Discursos João Paulo II 1982 - Terça-feira, 27 de Fevereiro de 1982

Março de 1982


PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCERRAMENTO DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS


À CÚRIA ROMANA


Sábado, 6 de Março de 1982



Gloria Tibi Verbum Dei. São as palavras que repetimos durante a Quaresma, repetimo-las todos os dias, e queremos repeti-las especialmente hoje: Gloria Tibi Verbum Dei.

É significativo que estas palavras na liturgia sejam reservadas à Quaresma. Talvez isto derive de uma antiga tradição catecumenal: a Quaresma era, de modo particular nos primeiros séculos, um tempo muito intenso do catecumenato, tempo em que abundante era a Palavra de Deus. Talvez a nossa tradição contemporânea de fazer os Exercícios Espirituais durante a Quaresma seja em si um eco, ou melhor, uma continuação daquela tradição dos primeiros séculos e das primitivas gerações cristãs.

Gloria Tibi Verbum Dei dizemos no término destes nossos Exercícios Espirituais para louvar a Palavra de Deus, da qual nos tornámos abundantemente participantes. E neste momento pensamos na Palavra de que fala o Profeta Isaías: a palavra saída da minha boca que não voltará para mim sem efeito. Eis o texto mais completo: "Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não voltam sem ter regado a terra, sem a ter fecundado, e feito germinar as plantas, sem dar o grão a semear e o pão a comer, assim acontece à palavra que a minha boca profere: não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter executado a minha vontade e cumprido a sua missão" (Is 55,10-11).

Neste momento quero exprimir ao nosso pregador o reconhecimento de todos nós que participámos nestes Exercícios Espirituais no Vaticano. Certamente Isaías nos fala de um só semeador que é Deus, mas sabemos que Deus falou e fala por meio da boca dos homens. Aqueles que falam em nome de Deus, que falam pela abundância da Palavra, são os semeadores desta mesma Palavra. Queremos agradecer-lhe, nosso semeador. Devo confessar que no início destes Exercícios Espirituais senti um certo remorso de consciência pensando nos seus trabalhos e nos seus tantos anos, mas o senhor nos edificou com a sua juventude: não se viam os seus anos, via-se um jovem e como a Palavra de Deus, vivida profundamente como o senhor a vive, rejuvenesce do mesmo modo que o Espírito de Deus rejuvenesce o espírito humano e também o corpo, e os anos não se contam mais. Agradeço-lhe, Padre, Professor, por esta tarefa que o senhor quis aceitar e realizar durante estes dias com tanto fruto espiritual. Agradecemos-lhe esta catequese quaresmal magnifica, esta catequese tão profundamente bíblica, em que a Bíblia foi escutada em cada momento. Tudo era permeado profundamente da Bíblia, da Palavra de Deus estudada, cientificamente estudada, meditada e vivida. O senhor fez que a Palavra de Deus se aproximasse de nós; aproximou-nos da Palavra de Deus, da sua originalidade, da sua força e beleza. Tudo isto foi-nos mostrado com as suas palavras, com o seu semear. Por isto agradecemos-lhe. Somos-lhe gratos porque, sendo Professor, foi para nós pregador e pastor; sendo douto em todos os momentos do seu trabalho, foi para nós apóstolo e mostrou-nos aquela função profética que é própria do Povo de Deus, está no íntimo do Povo de Deus, especialmente de nós Bispos e Sacerdotes, e de um modo ainda mais específico no íntimo de vós Teólogos. Agradecemos-lhe, Professor, nosso caríssimo pregador dos Exercícios Espirituais de 1982 no Vaticano. Agradecemos ao Senhor por ter dado as forças necessárias para cumprir este dever tão importante.

Gloria Tibi Verbum Dei. Se algo devemos augurar ao nosso pregador, a nós todos, penso que este augúrio se encontre já nas palavras de Isaías: não voltará sem ter produzido o seu efeito, sem ter executado a minha vontade e cumprido a sua missão. Eis os nossos votos mútuos, o nosso augúrio recíproco. Fazemo-lo uns aos outros, na profundidade da nossa fraterna comunhão. Fazemo-lo também, certamente, ao nosso pregador. E este augúrio faz-se oração; rezemos para que assim seja: Gloria Tibi Verbum Dei.

PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 10 de Março de 1982



(Antes da Catequese de 10 de Março o Papa recebeu os jovens na Basílica Vaticana)



O valor especial da virgindade e do celibato

1. Começamos hoje a reflectir sobre a virgindade ou celibato "para o reino dos céus".

A questão da chamada a uma exclusiva doação de si a Deus na virgindade e no celibato mergulha profundamente as raízes no solo evangélico da teologia do corpo. Para acentuar as dimensões que lhe são próprias, é necessário ter presentes as palavras com que se referiu Cristo ao "principio", e também aquelas com que Ele apelou para a ressurreição dos corpos. A verificação "quando ressuscitarem dentre os mortos..., não tomarão mulher nem marido" (Mc 12,25) indica que há uma condição de vida isenta de matrimónio, em que o homem, varão e mulher, encontra ao mesmo tempo a plenitude da doação pessoal e da intersubjectiva comunhão das pessoas, graças à glorificação de todo o seu ser psicossomático na união perene com Deus. Quando a chamada à continência "para o reino dos céus" encontra eco na alma humana, nas condições da temporalidade, isto é nas condições em que as pessoas ordinariamente "tomam mulher e tomam marido" (Lc 20,34), não é difícil captar nisso uma particular sensibilidade do espírito humano, que já nas condições da temporalidade parece antecipar aquilo de que o homem se tornará participante na ressurreição futura.

2. Todavia deste problema, desta particular vocação, não falou Cristo no contexto imediato da Sua conversa com os Saduceus (cf. Mt Mt 22,23-30 Mc 12,18-25 Lc 20,27-36), depois de se referir à ressurreição dos corpos. Mas tinha falado dele (já antes) no contexto da conversa com os Fariseus sobre o matrimónio e sobre as bases da sua indissolubilidade, quase como prolongamento daquela conversa (cf. Mt Mt 19,3-9). As Suas palavras de conclusão dizem respeito à chamada carta de repúdio, consentida por Moisés nalguns casos. Cristo diz: "Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. Ora Eu digo-vos: Se alguém repudiar sua mulher — excepto em caso de adultério — e casar com outra, comete adultério" (Mt 19,8-9). Então os discípulos que — segundo se pode deduzir do contexto — estavam atentos a ouvir aquela conversa e em particular as últimas palavras pronunciadas por Jesus, dizem-lhe assim: "Se essa é a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se" (Mt 19,10). Cristo dá-lhes a seguinte resposta: "Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens, e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos por amor do reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda" (Mt 19,11-12).

3. Em relação com esta conversa, referida por Mateus, pode-se fazer a pergunta: Que pensavam os discípulos quando, depois de ouvirem a resposta dada por Jesus aos Fariseus sobre o matrimónio e a sua indissolubilidade, exprimiram a própria observação: "Se essa é a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se"? Em qualquer caso, Cristo julga a circunstância oportuna para lhes falar da continência voluntária para o Reino dos céus. Dizendo isto, não toma directamente posição a respeito do enunciado dos discípulos, nem fica na linha do arrazoado deles (1). Por isso não responde: "é conveniente casar-se" ou "não é conveniente casar-se". A questão da continência para o Reino dos céus não é contraposta ao matrimónio, nem se baseia num juízo negativo a respeito da sua importância. Cristo, aliás, falando precedentemente da indissolubilidade do matrimónio, tinha-se referido ao "princípio", isto é ao mistério da criação, indicando assim a primeira e fundamental fonte do seu valor. Por conseguinte, para responder à pergunta dos discípulos, ou antes para esclarecer o problema por eles referido, Cristo recorre a outro princípio. Não pelo facto de "não ser conveniente casar-se", ou seja pela razão de um suposto valor negativo do matrimónio, é observada a continência por aqueles que na vida fazem tal opção "para o Reino dos céus", mas em vista do particular valor que está ligado com tal escolha e é necessário pessoalmente descobrir e adoptar como própria vocação. E por isso diz Cristo: "Quem puder compreender, compreenda" (Mt 19,12). Pelo contrário imediatamente antes diz: "Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado" (Mt 19,11).

