Discursos João Paulo II 1982 - Libreville, 17 de Fevereiro de 1982


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A VISITA


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DO GABÃO


Libreville, 17 de Fevereiro de 1982



Senhor Presidente

1. É-me particularmente grato agradecer-lhe aqui, na sua residência, as pródigas manifestações de cordialidade usadas para com o meu predecessor Paulo VI, e para comigo mesmo, quando veio ao Vaticano para se encontrar com o Papa. Com estas visitas de Vossa Excelência, era já o Gabão que testemunhava o próprio desejo de manter laços cada vez mais estreitos com a Santa Sé, e é por este motivo que ao dirigir-me hoje à mais alta Autoridade do Estado, é o Gabão inteiro que saúdo com emoção.

2. O Gabão distingue-se pelo esforço que lhe permitiu, a partir das enormes riquezas naturais que possui, e sob o seu impulso, assegurar rapidamente o próprio desenvolvimento económico. Quem poderia não o felicitar por isto? Trata-se de um factor considerável para a sua subsistência e o seu progresso, para o seu futuro. Formulo os melhores votos pela prosperidade do mesmo.

Este esforço, pelo qual se interessam particularmente o Governo e os diversos responsáveis da vida do país, é de facto o de todos os gabaneses, porque a difícil tarefa que o desenvolvimento requer para ser completo, compete a todo o homem e beneficiar o conjunto dos homens diz respeito, em definitivo, a cada cidadão. De facto tal progresso é fundado não só na riqueza e no trabalho, mas igualmente nos outros valores, como os da justiça social, da liberdade, do sentido do bem comum, da honestidade e da solidariedade com os mais desprovidos. Um progresso económico que não se apoiasse em tais virtudes poria em perigo a sua finalidade: a promoção de uma sociedade fraterna, capaz de integrar harmoniosamente as jovens gerações, as diferentes etnias do país, e de acolher os estrangeiros. Tudo isto depende da parte de responsabilidade que cada um está disposto a tomar na sociedade. A própria Igreja tem aqui a sua parte para recordar esta necessidade e dar o próprio contributo concreto. O desígnio de Deus é, de facto, que o homem progrida dia após dia, graças ao seu trabalho bem dominado e ao seu sentido ético, nas suas relações familiares e sociais. É assim que a adoração por ele dedicada ao Criador segundo a própria consciência, com a própria comunidade, exprime a obediência a Ele devida. Sei que entre vós não faltam exemplos deste desenvolvimento conquistado pelo homem africano. É necessário prosseguir incansavelmente o caminho traçado. E eu vim para vos encorajar nisto!

3. Uma das características da nação, é a sua cultura. Esta traz ao homem, entre outras coisas, um modo de viver, um modo de sentir em conjunto. É-se feliz de estar ou de se reencontrar no próprio país, porque se experimenta a sensação de pertencer a uma grande família. A cultura de um povo é o que ele tem de original, o que o distingue dos seus vizinhos, sem por outro lado o separar deles, e o que os chama a levar aos outros o seu próprio contributo. A cultura africana, e a do Gabão é uma das suas expressões singulares, é um bem precioso. Deve ser capaz de incluir as tradições ancestrais, no que elas têm de melhor, e não ter medo da novidade, reconhecendo-se bastante forte para permanecer o que é. Sobretudo desenvolve em cada um dos filhos da nação um sentimento de orgulho que provoca o respeito dos outros. Senti pois orgulho em ser gabaneses!

4. Não soube o vosso país assumir um papel notável nestes últimos anos, no concerto das nações, e de modo particular na África? Oxalá a vossa acção, apesar dos obstáculos de ordem social, étnica, económica e ideológica, contribua para lhe dar a paz de que tanto necessita, a fim de se estabelecer uma cooperação frutuosa entre os povos, no respeito das diferentes sensibilidades e centralizada nos grandes objectivos que devem continuar a ser os do desenvolvimento adequado a estes países! É a isto que, por seu lado, se dedica a Santa Sé, no quadro da sua missão espiritual, favorecendo o mais possível tudo o que diz respeito à paz, à compreensão, ao respeito dos direitos do homem e ao crescimento das jovens nações.

