Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 28 de Novembro de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DE «LATINITAS»


E AOS VENCEDORES DO «CERTAMEN VATICANUM»


Segunda-feira, 30 de Novembro de 1981



Dilectos Irmãos e Irmãs

1. Alegro-me verdadeiramente porque hoje me é dado celebrar convosco — entre os quais o Cardeal da Santa igreja Romana Pericle Felici a quem saúdo nominalmente agradecendo-lhe as palavras cheias de amabilidade — digo convosco, que sois cultores da língua latina, porque me é dado celebrar Virgílio, de quem decorreram 2.000 anos a partir do falecimento. O dia último deste homem exímio foi justamente comemorado com publicações e encontros não só na Europa, para cuja cultura humanista contribuiu não pouco, mas ainda noutras regiões.

2. É conveniente também à Igreja católica e mesmo a esta Sé de Pedro recordar por especiais motivos tão grande poeta. Na verdade, algo se fez já: foram emitidos, como é do vosso conhecimento, selos vaticanos para avivar a sua memória e — o que é de maior importância — devido ao cuidado e ao esforço do Prefeito e dos funcionários da Biblioteca Apostólica Vaticana, os códices de Virgílio, de variada beleza e grande valor, foram dispostos em tal ordem que os visitantes os podem ver e admirar todos juntos.

3. Disse que especiais razões persuadem a que Virgílio seja exaltado entre nós.

Ele confiou o seu nome à imortalidade e, já morto, continuou por assim dizer a falar e a ensinar tanto entre os Romanos pagãos como também entre os Cristãos, que não só aprovaram a sua arte esmerada, muito perfeita e extremamente séria, mas chegaram mesmo a considerar este poeta como mensageiro que pressagiava "uma grande ordem de novo nascida" (cf. Buc. 4, 5), que mais tarde foi inaugurada por Cristo Redentor. Os Padres da Igreja honravam-no, assunto de que vós tratastes ontem. Santo Agostinho, para dar um exemplo, exalta Virgílio com palavras elogiosíssimas e testemunha que no seu tempo até os meninos estudavam as suas obras; diz na verdade; "lêem-no (isto é Virgílio) os pequenos para que um poeta grande, o mais ilustre de todos e tão bem absorvido por almas juvenis, não se possa facilmente apagar com o esquecimento" (De Civ. Dei. 1, 3).

Redunda sobretudo em honra da Igreja que, depois da destruição do império romano, isto é, na Idade Média, procurou não se perdessem as obras do maior poeta latino: sobretudo nas bibliotecas dos mosteiros eram elas guardadas com diligência e em salas de copistas reproduziam-se assiduamente em pergaminhos. Omitindo-se aquilo com que a verdadeira imagem do poeta mantuano sobretudo se deformava naqueles tempos, não se há-de esquecer que ele foi tido como exemplo da sabedoria humana. Não é portanto de admirar que Dante Alighieri, distintíssimo poeta cristão, imaginasse Virgílio como guia do caminho no inferno e no purgatório.

Com o renascimento das letras e das artes, também os cristãos, entregues aos estudos destas matérias, admiraram e imitaram Virgílio com novo ardor dos espíritos. Nem nos séculos seguintes deixou ele entre nós de ser respeitado.

4. Todavia nem só da nossa recordação é digno o "esplêndido" poeta, mas convém investigarmos ainda o que Virgílio nos ensina a nós, que vivemos nestes tempos completamente modificados e sujeitos a alteração rapidíssima. Bastará aludir sumariamente a alguns pontos, que parecem de maior importância.

Segundo o testemunho dos antigos, ele foi homem religioso, simples, modesto, amável, suave, pacífico e pronto para ajudar. Mas também as obras do mesmo Virgílio nos mostram o seu carácter cândido e íntegro; apraz-nos recordar o que pensava da mãe de família e portanto da comunidade conjugal: vêm ao espírito as palavras com que descreve a mulher a cumprir assiduamente as obrigações domésticas, "para poder conservar casto o leito conjugal e dar à luz os filhinhos" (Aen. 8, 412-413). Ele é com certeza prova de o espírito do homem ser "naturalmente cristão".

