Discursos João Paulo II 1982 - Sábado, 9 de Janeiro de 1982

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A SUA EXCELÊNCIA O SENHOR BJORN-OLOF ALHOLM


NOVO EMBAIXADOR DA FINLÂNDIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DA CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 11 de Janeiro de 1982



Senhor Embaixador

Estou grato a Sua Excelência o Presidente da República da Finlândia pelos bons votos de que o fez portador. Peço queira dar-lhe a certeza das minhas orações pela Sua pessoa e pelo importante serviço que é chamado a prestar ao próprio país e à comunidade mundial.

A Finlândia é conhecida e apreciada em toda a parte pelo zelo dedicado à própria independência e às liberdades pessoais, e também pela sua dedicação ao entendimento internacional e à paz.

Por ocasião da minha visita, a 2 de Junho de 1980, à sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em Paris, salientei que não era apoiando-se nos recursos da força física mas nos da própria cultura que um país conserva a sua identidade e a soberania nacional. São os valores morais e étnicos radicados na cultura finlandesa que oferecem à nação a sua estabilidade e a sua força. Peço por que estes valores sejam cuidadosamente conservados e desenvolvidos, para o bem do seu próprio povo e do mundo inteiro. A Igreja católica nutre, bem sei, elevada estima pela Finlândia, e embora os seus membros sejam numericamente poucos, contribuem de bom grado para esta tarefa, como parte do próprio serviço ao seu país.

A Santa Sé também nota com apreço o papel da Finlândia ao serviço da paz mundial. Não sem razão foi escolhida Helsínquia como sede para a abertura e o encerramento da Conferência sobre a Segurança e a Cooperação na Europa, cujo Acto Final contém princípios e recomendações que reflectem aspirações compartilhadas em toda a parte pelas pessoas de boa vontade, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos e aos direitos dos povos. Confio em que o seu país continuará por longo tempo a desempenhar o seu valioso papel neste campo, encorajando a compreensão entre os povos e o respeito pelos direitos das nações e dos indivíduos.

Ao exprimir o meu profundo interesse pela Finlândia e os meus bons votos pelo seu bem-estar, também desejo assegurar a minha estima e as minhas orações por Vossa Excelência e pela missão que está a empreender. Estou certo, com a sua ajuda, que as cordiais relações entre a Finlândia e a Santa Sé continuarão a desenvolver-se. Deus o assista e o abençoe.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR NARENDRA SINGH


NOVO EMBAIXADOR DA ÍNDIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 14 de Janeiro de 1982



Senhor Embaixador

É com satisfação que dou as boas-vindas a Vossa Excelência como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Índia junto da Santa Sé e recebo os amáveis bons votos que me traz das autoridades do seu pais. Retribuo calorosamente estes bons votos e peço a Deus abençoe todo o povo da Índia.

Como vossa Excelência disse, a fé cristã chegou muito cedo à Índia. Fez parte da história do seu país desde sempre. Quando a Índia moderna adquiriu a sua independência, os cristãos depositaram devidamente a verdade deles nos seus concidadãos e nas garantias inscritas na Constituição e de boa vontade participaram em todos os aspectos da vida da nação. Estou certo que as louváveis tradições de respeito pela fé dos crentes, a que Vossa Excelência se referiu, garantirão que sejam mantidas estas garantias de liberdade de consciência e a justa liberdade de professar, praticar e propagar a religião, sem haver discriminação contra ela. Um dos mais preciosos elementos da herança da Índia é o seu respeito pelos esforços envidados por homens e mulheres para satisfazerem a obrigação, que a sua natureza lhes impõe, de procurarem a verdade e aderirem a ela, e de orientarem as suas vidas de acordo com o que ela requer!

A mesma herança dá grande significado ao papel que a Índia desempenha na comunidade mundial das Nações. Na esfera internacional são necessárias vozes que falem dos direitos humanos, dos direitos dos homens e das mulheres individualmente, em toda a parte, dos direitos inerentes a eles tanto no seu aspecto físico como espiritual, direitos sem os quais eles não podem viver conservando a própria dignidade como seres humanos, dotados de inteligência e vontade e de personalidade. Estes direitos fundamentais são uma condição para a paz, e aqueles que contribuem para assegurar o respeito dos mesmos são verdadeiros artífices de paz.

Peço a Deus abençoe o trabalho que está a ser feito na Índia e pela Índia para dar a oportunidade a todos de realizarem as possibilidades humanas de modo mais completo. E peço que derrame abundantemente os seus favores sobre todo o povo da índia e sobre aqueles que o servem no âmbito do governo ou da diplomacia ou em qualquer outro.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA NIGÉRIA EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 14 de Janeiro de 1982



Caros Irmãos em nosso Senhor Jesus Cristo

1. Com a ajuda de Deus, terei o privilégio, dentro de poucas semanas, de fazer uma viagem até ao vosso país e expressar pessoalmente o meu amor e a minha estima por todo o povo nigeriano. A minha visita será acima de tudo visita pastoral. Irei para anunciar o Evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo; e para celebrar convosco — na fé, na esperança e na caridade — a comunhão da Igreja Católica. Num sentido verdadeiro, farei uma peregrinação ao santuário vivo do Povo de Deus, que é a Igreja na vossa terra.