5. Sei, e é-me grato testemunhá-lo aqui, que a Igreja católica no Gabão goza de liberdade e da consideração das Autoridades públicas. É verdade que deu o seu grande contributo — não raro tomando mesmo iniciativas — para as obras que têm por objectivo instruir e educar, assegurar melhores condições de saúde, assistir os mais pobres e formar para as diversas responsabilidades cívicas. Está pronta a continuar esta participação na medida das suas possibilidades, como vem fazendo há um século e meio. Como Vossa Excelência salientou amável e oportunamente, ela contribuiu em grande medida para a maturação do Gabão moderno.

Senhor Presidente, a compreensão e a ajuda que pessoalmente ofereceu ao ensino católico demonstram bem a estima em que tem esta missão. De facto, o contributo da Igreja para a educação da juventude constitui para todos, com a garantia do respeito da liberdade de consciência, uma abertura do espírito e do coração dos jovens para os valores morais e espirituais que são essenciais, como eu disse no início. Dá-se o mesmo quando a possibilidade é concretamente oferecida à maioria, como é o caso no Gabão, de seguir através da rádio ou da televisão programas propostos pela Igreja. Desejo exprimir-lhe a minha gratidão por isto.

Mas o meu reconhecimento é-lhe especialmente devido hoje, Senhor Presidente, como a todas as Autoridades públicas, pelo magnífico acolhimento que me é reservado e por todas as facilidades oferecidas com tanta gentileza, para que eu pudesse realizar, nas melhores condições, a minha visita pastoral.

Deus abençoe o Gabão! E acolha favoravelmente todos os votos que neste dia formulo por ele e pelos seus governantes!

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


À GUINÉ EQUATORIAL


Malabo, 18 de Fevereiro de 1982



Queridos Irmãos e Irmãs

Sinto uma profunda alegria ao chegar a esta Nação e à ilha em que está a sua capital, Malabo, no curso da minha viagem apostólica por terras africanas. Dou antes de tudo graças a Deus que me permitiu vir até aqui.

Desejo em primeiro lugar agradecer a presença, neste aeroporto, do Senhor Presidente da República, que teve a deferência de vir receber-me.

À espera do encontro pessoal que teremos depois, quero assegurar-lhe ter apreciado vivamente este gesto, ao qual se associaram as altas Autoridades do Estado, às quais expresso de igual modo o testemunho do meu profundo reconhecimento.

Particularmente grata me é a presença do vosso querido D. Rafael Maria Nzé Abuy. A ele e a todos vós apresento a minha cordial saudação: que a paz de Cristo esteja sempre convosco!

A minha permanência nesta cidade não pode ser tão longa como desejaria; mas não podia faltar uma presença minha aqui, para me encontrar com todos vós, queridos irmãos e irmãs deste formosa ilha, que viestes para me ver. E como muitos não podiam deslocar-se para mais longe, fui eu que me adiantei na visita, na qual incluo também os habitantes das ilhas vizinhas que formam parte do vosso País.

Esta permanência em Malabo e a sucessiva em Bata são prova do meu profundo afecto por vós e por todos os filhos da Guiné Equatorial, das ilhas, do continente e aos que vivem no exterior, assim como da recordação que em tantas ocasiões vos acompanha, e que se faz oração pelas vossas intenções e necessidades.

A minha viagem tem finalidade exclusivamente evangelizadora: venho para confirmar a vossa fé de cristãos e vos encorajar na vossa fidelidade a Cristo e à Igreja.

Bem sei que no passado tivestes de suportar às vezes graves dificuldades. Por isso vos manifesto a minha alegria pela constância com que destes testemunho da vossa adesão a Cristo, como filhos do Pai comum que a todos nos ama por igual e nos acompanha em cada momento da nossa existência, dando-nos a força de O confessar mesmo no martírio.

