantin, que agora se dedica inteiramente ao bem da Igreja universal.

2. Durante esta bela celebração que acabámos de viver, creio ter dito o essencial sobre a evangelização. Por outro lado tinha lido com interesse o vosso relatório sucinto e preciso. Desejei salientar tudo o que de positivo se realiza actualmente na Igreja em Benim. Sinto satisfação em ver que dispondes de um clero autóctone numeroso, bem formado, e que vive em boa harmonia com os inúmeros sacerdotes e religiosas dos outros países que ainda podem dar-vos a sua valiosa ajuda. Encorajo, disse, o vosso esforço pelas vocações, o vosso zelo em promover uma catequese adequada, uma liturgia viva e digna, que saiba assimilar com a devida prudência as expressões válidas da oração popular, o vosso cuidado em formar os leigos para o apostolado no seu ambiente e para a tarefa de catequistas, especialmente em Ouidah. Apesar das dificuldades que todos conhecem, leigos cristãos e também religiosas são admitidos, e apreciados, como professores nas escolas nacionalizadas. Continuais a assegurar uma presença muito evangélica e eficaz no mundo sanitário, na formação das futuras mães de família, etc.

Salientei também a necessidade de haver uma ajuda mútua entre o Sul e o Norte, e permito-me insistir que não deveis recear pôr à disposição dos bispos do Norte missionários efectivos mais numerosos, e de qualidade. Sei, porém, que já sois bem conscientes deste dever de auxílio mútuo que a evangelização requer.

3. Doravante, sob o ponto de vista social e político, estais numa situação que bem conheço por experiência. Verifico que a Igreja, aqui, supera bem esta prova; falais-me até de uma certa "primavera". A este propósito recordo três pontos importantes. Em primeiro lugar favorecei a maior unidade entre vós, uma unidade sem fendas, entre os pastores e entre todos os operários apostólicos da Igreja: isto será a vossa força, o que salvará a vossa Igreja. Em seguida, continuai os esforços que permitirão fortificar a fé, formá-la em profundidade, para ela poder enfrentar as ideologias ateias e os cristãos possam testemunhá-la. Por fim, embora permanecendo no âmbito da vossa missão unicamente espiritual, dedicai muita atenção aos problemas humanos, morais, que se manifestam de modo grave na sociedade actual, e formai os leigos para assumirem neste campo a própria responsabilidade. Assim será claro que os cristãos são os primeiros a contribuir lealmente para o bem da sociedade, para o serviço da pátria, de modo especial para o desenvolvimento.

4. Penso ainda na vossa preocupação de evangelizar os costumes deste país. E todo o problema da inculturação da fé. Neste campo delicado, e capital para vós, sei poder confiar em vós para discernirdes cuidadosamente as "semina verbi", tudo o que é compatível com o Evangelho, que pode e deve até ajudar a exprimi-lo na vida de um modo adequado a este povo, integrando o que marca mais profundamente os espíritos, e ao mesmo tempo para precisar corajosamente o que afasta da autenticidade evangélica ou requer uma conversão. Trata-se aqui de conseguir radicar o Evangelho no vosso povo.

5. Na homilia, falei precisamente da família. Algumas dioceses dedicaram a este tema esforço pastoral. É de facto capital, tal como o esforço para as vocações. Estou certo que fareis tudo, com os vossos sacerdotes, as vossas religiosas e os casais verdadeiramente cristãos, para permitir que a maioria das pessoas descubra melhor a graça do sacramento do matrimónio, e a deseje. E vós haveis de saber apresentar e explicar, de modo adequado às vossas populações, os diferentes aspectos da exortação Familiaris consortio, na qual está depositada a experiência do Sínodo, a experiência universal da Igreja neste campo.

6. O tempo não me chega para tratar a delicada questão do diálogo com os muçulmanos, a que me refiro frequentemente noutros países.