4. Como se vê, Cristo, na Sua resposta ao problema que Lhe foi apresentado pelos discípulos, indica claramente uma regra para compreender as Suas palavras. Na doutrina da Igreja vigora a convicção de estas palavras não exprimirem um mandamento que obriga a todos, mas um conselho que diz respeito só a algumas pessoas (2): aquelas precisamente que são capazes "de compreendê-lo". E são capazes "de compreendê-lo" aqueles "a quem isso é dado". As palavras citadas indicam com clareza o momento da opção pessoal e simultaneamente o momento da graça particular, isto é do dom que o homem recebe para fazer tal opção. Pode dizer-se que a opção da continência pelo Reino dos céus é orientação carismática para aquele estado escatológico, em que não se tomará "mulher nem marido": todavia, entre aquele estado do homem na ressurreição dos corpos e a voluntária opção da continência para o Reino dos céus na vida terrena e no estado histórico do homem caído e remido, existe uma diferença essencial. Aquele "não desposar-se" escatológico será um "estado", isto é ò modo próprio e fundamental da existência dos seres humanos, varões e mulheres, nos seus corpos glorificados. A continência para o Reino dos céus, como fruto de uma opção, é uma excepção a respeito do outro estado, isto e daquele de que o homem "desde o princípio" se tornou e se mantém participante no curso de toda a existência terrena.

5. É muito significativo não ligar Cristo directamente as Suas palavras sobre a continência para o Reino dos céus com o anúncio do "outro mundo", em que "não tomarão mulher nem marido" (Mc 12,25). As Suas palavras, pelo contrário, encontram-se — como já dissemos — no prolongamento da conversa com os Fariseus, em que Jesus apelou "para o princípio", indicando a instituição do matrimónio por parte do Criador e recordando o carácter indissolúvel que, no desígnio de Deus, corresponde ã unidade conjugal do homem e da mulher.

O conselho e portanto a escolha carismática da continência para o Reino dos céus ligam-se, nas palavras de Cristo, com o máximo reconhecimento da ordem "histórica" da existência humana, reconhecida à alma e ao corpo. Com base no imediato contexto das palavras sobre a continência para o Reino dos céus na vida terrena do homem, é necessário ver na vocação para tal continência um tipo de excepção ao que é de preferência uma regra comum desta vida. Cristo põe em relevo sobretudo isto. Que depois tal excepção encerre em si a antecipação da vida escatológica privada de matrimónio e própria do "outro mundo", (isto é do período final do "Reino dos céus"), Cristo não fala disso aqui directamente. Trata-se, na verdade, não da continência no Reino dos céus, mas da continência "para o Reino dos céus". A ideia da virgindade ou do celibato, como antecipação e sinal escatológico (3), deriva da associação das palavras aqui pronunciadas com as que Jesus proferirá noutra circunstância, ou seja na conversa com os Saduceus, quando proclamar a futura ressurreição dos corpos.

Retomaremos este tema no decurso das próximas reflexões das quartas-feiras.
* * *


Notas

1) Sobre os problemas mais pormenorizados da exegese deste trecho, ver por exemplo L. Sabourin, II vangelo di Matteo. Teologia e Esegesi, vol. II, Roma 1977 (Ed. Paoline), pp. 834-836; The positive Values of Consecrated Celibacy, em "The Way", Supplement 10, Summer 1970, p. 51; J. Blinzler, Eisin eunuchoi. Zur Auslegung von Mt. 19, 12. "Zeitsch-rifl fiir die Neutestamentliche Wisscn-schaft" 48 (1957) 268 ss.

2) "A santidade da Igreja é também especialmente favorecida pelos múltiplos conselhos que o Senhor propõe no Evangelho aos Seus discípulos. Entre eles sobressai o precioso dom da graça divina, dado pelo Pai a alguns (cf. Mt Mt 19,11 1Co 7,7), para se consagrarem só a Deus, na virgindade ou no celibato" (Lumen Gentium LG 42).