Como recordação, pois, da minha visita deixo-vos as mesmas palavras com que o Apóstolo São Paulo exortava os cristãos do seu tempo: "como recebestes o Evangelho do Senhor Jesus Cristo, vivei enraizados e edificados n'Ele, encontrando a vossa força na fé" (Col 2,6 s.). E dado que no vosso contexto geográfico sois uma Nação de grande maioria católica, dai sempre exemplo de concórdia entre vós, de amor mútuo, de capacidade de reconciliação, de efectivo respeito aos direitos de cada cidadão, família, grupo social. Respeitai e promovei a dignidade de todas as pessoas no vosso País, como seres humanos e como filhos de Deus.

Que Ele vos ajude sempre nesse caminho e que a Virgem Santíssima, Mãe de Jesus e nossa Mãe, vos acompanhe pelas vias de progresso na fé e na prática da vida cristã, num clima de paz, honestidade individual e social, de crescente bem-estar. Esforçando-vos por colaborar, com leais cidadãos, na construção da Pátria serena, próspera e justa que unanimemente desejamos.

Com estes votos, a todos abraço no amor de Cristo e dou, particularmente aos sacerdotes, religiosos, religiosas, catequistas, leigos comprometidos no trabalho eclesial e, de maneira muito especial, às crianças e enfermos, a minha cordial Bênção.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM O PRESIDENTE


DA REPÚBLICA DA GUINÉ EQUATORIAL


Malabo, 18 de Fevereiro de 1982



Senhor Presidente

Com muito prazer respondo às palavras que Vossa Excelência acaba de pronunciar, referentes ao significado da minha presença nesta Nação.

Agradeço as suas nobres expressões e retribuo manifestando a Vossa Excelência os sentimentos de profunda estima que tenho para com o querido povo da Guiné Equatorial, os seus valores, a sua vida como entidade histórica e os seus anelos diante do futuro.

É-me muito grato, por isso, saudar Vossa Excelência, que, na função de Presidente da Nação, é o centro simbólico para o qual convergem as vivas aspirações de um povo a um clima social de autêntica liberdade, de justiça, de respeito e promoção dos direitos de cada pessoa ou grupo, e de melhores condições de vida, para se realizar como homens e como filhos de Deus.

Aceitando o convite que amavelmente me fizera para visitar a Guiné Equatorial, eu quis trazer maior aproximação da Igreja, que olha com profunda simpatia para os filhos desta Nação e deseja encorajá-los na busca desse futuro melhor que de modo justo se esforçam por conseguir.

Neste importante e delicado momento histórico vivido pela sua Pátria, quero assegurar-lhe, Senhor Presidente, que a Igreja na Guiné deseja colaborar com lealdade para a elevação moral das pessoas, na obra em favor da reconciliação dos espíritos e no serviço nos campos educativo e assistencial.

Ao oferecer isto, a Igreja quer servir a causa da dignificação do homem em todos os aspectos. Sem exigir mais do que o justo clima de liberdade, compreensão e respeito, que lhe torna possível o pacífico desenvolvimento da sua missão espiritual e humanitária. Os bem conhecidos e dolorosos acontecimentos do passado não têm empanado a sua vontade de prosseguir semeando o bem.

Prova disto são as múltiplas iniciativas, assistenciais, educativas e de outro tipo, que juntamente com os filhos desta terra, e unidos a eles na mesma benemerência e amor ao irmão da Guiné Equatorial, têm empreendido tantas pessoas vindas de outros Países, sobretudo da Espanha, consagradas ao ideal de servir ao Evangelho. O trabalho delas e o testemunho dos seus propósitos baseados na própria fé, que para se tornar ajuda fraterna, com estabilidade e esperanças de segura continuidade, talvez só aspiraria a um adequado estatuto jurídico, sobretudo no campo do ensino.

Estou certo de que as reservas morais deste querido povo impulsionarão esse clima de colaboração mútua e de unidade de intentos, que sirvam para implantar condições de crescente moralidade particular e pública, capazes de conduzir a um verdadeiro e notável progresso espiritual e material. Nesta tarefa podem encontrar o seu lugar todos os filhos do País, os que vivem dentro ou fora do mesmo, e que aspirem a trabalhar por ele, não se deixando vencer pelas contingentes barreiras.

