Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 5 de Dezembro de 1981

E confirmo a minha benevolência a cada um de vós e a minha gratidão pelo testemunho de fidelidade para com a Igreja, concedendo-vos afectuosamente — tanto a mestres como a discípulos — a Bênção Apostólica no Senhor Jesus Cristo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS ITALIANOS DAS MARCAS E ÚMBRIA


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 5 de Dezembro de 1981



Venerados Irmãos no Episcopado

1. Saúdo com alegria em vós os dignos Pastores das Arquidioceses das Marcas e da Úmbria, que vos reunistes em Roma para a vossa visita ad limina Apostolorum. Já de há tempos programada, oferece-nos finalmente a alegre possibilidade de um encontro esperado e fraternal. A ocasião, de facto, é a mais propícia para renovar e fortificar aqueles vínculos de comunhão, que ligam, por um lado, os Bispos com a Santa Sé e, por outro, o Sucessor de Pedro com os seus Irmãos no ministério episcopal. É assim que se realiza aquela, unidade do rebanho de Cristo, que o nosso Salvador pediu ardentemente (cf. Jo Jn 17,11) e se propõe ao mundo como exemplo luminoso e fecundo de mútua solidariedade e cooperação no nome do único e altíssimo ideal cristão.

A vossa presença aqui, hoje, renova para mim em particular a alegria repetidamente sentida quando me foi dado encontrar-me com várias Comunidades cristãs das vossas terras: em Loreto e Ancona, em Assis, em Núrsia, em Collevalenza e Tódi. E revejo, na vossa presença, a exultação e a fé de todos quantos, nas diversas estações do meu peregrinar, me acolheram com júbilo e me testemunharam, na audição e na comum prece, a adesão a Cristo e o empenho em favor do Seu Evangelho e da Sua Igreja. Por estas corroborantes experiências uma vez mais agradeço aos generosos fiéis marquejanos e umbros e sobretudo a vós, que tendes o cuidado pastoral deles.

2. Uma visita ad limina, Venerados Irmãos, é ocasião de consumptivos e de projectos, é tempo de verificações e de esperanças. Sei que examinastes miudamente a situação pastoral das vossas Dioceses com vivo sentimento de responsabilidade, com realismo e com entusiasmo ao mesmo tempo. E sei que individualmente cada um de vós, e cada uma das vossas Conferências Episcopais Regionais, são portadores de problemas múltiplos e urgentes. A passagem do arranjo social de um tipo de vida, com cultura rural, para um tipo novo, que se vai pouco a pouco afirmando, o da pequena e média indústria ou da empresa cooperativa, tem certamente consequências na ordenação ou pelo menos no timbre da vida cristã das populações locais. O risco de um cristianismo de superfície, insidiado por ideologias ou visões do homem alheias ou indiferentes, se não hostis, à tradição cristã, requer tomadas de posição concretas e esclarecidas. A crise vocacional, se bem que não alarmante, impele a um empenho meditado e firme, que se deverá exercitar, quer directamente, sobre a chamada de pessoas aptas para o ministério pastoral, quer indirectamente, na formação de famílias e comunidades cristãs com fé adulta e responsável. Cada um destes problemas, bem o sei, é objecto da vossa atenção e da vossa cuidadosa solicitude; e, a respeito de cada um deles, asseguro a minha fraternal participação nas vossas ansiedades e a minha complacência pelo zelo que tendes.

Assim rejubilo também convosco pelos sinais, melhor, os fermentos, que deixam entrever positivos desenvolvimentos para uma prometedora maturidade cristã das vossas Comunidades diocesanas. O empenho das numerosas e beneméritas Ordens Religiosas, presentes nas vossas Dioceses, o dinamismo de movimentos católicos vários, a instituição de Cursos de Teologia para Leigos, disponibilidade por parte dos jovens e mesmo a busca a que se entregam de uma mensagem que valorize e promova o homem na sua integridade: são outros tantos motivos de confiança, que dão espaço e oferecem matéria para todos os que têm a peito a afirmação do Evangelho e a glória de Deus.