Das virtudes, em que se diz ter sido Virgílio insigne, precisa imenso o nosso tempo para que a desenfreada vontade de dominar, o desdém da dignidade e dos direitos do homem, o desprezo da vida do próximo e a cobiça cega não afoguem e destruam a convivência social.

5. Virgílio foi poeta dotado de altíssimo sentido de humanidade. Quem não se lembra daquelas conhecidas palavras, indícios de um espírito comovido e doloroso, tão breves, concentradas e significativas, que mal se podem traduzir para as nossas línguas: "sunt lacrimae rerum"? O homem não só chora por causa de adversidades, mas há também coisas que por si mesmas quase choram, que se reconhecem pelas lágrimas.

Depois das guerras e morticínios, que agitavam a república romana Virgílio era criança quando a multidão desordenada de Catilina salteava — ele odiou à guerra e amou a paz. Escutemo-lo a dizer: "está furioso o amor das armas e a criminosa loucura da guerra" (Aen, 7, 461); "louvam-se os bens da boa paz" (Ciris, 356). Não é verdade que o amor da paz, o qual o dominava, é para se desejar o mais possível neste século perturbado?

6. Também foi Virgílio poeta da natureza: com que honesto e sereno amor, com que suave modulação dos versos cantou os pastios e os campos, as flores e as árvores, os animais pequenos e grandes e coisas semelhantes! Sem dúvida é necessário que ele agite as mentes dos homens que vivem nesta época, quando por causa da construção de máquinas e de tantas invenções, que as inteligências produziram, se infligem graves danos à natureza e para a defender se devem aplicar os maiores esforços.

7. Virgílio, como bem sabeis, no excelente livro chamado "Geórgicas", celebrou também o trabalho manual, "o trabalho duro", que se faz "com suor do rosto", como dizem as primeiras páginas da Bíblia. Celebra, na verdade, a humilde faina da terra e portanto a dignidade do trabalho e daquele que o realiza. Não fora de propósito aconteceu que este ano, dedicado à memória do poeta de Mântua, fosse publicada a Carta Encíclica Laborem exercens, a explicar o assunto, que abarca toda a actividade do homem, o que nos nossos tempos é da maior importância e pede respostas definitivas.

8. Por último a palavra "cultura", que influiu em muitas línguas que usamos, é palavra completamente latina, tirada do amanho dos campos e aplicada para significar a cultura humana.

Vós, que vos aplicais à cultura latina do espírito, sem dúvida vos confirmais durante estas solenidades virgilianas para, com novo impulso, cultivardes a língua, que foi a língua pátria deste poeta, a qual a Igreja recebeu como em herança e cultivou como sua. É contudo verdade que os nossos tempos não parecem favorecer o esforço de que falei. O "Certame Vaticano", por esta Sé Apostólica instituído, seja contudo, por assim dizer, um campo de treino em que mestres e alunos, entusiastas da língua latina, se exercitem incansavelmente, conseguindo ao mesmo tempo — para citar de novo palavras de Santo Agostinho — "que um poeta grande, entre todos notabilíssimo e óptimo" não "possa desaparecer por ficar esquecido".

Deus, que elegeu a cidade de Roma, a partir sobretudo da qual a religião cristã fosse propagada por toda a parte e na qual estabeleceu a sede principal da Igreja, favoreça os vossos estudos e empreendimentos. Ao formular sinceramente estes votos, apraz-me conceder a Bênção Apostólica a cada um de vós e a todos os que vos são caros.



                                                              Dezembro de 1981

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JORNALISTAS CATÓLICOS DA BÉLGICA


Quarta-feira, 2 de Dezembro de 1981



Senhoras e Senhores

Antes de lançar a próxima campanha das "Étrennes Pontificales", quereis entregar-me o produto do presente ano, em nome da "Associação dos jornalistas católicos da Bélgica" e da "União dos jornais católicos da Bélgica".