Tenho a firme confiança de que, com a contribuição de todos, o próprio tesouro, a vontade decidida dos Responsáveis do bem público e o contributo dos melhores conselheiros e colaboradores, bem como com a ajuda de outros Países amigos, a Guiné superará as difíceis etapas da sua existência e encontrará o lugar que lhe compete no concerto africano e internacional.

Com estes férvidos votos, peço a Deus que oriente os destinos do País e abençoe abundantemente os Responsáveis e todos os seus habitantes.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DA


GUINÉ EQUATORIAL


Aeroporto de Bata, 18 de Fevereiro de 1982



Amadíssimos irmãos e irmãs

Chegou o momento de me despedir de vós, depois destas breves e intensas horas passadas no vosso País.

Agradeço-vos a cordialidade do vosso acolhimento e as manifestações de afecto que me prodigalizastes, desde o momento em que pisei o solo guineano até a este instante.

Também da minha parte asseguro-vos a minha profunda benevolência, que foi crescendo à medida que vos conhecia mais e percorria as vossas ruas e praças ou nos uníamos na prece comum junto do altar do Senhor.

Sede fiéis à fé que recebestes e cultivai com diligência os grandes valores morais que hão-de guiar sempre os vossos passos pelo caminho do bem.

Levo comigo a viva recordação do vosso entusiasmo cristão e cortesia, o sorriso das crianças, as esperanças dos jovens, as experiências alegres e dolorosas dos adultos, os propósitos das pessoas de vida consagrada. Por todos continuarei a pedir ao Pai comum do céu, para que vos conceda a paz, a serenidade e sejais bons cristãos e cidadãos.

Ao enviar a minha deferente recordação ao Senhor Presidente e às Autoridades da Nação, deixo a minha saudação a cada filho da Guiné Equatorial, das ilhas ou do continente, e imploro sobre todos, com idêntico e profundo afecto, as melhores bênçãos de Deus e a constante protecção dá nossa Mãe, Maria Santíssima.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM A POPULAÇÃO DO GABÃO


Estádio "Presidente Bongo" de Libreville

Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 1982



Caros amigos, filhos e filhas do Gabão

1. Agradeço-vos muito cordialmente a vossa presença em tão grande número e calorosa, e os sentimentos que acabais de me expressar por meio dos vossos delegados! Representais portanto os principais sectores da vida nacional, caracterizados na vossa terra — como a maior parte dos países africanos em estado de mudança económica e cultural — por indiscutíveis êxitos e por dificuldades persistentes, por esperanças e por riscos. É neste contexto que eu desejaria ajudar-vos a enfrentar as vossas responsabilidades pessoais e colectivas. Sei que sois, na maior parte, membros da Igreja católica, mas respeito profundamente todos os que, sem partilharem a fé cristã, têm a peito servir os seus compatriotas sem a menor discriminação. O meu ardente desejo é que este encontro de amizade e reflexão deixe em todos nós uma lembrança luminosa e estimulante para as tarefas que sobre nós pesam. E a minha, vós me permitireis que o sublinhe, não é a menos pesada.

