Discursos João Paulo II 1981 - Sexta-feira, 13 de Novembro de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DO SECRETARIADO PARA A UNIÃO DOS CRISTÃOS


Sala do Consistório, 13 de Novembro de 1981



Caros Irmãos no Episcopado
Caros Irmãos e Irmãs

Vivemos, desde o nosso último encontro a 8 de Fevereiro de 1980, muitos acontecimentos de natureza e de importância diversas; muitos tiveram dimensão ecuménica. Desejaria referir-me hoje a alguns dentre eles. Só quereria mencionar os encontros que tive com os nossos irmãos cristãos durante as minhas viagens à Africa, à França, ao Brasil, à Alemanha Federal e à Ásia. Permitiram eles trocas fraternais de ideias, ouvindo-nos assim mutuamente. Estas viagens deram-me também ocasião de insistir, junto dos católicos, na urgência da unidade inseparavelmente ligada à evangelização.

Mas, além destes encontros, tive aqui em Roma ensejo de tomar a altura da nossa actividade ecuménica: primeiramente a 28 de Junho de 1980, dirigindo-me ao colégio dos Cardeais e à Cúria romana. Não posso infelizmente retomar aqui todos os temas desse discurso nem, mostrar os progressos realizados desde esse momento nos diálogos então mencionados, em particular com a Aliança reformada e a Federação luterana.

Por outro lado, tinha eu então manifestado, entre outras, a esperança de encontrar-me com o Patriarca da Igreja da Etiópia. Esta esperança cumpriu-se no mês, passado, quando tive a alegria de receber Sua Santidade Tekle Haimanot, de conversar com ele e exprimir-lhe toda a nossa estima pela grande tradição da sua Igreja. Este primeiro encontro deveria marcar nova iniciativa para a colaboração tão necessária entre esta Igreja e os católicos da Etiópia.

Na mesma circunstância, previa que pudesse terminar o seu trabalho este ano a comissão internacional de diálogo com a Comissão anglicana. Posso dizer-vos que recebi um relatório importantíssimo e dele tomei conhecimento. Será necessário que seja atentamente estudado com toda a compreensão, que é devida ao resultado de um trabalho assíduo de mais de onze anos. Virá em seguida o momento de tomar posição a seu respeito e de ver quais as consequências que dele se poderão tirar.

Desejaria igualmente voltar a dois acontecimentos que tiveram, depois do nosso último encontro, uma dimensão ecuménica particular.

A 31 de Dezembro, os santos Cirilo e Metódio foram proclamados co-patronos da Europa, ao lado de São Bento. Queria eu manifestar assim que o património espiritual da Europa é formado de tradições cristãs, ao mesmo tempo diversas e profundamente complementares. Mas, para além da Europa, este facto é também incitamento para todos os católicos distribuídos pelo mundo alargarem o conhecimento, que têm do património espiritual da Igreja, descobrindo as correntes variadas que, através dos Padres gregos, latinos e orientais, contribuíram para o formar. Há nisto uma realidade viva a que, na sequência dos tempos, cada geração é chamada a fornecer contributo insubstituível.

O outro acontecimento ecuménico deste ano, que desejaria recordar-vos, é a celebração, em íntima concórdia com o Patriarcado ecuménico, do décimo sexto centenário do I Concílio de Constantinopla e do milésimo quingentésimo quinquagésimo aniversário do Concílio de Éfeso. Expliquei-me longamente sobre o significado desta celebração tanto na carta que a anunciava como ao celebrar-se a festa do Pentecostes.

É em tal perspectiva da celebração comum do dom da fé que se situa a obra do Secretariado para a unidade. Estais reunidos nestes dias para avaliar a sua actividade e dar-lhe ainda maior vigor. Debruçais-vos particularmente sobre dois tipos de questões postas pelo alcance ecuménico da catequese e pelos casamentos mistos.

Quando do nosso encontro de Fevereiro de 1980, chamei a vossa atenção para o papel da catequese, a fim de promover a mudança de atitude, a conversão do coração necessária para um verdadeiro compromisso.