Sinto-me feliz em vos exprimir de viva voz um muito obrigado. Este obrigado dirige-se antes de tudo a vós próprios, por esta iniciativa filial. Dirige-se a todos os vossos colegas jornalistas que, de ano para ano, continuam não só a manifestar a sua generosidade pessoal, mas a servir-se da imprensa para convidar os seus compatriotas a darem um sinal tangível da sua dedicação à Santa Sé. Testemunhando assim as vossas convicções, fazeis honra à vossa profissão, aos meios de comunicação que tendes nas vossas mãos, e ao vosso próprio país. Mas não esqueço igualmente os inúmeros subscritores da Bélgica que não hesitaram em responder ao vosso apelo, com sacrifício dos seus rendimentos, por vezes modestos. Sede junto deles intérpretes da minha gratidão.

Uma generosidade tal mostra que todos souberam compreender as necessidades da Santa Sé e quiseram tornar possível ao Papa fazer tece mais desafogadamente aos seus encargos, respondendo também aos múltiplos apelos que são dirigidos à sua caridade. Compreendo os sentimentos de confiança que tais gestos supõem e ainda mais me sensibiliza que muitos os tenham acompanhado de fervorosas orações por minha intenção, sobretudo nas horas de prova que eu conheci.

Espero que, graças ao vosso contributo, continue esta profunda corrente de comunhão com o Sucessor de Pedro. Formulo igualmente ardentes votos por vós e as vossas famílias; pelo desempenho da vossa exigente profissão ao serviço da verdade; pela vossa querida nação, a fim de levar a termo a sua laboriosa busca do bem comum para todos. Deus vos abençoe, a vós e a todos aqueles que, de algum modo, estão associados à vossa iniciativa.

Por fim, quereria dirigir algumas palavras aos jornalistas flamengos aqui presentes. Caros amigos, agradeço-vos do coração a vossa visita e a vossa iniciativa. Com um gesto de nobreza de alma demonstrais a vossa união com o pastor supremo da Igreja universal. Desejo profundamente que a fé em Cristo esteja sempre presente na vossa vida, quer na vossa vida profissional quer na vida familiar e pessoal. Deus vos abençoe e vos proteja o Seu amor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS ITALIANOS DAS REGIÕES


DOS ABRUZOS E DO MOLISE


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sexta-feira, 4 de Dezembro de 1981



Veneráveis Irmãos

1. Estou verdadeiramente satisfeito por vos acolher a todos, Arcebispos e Bispos da Conferência Episcopal dos Abruzos e do Molise, reunidos em Roma para oração junto do túmulo de São Pedro e para o encontro com o seu Sucessor em visita "ad limina".

Ao dirigir-vos a minha afectuosa saudação, olho para vós não só como para caríssimos Irmãos no Episcopado, mas também como para guias espirituais de duas Regiões italianas conhecidas pelas suas belezas naturais e pelas profundas e antigas tradições religiosas e morais. A minha alegria em ver-vos junto a mim é motivada também pelas queridas recordações pessoais: não posso esquecer os meus encontros com as "fortes e gentis" populações dos Abruzos, por ocasião da minha visita, em forma privada, durante o Ano Santo de 1975 ao Santuário do Milagre Eucarístico em Lanciano, e na peregrinação apostólica realizada o ano passado a Áquila para venerar os despojos mortais de São Bernardino, no sexto centenário do seu nascimento. Naquela circunstância rezei também diante da urna do meu predecessor São Celestino V que, tendo nascido no Molise, em Isérnia, mas tendo vivido sobretudo nos Abruzos, une idealmente as duas Regiões.

2. Que devo recomendar-vos, venerados Irmãos, neste encontro tão importante e significativo? Já disse que o povo abruzês e molisano está fortemente apegado à sua fé cristã, herdada de Roma desde o IV e V século. É necessário fazer tudo para conservar e honrar esta tradição religiosa. A devoção para com os Santos locais — São Gabriel de Nossa Senhora das Dores, São Camilo de Léllis, São Francisco Cardaciolo e São João de Capestrano, este último muito venerado também na Polónia — é garantia para a salvaguarda da fé e estímulo para se viverem em plenitude as exigências do Evangelho. Estes exemplos domésticos de vida, heroicamente vivida pelo reino de Deus são devidamente reavivados mediante uma assídua obra de evangelização e de catequese. É necessário, a este propósito, uma exposição pedagógica da fé, ligada à experiência humana, exposição que restitua à mensagem cristã o sabor de boa nova e o seu inexausto atractivo. Jesus exprimia-se com parábolas, que reflectiam a concreta realidade quotidiana, e os apóstolos, a começar de São Paulo, procuraram tornar compreensível a todas as mentalidades o anúncio da Palavra.