Sem seguir uma ordem de preferência — porque vós todos tendes igualmente direito à minha estima e à minha amizade — dirigir-me-ei primeiramente às pessoas dos quadros e das profissões liberais. As vossas profissões, diferentes e complementares, situam-se ao serviço do vosso país. Cada um de vós possui actualmente uma chave para o desenvolvimento do Gabão, e todos juntos sois responsáveis pela qualidade deste desenvolvimento. A Igreja, bem o sabeis, não olha desfavoravelmente para a evolução das sociedades. Sofre vendo demasiadas nações ainda subdesenvolvidas ou estimuladas por intentos evidentes de influência ideológica ou de proveito económico! Numa encíclica célebre, que ainda hoje conserva todo o valor, a Igreja, pela voz de Paulo VI proclama que "o desenvolvimento não se reduz ao simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, isto é promover cada homem e o homem integral" (cf. Populorum progressio PP 14). Para vós, num Gabão em pleno movimento, o problema é não só assegurar a continuidade deste processo de desenvolvimento, mas igualmente e sobretudo dominá-lo. Falando assim, julgo atingir as vossas preocupações sobre o tipo de sociedade que está a nascer nas vossas cidades que aumentam e nas vossas aldeias que se despovoam. Temer ou deplorar carências não basta. Veio o tempo de vos combinardes para a defesa e a promoção dos valores éticos fundamentais, sem os quais a estabilidade e prosperidade de um povo estão condenadas dentro de um futuro mais ou menos próximo. A história antiga como a história contemporânea fornecem disso provas fulgurantes. E estes valores fundamentais e permanentes chamam-se o respeito sagrado da vida, a dignidade inviolável de todas as pessoas, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a repartição das riquezas na justiça, o sentido do esforço e a consciência profissional, a fraternidade e a solidariedade entre grupos sociais e entre nações. Estes valores, presentes ou inertes na consciência dos indivíduos e dos povos, têm, sempre e em toda a parte, necessidade de ser despertados, reexpressos e vividos melhor. Por outro lado, as gerações que vão subindo começam a sentir o vazio e mesmo o absurdo de uma civilização que se deixasse encerrar no triste paraíso da produção e do consumo. Este sinal de alarme é providencial. Homens e mulheres que ocupais importantes funções no Governo e na Administração, na economia e na indústria, no direito e na justiça, no mundo da saúde e do ensino, vós — especialmente os cristãos que recebestes no princípio da vossa vida os preciosos ensinamentos da fé no valor do homem criado à imagem de Deus e sobre o sentido de toda a história individual e colectiva, que é construção do mundo ao lado de Deus — dai-vos todos as mãos para edificar a nova sociedade gabanesa, de maneira verdadeiramente humana e solidária! Desejo mesmo que, de vez em quando, organizeis colóquios de amizade e de reflexão, à volta de personalidades competentes e de inspiração ao menos espiritualista se não cristã, para aprofundar as vossas convicções e guiar a vossa acção.

2. Estas minhas considerações puderam encontrar eco entre os membros da Universidade do Estado aqui presentes e entre os estudantes. Quero todavia dirigir-lhes incitamentos particulares.

A vossa delegação lembra-me a época felicíssima em que eu era Capelão de estudantes e titular da cadeira de moral na Universidade Católica de Lublin, e em Cracóvia. Vivi portanto problemas análogos aos vossos. Por isso, no respeito total das vossas convicções, permito-me partilhar convosco algumas das minhas. Um país não pode desenvolver-se sem universidade. Desejo bom caminho à vossa, seguramente portadora de promessas. Mas qualquer universidade, digna deste nome, deve dedicar-se ao que forma, sempre e em toda a parte, o essencial da sua missão, que é ensinar e não doutrinar, manifestar a verdade e não a calar, favorecer o livre confronto das ideias e não ceder ao constrangimento das ideologias. É deste modo que as universidades se fazem respeitar nos Estados e nos povos que as mantêm. Permitis-me confiar-vos ainda uma convicção profunda? A finalidade dos estudos universitários não pode reduzir-se à aquisição de conhecimentos, à obtenção de diplomas, à conquista de situações lucrativas. Se não querem errar quanto à sua finalidade, devem eles conduzir o estudante a uma maturidade total do espírito, da consciência: isto é, fazer dele um investigador leal e apaixonado da verdade sobre o homem, sobre os verdadeiros problemas do homem, sobre o "porquê" e o "como" da sua existência. É este crescimento na verdade, esta maturação das regiões mais interiores da pessoa, que permitem com maior segurança assumir os compromissos responsáveis, reclamados nos nossos dias pelo serviço do bem comum. Estou profundamente convencido que é deste tipo de homem que a sociedade mais precisa — na África como nos outros continentes — e é honra e responsabilidade da universidade contribuir para preparar homens assim. São também homens desse tipo aqueles que trarão uma pedra se não várias, para a cultura do vosso país; cultura que desejais autenticamente africana, aberta, coerente, integral e portanto "aquilo pelo qual o homem enquanto homem se torna mais homem, 'é' mais, mais se aproxima do 'ser' ". É este um tema que eu tive a ocasião de expor na tribuna da UNESCO, quando da minha visita à França a 2 de Junho de 1980. Caros mestres e estudantes, todos os meus votos vos acompanham nas vossas tarefas respectivas!