3) Cf. por exemplo. Lumen Gentium, 44; Perfectae Caritatis, 12.


Oração à Rainha da Polónia


Senhora de Jasna Góra, Mãe da minha Pátria!

Desejo hoje recomendar-Te os problemas expressos pelos Bispos Polacos no comunicado final da última conferência.

Eles encaram com a maior solicitude a situação em que se veio a encontrar o nosso país, e eu compartilho esta solicitude com eles e manifesto-a diante de Ti, Mãe. Manifesto-a também diante da Igreja e do mundo — como também manifesto outras solicitudes, de que os Pastores dos Países e das Nações mais ameaçadas falam em voz alta.

As difíceis provas históricas e contemporâneas da minha Pátria ensinaram-me a sentir ainda mais os sofrimentos das outras nações.

É necessário que no mundo cresça a solidariedade dos homens e a solidariedade dos povos, porque só ela pode quebrar o ódio, as hostilidades e as ameaças de dimensões inter-humanas e internacionais.

É necessário também que a Igreja seja solidária antes de tudo com aqueles que se encontram em necessidade, que sofrem — como sofrem inúmeros dos meus compatriotas em consequência do estado de guerra e da situação criada juntamente com ele.

Sinto-me contente por os Bispos Polacos encontrarem nesta situação a luz para eles e para a nação no ensinamento do Concílio, ao qual se referem.

Juntamente com eles exprimo a convicção — e exponho-a com todo o coração a Ti, Mãe da minha Pátria:

— que unicamente com a força física, mesmo que seja a maior, não se podem resolver honestamente e de modo duradouro os problemas da vida estatal; e

— que é indispensável, particularmente no actual momento histórico, o entendimento social baseado na verdade, na justiça, na liberdade e no amor.

Senhora de Jasna Góra. Tu sabes melhor do que todos quantos milhões de corações polacos desejam aquela verdade, justiça, liberdade e amor.

Acolhe o brado destes corações e acolhe as palavras dos Pastores que hoje Te apresento com humildade e confiança. As forças do bem devem alcançar a vitória no País que há séculos Te reconhece como a sua Mãe e Rainha.



ENCONTRO COM OS JOVENS


NA BASÍLICA VATICANA




Caríssimos Jovens!

Sinto-me verdadeiramente contente de vos receber nesta Basílica de São Pedro, e dar as boas-vindas a todos vós, que viestes das Paróquias, das escolas e das associações de várias partes da Itália. A vossa presença é-me sempre grata, porque em vós estão representados e expressos todos aqueles valores humanos, espirituais e sociais que a Igreja não cessa de proclamar e promover, e sobretudo porque vós sois a confirmação visível e jovial da exuberante vitalidade da Igreja de hoje.

Aproveito de bom grado esta feliz oportunidade para vos dirigir uma breve mas vibrante exortação, inspirada no tempo sagrado da Quaresma que estamos vivendo.

A espiritualidade própria deste tempo do ano litúrgico é caracterizada pelo empenho em nos convertermos a nós mesmos e expiarmos as próprias culpas (e também as dos outros!). Este empenho requer o esforço de fazer prevalecer as exigências do espírito sobre as inclinações da carne e dar a supremacia à razão e à vontade sobre os comportamentos não raro contraditórios e volúveis da sensibilidade substraída a todas as normas. A Igreja chama-vos a uma milícia espiritual a fim de obterdes uma formação de jovens fortes, livres e responsáveis, como convém a autênticos seguidores de Cristo, e a fim de saberdes fugir às lisonjas do mundo e às insidias da chamada moral permissiva.

Portanto, não vos contrarie, sobretudo neste tempo de Quaresma, impor-vos a vós próprios maior vigilância, alguma abstinência e alguma abnegação para realizar fielmente aquelas pequenas coisas que amanhã vos poderão ajudar a empreender as grandes acções que talvez já sonheis. Não tenhais receio de vos treinar nesta palestra quaresmal que vos ensina a viver segundo os grandes ideais do Evangelho que revolucionaram o mundo.

