Discursos João Paulo II 1982 - Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 1982


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DO GABÃO


Residência Episcopal

Libreville, 18 de Fevereiro de 1982



Caríssimos Irmãos no Episcopado

1. O tempo não me permite visitar as vossas dioceses de Franceville, de Moutla, de Oyem; todos os nossos encontros realizam-se na arquidiocese de Libreville, a capital, mas dirijo-me naturalmente ao conjunto dos vossos sacerdotes, dos religiosos e das religiosas, dos fiéis, aos quais transmitireis os sentimentos do meu profundo afecto. Agradeço-vos, agradeço-vos este acolhimento tão cordial.

O Gabão merecia esta visita pastoral, pois daqui partiu a evangelização para a maior parte dos países da África equatorial e ocidental. E ainda me recordo da carta que o vosso Presidente, D. Felicien Makouaka, me trouxe exactamente há doze dias para ilustrar este progresso que nos deixa admirados. Admiração pelo zelo dos missionários, pressurosos de tornar a Boa Nova conhecida aos seus irmãos da África; admiração pelas vossas populações que acreditaram no Evangelho e aceitaram o Baptismo. Num sentido, sois as primícias da messe evangélica em toda esta região. Compartilho da vossa ufania.

2. A Igreja no Gabão distingue-se ainda pelo número relativamente considerável dos seus membros em relação ao total da população, pela rede das suas escolas cristãs e das suas associações católicas, e pela liberdade que tem. Mas estais bem conscientes dos limites destes aspectos positivos, e fizestes-me conhecer com muita simplicidade, nas relações escritas e oralmente, as vossas preocupações pastorais: a escassez de sacerdotes e de religiosas autóctones, a dificuldade da perseverança das vocações, a falta de educadores profundamente cristãos, o abandono da prática religiosa da parte de muitos, as hesitações diante do matrimónio cristão, a dificuldade de criar um impacto no clima moral e social, o carácter ainda insuficientemente autóctone da Igreja. As causas são diversas. Temeis às vezes um ressurgimento de certas práticas pagãs e a nefasta influência de alguns aspectos da mentalidade europeia que, longe de ser um progresso, são na realidade uma degradação da fé ou dos costumes.

Diante de uma tal situação, é necessário que nos apeguemos aos sinais positivos, e são tantos, como realço em cada um dos meus discursos. Sem minimizar as exigências evangélicas, é preciso conservar uma viva esperança: a esperança de que Deus pode suscitar grandes coisas na sua Igreja, em proporção da nossa fé e da nossa fidelidade; referir-me-ei sobre isto amanhã na homilia da missa. Permiti que trate convosco de quatro pontos.

3. Quanto aos leigos, como não nos alegrarmos com a vitalidade de certos grupos de oração, de movimentos cristãos tão diversos? Observa-se sobretudo, num crescente número de fiéis, o desejo de assumir, em sintonia com o sacerdote e sem se apoderar da atribuição que lhe é especifica, toda a responsabilidade nas suas comunidades cristãs, referente à catequese ou à animação, e também o desejo de melhor compreender o nexo entre a sua fé e os seus empenhos profissionais e sociais. Se estes leigos são exigentes, na sua reflexão cristã ou nas iniciativas que desejam tomar, regozijemo-nos! E façamos tudo para lhes proporcionar o aprofundamento espiritual e doutrinal de que têm necessidade. Ajudemo-los também a descobrir o sentido dos sacramentos e, de modo particular, da participação regular e activa na missa dominical: eles devem compreender que aqui se estabelece a sua união, a união de toda a sua vida, com Jesus Cristo, pois ela é uma exigência de santidade mas também um meio, um remédio para a sua fraqueza. Esforcemo-nos a fim de que a liturgia seja digna e orante.

4. O segundo aspecto é o da pastoral da família. Também esta requer um grande discernimento e firme empenho. Vós analisastes bem a complexa situação das famílias em vista do Sínodo romano. Na actual perspectiva, muitos casos sem dúvida permanecerão difíceis, e não é possível, para os resolver, minimizar o que se refere ao mistério cristão do matrimónio e às suas exigências. Mas nenhuma família deve sentir-se excluída da Igreja ou incapaz de caminhar com decisão rumo à plenitude cristã do amor conjugal, como tive ocasião de escrever na Exortação Familiaris consortio. O que sobretudo convém é fazer brilhar o ideal da família cristã, não só na sua teoria, mas tal como é vivido nos lares que o aceitaram. Jamais fareis o bastante pela pastoral da família: não é talvez este o lugar por excelência em que se enraízam as virtudes cristãs — no qual a catequese se esparge — e também as virtudes do cidadão?