Permitir-me-eis igualmente saudar e animar a título especial os responsáveis, os professores e os alunos do ensino católico. Durante mais de 130 anos, a obra escolar, realizada em terra gabanesa por numerosas congregações religiosas, é considerável. Aqui, vós estais todos perfeitamente de acordo sobre este facto histórico, a tal ponto que vos vejo prontos a aplaudir todos estes meritórios educadores de outrora e de hoje...

Seguindo os meus predecessores, e Paulo VI em particular, recordei muitas vezes, clara e serenamente, que o problema da instrução esteve sempre ligado à missão da Igreja. Esta fez surgir universidades nos quatro ângulos da Europa, desde a Idade média e longo tempo a seguir, Desenvolveu escolazinhas e os colégios, como serviço relacionado com a sua missão, sobretudo a partir do século XVI. Hoje ainda, tem ela a peito garantir a mesma contribuição em toda a parte onde as suas actividades são solicitadas e respeitadas. Tanto assim que não se pode contestar o direito fundamental, pertencente a todas as famílias, de educar os seus filhos em escolas correspondentes à sua concepção da vida e do mundo. Aqui ou acolá, acontece que a coexistência de um ensino confessional e de um ensino de Estado seja periodicamente reposta em discussão. Esperemos todos que a sabedoria dos responsáveis, que têm a peito uma verdadeira democracia, continue a triunfar das miragens de um nivelamento que bem poderia ser empobrecimento. Façamos todos votos pela chegada da compreensão, do diálogo e da colaboração, tudo isso entre duas instituições que, sem perderem a sua identidade particular, podem muito bem ser complementares. Também aqui não se deveriam projectar sobre a juventude contemporânea crises e disputas em contraste com as suas surpreendentes capacidades de fraternidade e novidade. Formulo votos fervorosos por que as vossas escolas e os vossos colégios sejam locais de sólida formação humana e cristã.

3. A vós todos, que trabalhais nas fábricas e nas oficinas, nas empresas mineiras e florestais ou nos campos, dirijo a minha saudação muito cordial. Muitos dos que estão aqui vêm de Port-Gentil, de Moanda, de Bakumba, de Mounana e de todas as províncias do Gabão. Muitos outros, que não puderam vir, ouvem-nos e véem-nos devido aos meios audiovisuais de comunicação. A eles também, a minha saudação muito amiga.

Quando encontro trabalhadores manuais não posso deixar de lhes comunicar comovidamente que uma grandíssima graça da minha vida foi trabalhar em pedreiras e em fábricas, durante perto de quatro anos. Data isso de há 40 anos, mas lembro-me como se tivesse sido ontem. Esta experiência da vida operária, de todos os seus aspectos positivos e das suas misérias, da mesma maneira que, noutro plano, os horrores da deportação dos meus compatriotas polacos para os campos da morte, marcaram profundamente a minha existência. Desde essa época, o mistério do homem invadiu o campo das minhas reflexões e senti-me irresistivelmente levado a perorar pelo respeito de todo o homem, sustentado nesta acção pelo Mistério de Cristo, Ele que é ao mesmo tempo o nosso Deus e o nosso Irmão para nos salvar. Por isso, ao começar o meu serviço na Sede Romana do Apóstolo Pedro tive muito a peito, na encíclica Redemptor hominis, apresentar aos cristãos e a todos os homens de boa vontade o rosto integral do homem tantas vezes desfigurado por humanismos desfigurantes. Em nome da Igreja fiel ao seu Fundador, proclamei a verdade sobre o homem restituindo-lhe uma dimensão constitutiva do seu ser próprio: a sua busca de infinito, a sua capacidade de absoluto, a sua misteriosa atracção para Cristo Redentor, que revela o homem a si mesmo. O Homem-Deus é, por assim dizer, o espelho em que todo o homem pode encontrar os traços da sua dignidade, o valor das suas actividades e o sentido profundo da sua vida (cf. Redemptor hominis, RH 10). Por isso, num documento mais recente e seguindo os grandes Papas que trataram da questão do trabalho nas nossas sociedades modernas industrializadas — quando tantos trabalhadores são infelizmente amiudadas vezes sacrificados, na sua dignidade e nos seus direitos, aos imperativos do crescimento económico — tentei levar ao mundo do trabalho a luz e o apoio de Cristo e da Sua Igreja. Refiro-me à encíclica Laborem exercem.