Tudo isto pode resumir-se no trinómio: oração, sacrifício e estudo. De facto a oração é a alma de todo o empenho de perfeição; o sacrifício é a sua espinha dorsal e o estudo servir-vos-á a fim de vos preparardes para a vida e para dar provas da vossa fé a quem vo-lo pedir.

O Senhor esteja sempre convosco: vos ampare e vos dê a força para realizar estas sugestões e estes votos, que agora de bom grado corroboro com a minha Bênção Apostólica, que a vós concedo e às vossas famílias.



Saudações a grupos particulares

Na Audiência Geral de quarta-feira, 10 de Março

lizam uma obra tão bonita ao serviço da vida e das famílias, o dos estudantes e dos jovens. Saúdo por fim os oficiais da Região de Lião com as suas famílias. Oxalá a vossa permanência em Roma enriqueça a vossa cultura, os vossos espíritos e os vossos corações, e vos dê uma experiência mais universal da Igreja! Abençoo-vos a todos de coração.

Aos peregrinos italianos

Desejo dirigir, hoje, uma saudação particular aos Oficiais do Exército Italiano e de outras nações, os quais frequentam a escola militar de Civitavecchia. Com eles, saúdo também o Ordinário Militar, D. Gaetano Bonicclli.

Esta manhã, cm São Pedro, participastes, juntamente com as vossas famílias, também elas aqui presentes, na Celebração Eucarística que vos introduziu no clima da Páscoa.

O Senhor Ressuscitado, Vencedor dos poderes do mal e da morte, Príncipe da Paz, convida-vos a colaborar com Ele para fazer triunfar o bem sobre o mal, o amor sobre o ódio, a vida sobre a morte, a verdadeira paz. A paz é a condição indispensável para que a vida das pessoas seja preservada e se consolidem entre os povos relações de mútua colaboração, na busca do bem comum. Não vos deixeis nunca levar pelo enlevo da força e do

A 2* leitura, muito própria do ambiente deste domingo, constitui um hino de louvor em honra do Filho de Deus. Nele se evoca o mistério da humilhação e da exaltação de Cristo. O "homem das dores", que tomou a condição de escravo e obedeceu até à morte infamante, é o Senhor, diante de quem se dobram todos os joelhos. São Paulo sublinha o nexo entre a humilhação e a exaltação: "Por isso Deus O exaltou...". todo o segredo do Mistério Pascal, a dinâmica da Vida que desabrocha da Morte.

Finalmente, o evangelho da Paixão. No texto de São Marcos, lido este ano, abundam os pormenores concretos, fruto de testemunhas oculares. A narração começa com o episódio profético da mulher que perfumou os pés de Cristo. Daí, seguimos para o Cenáculo, onde, numa sala grande, alcatifada e pronta, Jesus celebra a primeira Eucaristia. Vêm depois as horas dolorosas de Getsémani, onde Cristo, sozinho, apesar da proximidade dos discípulos, reza ao Pai numa atitude misteriosa de repulsa e adesão. Segue-se a entrega pôr parte de Judas, a fuga dos amigos, o simulacro de julgamento, a condenação, o caminho do Calvário, a morte.

Acompanhando o desenrolar da acção, agradecemos a Cristo que Se entrega por nós e pedimos-Lhe que nos ajude a descobrir os momentos em que a Sua Paixão se repete na nossa vida. Olhando para as pessoas que intervêm nestas cenas movimentadas, fixamo-nos no modo de proceder dos amigos do Senhor: atitudes de medo, traição, negação, fuga... Não é assim ainda hoje? Que eco encontra em nós a proclamação da Paixão de Cristo, o Redentor que é também Rei e Senhor?