5. Mas a preocupação que, a justo título, mais sentis é o problema das vocações sacerdotais e religiosas.Realmente é desconcertante: porque será que os diversos esforços, tentados após tantos anos — o Padre Bessieux disto se tinha preocupado desde a sua chegada e um Seminário menor foi inaugurado em 1856 — produziram tão poucos frutos? Repito que é verdadeiramente um problema fundamental, o teste da vitalidade religiosa e a condição desta vitalidade. Bem sei como estais a procurar a solução, mesmo se por ora padres "ex patriados" — como os chamais — vos ajudam a ponto de assegurar às vezes quase a totalidade do ministério, como na diocese de Franceville. Alegro-me, porém, do entendimento fraterno e confiante que reina entre vós. Mas é necessário apressar a tomada de responsabilidade mais completa por parte de um clero africano.

A preparação das vocações consiste antes de tudo em fazer apreciar e desejar o sacerdócio, e é testemunho de uma vida sacerdotal zelante, resplandescente, disponível, que melhor contribuirá para isto. É necessário fazer compreender a urgência, a beleza do ministério apostólico, que responde à profunda expectativa dos fiéis. O essencial é sobretudo suscitar um grande amor a Cristo, um espírito de oração, um clima de generosidade, que façam aceitar a renúncia à vida de família e a uma situação profana, sem dúvida melhor remunerada, em favor do mais elevado serviço de Deus e dos irmãos. De outra parte, talvez seja conveniente associarem mais ainda os vossos sacerdotes gabaneses às responsabilidades eclesiais, pois é preciso que se habituem a substituir-se a todos os níveis. Oxalá adquiram, enfim, a convicção de que será inconveniente transferir para a África os aspectos mais discutíveis da rebatida questão sobre o sacerdócio, a qual afecta certos sectores da Igreja na Europa e em outras partes! Não seria talvez como introduzir um "corpo estranho" no vosso país, sem coerência com os seus problemas?

Muitas destas observações, das quais certamente estais bem convencidos, valeriam também para as religiosas autóctones. Como seria maravilhoso o papel a ser desenvolvido junto das mulheres africanas se, além da sua disponibilidade para todos, fossem elas mais numerosas, e viessem das jovens gerações!

6. Enfim, a propósito das vossas responsabilidades como Bispos, Irmãos caríssimos, encorajo-vos a unir os vossos esforços numa colegialidade sempre mais profunda, afectiva e efectiva. Sei que os problemas são inúmeros: deveis enfrentar tantos deles, com reduzidos meios! Mas isto poderá ser um convite a hierarquizar as vossas actividades. Assim como pedis, sem dúvida, aos vossos sacerdotes que se libertem de certas tarefas para se consagrarem inteiramente à evangelização, eu desejo que encontreis os meios de vos libertar o mais possível de incumbências unicamente administrativas — que poderiam ser assumidas convosco por sacerdotes ou leigos competentes — para vos dedicardes ao que é fundamental para o Bispo: a pregação, as visitas pastorais, o apoio cordial, espiritual e doutrinal dos vossos sacerdotes, gabaneses ou outros, e o diálogo com todos no discernimento e nos empenhos a serem tomados. O vosso primeiro dever, como o meu, é confirmar os vossos irmãos.

Recordar-me-ei na oração de todas as vossas intenções pastorais e abençoo-vos com toda a minha afeição fraterna.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES DE OUTRAS COMUNIDADES


CRISTÃS DO GABÃO


Residência Episcopal

Libreville, 19 de Fevereiro de 1982



Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo

1. É uma verdadeira alegria espiritual a que sinto ao encontrar-me hoje convosco, no decurso da minha peregrinação apostólica junto dos meus irmãos e filhos da Igreja católica que está no Gabão.

O encontro com os irmãos cristãos das Igrejas ou das Comunidades eclesiais que não estão em plena comunhão com a Igreja católica é uma componente das minhas peregrinações apostólicas. É um sinal da vontade que a Igreja católica tem de continuar firmemente o seu compromisso no movimento ecuménico, sobretudo depois do Concílio Vaticano II.

Estes encontros, mesmo que sejam breves, querem ser também, perante aqueles que não compartilham a nossa fé cristã ou não crêem, um testemunho que damos conjuntamente da nossa pertença a Cristo Senhor.