Sem perder de vista as injustiças que sofrem os trabalhadores, quis lembrar-lhes que existia uma "Boa Nova", um "Evangelho do trabalho", segundo o qual a vocação do homem é dominar a terra e realizar-se como homem desta maneira. Não nos cansaremos de admirar, através dos séculos e dos continentes, as obras, modestas ou grandiosas, dos homens engenhosos e cheios de inventiva, corajosos, apaixonados pela sua obra, e desejosos de repartir o fruto do próprio trabalho.

Mas há ainda outro aspecto absolutamente surpreendente deste "Evangelho do trabalho", que devemos considerar juntos. É o seu valor misterioso de participação na obra redentora de Cristo, pela oferta silenciosa das fadigas inerentes ao trabalho. O operário crente que se une em espírito a Cristo Redentor atinge com Ele, por Ele e n'Ele o nível de sofrimento oferecido por amor de Deus e dos outros homens, sofrimento gerador de vida.

Sem esta visão humana e cristã do trabalho, é impossível compreender a razão por que o ardor no trabalho é virtude. ela, todavia, que dá ao homem tornar-se mais homem, o faz capaz de fundar e conservar uma família, e lhe permite aumentar o património do seu próprio pais e de todos os homens que vivem no mundo (encíclica Laborem exercem, 9-10, e Discurso em Saint-Denis - França -31 de Maio de 1980).

Dito isto, mantém-se o facto de a chegada da civilização industrial, com todas as suas consequências, ter levado os trabalhadores a darem-se a mão para sufocar os factores de desumanização introduzidos pelas novas estruturas sócio-económicas excessivamente, e mesmo por vezes unicamente, fundadas no proveito. Se a Igreja não teme estimular os trabalhadores a cumprirem os seus deveres, também não sente maior receio em os ajudar a obter a satisfação dos seus direitos legítimos: o respeito de todo o trabalhador, quer seja autóctone ou trabalhador migrante; o direito ao emprego, à segurança e à higiene, a ritmos humanos de rendimento, a tempos suficientes de repouso, a salários justos, a protecção social, ao respeito das opiniões políticas e religiosas, à liberdade de associações sindicais, etc. A Igreja tem o dever de estar com os pobres e os oprimidos. Certamente, ela compreende que as exigências menos essenciais não possam ser satisfeitas imediata e plenamente. É preciso ter em conta as possibilidades reais, actuais, e a solidariedade com o conjunto da nação; o ritmo e a maturidade de cada um dos países em vias de desenvolvimento. E em todos os casos, permanece a Igreja convencida de os métodos de violência não poderem trazer solução eficaz para a questão social. Por isso, sem querer ignorar as tensões ou mesmo os conflitos no mundo do trabalho, a Igreja recomenda e recomendará sempre os caminhos do encontro dos parceiros no trabalho, do diálogo, da busca leal e perseverante de acordos muitas vezes parciais e não totais, mas portadores de novas esperanças. São os caminhos razoáveis, são mais ainda os caminhos evangélicos, que podem modificar em profundidade as relações de homem a homem. Ambiciono ardentemente que na vossa jovem nação, os trabalhadores e os responsáveis pelo trabalho progridam sempre pelos caminhos da compreensão mútua e da harmonia, para que a promoção do homem acompanhe realmente o desenvolvimento do país.