3. Depois, as vossas Regiões têm características peculiares, que, ao mesmo tempo que enterram as raízes num ilustre passado, é desejável que incidam, ainda e no futuro, sobre a qualidade e a intensidade da específica identidade dos baptizados. Penso, primeiro que tudo, na grande tradição de Santos que floresceram nas vossas terras. Os nomes de Bento, Francisco, Clara, Rita e Gabriel, para a Úmbria; e depois Nicolau de Tolentino, José de Copertino e Maria Goretti, para as Marcas, são universalmente conhecidos. Cada um destes Santos corresponde verdadeiramente a uma vivida fonte luminosa colocada no alto, "para que assim alumie a todos os que estão em casa" (Mt 5,15). Qual é o convite que eles, ainda e sempre, dirigem a todos nós e em especial aos seus conterrâneos? É um claro estímulo a que se cultive a vida interior, a oração: numa palavra, a um seguimento de Cristo, marcado pela santidade. Sabemos bem que o mundo de hoje oferece ao homem inúmeros atractivos de variada natureza, muitos dos quais tendem na prática a afastá-lo das realidades mais importantes e a dispersá-lo noutras de pouco valor, subvertendo a escala dos genuínos valores, sobre os quais se pode colocar, crescer e nobilitar a sua vida terrena. E assim ficam as pessoas distraídas, mais ou menos inconscientemente, da atenção à "única coisa que é necessária" (Lc 10,42). Mas a distracção é como fotografia tremida e desfocada, que chega a trair o objecto retratado. Também o homem de hoje está exposto, talvez mais que nunca, a semelhante falsificação de si mesmo. É preciso, pelo contrário, que se ponha no foco, isto é que descubra o melhor de si, a própria original vocação a uma dignidade, que só Deus pode conferir-lhe e só Jesus Cristo pode restaurar. Os Santos que mencionei, se posso continuar a comparação, constituem fotografias bem tiradas: imagens, cujos definidos contornos coincidem com as intenções divinas a respeito deles. E precisamente nisto está a lição. Mas, para ser claro, trata-se de um ideal só atingível cultivando-se uma relação de comunhão; íntima e estável, com o Senhor. Isto é possível reconhecendo o primado do espiritual, da interioridade, acolhendo em concreto e na vida quotidiana a palavra de Cristo: "Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4,4). Isto é necessário incansavelmente propor e com empenho profético reclamar; de facto está em jogo o bem do homem, que só Cristo ajuda a ser "mais homem" (Gaudium et Spes GS 41). Daqui derivam aqueles simples deveres do cristão, que o levam juntamente a manifestar e a descobrir a beleza da sua identidade: ler e meditar a Palavra de Deus, ser sensível à vida da Igreja, participar nos momentos de oração comunitária, e em todas as coisas mostrar aquela atitude de interior colóquio com o Senhor, procurando-O sempre, mesmo "tateando, embora não se encontre longe de cada um de nós" (Ac 17,27). E então é desejável que se repita a maravilhosa aventura dos muitos Santos umbros e marquejanos, que certamente não consideram os seus sucessores embargados no caminho por eles percorrido.

4. Não posso, além disso, esquecer o papel do Santuário mariano do Loreto, merecidamente célebre pelo seu influxo na vida cristã na Itália, mas primeiro que tudo nas vossas regiões. Isto leva o nosso pensamento à Mãe de Jesus, que "na terra brilha diante do peregrino povo de Deus, corno sinal de segura esperança e de consolação" (Lumen Gentium LG 68), No Mistério de Cristo, que marca por si mesmo a existência dos cristãos, ela ocupa lugar muito particular: o da mulher, que jubilosa acolhe o amor de Deus por ela, e se lhe entrega completamente; e o da mãe, que gera o Verbo encarnado, acompanhando-O no seu crescimento humano, e dilata depois a sua maternidade sobre a Igreja nascente (cf. Act Ac 1,14). Graças à imitação de Maria, que, pela sua singular santidade, foi quem no máximo grau manifestou Cristo ao mundo, a Igreja progride na fé, na esperança e na caridade, tornando-se ela mesma portadora e quase custódia a mostrar o Salvador a todos os homens. Mas, como sabemos, o Santuário do Loreto propõe-nos a Virgem Mãe da humilde Casa de Nazaré e convida todos os cristãos ao exercício das virtudes quotidianas no âmbito da família e do trabalho. Sobretudo recorda-nos que, também no escondimento e nas ocupações mais modestas, se encontra a presença vivificante do Senhor, que está connosco todos os dias (cf. Mt 28,20); e por isso é concretamente praticável nossa comunhão com Ele. Portanto a Escrava do Senhor (cf. Lc Lc 1,38) está diante dos nossos olhos como fúlgido ponto de referência para vos mostrar a tradução prática dos grandes ideais de dedicação ao Pai, de união a Cristo, de docilidade ao Espírito, de serviço à Igreja e de revelação aos homens. E como tal devemos apresentá-la aos fiéis, para daí tirarem alimento para a sua fé e conforto no seu empenho. Acima de tudo, temos a certeza de que ela, Rainha de todos os Santos porque todos são também a ela devedores da própria santidade, intercede em nosso favor e socorre cuidadosamente todos os que a ela recorrem com ânimo filial.