Neste período de renovação catequética, deve uma catequese autêntica e responsável formar católicos na fé aprofundada e esclarecida, que sejam portanto capazes de manter ligações frutuosas com os outros cristãos; católicos abertos e dispostos a fornecer o próprio contributo para a restauração da plena unidade; católicos capazes de dar, com os outros cristãos, testemunho fiel da sua fé comum. Com efeito, a busca da unidade é uma responsabilidade que diz respeito a todos os baptizados, cada um segundo as próprias capacidades (cf. Decreto Unitatis redintegratio UR 5). Certamente a situação não é idêntica em todas as partes do mundo; as relações entre cristãos não têm por toda a parte, a mesma intensidade nem a mesma qualidade. Daí a urgência de um esforço proporcionado ao caminho que é preciso percorrer.

Os casamentos mistos tiveram lugar importante nos diálogos que estão a decorrer. É claro que um acordo sobre verdades fundamentais relativas ao casamento cristão e ao mistério da Igreja dá aos cristãos a possibilidade, e portanto neste caso a obrigação, de testemunhar em comum valores próprios do casamento cristão. Tal acordo torna também possível uma busca comum dos meios aptos para evitar os perigos que encontra hoje, o casamento em muitas sociedades e um esforço pastoral comum para ajudar os casais cristãos, cristãos, especialmente os que sentem dificuldades.

Por vezes estes casais sofrem uma tensão entre a lealdade diante da comunidade própria e a lealdade de um cônjuge com o outro. Diante desses casais devemos ter grande delicadeza pastoral. Falando do assunto em Matrimonia mixta (n. 14), Paulo VI exortava à colaboração com os pastores das outras comunidades cristãs.

Após o Sínodo dos Bispos do ano passado, a Igreja católica compromete-se, numa solicitude pastoral renovada, em favor da família; não é possível descuidar a dimensão ecuménica que a família tem necessariamente.

Eis aqui o principal, daquilo que tinha para vos dizer. Desejaria, terminando, agradecer-vos terdes dado uma semana do vosso tempo ao nosso Secretariado para a unidade. Oxalá estes dias, em que unistes orações e estudos, contribuam para que promovais em toda a parte, mas sobretudo nos países que representais, este autêntico testemunho da nossa fé em Cristo que todos os cristãos devem prestar juntos, testemunho de que o mundo de hoje tanta necessidade tem.

Mas antes de nos separarmos, não desejaria deixar de insistir no que, a meu ,parecer, fica sendo o único necessário: a oração. Os vossos trabalhos, é necessário repeti-lo sem cessar, como os de todos os cristãos preocupados com a unidade através do mundo, só produzirão frutos graças a uma disposição inabalável de humilde busca da vontade de Deus e de resposta pronta às suas inspirações, conscientes nós de que o dom da unidade é integralmente comunicado à Igreja, pela sua comunhão na prece do Filho ao Pai: que todos sejam um!

Abençoo-vos de todo o coração, recomendando os vossos trabalhos ao Senhor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA


ISLÂMICA DO IRÃO JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 14 de Novembro de 1981



Senhor Embaixador

Embora Vossa Excelência já tenha dado início na devida altura, à sua missão diplomática junto da Santa Sé, é-me grato poder hoje aceitar pessoalmente as Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Islâmica do Irão.

A importância desta cerimónia está em relação com o povo iraniano como um todo. É orientada para a seu bem-estar; abrange a sua história, a sua cultura e o seu destino. A presença de Vossa Excelência aqui propõe-se ser um sinal de esperança para todos os seus compatriotas; serão eles os primeiros beneficiários dos esforços envidados para a promoção da verdadeira paz e da dignidade humana. Entre os compatriotas de Vossa Excelência contam-se os membros da comunidade católica, que pertencem de pleno direito à nação; eles desejam trabalhar pelo verdadeiro bem e o desenvolvimento dela, e procuram apenas ter, juntamente com os outros irmãos e irmãs iranianos, plena liberdade de religião e de acção. Manifesto o meu profundo e fraternal interesse pela prosperidade deles, como pelo bem-estar de todo o povo do seu país.

Vossa Excelência recordou os sofrimentos da guerra e a violência do terrorismo. A guerra e o terrorismo são males que os meus predecessores e eu denunciámos constantemente. Mas com não menos intensidade temos procurado proclamar e inculcar aquela justiça essencial e aquele amor fraterno que justamente animam o comportamento entre os membros da mesma família humana. A Santa Sé deseja a compreensão e reconciliação mútuas; trabalha para eliminar a guerra em si mesma e as suas causas, e para abolir o ódio.