Tudo isto vale, ainda e sobretudo, para o que diz respeito ao empenho que vós, Prelados de duas Regiões prevalentemente de carácter agrícola, pondes na evangelização do mundo rural. Para assegurar o bom resultado a esta obra, é necessário, primeiro que tudo, conhecer claramente as situações locais e a evolução delas mediante urna investigação específica das transformações psicológicas e culturais da gente dos campos. Com o progredir da instrução escolar pode manifestar-se uma atitude mais crítica e exigente a respeito do catequista e do sacerdote. Deu-me gosto ficar sabendo pelos vossos relatórios que o sacerdote nos centros rurais é ainda estimado e ouvido: este facto consente à paróquia atingir com a sua acção todas as componentes da comunidade, todavia não deve faltar nunca o esforço sério do clero: às vezes afastar-se da Igreja a classe camponesa pode ser determinado por uma atitude um tanto passiva do clero, que não raro tratou com privilégio as classes mais cultas dos profissionais. À luz destas considerações é necessário incrementar a pastoral das comunidades locais: também as paróquias, cuja população está reduzida por causa do êxodo migratório, não podem ser abandonadas; tirar a presença do sacerdote deve considerar-se medida extrema, porque viria a faltar um conforto, a que os rurais renunciam muito contra vontade.

Nem é de esquecer que exactamente das populações do campo provêm, na maior parte, as vocações sacerdotais e religiosas, que germinam de um ambiente ainda profundamente imbebido de convicções religiosas sãs e fecundas. É necessário portanto estudar a possibilidade de deixar lá, sacerdotes preparados, experimentados e zelosos, que sejam capazes de enfrentar os complexos e delicados problemas do sector. É preciso as segurar depois que o anúncio evangélico parta do pressuposto do desenvolvimento da cultura, no rural: esse anúncio deve ser portanto proposto com motivações tendentes a favorecer uma fé convicta e com possibilidades de resistir em qualquer situação em que venha a encontrar-se amanhã, e tenha presente ideias e opiniões que circulam e podem pôr em discussão verdades de fé, antigamente conservadas na paz.

3. Mas a evangelização não é fim a si mesma; tende para o Sacramento, como foi definido num apropriado documento da Conferência Episcopal Italiana. Palavra e Sacramento tornam actual e operante, em toda a sua eficácia, a salvação trazida por Cristo. Muitas vezes a única oportunidade de catequese é a Missa Festiva. A evangelização deve levar participação activa, comunitária e frequente da celebração eucarística. A Eucaristia recolhe os cristãos na unidade e na caridade e fá-los crescer na vida de fé. Na eucaristia todo o Povo de Deus encontra estímulo e vínculo daquela unidade, que faz conhecer ao mundo Cristo, segundo a sua oração: "Como tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jn 17,21).

É necessário fazer compreender aos fiéis — e aqui o discurso alarga-se para todas as categorias de pessoas que formam as vossas comunidades diocesanas — que a Eucaristia é o centro da Igreja e do mundo. O mundo é destinado a ser assumido por Cristo para o Reino celestial. Diz o Concílio a este propósito: "O Senhor deixou aos seus um Penhor desta esperança e um viático para o caminho naquele sacramento da fé, no qual elementos naturais, cultivados pelo homem, são transformados no corpo e no sangue glorioso d'Ele num banquete de comunhão fraterna que é antegosto do banquete do Céu" (Gaudium et Spes GS 33). Na Eucaristia este processo de transformação pascal de todo o crente está sempre a realizar-se. Os elementos da natureza e o esforço do homem, que se tornam cada dia corpo e sangue de Cristo, são penhor e garantia da glorificação final do homem, mas também força e alimento no caminho da vida, porque Cristo é vida e ressurreição (Jn 11,25).