5. À Mãe de Deus, portanto, Venerados Irmãos, entregamos confiadamente também o nosso ministério episcopal. Aos seus cuidados maternais remetemos a nossa solicitude pelas Igrejas de que somos pastores (cf. 2Co 11,28). E animo vivamente todos vós a que prossigais — com zelo, inteligência e entusiasmo — naquele serviço às vossas Igrejas, que já desempenhais com louvável diligência e amor. Continuai a harmonizar as diligências das vossas Dioceses com as da Conferência Episcopal Italiana, com a finalidade de proceder sempre de comum acordo nas programações pastorais. Sobretudo haja — entre vós e o vosso clero e as vossas comunidades diocesanos — aquela íntima fraternidade evangélica, de maneira que possais dizer-lhes com São Paulo: "Porventura, não sois vós a nossa esperança, a nossa alegria, a nossa coroa de glória, diante de nosso Senhor Jesus Cristo, no dia da Sua vinda? Sim, vós sois a nossa, glória e a nossa alegria" (1Th 2,19-20). E possam eles por sua vez dizer o mesmo de vós. Sabei que faço constantemente menção de vós nas minhas orações, e todos vos recomendo ao poder d'Aquele "que produz em nós o poder e o operar, segundo o Seu beneplácito" (Ph 2,13). E mantende-vos sempre confiados na força da Sua graça, que basta para tudo podermos (cl. ib. 4, 13), como o foram os intrépidos Apóstolos Pedro e Paulo, cujos túmulos viestes visitar nesta Urbe.

Tenho o prazer de vos garantir ainda todo o meu afecto, e de coração pleno concedo a cada um de vós uma particular Bênção Apostólica, que me apraz tornar extensiva a todos os que estão confiados ao vosso ministério.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ERNESTO RUIZ RADA


NOVO EMBAIXADOR DA BOLÍVIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 7 de Dezembro de 1981



Senhor Embaixador

Neste acto de apresentação oficial das suas Cartas Credenciais como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Bolívia junto da Santa Sé, desejo que as minhas primeiras palavras sejam de deferente saudação e boas-vindas.

Escutei com ânimo reconhecido as suas expressões de congratulação pelo restabelecimento total da minha saúde e pelo retorno ao meu serviço pastoral na Sé de Pedro, assim como as nobres palavras com que recebem renovada vida os sentimentos de admiração e gratidão de Vossa Excelência pelo trabalho evangelizador da Igreja em terras bolivianas. De facto, desde os alvores da sua história pátria até aos nossos dias, foram-se delineando, paulatinamente e sem rupturas, alguns dos elementos mais determinantes do seu rico património individual, familiar e social: um sentido profundamente religioso da vida, uma estima crescente dos valores inalienáveis da família e a prática das normas de um código superior de conduta moral. Isto fez do seu povo e dos seus habitantes, mesmo nas situações mais difíceis, uma comunidade seriamente preocupada pela manutenção dos genuínos valores humanos e cristãos.