Depois de termos ouvido este evangelho de densidade invulgar, celebramos a Eucaristia. Nela se repete sacramental-mente e se torna actual para nós este mistério da Paixão e da Ressurreição. Por isso, na oração sobre as ofertas pedimos ao Pai que, pelo sacrifício de Jesus, nos conceda a graça da reconciliação, isto é, o abandono daquilo que em nós é mal e a participação na Sua vida divina.

Finalmente, na última oração, rogamos ao Pai que faça frutificar em nós o Mistério Pascal de Seu Filho. Depois de termos celebrado a Paixão, esperamos participar da Ressurreição, como o próprio Cristo nos prometeu. Ao fazermos este pedido, ao alimentarmos em nós esta esperança, implicitamente manifestamos a nossa boa vontade em vivermos de acordo com o Mistério que celebramos.


P. ROMANO

poder, que deriva dos instrumentos de destruição e de morte de que dispondes. Por este caminho, irmão contra irmão, pode-se chegar a suprimir quanto de mais

querido e belo o homem possui. * * *

A minha saudação dirige-se também aos peregrinos de Prato, acompanhados do Reitor do Santuário de "Santa Maria dei Giglio", e aos que provêm da paróquia florentina de Nosso Senhor Jesus Cristo Bom Pastor: de modo particular ao grupo de meninos do coro que, com a sua veste litúrgica, recordam a todos a alta dignidade do serviço que realizam.

A primavera, que começa este mês a ornamentar com cores maravilhosas a terra em que viveis, seja para todos vós o convite do Criador a fazer florescer as obras, ainda mais belas, da santidade, em continuidade cora a tradição que vos foi deixada pelos numerosíssimos Santos que

ornamentaram a vossa Região.

* * *

Quero, também, saudar todos os Doentes, sobretudo o grupo organizado pela UNITALSI de Santa Maria Capua Vetere.

Sede para todos um sinal vivo de uma realidade fundamental para o cristão: a cruz levada por amor do Senhor e dos irmãos, é o caminho para obter uma verdadeira e autêntica serenidade



PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 10 de Março de 1982



(Antes da Catequese de 10 de Março o Papa recebeu os jovens na Basílica Vaticana)



O valor especial da virgindade e do celibato

1. Começamos hoje a reflectir sobre a virgindade ou celibato "para o reino dos céus".

A questão da chamada a uma exclusiva doação de si a Deus na virgindade e no celibato mergulha profundamente as raízes no solo evangélico da teologia do corpo. Para acentuar as dimensões que lhe são próprias, é necessário ter presentes as palavras com que se referiu Cristo ao "principio", e também aquelas com que Ele apelou para a ressurreição dos corpos. A verificação "quando ressuscitarem dentre os mortos..., não tomarão mulher nem marido" (Mc 12,25) indica que há uma condição de vida isenta de matrimónio, em que o homem, varão e mulher, encontra ao mesmo tempo a plenitude da doação pessoal e da intersubjectiva comunhão das pessoas, graças à glorificação de todo o seu ser psicossomático na união perene com Deus. Quando a chamada à continência "para o reino dos céus" encontra eco na alma humana, nas condições da temporalidade, isto é nas condições em que as pessoas ordinariamente "tomam mulher e tomam marido" (Lc 20,34), não é difícil captar nisso uma particular sensibilidade do espírito humano, que já nas condições da temporalidade parece antecipar aquilo de que o homem se tornará participante na ressurreição futura.

2. Todavia deste problema, desta particular vocação, não falou Cristo no contexto imediato da Sua conversa com os Saduceus (cf. Mt Mt 22,23-30 Mc 12,18-25 Lc 20,27-36), depois de se referir à ressurreição dos corpos. Mas tinha falado dele (já antes) no contexto da conversa com os Fariseus sobre o matrimónio e sobre as bases da sua indissolubilidade, quase como prolongamento daquela conversa (cf. Mt Mt 19,3-9). As Suas palavras de conclusão dizem respeito à chamada carta de repúdio, consentida por Moisés nalguns casos. Cristo diz: "Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. Ora Eu digo-vos: Se alguém repudiar sua mulher — excepto em caso de adultério — e casar com outra, comete adultério" (Mt 19,8-9). Então os discípulos que — segundo se pode deduzir do contexto — estavam atentos a ouvir aquela conversa e em particular as últimas palavras pronunciadas por Jesus, dizem-lhe assim: "Se essa é a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se" (Mt 19,10). Cristo dá-lhes a seguinte resposta: "Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens, e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos por amor do reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda" (Mt 19,11-12).