Sei, por outro lado, que encontrais problemas particulares com as seitas, algumas de antiga data, outras novas. Os católicos devem ajudar-se mutuamente a enfrentá-los com caridade e discernimento. É nisto que tem importância o sentido da unidade da Igreja.

7. Em definitivo, o essencial é, como vós dizeis, ajudar os cristãos a terem uma fé dinâmica.

Não se trata apenas de uma questão de método, que sem dúvida tem a sua importância. É uma questão de zelo evangélico. Sem esquecer que a fé é um dom de Deus que deve ser pedido numa fervorosa oração.

Os vossos sacerdotes, por seu lado, têm evidentemente necessidade, mais do que nunca, de sentir que estais próximos deles, da sua vida, das suas preocupações. E igualmente os leigos tornar-se-ão ainda mais responsáveis tendo um simples encontro convosco, conversando e reflectindo convosco.

Por todo este bom trabalho, agradeço-vos. Encorajo-vos. Rezo por vós. Rezai por mim! E abençoo-vos de todo o coração.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DO BENIM


Aeroporto Internacional de Cotonou

Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1982



Agradeço uma vez mais ao Senhor Presidente e a todas as Autoridades civis o seu benévolo acolhimento, organizado com tanto desvelo. Agradeço a todos os que tomaram parte na preparação e no desenvolvimento desta grande reunião à volta do Papa, e ainda a quantos, no país, se associaram mediante a oração e a oferenda dos seus sofrimentos. Agradeço de modo especial aos meus Irmãos bispos.

Caros habitantes de Benim, sois bem conhecidos na África pela vossa calorosa hospitalidade. Fui beneficiado com isto e sinto-me emocionado! Obrigado! Obrigado!

Desejo a este nobre país o progresso económico, social, cultural, moral e espiritual que todos os seus habitantes querem preparar juntos numa atmosfera de confiança e de paz! Aos cristãos desejo a alegria da fé e o zelo pelo Evangelho: Deus está connosco.

Da minha parte, rendo graças a Deus por tudo o que vi e escutei ao estar no meio de vós, mesmo se pude vir somente à costa do vosso país. Tereis especial lugar na minha oração. Rezai também por mim, para que Deus proteja o meu ministério de verdade, de comunhão e de paz.

Sinto-me feliz em deixar na direcção das vossas comunidades diocesanas pastores que têm toda a minha confiança. Mas permitireis que de novo parta com o vosso Primogénito, o Cardeal Gantin! Precisamos dele em Roma!

Que Deus abençoe Benim!

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


EM LIBREVILLE, GABÃO


Aeroporto Internacional "Leon Mba"

Libreville, 17 de Fevereiro de 1982



Senhor Presidente
Caríssimos Irmãos no Episcopado
e vós todos, queridos cristãos e filhos do Gabão

1. A África é um continente tão vasto que seria necessário viajar constantemente para o visitar todo! Cada país tem a sua história, muito antiga e sempre actual, humana e religiosa, que merece ser melhor conhecida, respeitada e amada. Sinto-me feliz em poder aqui repetir que a minha primeira visita pastoral na África, em 1980, me ensinou muito e deixou em mim inesquecíveis recordações. Estou profundamente reconhecido às populações que me reservaram acolhimento tão caloroso.

Mas agora estou no Gabão! A vossa expectativa, e a minha também, está completamente satisfeita! Agradeçamos desde já à Divina Providência por ter predisposto tudo, no tempo por Ela estabelecido, para que este encontro histórico seja possível e frutuoso.