Neste sentido o cume da evangelização realiza-se na Eucaristia, nela de facto atinge-se a plena identificação do homem com Cristo: "Vivo autem iam non ego, vivit vero in me Christus" (Ga 2,20). De tudo isto vós, veneráveis Irmãos, estais bem conscientes, captais-lhes as mais íntimas ressonâncias e por isso não perdeis ocasião para reavivar nas almas a devoção pela divina Eucaristia, que por outro lado é muito sentida entre as Comunidades de ambas as Regiões não só pela presença, desde o século VIII, do já mencionado Santuário do Milagre Eucarístico, mas também pela recordação, em tempos bastante próximos, das solenes manifestações populares por ocasião de dois Congressos Eucarísticos Nacionais celebrados respectivamente em Téramo em 1935 e em Pescara em 1977, este com a presença de Paulo VI.

Continuai a esforçar-vos para que esta consoladora tradição nunca desapareça entre e as vossas gentes. Sejam elas cada vez mais estimuladas a desejar a Eucaristia, a recebê-la ainda, a fazer dela alimento, alegria e eixo de uma autêntica vida cristã.

4. Neste quadro de consolante fervor eucarístico, que leva inúmeros fiéis, sobretudo os jovens, a aproximar-se do banquete divino, vós não vos cansareis também de iluminar as consciências sobre as devidas disposições com que eles devem receber a Sagrada Comunhão. Dignidade, pureza e inocência são os principais dotes recomendados por São Paulo às primeiras Comunidades de Corinto: E assim, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se cada qual a si mesmo e, então, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação" (1Co 11,27-29). Uma catequese sacramental, orientada como deve ser, não pode descurar tarefa tão importante. Como bem sabeis, não é conciliável com o ensinamento da Igreja a teoria segundo a qual a Eucaristia perdoa o pecado mortal sem o pecador recorrer ao Sacramento da Penitência. É verdade que o Sacrifício da Missa, de que provém à Igreja toda a graça, obtém ao pecador o dom da conversão, sem a qual o perdão não é possível, mas isto não significa, na verdade, poderem aproximar-se da Comunhão Eucarística aqueles que cometeram pecado mortal, sem antes se reconciliarem com Deus recorrendo ao ministério sacerdotal.

O Sacramento da Penitência é o caminho ordinário e necessário para todos aqueles que, depois do Baptismo, caíram em pecado grave. O seu alcance, porém, não se limita só a apagar os pecados nas almas arrependidas, mas é também manifestação da bondade misericordiosa de Deus e da sua glória segundo a tríplice expressão do grande Bispo de Hipona: confessio vitae, confessio fidei, confessio laudis. Com este Sacramento, como diz o rito da Penitência no n. 7, "a Igreja proclama a sua fé, dá graças a Deus pela liberdade com que nos libertou Cristo e oferece a sua vida como sacrifício espiritual em louvor da glória de Deus". Não se esquece por isso que a celebração da Penitência é sempre acto de culto no qual a Igreja louva a santidade de Deus e "confessa" as maravilhas do Seu amor misericordioso, que restabelece, ressuscita e santifica.

A Igreja exerce o ministério da reconciliação por meio de Vós Bispos e dos vossos presbíteros. Concedeis a remissão dos pecados no nome de Cristo e na força do Espírito Santo: sede juízes esclarecidos, que saibam compreender as situações pessoais e sugerir os remédios mais aptos; sede sobretudo pais que revelem aos homens o coração do Pai do Céu. Não deixeis de promover as celebrações penitenciais tendentes a fazer compreender aos fiéis o sentido cristão do pecado e da necessária conversão. Despertai oportunas iniciativas destinadas a reavivar, nas comunidades cristãs, o espírito de penitência, sobretudo nos tempos "fortes" do ano litúrgico.

Tais celebrações poderão mostrar -se de particular utilidade para as crianças, tornando-as conscientes da verdadeira libertação, operada por Jesus; nos jovens, em seguida, poderão desenvolver o sentido da conversão mostrando quanto ela é necessária e fazendo ver nela o caminho para a perfeita liberdade dos filhos de Deus. A estes últimos, sobretudo, é necessário fazer descobrir a importância de ter um confessor estável a quem se recorra habitualmente para receber o sacramento nos momentos difíceis de extravio, de dúvida e de incerteza. O confessor, tornando-se assim director espiritual, saberá indicar aos particulares o caminho a seguirem, a fim de responderem generosamente à chamada para a santidade.