Como Vossa Excelência bem pode Saber, a Santa Sé aprova a soberania nacional e a integridade, como também crê na justiça internacional e na liberdade pacífica do universo. Defende a unidade da família humana, a importância da amistosa cooperação entre as nações e o profundo e permanente respeito pela vida humana — a vida de cada homem, mulher e criança sobre esta terra. Mediante a sua actividade diplomática — inspirada naqueles princípios religiosos que sucessivamente dão bases seguras para outros valores sagrados, inclusive a justiça e a paz —, a Santa Sé determinou perseguir estes fins e apoiar todas as iniciativas válidas que fortaleçam, protejam e honrem a vida humana.

É neste espírito que lhe dou as boas-vindas e recebo a mensagem de Sua Eminência o Iman Khomeini, da qual Vossa Excelência é autorizado portador. Retribuo esta mensagem com uma devota saudação de paz para ele e para o Presidente do Irão. Sobre o país inteiro invoco as bênçãos de Deus Todo-Poderoso e Misericordioso.

E a Si, Senhor Embaixador, dou-lhe a certeza de que será assistido na sua missão, implorando que ela seja um contributo efectivo para promover a causa da dignidade humana e da paz mundial.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DE MILÃO E DE ALEXANDRIA


E AOS JURISTAS CATÓLICOS DA FRANÇA


Sala Paulo VI

Sábado, 14 de Novembro de 1981



Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Grande é a minha alegria hoje, ao encontrar-me convosco nesta Audiência extraordinária que vê unidos na fé comum e no gozo tão numerosos peregrinos de duas amadíssimas Dioceses: Milão e Alexandria.

Saúdo cordialmente o Arcebispo de Milão, Dom Carlos Maria Martini, dirigindo um particular pensamento ao caro Cardeal Giovanni Colombo, aos Bispos Auxiliares e aos Vigários Episcopais. Saúdo juntamente os Sacerdotes, os Religiosos, os Seminaristas, os representantes dos Colégios e das várias Associações, os fiéis da vasta Arquidiocese, vindos à Sé de Pedro para iniciar de modo solene, com a bênção do Papa, os preparativos para uma digna e eficaz celebração, no próximo ano, do quarto centenário da morte de São Carlos e, sobretudo, do Congresso Eucarístico Nacional, em Maio de 1983.

Saúdo o Bispo de Alexandria Dom Ferdinando Maggione, juntamente com as Autoridades religiosas e civis e os fiéis da Diocese, vindos a Roma para honrar o grande Papa Alexandre III, de quem a Cidade tomou o nome, ocorrendo este ano o oitavo centenário da sua morte.

Dirigindo-me a vós todos aqui presentes, desejo abraçar com o meu afecto as Comunidades que representais: levai a saudação do Papa aos vossos parentes e amigos, a todos os habitantes das vossas terras, tão industriosas e fecundas, aos pequenos e aos adultos, aos trabalhadores das fábricas e dos campos, aos intelectuais e aos profissionais, aos responsáveis pela vida civil e social, e em particular aos doentes e àqueles, que sofrem. Levai-lhes a certeza de que o Papa todos tem presentes, por todos ora e para cada um invoca a abundância dos celestiais favores de cristã e confiante serenidade.

À saudação que vos apresento está, unido o mais vivo agradecimento pela vossa .peregrinação, sinal de convicta e apaixonada fidelidade à Igreja. De facto, se estais aqui, é porque a vossa fé quer ser viva e vivida: sois cristãos e católicos; quereis sentir-vos estreitamente ligados à mensagem de Cristo e ao magistério indefectível da Sua Igreja, "coluna e fundamento da verdade" (1Tm 3,15). É verdadeiramente coisa grande crer em Cristo e na Igreja! É riqueza incomparável, privilégio estupendo e vocação maravilhosa, que dá luz à vida e significado à história inteira. É também mérito, que encontrará a eterna recompensa, e ao mesmo tempo é também responsabilidade. O cristão, que entendeu o valor definitivo da fé em Cristo e na Igreja, sente contínua e dominante preocupação de ser digno dela, de vivê-la com coerência, e com coragem, de a testemunhar com ansiedade apostólica.

Por isso a minha complacência pela vossa fé está unida à exortação de um esforço cada vez mais fervoroso de autêntica vida cristã, na graça de Deus, no aprofundamento da doutrina e no exercício generoso da caridade.

2. Quereria agora sugerir-vos algumas reflexões, que possam servir para o vosso comportamento prático, inspirando-me nos motivos da vossa peregrinação romana.