2. Em vários dos seus documentos, de modo particular no decreto sobre o ecumenismo, o Concílio salientou a colaboração que deve existir entre os irmãos cristãos espalhados pelo mundo. E no seu documento sobre a actividade missionária da Igreja, o Concílio insiste nesta colaboração: "... Tanto quanto as condições religiosas o permitam, seja fomentado o ecumenismo de maneira que, excluída toda a espécie tanto de indiferentismo e de confusionismo, como de odiosa rivalidade, os católicos colaborem fraternalmente, na medida do possível, com os irmãos separados, de acordo com as normas do Decreto sobre o Ecumenismo, pela comum profissão de fé em Deus e em Jesus Cristo diante dos povos e pela cooperação tanto de ordem social e técnica, como cultural e religiosa. Colaborem, sobretudo, por causa de Cristo, seu Senhor comum; que o Seu nome os una. Esta colaboração deve estabelecer-se não só entre pessoas privadas, mas também, a juízo do Ordinário do lugar, entre Igrejas ou comunidades eclesiais e as suas obras" (Decreto Ad Gentes AGD 15).

No que me diz respeito, na minha missão de ensinamento, salientei muitas vezes este aspecto. Na exortação sobre a catequese, por exemplo, salientei a dimensão ecuménica desta missão primordial da Igreja e a importância que reveste, a este propósito, uma sã colaboração com os irmãos cristãos.

3. Sei que, no vosso país, esta colaboração se realiza em vários campos e manifesta assim as boas relações existentes entre a Igreja católica e a Igreja evangélica no Gabão. Penso especialmente, pela importância que ela reveste, na colaboração já antiga entre católicos e protestantes evangélicos no campo da rádio e da televisão. Isso alegra-me profundamente, porque representa um testemunho dado em conjunto contribuindo assim altamente para a causa da unidade.

Sei também que todos os anos, a Semana de oração pela unidade é profundamente vivida aqui. Dizia eu, há um mês, durante a audiência semanal em que tenho ocasião de falar aos peregrinos e visitantes vindos a Roma, que a Semana de oração nos oferece sérios motivos de alegria e de esperança, mas que devemos também constatar com amargura que todas as nossas divergências ainda não foram superadas. Repito-vos hoje, queridos irmãos e irmãs cristãos do Gabão, as palavras que naquele dia pronunciei aos peregrinos e visitantes de língua francesa: "É verdadeiramente necessário rezar, implorar o Espírito Santo, depois de ter tomado consciência, numa catequese adequada, que a divisão é contra a vontade de Deus... É na presença do Senhor, na obediência à Sua vontade, que se caminha para a unidade".

Sim, não nos detenhamos no caminho. Realizemos toda a colaboração possível. Procuremos mais profundamente a unidade que o Senhor deseja. E por isso, deixemos que os nossos corações se convertam sempre e cada vez mais às exigências do seu Reino.

É com estes sentimentos que imploro sobre vós e sobre todos aqueles que vos são queridos a Bênção de Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DO GABÃO E DA ÁFRICA


Libreville, 19 de Fevereiro de 1982



Ao deixar este país, quero exprimir a minha satisfação. No meu périplo africano, era justo que reservasse uma visita pastoral ao Gabão que foi o ponto de origem da evangelização em toda esta região da África; a árvore da Igreja desenvolveu-se verdadeiramente a partir desta terra. Era necessário também honrar esta nação que tem capacidades apreciáveis e que se esforça tanto por progredir.

Renovo a minha gratidão a todos aqueles que organizaram esta recepção magnifica ao Papa: a Sua Excelência o Senhor Presidente da República, aos membros do Governo e da Administração, aos responsáveis desta grande cidade de Libreville, a toda a população que me manifestou estima, calor e atenção às minhas palavras; aos cristãos tão próximos na fé, e de modo particular aos católicos tão felizes por receberem o Vigário de Cristo. Saúdo os Bispos, meus Irmãos, e agradeço-lhes de modo especial. Durante estes três dias, abri-vos o meu coração, para receber o vosso testemunho, e dar-vos aquilo que de melhor possuía. Oxalá cada um de vós se sinta doravante mais perto do Papa, amado, confortado e encorajado no caminho do bem! E eu não vos esquecerei. Como diz o provérbio mbdé: "Otowi holwodo mvudu a nde ha moni" ("O pensamento sonha com o homem que viu").

Deus abençoe o Gabão!

Permiti-me acrescentar agora uma mensagem à África inteira, pois é daqui que, no término da minha segunda viagem, deixo o continente. Esta permanência confirmou as impressões que confiei a 12 de Maio de 1980 à partida de Abidjão. Em Roma, como bem sabeis, seguimos de perto a vida dos países africanos através das visitas que recebemos, dos relatórios que nos enviam os Bispos ou os representantes pontifícios. Mas uma visita entre os habitantes faz adquirir uma nova sensibilidade. E por isso, dou graças a Deus.