Também para os doentes e os anciãos, que não podem ir à Igreja, servirá de sustentáculo e conforto a possibilidade de receber com certa frequência a graça do sacramento: sentirão menos o peso da doença e da solidão, e saberão unir com maior generosidade os seus sofrimentos à paixão redentora de Cristo.

5. Caríssimos Irmãos, seguindo os vossos relatórios apresentei-vos algumas considerações para animar o trabalho que tendes de pastores das almas. Não me ficaram despercebidas as dificuldades e também os problemas que o vosso zelo deve enfrentar, no momento em que as vossas Regiões experimentam o abalo provocado pela rápida transformação das velhas estruturas económicas e sociais. Estas mudanças atingem não só o rosto exterior das vossas Comunidades diocesanas, mas trazem ainda desequilíbrios nos costumes e na vida da religião. Isto demonstra como se tornou hoje mais que nunca pesada a responsabilidade que impele sobre o Bispo. Isto diz ainda que também vós tendes necessidade de conforto e de exortação à confiança. Certamente não seríeis fiéis seguidores do Mestre Divino se não encontrásseis a força de desenvolver a vossa confiança "in spes contra spem" (2Co 11,29), em todas as situações, até nas mais difíceis. Confiança portanto, venerados Irmãos! Esperai no Senhor, confiai n'Ele o futuro das vossas dioceses! Não vos canseis de vos aproximar do vosso povo, de o amar e o escutar. Sede, para todos, amigos esclarecidos. Mas sede-o sobretudo para os sacerdotes, vossos colaboradores no ministério pastoral, e para os aspirantes ao Sacerdócio, esperanças das vossas comunidades diocesanas. Sede-o para os Religiosos e as Religiosas, que com a sua presença orante e operante dão inestimável contributo à obra de santificação das almas; estai sempre perto dos que pertencem à Acção Católica e aos outros movimentos eclesiais que dão vigor às vossas Igrejas locais.

A Virgem Santíssima, tão venerada e frequentada nos numerosos Santuários a ela dedicados nos Abruzos e no Molise, vos acompanhe sempre no vosso esforço pastoral. E a minha especial Bênção desça sobre vós, como penhor de abundantes graças celestiais e em sinal da minha particular benevolência.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR JOSÉ MARIA ALVAREZ DE TOLEDO


NOVO EMBAIXADOR DA ARGENTINA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 5 de Dezembro de 1981



Senhor Embaixador

Sejam as minhas primeiras palavras para lhe dar as mais cordiais boas-vindas a esta cerimónia em que me entrega as suas Cartas credenciais como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Argentina junto da Santa Sé.

Permita-me agora que, perante Vossa Excelência, como representante de tão nobre País, manifeste os meus paternais sentimentos para com os amadíssimos filhos da Argentina, cujas provas de afecto e de religiosa proximidade pude apreciar desde o início do meu serviço pastoral na Igreja universal e, sobretudo, devido ao atentado que sofri no passado mês de Maio.

É esta uma razão mais para me congratular com Vossa Excelência, porque assume a elevada missão de representar aqui um povo cuja configuração ao longo da sua história na sua vida interna e no concerto mundial se tem fundado sobre um sólido substrato de tradições culturais, morais e espirituais que, radicadas na fé cristã, enobrecem a sua gente: essas mesmas tradições que, ainda vivas, porque são já património da comunidade nacional, além de darem grande respiração e confiança ao que se deve fazer diariamente nas dificuldades do presente, oferecem boas e fundadas esperanças para novas perspectivas de progresso ordenado e pacífico no futuro.

De facto, hoje mais do que nunca tem-se consciência de que as tarefas em favor da paz e do progresso — essas duas instâncias tão persistentes e oprimentes para o espírito humano no nosso tempo — adquirem credibilidade e vigor no âmbito próprio, quando conseguem deveras atrair os ânimos e suscitar uma aplicação unificada das vontades, porque têm como norma e como objectivo principal satisfazer as legítimas exigências e aspirações da pessoa, em ordem ao seu completo desenvolvimento no contexto social.