2. Sinto grande emoção ao abrir os meus braços e o meu coração a todos e a cada um de vós, como um irmão aos seus irmãos, como um amigo aos seus amigos, como um Pai àqueles que são filhos da Igreja católica. Dirijo-me em primeiro lugar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, e agradeço-lhe muito cordialmente por ter feito tudo o que estava ao seu alcance para tornar possível esta minha permanência de carácter eminentemente pastoral. Saúdo de modo cordial o Arcebispo de Libreville e os bispos de Franceville, de Mouila e de Oyem. Saúdo todas as delegações das comunidades cristãs. O acolhimento entusiasta e confortante que eles me proporcionam evoca as multidões, que tornam repleta cada semana a sala de audiências ou a Praça de São Pedro em Roma, e as grandes assembleias das minhas precedentes viagens apostólicas entre vós na África, como na América do Norte e do Sul, na Europa e no Extremo Oriente. A Igreja de Cristo é realmente viva e animada sempre mais por um forte sopro de comunhão fraterna, cuja expressão é favorecida pelos modernos meios de comunicação. É precisamente a todos os cidadãos do Gabão, obrigados a ficar nas cidades e nos campos devido às suas ocupações, que me escutam através da rádio ou me vêem nos seus aparelhos televisivos, é a eles que dirijo a minha alegre saudação. Devo também reevocar a memória dos vossos antepassados, de todas aquelas gerações que formaram a história do vosso povo. E como já soubestes tão esplendidamente comemorar em 1976 o centenário da sua morte, quero prestar calorosa homenagem à pessoa e à determinante obra de Mons. Jean-Rémy Bessieux. Foi ele a dar inicio — depois do seu desembarque no "Fort d'Aumale", em 28 de Setembro de 1844 — à epopeia missionária e ao impulso cultural do vosso país, o primeiro na África negra a receber o Evangelho. A vossa fidelidade à memória de Mons. Bessieux será sempre uma das fontes da vossa unidade.

3. Sem prolongar muito este meu discurso, quereria todavia sublinhar o espírito com que venho até vós. Venho unicamente como Pastor, cuja missão, no seguimento do Apóstolo Pedro e de todos os seus sucessores, é a de cuidar da unidade de todas as Igrejas na fé e na caridade. O Pastor deve conhecer as suas ovelhas e fazer-se conhecido por elas. Jesus foi absolutamente explícito sobre este dever (cf. Jo Jn 10,11-17). É preciso que eu compartilhe com os vossos bispos o conhecimento concreto das realidades que constituem a vossa vida de cidadãos do Gabão. Elas condicionam sem dúvida alguma o vosso acolhimento e a vossa prática do Evangelho, e por conseguinte a pastoral adaptada que os vossos bispos se esforçam por realizar. Não vim somente para conhecer e receber, mas também para vos trazer algo. Desejaria que a minha humilde presença, confirmando o ministério dos vossos Pastores, fosse vista como um novo sinal de que Deus vos ama e vos propõe sempre fazer aliança com Ele, para a libertação dos vossos corações e do vosso espírito. Esta libertação permanece a condição essencial para vos libertardes sempre mais do peso do materialismo contemporâneo e de outras misérias sociais. Desejaria do mesmo modo fazer-vos apreciar melhor a felicidade e a segurança que representa a vossa fidelidade ao centro do catolicismo. Por fim, desejo fazer-vos sentir que ocupais um lugar de pleno direito no vasto concerto das Igrejas locais, e que a qualidade da vossa vida eclesial tem uma certa repercussão sobre as Igrejas-Irmãs. Numa palavra, durante estes dias de encontro, a verdade dos nossos intercâmbios favorecerá o crescimento espiritual das pessoas e das comunidades, e permitirá aprofundar a comunhão entre vós e eu, entre a Igreja no Gabão e as Igrejas do mundo inteiro, graças a esta presença simbólica e eficaz do Sucessor de Pedro no meio dos vossos próprios bispos que são seus Irmãos, Sucessores dos Apóstolos.

Desejo e peço a Deus que vivamos neste espírito todos os nossos encontros. E confio, além disso, a boa vontade e o meu ministério entre vós à protecção da Virgem Maria, especialmente venerada na mais antiga Igreja de Libreville, construída pela piedade e solicitude do inesquecível Mons. Bessieux.