O vosso continente, queridos amigos africanos, prossegue nos admiráveis esforços de desenvolvimento, sob muitos aspectos. Era admirável na Nigéria, é evidente aqui, e em muitos outros países. As riquezas naturais, por muito tempo descuidadas, são activamente exploradas, por vezes, é verdade, por sociedades estrangeiras. A protecção sanitária progride, proporcionando um recrescimento de esperança nestes países equatoriais de clima tão molesto. A maturidade política consolida-se, não obstante os sobressaltos tão frequentes. As cidades desenvolvem-se, muitas vezes, infelizmente, em detrimento de áreas rurais cujos produtos seriam muito úteis. Muitos procuram instruir-se, segundo um modelo mais universal, muitas vezes importando do exterior, mas ao mesmo tempo a tomada de consciência de uma cultura africana aumenta. As relações entre países estabelecem-se de modo mais estreito a nível das regiões, do continente e do resto do mundo. Verificasse por toda a parte um desejo de progredir, um entusiasmo evidente.

Mas, para além dos limites deste progresso, encontram-se também medos e por vezes prostrações, decepções e até regressões neste entusiasmo. Em nome da Igreja experiente em humanidade, reproponho, por toda a parte por onde vou, as perguntas fundamentais: que progresso procurais? Que necessidades do homem quereis satisfazer? Que homem quereis formar? Interrogo aqui os cristãos, mas também todos os homens de boa vontade. Porque todos sentem a imperiosa necessidade de guiar este desenvolvimento.

O homem africano, como aliás os outros, mas com as suas características particulares e a um grau intenso, tem necessidade de um espaço de liberdade, de criatividade e, ao mesmo tempo, tem um sentido comunitário muito profundo, na família, na tribo, na etnia. Sem o calor da amizade, ele definha-se. O anonimato de algumas cidades, o estar longe dos seus, são para ele particularmente deprimentes e degradantes.

Para ele, os problemas da fome estão longe de ser resolvidos em numerosas regiões da África, sobretudo quando a calamidade da seca ou as repercussões horríveis das guerras vêm juntar-se a este drama. Mas ele aspira também a ser mais bem considerado, mais respeitado no seu ser africano, mais estimado nos seus valores.

Ele tem necessidade de instrução para desenvolver o seu espírito e preparar-se para um ofício interessante e útil ao seu país. E ainda, é preciso ele atingir uma maturação que se harmonize com a sua cultura tradicional.

Ele tem um sentido agudo da justiça, e quer viver na paz. A vida humana é para ele um grande dom de Deus. Todos aqueles que instigam nele a oposição racial ou ideológica, e mesmo o ódio, a guerra e o desejo de extermínio, fazem pensar nos maus pastores dos quais falava Cristo, que vinham decapitar e destruir, em vez de construir e de favorecer a vida.

O homem africano tem sobretudo o pleno sentido do mistério, do sagrado, do absoluto. Mesmo que este instinto tenha necessidade por vezes de ser purificado e elevado, é uma riqueza invejável. Ele aspira, pois, a viver, de acordo com o Senhor da Natureza, livre dos temores alienantes, e está disposto a entrar em comunhão profunda com o Deus de paz.

Acrescentemos uma última observação: aquilo que era relativamente fácil de resolver a nível de povoação, de tribo, de etnia, agora deve encontrar a sua solução humana em relações muito mais vastas, a nível nacional e mesmo internacional. É um programa difícil, que exige uma ética transposta. Trata-se da qualidade dos homens e da sua civilização.

Eis, evocados em grandes linhas, os pontos que me parecem mais importantes para os nossos amigos africanos. Quer dizer que, perante os modelos de sociedade que lhes apresentam os outros países, é normal que os Africanos desconfiem de um "humanismo" redutor. De bom grado, eles aceitarão o mútuo auxilio fraterno, humanitário, económico e cultural, de que certamente precisam, mas no respeito da sua dignidade e do seu ideal; e querem ser reconhecidos como capazes de dar aos outros o melhor de si mesmos.

Espero que estas preocupações sejam compartilhadas por um grande número de homens de boa vontade em todo este continente. Aqueles que adoram a Deus com sinceridade deveriam ser particularmente sensíveis a estes votos que atingem a Sua vontade. Aqueles que compartilham a fé cristã nela encontram o estímulo mais forte para servir assim o homem, ao qual Cristo se identificou, e para servir a Cristo no homem. Quanto aos filhos da Igreja católica, tenho a certeza de que empregarão todas as suas forças na promoção deste desenvolvimento integral.