A presença da Igreja na República Argentina fala por si mesma em favor desta tarefa de animação, à qual ofereceu todos os seus recursos morais e espirituais, e a acção dos seus filhos. No exercício da missão recebida de Cristo, a preocupação pela elevação integral do homem tem sido uma constante. Daí que os seus desvelos se manifestam sobretudo no campo espiritual e moral, para assim transparecer melhor nos campos da educação, da cultura, do trabalho, da assistência e do apostolado social; ao fazer isto, tem por objectivo não só guiar o homem para a responsável participação na sua existência pessoal, mas também animá-lo para uma convivência frutuosa, dentro da qual sinta os benefícios de ser solidário e participante com os outros nos projectos da vida comunitária.

Neste sentido, a Igreja na Argentina procurou, na medida do possível e no âmbito que lhe compete, examinar à luz do Evangelho a realidade toda da vida comunitária e dar orientações práticas que suscitaram uma colaboração para o bem comum e favoreceram a aplicação e o respeito dos direitos de cada pessoa, pondo em guarda contra a violação dos mesmos. Nesse espírito, os Bispos argentinos emanaram, no mês de Julho passado, um documento sobre Igreja e Comunidade Nacional, que se propõe ser e será certamente uma ajuda para animar os espíritos e um serviço para a desejada implantação das instituições democráticas a que Vossa Excelência acaba de aludir. Nessa mesma linha se inspirou na sua tarefa de aliviar certas feridas que o corpo da Nação sente ainda dolorosamente.

À tarefa de mútuo entendimento a nível internacional associou-se esta Sé Apostólica, para procurar ajudar na solução da controvérsia sobre a zona austral. Tomo nota com agrado das palavras pronunciadas por Vossa Excelência, que manifestam grande confiança na obra de mediação que ela assumiu, destinada a estabelecer, depois de superadas as dificuldades, uma estreita e cordial colaboração entre a Nação Argentina e a nação irmã, o Chile.

A este respeito quero expressar aqui o meu sentido desejo de que, graças à boa vontade de todos — das autoridades e do povo da Argentina — as negociações possam progredir sem demora e se corresponda assim aos interesses e às esperanças de ambas as Nações, que anseiam pela feliz conclusão do problema em questão: disto depende a paz e a concórdia, em prol do verdadeiro bem dos dois povos. Esta feliz conclusão, a que todos aspiramos, comportará necessariamente efeitos salutares para as relações bilaterais e também, em círculo mais amplo, para as relações internacionais.

Senhor Embaixador: Com os meus melhores votos por um feliz êxito da missão que lhe foi confiada pelo seu Governo, é-me grato assegurar-lhe também, juntamente com o meu benevolente apoio nesse encargo, uma particular recordação nas orações por Vossa Excelência, pela sua família e por toda a querida Nação Argentina.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CURSO DE RENOVAÇÃO


PARA OS JUÍZES E OUTROS OFICIAIS


DOS TRIBUNAIS ECLESIÁSTICOS


Sábado, 5 de Dezembro de 1981



Caríssimos Irmãos

Com grande prazer vos recebo aqui, que até agora na Pontifícia Universidade Gregoriana tomastes parte no Nono Curso de Renovação para juízes e outros Oficiais dos Tribunais. Do coração saúdo a cada um de vós e com gratidão reconheço a vossa manifesta fidelidade para com o Sucessor de Pedro e o Magistério da Igreja.

O Curso deste ano foi destinado a investigar mais profundamente o renovado Código de Direito Canónico, sobretudo naquelas partes que se referem ao matrimónio e aos processos na Igreja. Ninguém deixa de reconhecer a oportunidade de tal assunto. Na verdade o novo corpo de Cânones foi ponderado na Sessão Plenária da Comissão e a seu tempo será devidamente promulgado.

A Igreja portanto necessita, com certeza, de peritos, que tenham entretanto aprendido profundamente o novo Código e o tenham perscrutado. Já disse que este Código foi objecto de reflexão, de anúncio e de revisão para a mesma Sessão Plenária, juntamente com todo o Concílio Vaticano II, e por isso é instrumento de direito e ao mesmo tempo órgão pastoral, para no futuro se recolherem mais certos e sólidos frutos do Concílio.