Que Deus abençoe o Gabão!

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO CLERO, AOS RELIGIOSOS, ÀS RELIGIOSAS


E AOS CATEQUISTAS DO GABÃO


Catedral de Santa Maria

Libreville, 17 de Fevereiro de 1982



Caros filhos e caras filhas da Igreja que está no Gabão

1. Cada povo está legitimamente orgulhoso de possuir no seu território lugares e monumentos, que testemunham grandes dias da sua vida e convidam as gerações que se sucedem a estabelecer o laço entre o passado e o presente. Na medida em que elas se mantêm fiéis à sua história, cumprem um dever de justiça e de honestidade, consolidam ou reencontram a sua unidade, tornam-se capazes de fazer avançar esta história integrando com sabedoria os valores do passado nas novidades sedutoras, mas por vezes ambíguas, das épocas sucessivas. Precisamente, esta catedral de Santa Maria de Libreville representa um momento saliente da vossa história. Foi neste lugar que, a 29 de Setembro de 1844, o inesquecível Padre Bessieux celebrou pela primeira vez o sacrifício de Cristo em terra gabanesa. Este monumento sagrado permanece como o berço simbólico da vossa nação, Felicito-vos por terdes gravado nos muros interiores, à direita de quem entra, uma frase que é testemunho tão impressionante como verídico: "Daqui, a luz do Evangelho brilhou sobre os países africanos".

Decorreram 138 anos! Mais feliz que os meus predecessores do século passado, Pio IX e Leão XIII, que animaram essa tentativa de evangelização, tenho a imensa felicidade de contemplar nesta numerosa assembleia os resultados do paciente trabalho dos operários da primeira hora e de todos os que os substituíram. O ensino que dava Cristo em parábolas sobre a expansão futura da mensagem evangélica dizia respeito também ao vosso continente. Sois hoje cerca de 500 mil, que ouviram falar da Boa Nova e receberam o baptismo cristão. Sois hoje a parábola viva do grão de mostarda tornado grande árvore (cf. Mt Mt 13,21-33).

Neste encontro memorável, sinto a urgência de confirmar todos e todas que foram chamados misteriosamente por Cristo para as tarefas da evangelização na terra gabanesa. Numa visão de reconhecimento e de fidelidade aos pioneiros do século passado, eles continuam a mesma obra segundo os métodos renovados pela Igreja no nosso tempo. Por isso, dirigir-me-ei em primeiro lugar aos Padres gabaneses e aos Padres do Espírito Santo, Salesianos, Claretianos e "Fidei Donum", que lhes trazem tão precioso concurso. Dirigir-me-ei, em seguida, aos religiosos e religiosas (foi-me dito que 18 Congregações trabalham nas quatro dioceses deste país), e, naturalmente, aos numerosos leigos cristãos, que são catequistas ou responsáveis de movimentos de apostolado, ou têm grande responsabilidade nas suas comunidades cristãs.