A todos, os meus votos calorosos de felicidade e de paz! O meu adeus de hoje não é senão um até à vista. Deus abençoe a África e todos os seus habitantes!

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO CHEGAR EM ROMA


DA VIAGEM APOSTÓLICA À ÁFRICA


Aeroporto Leonardo da Vinci, Fiumicino

Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1982



1. Agradeço-lhe vivamente, Senhor Presidente do Conselho dos Ministros, as cordiais expressões de saudação que me dirigiu, também em nome do Presidente da República e do Governo Italiano, à minha chegada à Itália, depois da peregrinação entre as caras populações da Nigéria, de Benim, do Gabão e da Guiné Equatorial, e as considerações com as quais tão gentilmente se dignou comentar alguns dos mais significativos aspectos da mesma peregrinação.

Agradeço ao mesmo tempo aos Membros do Sacro Colégio dos Cardeais aqui presentes, como também aos Membros do Corpo Diplomático, ao Presidente da Câmara de Roma e a todas as outras Autoridades da Província e da Região. Um grato pensamento exprimo-o igualmente aos representantes da Imprensa, da Rádio e da Televisão por me terem acompanhado com a costumada diligência nestes dias, e também aos directores, aos pilotos e a todo o pessoal das Companhias Alitália, Linha Aérea da Guiné Equatorial, da Nigéria e Air Gabão, as quais se empenharam para que os voos fossem seguros e confortáveis. Estou reconhecido de modo especial a quantos me acompanharam com as suas orações para obter do Senhor bom êxito nesta minha segunda viagem missionária em terra africana.

2. Conservo no meu coração a grande lembrança desta breve mas emocionante e intensa permanência naqueles Países ricos de belezas naturais, de antigas tradições culturais, mas sobretudo de vivos impulsos destinados a facilitar-lhes um desenvolvimento espiritual, social e económico cada vez maior. Estou reconhecido às Autoridades civis e aos meus irmãos no episcopado pelo cordial acolhimento e a cuidadosa atenção dedicada à minha pessoa e pela boa organização que souberam assegurar durante as várias manifestações religiosas.

O meu pensamento grato vai também para as Comunidades muçulmanas, às quais desejei manifestar os meus sentimentos de amizade e a disponibilidade da Igreja Católica para um diálogo respeitoso e leal; para os Expoentes das Igrejas separadas que encontrei generosamente empenhados na busca dos caminhos aptos para levar à plena unidade na única Igreja de Cristo.

3. Os mais de 14.000 quilómetros, percorridos nestes dias, permitiram-me tomar conhecimento directo da realidade humana e cristã dos Países visitados nas cidades de Lagos, Enugu, Onitsha, Kaduna, Ibadan, Cotonou, Libreville, Malabo e Bata: das dificuldades em que os respectivos Países ainda se debatem, mas também da forte vontade daqueles povos, de construir um amanhã melhor mediante um generoso esforço a nível nacional e mediante a cooperação internacional. Pude mais uma vez observar com viva satisfação como o fundamento, ou melhor o cimento unificador das populações africanas, mesmo daquelas aonde ainda não chegou a voz do Evangelho, são uma visão espiritual da vida, a ideia da Divindade como causa primeira de todas as coisas, a necessidade de respeito da dignidade do homem e o sentido da família. Mas o que me confortou ainda mais foi notar que o próprio fermento evangélico consegue vivificar cada vez mais os valores da tradição africana e assegurar ao mesmo tempo o desenvolvimento, o renovamento e o aperfeiçoamento. Por isso muito se deve à obra, não raro heróica, dos missionários que trabalharam generosamente para espalhar a semente do Reino de Deus — e que ainda oferecem um precioso contributo às Igrejas locais — mas não pouco mérito há-de ser reconhecido também à pronta correspondência da alma africana, mais do que nunca aberta ao seu florescimento e à sua frutificação.

4. A viagem apostólica, como de resto as que a precederam, pretendeu espalhar ulteriormente esta semente, num momento tão significativo para a história religiosa e civil daqueles Países. Fui para proclamar o Evangelho de Jesus Cristo; para celebrar na alegria com aqueles fiéis a comunhão na Igreja católica; para dar testemunho àquela luz que ao homem faz descobrir Deus e a si próprio; o seu destino eterno daquilo que torna humana, e digna de ser vivida, a sua vida terrena: no respeito dos seus direitos inalienáveis, na justiça, na liberdade, na paz. E no amor.

Estou de facto convencido que à luz do Evangelho, não só os problemas espirituais, mas também os sociais que atormentam os povos podem encontrar a necessária solução.