Foi absolutamente necessária esta lei nova da Igreja para que esta pudesse viver todos os dias, nos seus actos e decisões, segundo o espírito e a disciplina do Concílio, e para que a mensagem do Evangelho se pudesse mais eficazmente difundir e com maior eficácia imprimir nas inteligências dos homens, e para que, por último, a causa da unidade dos cristãos fosse promovida por mais simples e clara forma de vida eclesial.

Falta porém, agora, que os novos cultores do direito canónico sejam informados das novas fórmulas das leis, dos novos princípios que as orientam, e dos modos novos de interpretar e de aplicar as leis eclesiásticas aos casos particulares e às dificuldades de cada fiel. Eu, juntamente convosco, desejo e peço sinceramente que, por meio de cursos deste género, ou em Roma ou em qualquer lugar do mundo, os próprios juízes junto dos Tribunais eclesiásticos se renovem profundamente e, por assim dizer, se reintegrem. Pois é necessário que eles sejam daqui por diante mais diligentes tutores da justiça e defensores dos direitos humanos.

Para cargo de tanta importância requer-se não apenas ciência adquirida nas escolas com a maior diligência, mas também conhecimento das almas do povo cristão e, ainda, trato quotidiano com as pessoas do nosso tempo, muitas vezes a debaterem-se com graves impedimentos para a fé, em condições de vida embaraçosas e em cruéis dúvidas de consciência. Na verdade a justiça será certamente observada se o homem e o seu estado de vida, na terra e na comunidade eclesial, forem considerados sempre segundo a severa lei do Evangelho de Cristo e a melhor qualidade da vida cristã.

O novo Código do direito, e portanto os juízes, os oficiais e os mestres de direito que aprenderem com cuidado e aplicarem com fidelidade o novo Código, terão a obrigação de defender os direitos primários dos cristãos na Igreja, ao mesmo tempo que explicarão também os encargos ou obrigações dos mesmos. Qualquer homem tem o direito — e mais ainda o cristão — a que todos sejam reconhecidos e recebidos pelos seus irmãos e as suas irmãs como nasceram e foram educados e ensinados. E têm igualmente o direito de participar de modo pleno com os outros fiéis na vida da Igreja, de obter dos mestres da Igreja a verdadeira doutrina da mesma e de se fortificar perpetuamente com os sacramentos de Cristo. E, mais ainda, todos os filhos da Igreja têm o direito e o dever, segundo a sua condição e os seus meios, de servir os outros, de os ensinar e de lhes levar a fecunda e salutar mensagem de Cristo Salvador.

A justiça há-de verdadeiramente ser observada — mas com espírito cristão; para honra de Deus e verdadeira utilidade dos homens: terrestre e celeste, temporal e eterna. Para isto tendem as leis da Igreja e o novo Código delas. Os estudos canónicos devem nestes próximos anos ocupar-se em que, por meio de claras regras de viver e proceder, o novo espírito do Concílio Vaticano II mais se divulgue por todas as classes, e partes da Igreja de Deus na terra. O espírito dos bispos e dos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos, há-de ser reconfirmado com nova confiança para com a Igreja Mãe; deve ser de novo inflamado, por assim dizer, com zelo missionário, que leve cada um a procurar conduzir, com a palavra e o exemplo, todos os homens a Cristo e Cristo, por sua vez, a todos os homens. O que sem dúvida se conseguirá dilatando a verdadeira renovação conciliar que, segundo disse, reveste como que o seu corpo visível com novidades nas leis da Igreja, novidades a cujo exame e valor dedicastes nesta ocasião cuidadosa actividade.

Exorto-vos portanto a que, isso que acertadamente começastes aqui durante poucas semanas, doravante o continueis a ler e investigar, meditando e exercendo de modo consciente o vosso múltiplo encargo nos Tribunais ou também nas aulas dos Seminários e Faculdades junto de outros estudantes de leis eclesiásticas. Eu mesmo rogo convosco ao Espírito Santo que ajude os conhecedores e mestres do Direito, como sois vós, com a Sua luz e o dom perpétuo da sabedoria cristã.


Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 28 de Novembro de 1981