2. A visita dará a todos nós a oportunidade de experimentarmos a nossa unidade em Cristo e na Igreja. Juntos poderemos compreender, ainda mais profundamente, o que significa estar unido na aceitação da palavra de Deus e exprimir esta unidade por meio da oração, da acção sacramental e do sentimento caridoso. Deste modo esperamos manifestar a comunhão eclesial com o mesmo fervor que os primeiros cristãos que "eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, ã união fraterna, à fracção do pão e às orações" (Ac 2,42). Na verdade, peço que a minha visita não só reflicta essa comunhão mas também a intensifique. Entretanto, a visita ad Limina de hoje antecipa a nossa grande celebração da unidade e orienta-nos para ela. É prelúdio e preparação para uma visita pastoral em que o Papa pertencerá, de maneira especial, à Nigéria.

3. Pela sua própria natureza, cada celebração da comunhão eclesial está ligada ao anúncio da palavra de Deus. É na verdade de Jesus Cristo, a Palavra Encarnada de Deus, que todas as nossas assembleias se congregam; é a esta verdade que a nossa união deve dar testemunho. Como São João explica, a nossa comunhão está ligada à mensagem de verdade que ouvimos e anunciamos: "A nossa comunhão é com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo" (2Jn 1,3). Na verdade, nesta oração, Cristo implora a perfeita unidade para os Seus discípulos, só depois de se dirigir ao Pai dizendo: "Santifica-os na verdade... Eu consagro-Me por eles, para eles serem também consagrados na verdade" (Jn 17,17-18). Toda a comunhão eclesial se constrói sobre a verdade da palavra de Cristo.

4. O grande desejo do meu coração é portanto anunciar ao vosso povo a mensagem vivificadora da verdade, o Evangelho de Jesus Cristo. Neste sentido toda a minha visita pastoral deve ser vista no contexto da evangelização.Torna-se, assim, ulterior anúncio da mensagem da salvação, que já foi pregada ao vosso povo e que ele aceitou. Torna-se novo convite para que este se revista de Jesus Cristo e "ande de maneira digna do chamamento que recebeu" (Ep 4,1). Numa palavra, a visita está colocada sob o signo da evangelização, no centro da qual está "um claro anúncio de em Jesus Cristo — o Filho de Deus feito homem, que morreu e ressuscitou dos mortos — ser oferecida a salvação a todo o povo, como dom da graça e da misericórdia de Deus" (Evangelii Nuntiandi EN 27).

Entendida deste modo, a evangelização significa pregar uma mensagem de esperança, levando a Boa Nova a todas as partes da sociedade, e convidando os indivíduos e as comunidades a uma mudança interior. A evangelização é a vocação própria da Igreja; exprime a sua mais profunda identidade, porque resume toda a missão do próprio Jesus, que disse: "Tenho de anunciar a Boa Nova do Reino de Deus... pois para isso é que fui enviado" (Lc 4,43).

5. Em união com os Bispos da Nigéria e com toda a Igreja, também eu procurarei desempenhar a minha própria missão de anunciar, ao serviço do Evangelho, convidando a Igreja que está entre vós a tornar-se um sinal e instrumento cada vez mais efectivo do reino de Deus na terra. É por meio da evangelização, por meio da comunicação do poder do Evangelho de Cristo, que as Igrejas locais são purificadas e tornadas capazes de vir a ser cada vez mais autênticas comunidades de fé, em que os pobres e os que sofrem, os doentes e os deficientes, os desempregados e os deserdados, os órfãos, as viúvas e os refugiados encontram amor fraterno, solidariedade e amparo; e em que é cada um "solicito em conservar a unidade do Espírito mediante o vinculo da paz" (Ep 4,3).

Sim, caros Irmãos, espero ansioso encontrar-me convosco e com o vosso povo, a fim de prestar homenagem aos que primeiro vos levaram a mensagem do Evangelho e implantaram a Igreja entre vós. Desejo sinceramente celebrar em união convosco a nossa unidade sob o signo da evangelização. Tudo isto se destina à glória de Deus uno e trino, a quem cada um de nós, nessa ocasião, deve ser capaz de dirigir a sua prece de exultação e alegria: "Anunciarei o Vosso nome aos meus irmãos, no meio da assembleia vos louvarei" (Ps 21,23). Com a ajuda de Deus louvá-1'O-emos juntos — na Nigéria! E oxalá a Mãe de Deus ajude esta a fazê-lo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR HEDI BACCOUCHE


NOVO EMBAIXADOR DA TUNÍSIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1982



Senhor Embaixador

No momento em que me apresentou as cartas que o acreditam como Embaixador da Tunísia junto da Santa Sé, aprouve-se dirigir-me algumas palavras caracterizadas por grande cordialidade e que definiram com propriedade o sentido da elevada missão que lhe foi confiada por Sua Excelência o Senhor Habib Bourguiba, Presidente da República tunisina.