Mediante a comunhão do poder do Evangelho de Cristo as Igrejas locais devem constantemente reforçar-se e tornar-se cada vez mais comunidades de fé, nas quais e graças às quais os pobres e os que sofrem, os oprimidos e as vítimas da prepotência, os refugiados encontrem amor fraterno, solidariedade e amparo.

5. Fecunde o Senhor Jesus estas intenções e estes votos e continue a assistir e a proteger as dilectas populações que tive a alegria de visitar, como também as do Continente Africano inteiro, oprimido por tantos problemas, mas ao mesmo tempo tão rico de promessas e de esperanças para o futuro.

Para elas, para vós aqui presentes, como igualmente para todo o povo italiano invoco copiosos dons de prosperidade e de paz, em penhor dos quais, ao renovar o meu agradecimento a todos vós, concedo de coração a minha Bênção.

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS PARTICIPANTES NA CONFERÊNCIA PROMOVIDA

PELA "UNIÃO MUNDIAL DEMOCRÁTICO-CRISTÃ"


Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1982



Senhoras e Senhores

Desejo boas-vindas a todos vós, membros e representantes da União Mundial Democrático-Cristã: vós que tendes responsabilidades políticas nos governos e nos parlamentos das vossas respectivas nações; vós que, de modos diversos, representais os vossos países nos conselhos internacionais e continentais; vós todos que aceitastes e continuais a aceitar a participação activa na acção política no âmbito da democracia e inspirando-vos nos princípios cristãos.

1. Desejo em primeiro lugar exprimir-vos a minha estima e o meu encorajamento para as responsabilidades que assumis. A vossa tarefa não consiste porventura em contribuir para a construção, ao nível dos instrumentos jurídicos ou das decisões políticas, de uma ordem de justiça entre os homens e as mulheres no interior das sociedades que para isso vos elegeram livremente ou que vós quereis servir com este propósito, e também entre os Estados que formam juntos a comunidade das nações? A protecção da vida de cada cidadão, da sua dignidade, dos seus direitos invioláveis, como também a busca do bem comum da sociedade, são estas as duas pedras-de-toque de um digno exercício do poder. A democracia exige que este seja desempenhado "com a participação moral da sociedade ou do povo" (cf. Encíclica Redemptor Hominis RH 17), no interesse do conjunto dos cidadãos e respeitando as suas liberdades fundamentais. É de igual modo o que se adequa a um espírito cristão, com profunda solicitude pelo bem comum, e a preocupação de preparar leis justas, isto é que estabeleçam relações mais equitativas entre os cidadãos, mas também encoragem os valores humanos e garantam as exigências éticas da ordem moral. Tudo isto requer clarividência, competência, honestidade, desinteresse e coragem. Isto é a grandeza do vosso compromisso.

2. Mas hoje não quero deter-me sobre isto. Porque penso no tema tão actual tratado pela conferência internacional que vos reúne aqui nestes dias: "O terrorismo, a violência politica e "a defesa da democracia e dos direitos humanos".

Sentimos de facto esta exigência de responsabilidade de modo particularmente agudo quando devemos enfrentar o fenómeno insensato do terrorismo no Estado e para além das fronteiras do Estado. O terrorismo é a antítese de tudo o que procurais promover como democratas e como cristãos. O terrorismo é o oposto da lei e da razão. O terrorismo procura mutilar e destruir as pessoas e a sociedade com actos que são fundamentalmente actos de violação: violação dos valores humanos garantidos pelas leis e também violação da dignidade e da vida humana (cf. o meu discurso à União dos Juristas Católicos Italianos, 6 de Dezembro de 1980).

3. Mas antes de tudo, o que é que dá ao terrorismo de hoje a sua extensão, o seu impacto, o seu carácter tão perigoso e tão inquietante? As análises do fenómeno certamente não faltam, e não posso retomá-las aqui de modo exaustivo.

Todo o mundo verifica em primeiro lugar que os terroristas podem dispor hoje de armas temíveis que arranjam com demasiada facilidade. Isso favorece a sua obra destruidora, mas não basta para explicar as raízes do fenómeno nem a sua gravidade.

Há sobretudo o facto que o terrorismo pôde tornar-se uma arma psicológica eficaz, graças à repercussão imediata e universal que lhe dão os mass media, achando sua obrigação publicar a notícia.