4. Enfim, dirijo-me a vós, caros jovens! Tivestes paciência! Notei mesmo que vos interessais por tudo o que eu disse aos outros grupos; as minhas felicitações!

Eu sempre amei muito os jovens. Quando tinha a vossa idade, mas ainda durante todo o meu ministério sacerdotal e episcopal, e agora que o Senhor me pediu que servisse à frente da Igreja. Gosto dos jovens, porque são como a primavera que se levanta sobre o mundo e sobre cada país em particular, com a sua luz e as suas ricas promessas. Os jovens que encontrei deram-me a certeza de que o nosso mundo tinha um futuro graças a eles. Senti isto na Itália, no México, na Polónia, na Irlanda, nos Estados Unidos, na França, no Brasil, na Alemanha, nas Filipinas, no Japão, e entre vós na África durante a minha primeira visita. A que se deve esta sensação? A que muitos jovens me pareceram sãos e generosos e felizmente preocupados — como vós o estais — com os limites de uma civilização de permissivismo, de esbanjamento e desigualdades. Se os jovens cedem algum tempo a essas coisas, seguindo a própria tendência natural a tudo quererem experimentar e a seguir a corrente dominante, o que é certo é que muitos voltam atrás. Prosperam actualmente em quase toda a parte pequenas comunidades de jovens que reflectem e rezam, para ter a coragem de ir contra a corrente das maneiras de pensar e de viver, certamente destruidoras da pessoa humana e da sociedade.

Jovens gabaneses, que pertenceis ao mundo escolar ou praticais já um ofício, que entrastes — ao menos alguns dentre vós — em movimentos de apostolado tais como a J.E.C., a J.O.C., o escutismo, os GEN, os Corações Valentes e Almas Valentes, tenho confiança em vós a ponto de ousar chamar-vos, todos e cada um, a seguir de novo a Cristo. É possível que a vossa vida de baptizado seja fervorosa, e disso me alegro. É possível igualmente que ela seja medíocre ou mesmo completamente descuidada. O passado é o passado. Jesus chamou sempre pessoas a seguirem-no fazendo tábua rasa do seu passado, restituindo-lhes confiança e, pelo facto mesmo, todas as suas possibilidades. A história do Cristianismo está felizmente cheia de tais exemplos. Sabemos o que Jesus fez de Pedro, o renegado; de Paulo, o dos primeiros cristãos; — Agostinho, prisioneiro de um sistema filosófico e mais ainda das suas paixões; de Francisco de Assis, já preso pela vida dos negócios, mas que veio a desposar a Senhora Pobreza... E, no nosso tempo, o número de jovens que voltam a Cristo, depois de um momento ou de anos de indiferença, se não de cobardia, é impressionante. Os grupos de oração e as "marchas" ou peregrinações de jovens são muitas vezes ocasião dessas decisões. Dareis este passo livremente, generosamente? Não tenhais medo! Cristo não é "raptador", mas Salvador! Veio para que tenhais a vida (cf. Jo Jn 10,10). É Ele que possui o segredo das várias respostas às verdadeiras questões sobre o sentido e o uso da vida. Tão preciosa é a vossa vida! As vossas comunidades paroquiais e os vossos movimentos de jovens precisam da vossa presença alegre e dinâmica. Os centros de preparação para o sacerdócio ministerial e para a vida religiosa necessitam de pessoas decididas a "tudo deixar para seguir a Cristo" (cf. Mt Mt 4,22 Mt 19,21). Verdadeiramente, espero muito dos jovens do Gabão e é ao próprio Cristo e à Sua Santíssima Mãe que vos recomendo.

Uma vez mais, e do fundo do coração, obrigado a todos! E dê este encontro muitos frutos para a Igreja no Gabão e para a vossa querida Nação!

Discursos João Paulo II 1982 - Libreville, 17 de Fevereiro de 1982