Dentro de dois anos, portanto, celebrar-se-á em Milão o Congresso Eucarístico Nacional: reunião de tal característica é sempre acontecimento sagrado de grande importância, mais ainda quando é celebrado a nível nacional. Deve, de facto, empenhar toda a Comunidade, e cada um deve sentir-se em si mesmo responsabilizado pelo bom resultado dele. Mas em que deve consistir tal bom resultado? No contexto da sociedade agnóstica em que vivemos, dolorosamente hedonista e permissiva, é essencial aprofundar a doutrina relativa ao augusto mistério da Eucaristia, de maneira que se adquira e mantenha íntegra a certeza acerca da natureza e da finalidade do Sacramento que se pode chamar justamente o centro da mensagem cristã e da vida da Igreja. A Eucaristia é o mistério dos mistérios, por isso a sua aceitação significa acolher totalmente a mensagem de Cristo e da Igreja, desde os preâmbulos da fé até à doutrina da Redenção, ao conceito de Sacrifício e de Sacerdócio consagrado, ao dogma da "transubstanciação" e ao valor das leis em matéria litúrgica. Hoje é necessária, primeiro que tudo, a certeza, para reconduzir ao seu exacto lugar central a Eucaristia e o Sacerdócio, para valorizar no seu justo sentido a Santa Missa e a Comunhão, para voltar à pedagogia eucarística, fonte de vocações sacerdotais e religiosas e força interior para se praticarem as virtudes cristãs, entre as quais especialmente a caridade, a humildade e a castidade. Hoje é tempo de reflexão, de meditação e de prece para tornar a dar aos cristãos o sentido da adoração e o fervor: só da Eucaristia — profundamente conhecida, amada e vivida — se pode esperar aquela unidade na verdade e na caridade, querida por Cristo e propugnada pelo Concílio Vaticano II. A vós toca, Milaneses, proceder de maneira que o próximo Congresso Eucarístico seja fonte de clareza doutrinal e centro propulsor de fervor litúrgico para toda a querida Itália. O Papa tem confiança em vós! Bendiga o Senhor os vossos votos e os vossos propósitos! Ajudem-vos e inspirem-vos os vossos grandes Arcebispos: Santo Ambrósio e São Carlos Borromeu, e os Servos de Deus André Ferrari e Ildefonso Schuster, cuja acção e cujas memórias estão ainda presentes e eficazes na terra milanesa.

3. Os peregrinos de Alexandria vieram a Roma para celebrar com particular solenidade um acontecimento de natureza e alcance eclesiais. O oitavo centenário da morte de Alexandre III, o Papa em cuja honra foi construída a Cidade tendo ele aceitado presidir à célebre "Liga Lombarda" contra o imperador Frederico Barba-Roxa, faz-nos recuar na memória até a um período bastante difícil e complicado da história da Igreja. O Cardeal Rolando Bandinelli, de Sena, douto teólogo e insigne jurista, elevado a Pontífice a 7 de Setembro de 1159, teve de levar uma bem pesada cruz: o seu longo pontificado caracterizou-se pelas contínuas lutas contra o imperador para salvaguardar os direitos da Igreja, pelo cisma que perdurou com a sucessão de nada menos de quatro antipapas, pela corrupção que grassava em toda a parte, pelas frequentes guerras que espalhavam miséria, crueldades e perseguições. Mas por fim o imperador submeteu-se a Alexandre III, foi proclamada a paz na Igreja e o Papa, voltando definitivamente para Roma, encontrou maneira de convocar nela o Concílio Lateranense III, o undécimo Concílio Ecuménico. Este período da história, perturbado e dramático, agora tão longe de nós, ensina-nos todavia, a sermos sempre e em toda a parte portadores da paz. Por mais que sejam perturbados os acontecimentos da história humana, o cristão sabe que o seu dever é possuir a paz e levá-la aos irmãos, estreitamente unido ao Papa, que na Igreja inteira é o responsável e o animador da paz. Seja este o propósito, que nasça para todos vós das cerimónias comemorativas.

4. Caríssimos!

Eis o que me interessava dizer-vos neste encontro tão cheio de alegria e de afecto! "Quanto ao resto — concluirei com São Paulo — sede alegres, trabalhai na vossa perfeição, confortai-vos mutuamente, tende um mesmo sentir, vivei em paz. E o Deus do amor e da paz estará convosco" (2Co 13,11).