Ao aproximar-se a humanidade do último período do século XX, o homem torna-se cada vez mais consciente da necessidade de viver em crescente intensidade os princípios éticos e espirituais, base para uma convivência pacífica e um desenvolvimento verdadeiramente humano. Esses princípios ajudarão a fomentar o desenvolvimento integral das pessoas e de toda a sociedade, unida num espírito solidário que possa levar a implantar também a verdadeira paz, fundada no respeito e garantia dos direitos individuais e colectivos. Para, alcançar esta esperançosa meta deve saber-se discernir as diversas exigências da justiça e do amor, testemunhados tão admiravelmente por Jesus de Nazaré, o Filho de Deus.

A Igreja Católica, ontem como hoje, fiel à sua missão de levar a mensagem de salvação a todos os povos, continua a iluminar, animando e defendendo os direitos da pessoa humana, sobretudo dos que não podem defender-se. De facto, como afirma o Concílio Vaticano: "A Igreja, ao procurar o seu fim próprio de salvação, não só comunica ao homem a vida divina, mas ainda projecta, de certo modo, sobre todo o universo, o reflexo da sua luz, sobretudo sanando e elevando a dignidade da pessoa humana, firmando a coesão da sociedade e dando à actividade diária dos homens um sentido e um significado mais profundos. Desta forma a Igreja, através dos seus membros e da comunidade que é, crê que pode contribuir muito para tornar cada vez mais humana a família dos homens e a sua história" (Const. Gaudium et spes GS 40,3).

Por minha parte encorajo o Povo da Bolívia e os seus Responsáveis a não esquecerem a valiosa herança humana, religiosa e cultural que receberam e a serem capazes de a incrementar e transmitir às gerações futuras; a trabalharem, com entusiasmo para manter,como ideal prioritário, o respeito mútuo, para viver num clima de paz solidária; a estenderem a mão aos irmãos necessitados e, de modo especial, aos grupos socialmente marginalizados, cooperando com os outros países no trabalho de humanizar o homem e de o fazer respeitar, no âmbito privado e público e a todos os níveis, as normas de um bem entendido código de moralidade.
Senhor Embaixador, ao concluir este encontro, peço-lhe faça chegar a minha cordial, saudação ao Senhor Presidente da República, às Autoridades e a todos os queridos filhos da Bolívia.

Encomendo todos ao Senhor, ao mesmo tempo que peço de modo particular por Vossa Excelência, para que, com a ajuda divina e sob o amparo maternal de Nossa Senhora de Copacabana, desempenhe com êxito a missão que lhe foi confiada junto desta Sé Apostólica.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DE DOIS CONGRESSOS


DEDICADOS AO TEMA DA FAMÍLIA


Segunda-feira, 7 de Dezembro de 1981



1. A vós, a minha cordial saudação e boas-vindas particularmente afectuosas. É-me sinceramente grato este encontro com uma tão qualificada representação do clero e do laicado católico: de facto, intervêm na audiência os participantes no Congresso promovido pela Conferência Episcopal Italiana sobre o tema: "Comunhão e comunidade na Igreja doméstica"; com eles estão também presentes os componentes do Simpósio, promovido sobre o tema "A família nas raízes do Homem, da Nação e da Igreja" conjuntamente pelo Instituto Polaco para a Cultura Cristã, o Centro Cultural Maximiliano Kolbe e a Fundação Juan Diego de Guadalupe.

Como poderíamos deixar de nos alegrar com o despertar de interesse pela família, que os dois Congressos eloquentemente testemunham? Se, de facto, há um campo em que é urgente fazer convergir o compromisso concorde da Comunidade cristã inteira, este é precisamente o da pastoral familiar, investido hoje por problemas particularmente complexos e graves.

Desejo, por conseguinte, exprimir-vos o meu aprazimento pelo que estais a fazer neste sector vital quer para a Igreja quer para a sociedade, e desejo, além disso, aproveitar esta circunstância para vos dirigir uma calorosa palavra de encorajamento, exortando cada um a perseverar com renovado entusiasmo nas linhas de acção decididas em conjunto, apesar das dificuldades que num apostolado como o vosso certamente não faltam.

2. O quesito, a que o Congresso organizado pela CEI procurou nestes dias dar resposta — "a família italiana é uma comunidade em comunhão?" é um dos quesitos centrais desta delicada matéria. A família, de facto, sendo instituída "desde o princípio" por Deus, possui uma sua verdade própria, à qual devemos continuamente voltar e a cuja luz devemos julgar cada situação. Perguntarmo-nos, portanto, se a família é uma "comunidade em comunhão", equivale a perguntarmo-nos se a família realiza verdadeira e inteiramente o projecto de Deus sobre ela.