2. A vós, caros irmãos no sacerdócio ministerial, que não deixais de vos inquietar com o número restrito, nem de sofrer por vezes com perguntas — mesmo na África — sobre a identidade e a missão do padre, quero confiar um certo número de coisas que me estão no fundo da alma. Primeiramente isto: sem de nenhuma maneira perder de vista o problema extremamente sério da substituição dos sacerdotes de hoje, de que tornaremos a falar, não julgais — isto vale para muitas outras regiões do mundo — que os sacerdotes de Cristo são chamados mais que nunca a uma altíssima qualidade de vida sacerdotal? Há momentos em que a qualidade deve necessariamente suprir a quantidade! Por outro lado, as perguntas, a que fazia alusão, sem dúvida excessivas e debilitantes, podem e devem também dar-nos a evidência de que o sacerdócio é verdadeiro mistério no sentido cristão da palavra, quer dizer realidade de que nós conhecemos uma face, escapando-nos a outra porque vem de Deus e volta a Deus. Na linguagem dos Padres da Igreja, as palavras mistério e sacramento eram muitas vezes empregadas na mesma acepção. Irmãos caríssimos — e digo-o também para a assembleia inteira —, é-nos pedido a todos acreditarmos no Sacerdócio, como acreditamos no Baptismo e na Eucaristia. Ora, poderemos nós alguma vez esgotar, por exemplo, o significado do Baptismo: tornarmo-nos filhos de Deus no amor; morrermos ao pecado com Cristo para ressuscitar numa vida nova; tornarmo-nos, cada vez mais, membros do povo de Deus; e vivermos as bem-aventuranças na esperança? Riqueza e profundidade do dom de Deus! O mesmo vale para o sacerdócio. Alegremo-nos se ele levanta problemas e se nenhuma definição nos satisfaz nunca inteiramente, porque descobri-la de todo é coisa que nunca está concluída. Apesar disto, insisto em sublinhar que a primeira fidelidade pedida ao sacerdote — qualquer que seja o seu género de vida e de apostolado — é continuar a crer no seu próprio mistério e perseverar na fé quanto a este dom de Deus que ele recebeu, mas pode certamente ser prejudicado pela inevitável rotina e pelos outros obstáculos. É precisamente isto que o Apóstolo Paulo recordava com solicitude ao seu discípulo Timóteo (2Tm 1,6). Se, num passado que não está assim tão longe, se puderam escrever páginas líricas sobre a grandeza do sacerdócio, hoje, à força de repetir que o padre deve ser um homem como os outros, corre-se o risco de relativizar o sacramento que ele recebeu e lançar um véu sobre o carácter indelével de que fala a teologia tradicional, confirmada pelos Concílios Tridentino e Vaticano II. Numa autêntica perspectiva teológica, é-se padre para toda a vida ou não se é padre, assim como se é baptizado ou não se é. Só para os actos do ministério há sucessão e há tempos. Tal foi sempre a fé da Igreja católica e das Igrejas orientais.

É com base em tudo isto que desejo confirmar nos vossos corações a fidelidade à vossa missão sacerdotal, que é fidelidade de amor ao anúncio do Evangelho, à administração dos sacramentos e ao sustento das comunidades cristãs num apego sem interrupções à Igreja e aos seus responsáveis. O grito de São Paulo "Ai de mim se não evangelizar!" (1Co 9,16) nunca mobilizará suficientemente as energias físicas, intelectuais e espirituais de um padre. E nos vossos anais gabaneses, estais legitimamente orgulhosos de conservar a memória do primeiro padre saído do vosso povo, Monsenhor Raponda-Walker. Sim, os homens — conscientes ou não — esperam que o padre lhes fale de Deus com muita convicção e humildade. E as ocasiões não faltam, desde a liturgia dominical até aos encontros de preparação para os sacramentos e de animação dos movimentos apostólicos ou caritativos, passando pelas horas-dadas ao gravíssimo dever do ensino catequético. Renunciar à proclamação explicita do Evangelho, para se entregar a tarefas sócio-profissionais, seria mutilar o ideal apostólico e sacerdotal. Acrescentarei que a administração dos sacramentos faz sempre parte integrante do sacerdócio ministerial, e que os cristãos que os pedem necessitam ser ouvidos, compreendidos e esclarecidos sobre o verdadeiro sentido do seu passo. Um padre não se poderia resignar à simples qualidade de funcionário autoritário e insensível, esquecendo que os sacramentos e todos os actos litúrgicos são não apenas sinais eficazes da fé, mas apelos a que melhor orem e melhor amem aqueles que administram os sacramentos e os que os recebem. Todas estas pessoas, que vêm a receber a luz e a força de Deus, constituem comunidades humanas e cristãs, sem dúvida diversíssimas, mas que precisam todas da fidelidade do padre à sua missão, aos seus compromissos. Pode acontecer em certos dias que a fé no apelo de Cristo se obscureça e as tentações de uma vida diferente se tornem violentas. Mas a presença de jovens, adultos e anciãos, que o padre sabe necessitarem dele e nele confiarem, constitui razão indubitável entre outras para ele se conservar fiel à sua missão. E terminarei as minhas confidências aos sacerdotes insistindo em que as fidelidades já enumeradas não se poderiam manter sem uma fidelidade de amor ardente ao mistério da Igreja, à nova e continua descoberta das suas dimensões misteriosas, ao mesmo tempo divinas e fraternais. Mistério da Igreja, de que é talvez a pérola a Constituição conciliar do Vaticano II! É que a missão do padre, esteja ele enterrado no Saara, como Charles de Foucauld o esteve, ou perdido no sertão africano, como tantos missionários o estiveram ou estão ainda, é sempre uma missão da Igreja! Sacerdotes de Jesus Cristo, sacerdotes no Gabão, o Papa ama-vos com toda a sua alma, reza especialmente por vós, pela vossa fidelidade e pelo vosso fervor.