Acompanhe-vos e sustente-vos a maternal protecção de Maria Santíssima, juntamente com a minha propiciadora Bênção Apostólica, que de coração vos concedo e de boa vontade torno extensiva a todas as pessoas que vos são queridas!

É-me agradável saudar também um grupo de juristas católicos da França, professores, magistrados, advogados, notários, oficiais de diligências e estudantes, que vieram a Roma para estudar, junto das instâncias responsáveis, o modo como a Santa Sé administra a justiça, e reflectir sobre os direitos dos pais na educação. Como leigos católicos, tendes a peito abordar estes problemas jurídicos com a competência que a vossa profissão exige e com as convicções de fé e de ética cristã que vos animam. Faço votos por que o vosso testemunho produza os melhores frutos, nesta época em que muitos valores religiosos ou morais são ofuscados, e isto em diálogo e em colaboração com as outras instâncias que perseguem o mesmo objectivo, e em comunhão com aqueles que foram constituídos Pastores das vossas comunidades cristãs e que nelas são, em primeiro lugar, responsáveis do modo de formar as consciências. Deste lugar santificado pelos Apóstolos Pedro e Paulo, digo-vos, como a todos os meus visitantes: "Contribuí, por vosso lado, a edificar a Igreja", e invoco sobre as vossas pessoas, as vossas famílias e as vossas responsabilidades profissionais e apostólicas a luz e a força de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO


«AUXÍLIO À IGREJA QUE SOFRE»


Segunda-feira, 16 de Novembro de 1981



Queridos Irmãos e Irmãs

Se grande é a vossa alegria por vos encontrardes reunidos na Casa do Pai, podeis bem crer que a minha, ao receber-vos hoje, se manifesta igualmente de modo particular. Com efeito, dais um contributo comovente e eficaz à história bimilenária, da caridade eclesial, que já por si o título da vossa Associação bem traduz: "O auxílio à Igreja que sofre".

Neste momento de encontro, desejaria antes de tudo colocar-me nas pegadas dos meus caros predecessores. Desde que o vosso vasto movimento existe — isto é, desde há já trinta e quatro anos —, eles manifestaram a sua estima e o seu reconhecimento por uma obra que quer, como outras e entre outras, encarnar a caridade de Cristo para com a sua Igreja. A este propósito, é-me grato recordar as palavras que o Papa Paulo VI pronunciou a 5 de Fevereiro de 1967 durante a audiência concedida ao Moderador-Geral e ao seu Conselho: elas são capazes de manter a chama que arde nos vossos corações: "Nós conhecemo-vos, sabemos da generosidade que vos anima. Estamos ao corrente do que conseguis realizar, em circunstâncias difíceis, para aliviar este 'sofrimento', cuja imploração dolorosa e muitas vezes muda, vós ouvistes. Nem todo o mundo ouve estes cristãos que sofrem em silêncio. É preciso ter a sensibilidade, o espírito e sobretudo o coração abertos ao sofrimento dos nossos irmãos cuja voz não consegue, na maior parte das vezes, atravessar os espaços e superar as barreiras para chegar até nós. Não vos contentais em lamentar nem em confiar aos outros o cuidado destes irmãos infelizes. Vós agis, recolheis ofertas, enviais donativos que levam, àqueles que esperam, a certeza de que os seus irmãos na fé conhecem as suas necessidades e não os abandonam...".

Assim, há mais de trinta anos, como o pequeno grão de mostarda que se tornou uma grande árvore onde os pássaros do céu podem abrigar-se (cf. Mt Mt 13,31-32), também "O auxílio à Igreja que sofre"' não deixou de alargar a ramagens dos seus benefícios. Sinto-me contente por compartilhar a vossa felicidade e o vosso ardor... Tereis sempre "mais felicidade em dar do que em receber" (cf. Act Ac 20,35). E esta solidariedade, por causa de Cristo e do seu Evangelho, vem e deve sempre vir do Espírito Santo "difundido nos vossos corações". Esta caridade concreta e multiforme (cf. Mt Mt 25,31-46) — que foi a das primeiras comunidades cristãs e continuou através dos séculos — é um testemunho eclesial indispensável, em todas as épocas e sobretudo na nossa.