Na audição contínua e fiel da Palavra de Deus e fazendo tesouro de tudo o que a experiência da humanidade recebeu, a Igreja foi descobrindo cada vez mais o projecto divino, que constituí a verdade íntima de cada família. Com intuição particularmente profunda, o meu Predecessor Paulo VI de venerada memória exprimiu tal verdade neste modo sintético: "Mediante a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um aperfeiçoamento mútuo pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas" Humanae Vitae, 8).

A família é "comunidade em comunhão" quando, antes de tudo, a comunidade conjugal está em comunhão. Como lemos no livro do Génesis (1, 28), Deus criou o homem à Sua imagem: chamando-o à existência por amor, chamou-o contemporaneamente para o amor. Dado que Deus é amor e o homem foi criado à Sua imagem, a vocação para o amor foi inscrita, por assim dizer, organicamente nesta imagem, isto é na humanidade do homem, que Deus criou varão e mulher. É a realização desta imagem, é a verdade profunda da comunhão conjugal que torna possível na raiz a comunhão familiar.

Com a vocação para o amor, de facto, está ligada de maneira inseparável a vocação para o dom da vida. A Igreja sempre ensinou esta relação inseparável: o amor conjugal é a fonte da vida humana, e o dom da vida humana exige na sua origem o amor conjugal. É à luz desta relação, instituída por Deus, que se compreende que a comunidade familiar pode estar em comunhão apenas quando é o lugar onde o amor gera a vida e a vida nasce do amor. Nenhuma destas duas realidades, isto é amor e vida, seria autêntica se fosse separada da outra: nem o amor conjugal existiria segundo a medida total da sua verdade, nem a vida humana teria uma origem digna da sua grandeza única. Numa palavra: a comunidade conjugal não estaria em comunhão plena nem, por conseguinte, estaria em condições de fazer estar em comunhão a comunidade familiar.

3. "O Senhor", como ensina o Concílio Vaticano II, "dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar" o amor conjugal "por um dom especial da sua graça e da sua caridade" (Gaudium et Spes GS 49). Remontar às fontes da comunhão familiar significa remontar ao Sacramento do Matrimónio. Nele, de facto, o homem e a mulher são tornados participantes, como ensina a Carta aos Efésios (5, 25-32), do acto mesmo de doação realizado na Cruz e sempre eucaristicamente presente na Igreja.

É este acto que reconstrói a comunhão dos homens com Deus e entre eles, destruída pelo pecado. Mediante o Sacramento, o homem e a mulher, libertados da dureza do seu coração, são capazes de realizar, quer na sua comunidade conjugal quer na sua comunidade familiar, o acontecimento da comunhão.

4. A vossa atenção, todavia, dirige-se não tanto para a família em geral, quanto sobretudo para a família italiana. Pretendeis esforçar-vos por que ela, nas particulares condições em que se encontra, se sinta chamada a entrar no eterno desígnio do Criador e do Redentor, e se comprometa a unir em si mesma o mistério da vida e o mistério do amor, fazendo que se realizem juntos e se liguem um ao outro inseparavelmente, como Deus os ligou.

Também a família italiana sofreu profundas transformações nestes anos: transformações que exigem dos cristãos forte capacidade de discernimento, para saberem distinguir o que nelas há de positivo do que há de negativo. O critério que deve guiar este discernimento é aquele projecto de Deus sobre o matrimónio e sobre a família, de que acima falei brevemente. Procurar noutro lado os critérios de discernimento teria como consequência inevitável a construção de comunidades familiares que não estariam nunca plenamente em comunhão.

Em particular: não se deve esquecer o que ensinou o Concílio Vaticano II: "não pode haver contradição verdadeira entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e as que favorecem o amor conjugal autêntico" (Gaudium et Spes GS 51). Na defesa da doutrina ensinada pela Encíclica Humanae Vitae, a Igreja está consciente de realizar um precioso serviço à comunidade conjugal, ou melhor ao homem como tal: à sua verdade e à sua dignidade. Este ensinamento deve ser fielmente transmitido na catequese, quer dos esposos quer daqueles que se preparam para o matrimónio. Silêncios, incertezas ou ambiguidades a este respeito, têm como consequência obscurecer a verdade humana e cristã do amor conjugal.