3. Ao preparar a minha viagem pastoral, pude ver que numerosas congregações religiosas trabalham no Gabão, e que as mais antigamente nele estabelecidas — as dos Padres do Espírito Santo, das Irmãs da Imaculada Conceição de Castres e dos Irmãos de São Gabriel — contribuíram notavelmente para a edificação da Igreja no Gabão e para o desenvolvimento humano do país. Em nome de vós todos, devo especialmente agradecer à Congregação local das Irmãzinhas de Santa Maria do Gabão a sua coragem, a sua simplicidade e a sua proximidade do povo gabanês. Mas as minhas felicitações e os meus incitamentos dirigem-se para os 18 Institutos vindos para vos servir.

Caros Irmãos e Irmãs, valorizai ainda mais o que sois e o que fazeis! Sois cristãos e cristãs no meio dos outros e tivestes a graça de ouvir o apelo à prática radical do Evangelho, caracterizada, hoje como ontem, pelos votos de pobreza, castidade e obediência. Prática radical que, de ano para ano, vos conduz a um estado de disponibilidade perante o Senhor e os homens vossos irmãos, tal que estes não cabem em si de admiração. O testemunho pessoal e o testemunho comunitário de desprendimento e disponibilidade devem harmonizar-se e reforçar-se. É disto que as sociedades modernas precisam, tentadas como estão a fechar-se num materialismo prático que toma muitas vezes o aspecto de uma idolatria do poder, do dinheiro e do sexo. Se este testemunho vos parece muitas vezes difícil e limitado, voltai, por favor, ao espírito dos vossos fundadores e fundadoras que arderam de amor por Cristo e pela Sua Igreja.

É preciso considerar também o que fazeis concretamente. Muitos ensinam nas escolas ou colégios, muitos colaboram na pastoral das paróquias ou das dioceses no campo da catequese, da liturgia, dos movimentos do apostolado, da formação permanente dos jovens e dos adultos, das obras caritativas, etc. Muito me alegro disso, e felicito a todos em nome da Igreja. Talvez tenha chegado o tempo de mais ainda colaborardes entre vós, religiosos e religiosas de diversas congregações, e de também colaborardes mais com os responsáveis diocesanos da pastoral comunitária. A solidária união permite muitas vezes economia de pessoas, de meios técnicos e financeiros, e restitui entusiasmo e eficácia a obras excessivamente dispersas.