Mais profundamente, ficaria por explicar porque é que seres humanos como nós recorrem a este meio lamentável. Impulsos de violência dormem desde sempre no coração dos homens, como também impulsos de paz, de amor; sem dúvida os primeiros são mais acesos hoje. Será a recrudescência das injustiças ou a tomada de consciência das mesmas que suscita tão violentas reacções? Mas como pode a causa invocada justificar o método? Há sobretudo a difusão cada vez mais frequente das ideologias de violência, de luta de ódio, que deformam a consciência ao ponto de tirar todo o escrúpulo àqueles que ordenam ou realizam estes actos bárbaros, ainda mais, que os levam a justificar-se, a gloriar-se como se fosse um dever ou uma boa acção. O mal é profundo no pensamento e no coração do homem.

Há por fim a cumplicidade de toda uma organização internacional de terrorismo, que encontra apoios ou incitamentos secretos nesta ou naquela força.

Existem sem dúvida muitas espécies de terroristas. Alguns invocam a justiça de uma causa que não chega a fazer-se compreender convenientemente pelos meios pacíficos, ou os direitos de povos que foram gravemente lesados no passado ou no presente, e tomam por alvo as pessoas ou as instituições simbólicas, não raro fora do seu país. Outros querem francamente criar o pânico para destruir as bases da sociedade do próprio país por eles considerado injusto e decadente, mas sem algum respeito pelas instituições democráticas existentes e sem algum espírito construtivo.

4. Depois da análise sumária destas raízes, causas ou pretextos, é tempo de fazer a apreciação ética do comportamento terrorista.

Quaisquer que possam ser as raízes da acção terrorista, quaisquer que possam ser as tentativas de justificação, não podemos deixar de repetir ainda e sempre: o terrorismo não é nunca justificado numa sociedade civil. É um retorno sofisticado à barbárie, ao anarquismo. É sempre manifestação de ódio, de confusão ideológica, com o propósito de semear a incerteza, o medo, na vida nacional e internacional (cf. o meu discurso à Cúria Romana, 22 de Dezembro de 1981, n. 12). Quer justificar o seu fim — e por vezes um miserável fim — com meios indignos do homem. Atribui as culpas aos bens e a um património precioso, sem respeito algum pelos direitos que sobre eles têm legitimamente as pessoas ou a sociedade. Sobretudo — e isto não pode ser admitido sob pretexto algum — atacam cobardemente, sob forma de rapto, de tortura ou de assassínio, a liberdade e a vida humana de inocentes sem defesa, que nada têm a ver com a causa invocada ou que são apenas o símbolo de uma responsabilidade ou de um poder que eles contestam.

5. Quando pensamos no número de pessoas inocentes. Chefes de Estado, homens políticos, polícias, industriais, chefes sindicais ou personalidades religiosas, pessoas, todas elas, que deram o próprio contributo à sociedade mediante as suas responsabilidades e que foram vítimas do terrorismo, ficamos pelo menos atónitos com estes crimes. Quando vemos como o edifício da sociedade, tão pacientemente construído, conservado com tanto zelo por honestos cidadãos e chefes responsáveis, pode ser saqueado e destruído, temos pois verdadeiramente razão para nos alarmar. Quando consideramos o facto de que estes actos de terrorismo não se limitam apenas a um país, mas parecem o fruto de uma rede insidiosa com intrigas e fins internacionais, então devemos lançar audazmente o desafio e, em nome de todos os povos, unirmo-nos para vencer as forças do ódio e do mal e evitar que elas substituam a ordem da justiça, os pacientes caminhos da negociação racional e a busca difícil da democracia mediante um sistema de regulamento de contas arbitrárias que se aparenta com o da floresta.

A violência não gera senão a violência. Em última instância, o terrorismo destrói-se a si mesmo, porque no seu ódio cego e insensato, traz os germes da própria destruição. Entretanto, devemos apressar-lhe a derrota e a conversão dos seus adeptos colaborando todos para isso, cada um no seu próprio nível de responsabilidade.

6. Não basta, de facto, observar e lamentar-se. É necessário lançar o desafio. É necessário agir, agir eficazmente. É necessário levar a este mal que mina as nossas sociedades um remédio adequado, e isto a vários níveis.

Ao nível internacional, é preciso fazer progredir a solidariedade entre os Estados para que seja unanimemente desmascarado, denunciado, condenado e sancionado todo o acto de terrorismo, quaisquer que sejam os pretextos invocados. É um método selvagem, inumano, que deve ser totalmente banido. E o Estado que encoraja tal método e se torna cúmplice dos instigadores do mesmo desqualifica-se para falar de justiça diante do mundo.