Ainda mais destruidora da comunhão familiar é a chaga do aborto, que o Concilio chama justamente "crime abominável" (Gaudium et Spes GS 51). O testemunho das famílias cristãs, a este respeito, deve ser límpido. Nenhuma autoridade humana pode declarar legítimo aquilo que a lei moral condena; a vida de cada homem, também do homem já concebido e ainda não nascido, merece respeito absoluto e incondicionado. Se não se respeitar este direito primigénio, como é possível, depois, falar de direitos do homem e dignidade da pessoa humana? Não há evidente contradição em tudo isto? À família cristã abre-se, neste campo, um "espaço de caridade" imenso: o espaço do auxílio às maternidades difíceis, do acolhimento, do compromisso civil para que não se instaure no costume uma mentalidade, em que já não seja compreendido o valor absoluto da vida humana já concebida e ainda por nascer.

5. Não é menos estimulante o assunto enfrentado no Simpósio promovido pelas Organizações que mencionei no início: a família como lugar onde nasce o homem, compreendido em todas as suas dimensões.

A formulação mesma do tema revela a profunda convicção — por mim plenamente compartilhada — sobre o papel decisivo que a família é chamada a desempenhar no futuro do homem, da sociedade e da obra evangelizadora da Igreja. A família, de facto, é "a escola do mais rico humanismo" (Gaudium et Spes GS 52); nela criam-se as multíplices relações pessoais, que constituem a verdadeira medida do desenvolvimento de uma personalidade. O homem que não é capaz de se abrir livre e pessoalmente, por amor, à relação com os seus semelhantes, não atingiu a maturidade da própria personalidade.

Na família nascem aquelas relações fundamentais de fraternidade, que formam a base mesma da fraternidade social, graças à qual os homens comunicam entre si como verdadeiros irmãos, a caminharem juntos na estrada da vida, não como adversários, como estranhos ou até como inimigos, mas ajudando-se reciprocamente a atingir os seus mais altos fins. É possível viver a fraternidade só quando existe na base, uma comum experiência filial. É este o motivo por que reveste tanta importância a consciência da paternidade divina, da presença de Deus Pai, que em Cristo nos torna seus filhos e, portanto, irmãos entre nós, chamados a ser "sal da terra e luz do mundo".

Não podemos esperar uma sociedade renovada nos seus valores sem uma profunda renovação da família. Ela é geradora e transmissora de cultura. Não poderemos chegar a uma evangelização eficaz da cultura sem evangelizar profundamente a família. Trata-se de uma grande responsabilidade, que é necessário mobilizar para defender, reforçar e estimular as famílias cristãs no seu compromisso, porque delas depende em grande parte o destino da sociedade e a sua evangelização.

6. Se, como disse na Encíclica Redemptor Hominis, o homem é "a primeira e fundamental via da Igreja" (n. 14), e se é mediante a família que ele acede de modo completo à sua humanidade, então deve concluir-se que toda a Igreja está comprometida no serviço à família, para fazer que ela se torne cada vez mais aquilo que é chamada a ser.

Continuai, pois, com renovado impulso, caros irmãos e irmãs, no vosso compromisso apostólico. A causa é nobilíssima: trata-se em definitivo de ajudar o homem de hoje a amar o amor humano e a ter por ele aquela estima e aquele respeito, que são devidos à sua preciosidade.

Estai cientes, na vossa acção, de que eu aprecio o vosso compromisso, o estímulo com o meu encorajamento e o amparo com a minha oração. A confirmar tais sentimentos é-me grato conceder-vos, como aos vossos familiares e a todos os que compartilham os ideais em que vós acreditais, a Bênção Apostólica, propiciadora de todos os desejados favores celestes.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA UNIÃO DOS JURISTAS


CATÓLICOS ITALIANOS


Segunda-feira, 7 de Dezembro de 1981



Ilustres Senhores

1. Sinto-me sinceramente feliz em dirigir hoje uma cordial saudação a vós, membros qualificados da União dos Juristas Católicos Italianos, que nestes dias estais a realizar o XXXII Encontro Nacional de Estudo, dedicado ao tema: "A liberdade de educação". Exprimo também vivo apreço pela escolha do argumento das vossas relações e debates, enquanto tem ele notável e fundamental importância no contexto da sociedade actual, porque a educação é o meio indispensável para tornar a pessoa capaz de participar na vida social, política e económica sempre mais complexa e exigente.