A vossa Assembleia geral ter-vos-á consolidado nas vossas convicções, geradoras de entusiasmo evangélico. Sei também que trabalhastes muito activamente na preparação de novos Estatutos, que vos ajudarão a enfrentar cada vez melhor a vossa dura tarefa e as suas novas exigências. Elegestes também um novo Presidente, na pessoa de Dom Henri Lemaitre, a quem saúdo muito particularmente e apresento os meus cordiais votos de trabalho frutuoso ao serviço da vossa Associação. Ele empenhar-se-á sem dúvida em fazer com que a acção da vossa Associação continue a desenvolver-se em espírito de solidariedade em favor dos irmãos que sofrem, e com um esforço generoso de evangelização a fim de contribuir para levar a Cristo os outros que continuam também a ser irmãos mas que não crêem n'Ele ou em consequência de uma volta infeliz no plano espiritual, vieram a combater contra Ele.

Permiti-me ainda saudar e agradecer a Dom Norbert Calmels. Como Abade-Geral dos Premonstratenses e Superior directo do fundador de "O Auxílio à Igreja que sofre", ele prestou à obra importantes serviços aos quais desejo prestar homenagem.

Por fins, dirijo-me ao caro Cónego Werenfried van Straaten para lhe exprimir a minha mais profunda gratidão, que não é só a minha, mas a de tantos Bispos, de milhares de sacerdotes, religiosos, religiosas, noviças, seminaristas, e de milhões de fiéis. Quem poderia avaliar quanta fadiga ocasionaram a preparação e a organização de tal obra, e quanta generosidade suscitada, através do Ocidente e mesmo para além, em favor dos dos cristãos que sofrem? Tudo isto, nós sabemo-lo, está inscrito no "livro de vida". O Senhor mesmo é a recompensa dos seus discípulos! Mas na ocasião em que o Cónego Werenfried acaba de confiar o seu cargo de Moderador a outras mãos, para se consagrar a tarefas de animação espiritual da obra, desejo-lhe um serviço frutuoso de Igreja.

A todos vós, que sois activos colaboradores desta bela obra de solidariedade eclesial, renovo o meu encorajamento e concedo particular Bênção Apostólica, extensiva a todos aqueles que trazeis no vosso coração e na vossa prece.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA COSTA DO MARFIM


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 19 de Novembro de 1981



Caros Irmãos no Episcopado

Recebendo-vos hoje nesta casa, como não evocar o acolhimento caloroso que me reservastes quando da minha visita ao vosso país? Estavam reunidos à volta de vós não só uma multidão de cristãos mas também grande número dos vossos compatriotas, de todos os horizontes espirituais. Deixai-me que lhes agradeça ainda a todos, por meio de vós, e a minha gratidão dirige-se, a título especial, às Autoridades públicas e aos organizadores.

Tal entusiasmo espontâneo à volta do Sucessor de Pedro testemunha que, na vossa terra, a Igreja, estreitamente ligada à Sé de Roma, é considerada como realidade africana, muito para além das comunidades cristãs isoladas. Vejo nisso um sinal animador para não vos deixardes impressionar por aqueles que, sob o pretexto de conservar e favorecer as tradições culturais africanas, acusassem as Igrejas locais de estarem enfeudadas a uma tutela estrangeira,

O carácter de alegria popular com essa recepção, as relações livres e permanentes que mantendes seja com Roma seja com as Igrejas de outros continentes num clima de permutas, e, mais ainda talvez, o trabalho que se realiza sob o vosso impulso no Instituto Católico da África Ocidental — que tive o prazer de visitar — contradizem essas alegações. E acrescentarei que não vem longe, sem dúvida, o dia, em que as jovens Igrejas da África fornecerão preciosos serviços às de velha cristandade. Estas levaram-lhes o Evangelho, que elas próprias tinham recebido, e continuam a pôr à vossa disposição sacerdotes, religiosas e leigos cujo desinteresse é total. Não se vêem já felizes começos desta reciprocidade apostólica no testemunho prestado na Europa por trabalhadores cristãos da África e na ajuda trazida pelo ministério de sacerdotes das vossas dioceses, durante os seus estudos que lá realizam? É neste caminho de ajuda fraterna verdadeiramente eclesial que é preciso ir mais longe; e fazê-lo sem complexos.