Ao nível de cada sociedade, é também necessário levar remédios correspondentes a uma análise lúcida das causas do terrorismo. Certamente, é mais necessário do que nunca — graças às leis, aos decretos e às medidas de segurança apropriadas que fazem parte do campo da vossa responsabilidade — proteger a vida e os direitos dos indivíduos inocentes, como também os legítimos direitos das instituições democráticas, e portanto prevenir e pôr fora de combate aqueles que tomaram a decisão de não os respeitar. Mas, embora levando em conta as subversões vindas do estrangeiro, é necessário perguntar-mo-nos porque é que o terrorismo continua a recrutar tantos adeptos entre os homens e as mulheres desta geração. É preciso fazer tudo a fim de prestar atenção aos direitos que possam ter sido lesados, para estabelecer ou restabelecer relações equitativas entre os diversos componentes da sociedade, a fim de cumprir um serviço honesto em todas as escalas, e de modo especial junto daqueles que detêm o poder, que desejam assumir ou conservar responsabilidades politicas. Assim poderemos tirar aos terroristas os pretextos que eles apresentam para atrair determinados simpatizantes.

E ao mesmo tempo, embora mantendo uma justa liberdade de opinião, é necessário criar um clima tal que os educadores, os professores e os publicistas deixem de atiçar o ódio, de apresentar a violência como um remédio, de menosprezar os direitos dos outros, de deixar crer que só uma destruição radical da sociedade pode permitir que se encontre uma sociedade mais humana. Os terroristas de hoje não são em parte o fruto de uma certa educação? É necessário suscitar educadores que aprendam a construir dia a dia, com meios pacíficos e segundo uma autêntica responsabilidade, uma sociedade mais justa.

Sim, em definitivo, a melhor resposta à violência política é sempre e era toda a parte um tipo de sociedade onde as leis sejam justas, onde o governo faça tudo para satisfazer as legitimas necessidades das populações e onde os cidadãos possam, com segurança e paz, viver juntos e construir o seu próprio futuro e o dos seus compatriotas.

7. Uma sociedade assim requer certamente uma honestidade muito grande em todos os níveis, como eu já mencionei.

Da parte dos que governam, em primeiro lugar. Porque, sem esta probidade de carácter nos chefes políticos, todos os actos do governo se tornam rapidamente suspeitos e deterioram a atmosfera social, É desnecessário sublinhar que esta honestidade, esta lealdade e este desinteresse dizem respeito não só aos governantes mas igualmente aos parlamentares, aos funcionários das diversas instituições, e também, a título particular, às pessoas empenhadas no campo da informação a todos os níveis. Os cidadãos têm direito, de facto, à honestidade dos seus responsáveis; têm direito à verdade, a uma verdade isenta de alteração e de manipulação. As mentiras, as insinuações tendenciosas, as afirmações falsas despedaçam a sociedade e preparam o terreno, de longe ou de perto, para a acção absolutamente insensata dos terroristas.

8. Esta obra capital e permanente de sanear e aperfeiçoar o funcionamento das esferas de governo de todas as nações ao serviço do povo, apesar das incompreensões, as críticas ou as violências injustificadas, comporta grandes exigências de tenacidade e de sangue-frio, que são admiráveis e poderiam mesmo desencorajar aqueles que lhes consagram generosamente o próprio talento e a própria vida! Sabemos que a palavra "desencorajamento" não é digna do homem, e ainda menos do cristão. Nos dias sucessivos ao acontecimento de 13 de Maio e durante a minha longa convalescença, meditei muito sobre o mistério do mal, da sua expansão algumas vezes tão contagiosa, mas igualmente — e o número incalculável de testemunhos de simpatia que recebi ajudaram-me nisso — sobre o mistério, mais extraordinário ainda, da solidariedade dos homens no bem, na construção e na reconstrução de uma sociedade e de uma civilização fundada sobre o amor e a partilha. E a frase bem incisiva do Apóstolo Paulo vinha-me frequentemente à memória: "Não te deixes vencer pelo mal; vence antes o mal com o bem" (Rm 12,21).

Caros amigos, quereria que partísseis do vosso congresso romano e deste encontro com renovadas convicções e energias. Se todos aqueles que têm responsabilidades nos diversos níveis da vida de cada nação ou da vida internacional anuem finalmente em dar-se as mãos para constituir uma cadeia de solidariedade que tenha por objectivo fazer desaparecer a praga abominável do terrorismo e evitar todas as causas de reaparecimento do mesmo, então podemos crer no futuro do mundo e no advento de uma civilização verdadeiramente humana. E dado que me dirijo a cristãos, invoco, para vós e convosco, a luz e o poder de Deus para avançar corajosa e serenamente pelos caminhos do que. na verdade, se pode chamar paz, liberdade, responsabilidade, democracia e justiça, e de todo o coração vos abençoo.

Discursos João Paulo II 1982 - Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 1982