3. Em relação com esta conversa, referida por Mateus, pode-se fazer a pergunta: Que pensavam os discípulos quando, depois de ouvirem a resposta dada por Jesus aos Fariseus sobre o matrimónio e a sua indissolubilidade, exprimiram a própria observação: "Se essa é a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se"? Em qualquer caso, Cristo julga a circunstância oportuna para lhes falar da continência voluntária para o Reino dos céus. Dizendo isto, não toma directamente posição a respeito do enunciado dos discípulos, nem fica na linha do arrazoado deles (1). Por isso não responde: "é conveniente casar-se" ou "não é conveniente casar-se". A questão da continência para o Reino dos céus não é contraposta ao matrimónio, nem se baseia num juízo negativo a respeito da sua importância. Cristo, aliás, falando precedentemente da indissolubilidade do matrimónio, tinha-se referido ao "princípio", isto é ao mistério da criação, indicando assim a primeira e fundamental fonte do seu valor. Por conseguinte, para responder à pergunta dos discípulos, ou antes para esclarecer o problema por eles referido, Cristo recorre a outro princípio. Não pelo facto de "não ser conveniente casar-se", ou seja pela razão de um suposto valor negativo do matrimónio, é observada a continência por aqueles que na vida fazem tal opção "para o Reino dos céus", mas em vista do particular valor que está ligado com tal escolha e é necessário pessoalmente descobrir e adoptar como própria vocação. E por isso diz Cristo: "Quem puder compreender, compreenda" (Mt 19,12). Pelo contrário imediatamente antes diz: "Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado" (Mt 19,11).

4. Como se vê, Cristo, na Sua resposta ao problema que Lhe foi apresentado pelos discípulos, indica claramente uma regra para compreender as Suas palavras. Na doutrina da Igreja vigora a convicção de estas palavras não exprimirem um mandamento que obriga a todos, mas um conselho que diz respeito só a algumas pessoas (2): aquelas precisamente que são capazes "de compreendê-lo". E são capazes "de compreendê-lo" aqueles "a quem isso é dado". As palavras citadas indicam com clareza o momento da opção pessoal e simultaneamente o momento da graça particular, isto é do dom que o homem recebe para fazer tal opção. Pode dizer-se que a opção da continência pelo Reino dos céus é orientação carismática para aquele estado escatológico, em que não se tomará "mulher nem marido": todavia, entre aquele estado do homem na ressurreição dos corpos e a voluntária opção da continência para o Reino dos céus na vida terrena e no estado histórico do homem caído e remido, existe uma diferença essencial. Aquele "não desposar-se" escatológico será um "estado", isto é ò modo próprio e fundamental da existência dos seres humanos, varões e mulheres, nos seus corpos glorificados. A continência para o Reino dos céus, como fruto de uma opção, é uma excepção a respeito do outro estado, isto e daquele de que o homem "desde o princípio" se tornou e se mantém participante no curso de toda a existência terrena.

5. É muito significativo não ligar Cristo directamente as Suas palavras sobre a continência para o Reino dos céus com o anúncio do "outro mundo", em que "não tomarão mulher nem marido" (Mc 12,25). As Suas palavras, pelo contrário, encontram-se — como já dissemos — no prolongamento da conversa com os Fariseus, em que Jesus apelou "para o princípio", indicando a instituição do matrimónio por parte do Criador e recordando o carácter indissolúvel que, no desígnio de Deus, corresponde ã unidade conjugal do homem e da mulher.