O nível cultural hodierno, de modo tão íntimo ligado aos progressos científicos e técnicos, avança continuamente. Por isso, para que o homem contemporâneo se integre de maneira orgânica na vida social e desenvolva plenamente todas as próprias possibilidades, é exigida uma preparação em sintonia com as instâncias que urgem.

A educação é o meio que torna o homem idóneo para realizar a própria vida em harmonia com a sua dignidade de filho de Deus: ajuda-o a desenvolver a sua personalidade e as suas capacidades naturais para as colocar ao serviço do bem comum; permite-lhe, além disso, entrar em relação fraterna com os seus semelhantes e atingir o destino último e transcendente, ao qual é por Deus chamado.

A educação integral visa ao completo desenvolvimento da personalidade, dá pleno sentido à vida; não se limita à simples aquisição de não menos vastos conhecimentos, mas penetra também no campo da afectividade e da vontade; tende à formação de convicções, de atitudes e de comportamentos, facilitando assim as opções éticas, sociais e religiosas.

Somente uma educação, à qual tenham acesso todos os cidadãos, pode colocá-los numa posição de verdadeira igualdade diante das várias ocasiões, a eles oferecidas para que se afirmem e progridam na vida ao serviço dos seus semelhantes e sejam dóceis ao chamamento de Deus. O homem contemporâneo adquire sempre maior conhecimento do direito da pessoa à educação e, por conseguinte, é sempre mais zeloso deste direito; pede e exige que este seja respeitado, tutelado e defendido.

2. O Concílio Vaticano II, na declaração sobre a Educação cristã, afirma que, tendo os pais o dever-direito primordial e inalienável de educar os filhos, devem eles gozar de perfeita liberdade na escolha das escolas (cf. Gravissimum educationis GE 6). Semelhante afirmação se verifica na "Declaração Universal dos Direitos Humanos" das Nações Unidas (art. 26, 3).

Embora os pais devam preparar-se com muito empenho para cumprir este dever-direito na medida das suas forças, todavia, na estrutura da sociedade moderna parece que, muitas vezes, a função educativa supera largamente as possibilidades e a preparação da família, sobretudo devido ao ingente aumento de conhecimentos, que constituem hoje o património cultural.

A isto acrescenta-se a dificuldade de os pais cumprirem de maneira global, a sua missão educativa, por causa do forçado afastamento para atingirem os postos de trabalho, da falta de actualização para o rápido progresso dos conhecimentos, da distância entre as gerações, da sempre mais precoce autonomia dos filhos em relação aos próprios pais, da enorme influência dos instrumentos da comunicação social sobre a inteligência e a fantasia dos filhos desde a mais tenra idade.

É consequência indispensável portanto, no âmbito educativo, a colaboração complementar e subsidiária da sociedade, colaboração que se realiza principalmente na escola e por meio da escola.

3. Se os pais são o primeiro sujeito de deveres e de direitos no campo da educação, e a escola é complemento desta, os pais devem poder escolher o tipo de escola que melhor corresponda ao modelo de educação desejada para os seus filhos.

O princípio da liberdade de ensino tem o seu fundamento na natureza e na dignidade da pessoa humana. Porque esta é uma realidade anterior a toda a organização social — embora destinada a inserir-se nela — tem direito à autodeterminação do próprio desenvolvimento e aos meios necessários, sem que esta capacidade de autodeterminação seja limitada por arbitrárias imposições externas. A educação, para ser um autêntico progresso de aquisição e de maturação, deve ser caracterizada por esta liberdade, que é "no homem sinal eminente da imagem divina" (Gaudium et spes GS 17) e é essencial à pessoa. Sem liberdade a pessoa permaneceria desprovida da sua autonomia na formação de si mesma e na escolha das motivações e dos valores, que devem inspirar a sua conduta, em harmonia com as suas convicções mais profundas, especialmente com aquelas referentes ao significado total da própria existência.