Isto leva-me a exprimir-vos quanto aprecio o esforço a que vos lançastes, e é preciso manter com tenacidade, em favor das vocações. Notastes uma baixa nas entradas das jovens nos noviciados. Se as esperanças de recrutamento sacerdotal se mantêm — embora desigualmente repartidas segundo as dioceses —, vós mantendes-vos vigilantes, e com razão. Os jovens, quando se interrogam sobre a autenticidade de um possível chamamento do Senhor, são exigentes para si mesmos e para os outros. É preciso que possam ver com os seus olhos essas exigências, realizadas na alegria pelos sacerdotes e pelas religiosas que os rodeiam. É preciso ainda — na nossa época de mudanças profundas a repercutirem-se na afectividade — que o dom de si mesmos, feito totalmente ao Senhor, encontre em paga a certeza de uma vida fraternal entre sacerdotes ou entre religiosas.

O papel do Bispo é neste ponto, bem o sabeis, primordial. Como preceituavam os Statuta Ecclesiae Antiqua na época de São Cesário d'Arles, "O bispo lembre-se que é o primeiro quando celebra a Eucaristia, e um entre os seus irmãos quando se encontra à mesa". A proximidade dos vossos irmãos sacerdotes é penhor da fraternidade deles, apesar das tensões inevitáveis e por vezes necessárias. Esta fraternidade entre sacerdotes é exemplar para a comunidade cristã inteira, e será motivação importante para confortar especialmente a disponibilidade dos jovens que desejarem unir-se a eles.

Numerosas vocações são sinal da generosidade e da maturidade de uma comunidade cristã: tem-se portanto o direito de esperar que elas se manifestem ainda em muitos outros campos e, em particular, na abertura do coração dos cristãos para o pobre e o estrangeiro, e a tomada de consciência das responsabilidades apostólicas desses. Há nisso, segundo me parece, um convite instante para a Igreja na Costa do Marfim pois, não obstante a crise económica mundial presente, o vosso país mantém-se numa situação invejável entre numerosos países da África. É em parte o que explica o afluxo de cidadãos ele países vizinhos, em particular de habitantes do Volta, vindos para o meio de vós para trabalhar. Importa por conseguinte que o vosso zelo pastoral, a respeito deles, não se desminta em nada e seja sustentado por uma cooperação estreita e permanente com os bispos do Alto Volta. Oxalá não nos esqueçamos nunca de que, receber o estrangeiro, é uma bênção de Deus, proveitosa para aquele que recebe como para quem é recebido!

Como em tantos outros países, encontrais-vos diante das consequências de uma urbanização rápida, com tudo o que esta comporta em matéria de desenraizamentos, de problemas sociais e, sobretudo, de inquietações.

O atractivo das seitas que se multiplicam traduz em parte este sentimento de insegurança que ressente o homem perdido na grande cidade, seja qual for o meio a que pertence. É vantajoso portanto que, graças aos padres, às religiosas e aos vossos catequistas tão dedicados, a Igreja, como no tempo dos primeiros cristãos, seja, para todos os que chegam, acolhedora, compreensiva e alegre. Para isto requerem-se estruturas adaptadas e flexíveis. O que necessita sobretudo, como é felizmente o caso na vossa terra, que também os catequistas recebam formação bíblica sólida, a fim de poderem, pela sua vida e as suas palavras, dar conta sem ambiguidade da esperança que está em nós. Claro, tal atenção, dedicada pela Igreja ao povo das cidades, supõe um realismo, fundado no conhecimento exacto dos factores económicos e sociológicos, que não engana nunca a dimensão religiosa do homem com a vontade tenaz de lutar pela justiça, sem descuidar responder com solicitude às necessidades do momento pela acção caridosa.

Com discernimento, sustentastes os esforços daqueles que estão convencidos da importância essencial da família. Sei que animastes a constituição de associações de famílias cristãs. Nunca se dirá quanto baste que é no equilíbrio da família que se encontra a solução de muitas dificuldades que terminei de evocar. Não deixeis de recordar que, salvaguardando e promovendo os valores da família, se trabalha de maneira segura no desenvolvimento do homem e na humanização da sociedade. E quando é cristã, a família, bem o sabeis, é uma "Igreja doméstica" e, portanto, a primeira célula missionária.