O conselho e portanto a escolha carismática da continência para o Reino dos céus ligam-se, nas palavras de Cristo, com o máximo reconhecimento da ordem "histórica" da existência humana, reconhecida à alma e ao corpo. Com base no imediato contexto das palavras sobre a continência para o Reino dos céus na vida terrena do homem, é necessário ver na vocação para tal continência um tipo de excepção ao que é de preferência uma regra comum desta vida. Cristo põe em relevo sobretudo isto. Que depois tal excepção encerre em si a antecipação da vida escatológica privada de matrimónio e própria do "outro mundo", (isto é do período final do "Reino dos céus"), Cristo não fala disso aqui directamente. Trata-se, na verdade, não da continência no Reino dos céus, mas da continência "para o Reino dos céus". A ideia da virgindade ou do celibato, como antecipação e sinal escatológico (3), deriva da associação das palavras aqui pronunciadas com as que Jesus proferirá noutra circunstância, ou seja na conversa com os Saduceus, quando proclamar a futura ressurreição dos corpos.

Retomaremos este tema no decurso das próximas reflexões das quartas-feiras.
* * *


Notas

1) Sobre os problemas mais pormenorizados da exegese deste trecho, ver por exemplo L. Sabourin, II vangelo di Matteo. Teologia e Esegesi, vol. II, Roma 1977 (Ed. Paoline), pp. 834-836; The positive Values of Consecrated Celibacy, em "The Way", Supplement 10, Summer 1970, p. 51; J. Blinzler, Eisin eunuchoi. Zur Auslegung von Mt. 19, 12. "Zeitsch-rifl fiir die Neutestamentliche Wisscn-schaft" 48 (1957) 268 ss.

2) "A santidade da Igreja é também especialmente favorecida pelos múltiplos conselhos que o Senhor propõe no Evangelho aos Seus discípulos. Entre eles sobressai o precioso dom da graça divina, dado pelo Pai a alguns (cf. Mt Mt 19,11 1Co 7,7), para se consagrarem só a Deus, na virgindade ou no celibato" (Lumen Gentium LG 42).

3) Cf. por exemplo. Lumen Gentium, 44; Perfectae Caritatis, 12.


Oração à Rainha da Polónia


Senhora de Jasna Góra, Mãe da minha Pátria!

Desejo hoje recomendar-Te os problemas expressos pelos Bispos Polacos no comunicado final da última conferência.

Eles encaram com a maior solicitude a situação em que se veio a encontrar o nosso país, e eu compartilho esta solicitude com eles e manifesto-a diante de Ti, Mãe. Manifesto-a também diante da Igreja e do mundo — como também manifesto outras solicitudes, de que os Pastores dos Países e das Nações mais ameaçadas falam em voz alta.

As difíceis provas históricas e contemporâneas da minha Pátria ensinaram-me a sentir ainda mais os sofrimentos das outras nações.

É necessário que no mundo cresça a solidariedade dos homens e a solidariedade dos povos, porque só ela pode quebrar o ódio, as hostilidades e as ameaças de dimensões inter-humanas e internacionais.

É necessário também que a Igreja seja solidária antes de tudo com aqueles que se encontram em necessidade, que sofrem — como sofrem inúmeros dos meus compatriotas em consequência do estado de guerra e da situação criada juntamente com ele.

Sinto-me contente por os Bispos Polacos encontrarem nesta situação a luz para eles e para a nação no ensinamento do Concílio, ao qual se referem.

Juntamente com eles exprimo a convicção — e exponho-a com todo o coração a Ti, Mãe da minha Pátria:

— que unicamente com a força física, mesmo que seja a maior, não se podem resolver honestamente e de modo duradouro os problemas da vida estatal; e

— que é indispensável, particularmente no actual momento histórico, o entendimento social baseado na verdade, na justiça, na liberdade e no amor.

Senhora de Jasna Góra. Tu sabes melhor do que todos quantos milhões de corações polacos desejam aquela verdade, justiça, liberdade e amor.

Acolhe o brado destes corações e acolhe as palavras dos Pastores que hoje Te apresento com humildade e confiança. As forças do bem devem alcançar a vitória no País que há séculos Te reconhece como a sua Mãe e Rainha.




Discursos João Paulo II 1982 - Terça-feira, 27 de Fevereiro de 1982