A convivência pacífica e respeitosa de todos os grupos humanos, dentro de uma sociedade pluralista, não significa que se deva adoptar na escola um neutralismo filosófico e religioso, pois isto equivaleria a impor arbitrariamente aos alunos uma agnóstica ou evasiva imagem do mundo, e impedir que dêem um sentido unitário e harmonioso aos próprios conhecimentos.

É óbvio que, quando se trata de uma Nação prevalentemente católica, o projecto educativo do Estado —embora no devido respeito à consciência dos alunos, e respectivas famílias, de outra fé ou convicção —deve oferecer um sistema educativo e cultural que não contradiga, antes se inspire na tradição católica.

4. Visto que é dever da escola a formação integral do aluno, nesta formação não se pode prescindir da dimensão religiosa.

O ensino religioso deverá caracterizar-se pela resposta aos objectivos e aos critérios próprios de uma estrutura escolar moderna. Ele, de uma parte, será proposto como cumprimento de um direito-dever da pessoa humana, para a qual a educação religiosa da consciência constitui fundamental manifestação de liberdade; de outra parte, deverá ser visto como um serviço, prestado pela sociedade aos alunos católicos, lá onde constituem a quase totalidade dos estudantes, e aos seus pais, que, como logicamente se presume, exigem uma educação inspirada nos próprios princípios religiosos e desejam poder escolher, em plena liberdade, as escolas para os seus filhos.

Caríssimos Juristas católicos, regozijo-me sinceramente pelo vosso empenho e pelos sentimentos que inspiram as vossas iniciativas.

Desejo de coração que, pelos resultados deste vosso Encontro, vós e todos os membros da União dos Juristas Católicos Italianos sejam animados a trabalhar com intensa dedicação pela nobre causa da liberdade da educação e do ensino.

Ao assegurar-vos a grande esperança depositada em vós para o bem da Igreja e da sociedade civil, de bom grado concedo-vos a minha Bênção Apostólica, extensiva aos familiares e às pessoas que vos são caras.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ZVONIMIR STENEK NOVO EMBAIXADOR


DA REPÚBLICA SOCIALISTA FEDERATIVA DA JUGOSLÁVIA


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 10 de Dezembro de 1981



Senhor Embaixador

Desejo-lhe boas-vindas e agradeço-lhe os elevados propósitos que acaba de manifestar ao assumir oficialmente as suas funções de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Socialista Federativa da Jugoslávia junto da Santa Sé.

Vossa Excelência exprimiu a dedicação do seu país a certos princípios que de facto são muito necessários para estabelecer ou preservar a paz mundial em conformidade, aliás, com a Carta das Nações Unidas: o pleno respeito da independência dos povos, na igualdade e sem tutela abusiva; a compreensão dos seus problemas, das suas particularidades culturais, das suas justas reivindicações nas relações internacionais; o seu direito de organizarem livremente o próprio desenvolvimento em condições democráticas, sem discriminação; a preocupação de ajustarem as controvérsias mediante a negociação; e, ao lado de todas estas garantias, a decisão sincera e recíproca de limitar verdadeiramente a corrida aos armamentos que se revela cada vez mais perigosa e dispendiosa perante a pobreza extrema de tantas populações do mundo.

Como Vossa Excelência salientou, a Santa Sé aprecia estes objectivos e encoraja a realizá-los, contribuindo para isso com as suas relações bilaterais ou as suas intervenções junto das Organizações Internacionais, como também com todas as suas mensagens dirigidas à consciência dos homens de boa vontade. Fá-lo no âmbito da sua missão espiritual e com o desinteresse que lhe permite a sua abertura universal, tendo em consideração a dignidade de cada povo e de cada pessoa. Neste campo internacional, as relações diplomáticas entre a Santa Sé e o seu Governo, retomadas depois da assinatura do Protocolo de Belgrado, são de molde a favorecer a procura leal de melhores condições de paz e de colaboração entre os povos, e faço votos por que sejam cada vez mais frutuosas.


Discursos João Paulo II 1981 - Sábado, 5 de Dezembro de 1981