Antes de vos abençoar, desejaria, aproveitar esta nova ocasião para vos manifestar o meu afecto e a minha profunda estima por todo o trabalho apostólico que se realiza, sob a vossa direcção, na Costa do Marfim. Quando se pensa na abnegação dos pais, na coragem dos catequistas, na caridade das religiosas exercida nos dispensários e nas escolas, na seriedade dos mestres que ensinam a juventude, nas responsabilidades tomadas pelos leigos, no zelo dos sacerdotes — quer sejam naturais da vossa terra quer tenham vindo de longe —, numa palavra, quando se pensa na oração e na fé de todo o povo cristão da Costa do Marfim, como não experimentar um sentimento de orgulho e admiração? Dizei-lhes que o Papa se ocupa deles, que pede por eles e com eles, e que os abençoa de todo o coração, como vos abençoa a vós mesmos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À SESSÃO PLENÁRIA DA SAGRADA CONGREGAÇÃO


PARA OS RELIGIOSOS E OS INSTITUTOS SECULARES


Sexta-feira, 20 de Novembro de 1981



Caros Irmãos no Episcopado,
Caros Filhos e Filhas

É sempre grande alegria para mim conhecer o trabalho promovido e levado a termo pela vossa Congregação para permitir à vida religiosa brilhar com o mais vivo fulgor no meio da Igreja e oferecer o seu contributo específico à evangelização. Precisamente para esta assembleia plenária, tínheis escolhido o tema: rever a natureza, o papel e o funcionamento das Conferências ou Uniões de Superiores maiores de Institutos religiosos, no plano nacional e supranacional, à luz dos documentos conciliares e ainda especialmente do documento Mutuae relationes sobre as relações entre os bispos e os religiosos na Igreja.

1. A ampla consulta que preparou esta reunião trouxe-vos preciosas indicações sobre o empenho dos religiosos em viver cada vez melhor a sua vocação e sobre o desejo de os Pastores promoverem a renovação deles por uma atitude de incitamento benévolo, de interesse compreensivo e de apoio moral e doutrinal seguro. Ela mostrou, ao mesmo tempo, os esforços mútuos empreendidos de há 3 anos a esta parte à luz do documento Mutuae relationes, cuja publicação foi acolhida por todos com reconhecimento e disponibilidade, que se manifestaram por estudo sério para ser mais bem aplicado. Com a maior boa vontade, animo-vos a que prossigais neste caminho, aprofundando este tema importante.

2. A base dos vossos trabalhos e das vossas trocas de idéias, comprendeste-lo, é o laço profundo entre Cristo, a Igreja e a evangelização. Foi a Igreja como tal que recebeu de Cristo o encargo de evangelizar; a diversidade dos ministérios deve contribuir para a realização desta missão que não pode completar-se fora dela: o encontro com Jesus Cristo está ligado à qualidade da vida eclesial.

Nesta Igreja, os bispos, sucessores dos Apóstolos, asseguram, em união com o sucessor de Pedro e sob a sua autoridade, a perenidade da obra de Cristo, Pastor eterno. Este ministério dos bispos é o fundamento de todos os serviços eclesiais: "Ninguém tem o poder de exercer as funções do magistério, de santificação ou de governo, senão em participação e união com eles" (Mutuae relationes, n. 9, a). Pastores de todo o rebanho, eles são, para todos, mestres autênticos e guias de perfeição e portanto também os guardas da fidelidade à vocação religiosa no espírito de cada Instituto, educadores de vocações e tutores valiosos para as famílias religiosas, segundo o seu carácter próprio, nos planos espiritual e apostólico (cf. ibid., n. 28).

Por seu lado, o estado de vida constituído pela prática dos Conselhos evangélicos, se não diz respeito à estrutura hierárquica, pertence contudo inseparavelmente à vida e à santidade da Igreja (Lumen Gentium LG 44). É para a Igreja tesouro precioso o testemunho evidente do dom total ao amor e ao serviço de Deus. Como lembra Paulo VI na Exortação apostólica Evangelica Testificatio (n. 3), "sem este sinal concreto, a caridade do conjunto da Igreja arriscar-se-ia a arrefecer, o paradoxo salvador do Evangelho a embotar-se e o 'sal' da fé a diluir-se num mundo em vias de secularização".

3. À luz destes princípios e das orientações dadas pelo decreto conciliar Perfectae caritatis (n. 23) e pelo documento Mutuae relationes (nn. 60-65), examinastes a situação actual das Uniões e das Conferências de Superiores maiores (de religiosos, de religiosas ou mistas), as suas relações com os diversos organismos eclesiais, os frutos já recolhidos, os meios de os multiplicar assim como as dificuldades ou as tensões, que se apresentam aqui ou acolá, com os meios de as remediar.


Discursos João Paulo II 1981 - Sexta-feira, 13 de Novembro de 1981