Nesta altura, sinto o dever de apoiar os esforços da Conferência Episcopal quanto à pastoral das vocações sacerdotais e religiosas. Sei que os resultados não são muito animadores por agora. Todavia o aumento dos alunos em muitos seminários e noviciados africanos deve manter-vos na serenidade e na esperança. Nos relatórios, que me enviastes durante as semanas passadas, vi que vários movimentos ou centros de jovens dão de novo sinais de esperança. Li igualmente que muitos jovens, enganados pela sociedade de consumo, andavam à procura de absoluto ou ao menos de novas razões de viver. Os diversos organismos de pastoral vocacional estão certamente muito atentos a este fenómeno complexo, que se observa cada vez mais nas sociedades da abundância. Pode ser para alguns o caminho do compromisso radical no seguimento de Cristo. Parece-me também que as comunidades de sacerdotes, de religiosos e de religiosas — adquirindo verdadeira transparência evangélica e dando prova de acolhimento desinteressado e de abertura aos jovens e mesmo aos pais destes — são elemento desta pastoral. Algumas destas comunidades, bem como outras comunidades cristãs, organizam com entusiasmo retiros espirituais e cursos de colaboração dos jovens que sentem algum projecto de vocação. Uma real convergência de iniciativas religiosas, bem estudadas e perseverantes como as mencionadas, permitirão à Igreja no Gabão encontrar no próprio seio boa parte dos operários evangélicos de que ela tanto necessita. Prometo-vos prosseguir recordando esta intenção nas minhas orações.

4. E agora dirijo-me aos leigos cristãos que tomam generosamente sobre si responsabilidades numerosas e diversas, nas dioceses e paróquias do Gabão. Felicito-os; e agradeço-lhes de todo o coração, em nome da Igreja inteira, o trabalho que fizeram e o que farão ainda. Muitos países da Europa estão longe de ter efectivos tão importantes de leigos comprometidos e, sobretudo, muitas vezes de maneira espontânea e gratuita. A leitura das relações preparatórias da minha visita permitiu que me convencesse disso e notasse que o termo "catequista" e o de "responsável" significavam toda a espécie de funções reconhecidas pelos Bispos e pelos outros cristãos: as do ensino propriamente dito da fé, do catecumenato, da animação dos grupos de oração, dos movimentos de apostolado e outras associações, da co-responsabilidade das paróquias locais e urbanas, de acordo com o padre e dentro do respeito pela sua responsabilidade e pelo seu ministério. E tenho muita esperança que a minha visita pastoral vá atrair novos membros, especialmente entre os jovens que habitam na cidade. Animo-vos a todos, caros leigos, a que tomeis todo o vosso lugar na organização e animação das vossas comunidades cristãs. E incito-vos igualmente a aproveitar ao máximo os meios de formação permanente que a Conferência Episcopal se encarregou de organizar: aqui um fim de semana por mês, acolá uma sessão de dez dias de dois em dois meses, etc. A vossa qualificação doutrinal, pedagógica e espiritual é indispensável para vós próprios, para a irradiação da vossa actividade e para vos permitir formar outros catequistas e responsáveis. E também nesses grupos de jovens leigos comprometidos que devem normalmente germinar vocações.

A minha última palavra será um estímulo vigoroso aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, para que mantenham a acção dos leigos e mais confiem neles; e um impulso não menos vigoroso aos leigos, para que rodeiem os seus sacerdotes, as suas comunidades de Irmãos e de Irmãs, de respeito, de amizade e de espírito de colaboração.

Peço ao Senhor que a minha passagem pelo meio de vós leve a que progridam a compreensão entre todos e a perseverante ajuda mútua, que darão à Igreja no Gabão o incitamento que ambicionam muitos cristãos, e façam encontrar cada vez mais a esta Igreja Missionária a fisionomia de uma Igreja plenamente realizada na comunhão da Igreja universal. É este crescimento, sem ruptura e sem precipitação, que eu desejo e espero ardentemente para as quatro dioceses gabanesas e para os seus fiéis.

Deus vos colme das suas Bênçãos e a Virgem Maria, especialmente honrada neste lugar, assegure o apostolado de todos os operários evangélicos no Gabão!

Discursos João Paulo II 1982 - Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1982