É com satisfação que encontro nas suas palavras a expressão da solicitude constante do Presidente Bourguiba e do povo tunisino na busca do caminho do diálogo e da compreensão. Propósito difícil, mas tão exaltante!

O seu país, em virtude da própria configuração geográfica, não foi sempre uma encruzilhada que permitiu aos valores provenientes do Próximo Oriente, como também aos da Europa, serem assimilados pelo génio do povo tunisino, para os transmitir em seguida ao Magrebe inteiro? Está nisto uma linha dominante da civilização tunisina, e que forma um penhor precioso não só para o seu futuro, mas também para o das relações internacionais em que a Tunísia se encontra empenhada para promover o espírito de negociação, de paz e de justiça.

A este propósito, sei que os cristãos puderam entretecer laços de sólida amizade com muitos dos seus compatriotas. A Igreja católica, por outro lado, goza no seu país da benevolência das autoridades públicas dentro do respeito das convenções estabelecidas de comum acordo.

Tal espírito de consideração recíproca deve, como Vossa Excelência acentuou há instantes, animar igualmente a colaboração dos crentes, em primeiro lugar ao serviço da promoção moral dos povos e da causa da paz. Esta é particularmente urgente no Próximo Oriente onde os crentes têm as suas raízes espirituais comuns: a este título ela deveria ser exemplar nisto! Tal é o desejo que nutro no coração neste tempo perturbado!

Este espírito é ainda requerido para a defesa dos direitos do homem, em todas as partes do mundo. O homem foi criado por Deus: isto confere à sua dignidade uma dimensão sacra que, de modo ainda mais premente, convida os crentes, no seu zelo, a obedecerem ao Criador, e a unirem-se para a defender, tanto entre aos povos como entre aos indivíduos, e a intensificarem com tenacidade os seus esforços em vistas de uma cooperação sincera e eficaz.

Feliz por constatar estas convergências nos propósitos de Vossa Excelência, que me deixam esperar o melhor bom êxito da sua elevada missão, desejo assegurar-lhe que encontrará sempre em mim, como nos órgãos da Sé Apostólica, toda a compreensão e a ajuda de que possa ter necessidade. Peço-lhe igualmente queira tornar-se intérprete, junto de Sua Excelência o Presidente Habib Bourguiba, da minha gratidão pelos bons votos que me dirigiu e das minha felicitações para a sua pessoa e o seu país.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS ITALIANOS DA LOMBARDIA


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1982



Veneráveis e amados Irmãos,
Bispos das Igrejas que estão na Lombardia

1. Agradeço ao Senhor com todo o coração a intensa alegria que me proporciona o encontro convosco. Esperei na oração a vossa vinda, antecipando-a com o vivo desejo de vos ver um por um e todos juntos, "para vos comunicar alguma graça espiritual, a fim de vos fortalecer, ou antes, para convosco me reconfortar no meio de vós, pela fé que nos é comum a vós e a mim" (Rm 1,11-12).

Juntos adoramos a Cristo que nos escolheu para servir o seu Evangelho. Adoramo-1'O porque nos fez instrumentos do seu amor misericordioso, para transmitir luz e consolação aos homens de hoje, cuja salvação, como para os homens de ontem e de sempre, se encontra unicamente na verdade que a Divina Revelação, n'Ele completada, nos deu a conhecer.

Aqui, a esta Sé Apostólica que preside à Igreja na caridade, a esta Cátedra do Vigário de Cristo, à qual o Senhor pela sua imperscrutável vontade chamou a minha humilde pessoa, viestes para comunicar os problemas, as alegrias, os anseios, os sofrimentos da vossa missão pastoral. Acolho-vos com fraterno afecto, no desejo de vos oferecer o conforto e a compreensão, que vos ajudem a continuar na vossa missão de "ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus" (cf. 1Co 4,1).

2. Vós sois Bispos muna região italiana, a Lombardia, na qual o anúncio do Evangelho e a edificação da Igreja remontam aos primeiros séculos cristãos.Sois, portanto, herdeiros e guardiães de uma tradição religiosa de inestimável valor. A esta tradição é necessário recorrer constantemente, porque ela, longe de ser um freio, é quase uma força que incita para a frente. Baste citar o nome de Santo Ambrósio e o de São Carlos para evocar um património de doutrina e de experiência pastoral capaz também hoje, embora em tempos tão diversos, de iluminar a mente e estimular a vontade dos que lhes devem continuar a missão.

No nosso século bem três Sumos Pontífices tiveram o nascimento e a educação na vossa região: Pio XI, João XXIII e Paulo VI, todos três de grande e venerada memória. Nós cremos que o Espírito Santo guia a Igreja de Deus, e na fé podemos pensar que não deixa de ter um providencial significado o facto que, em pouco mais de meio século, o ministério de Pedro tenha sido confiado a três Papas de origem lombarda.

Este facto sugere pensamentos com referência de modo particular à vossa região e que evocam a sua longa história. É a história de uma população séria e trabalhadora; mas sobretudo história da progressiva penetração do Cristianismo na mentalidade e no costume, nos quais se vem constituindo aquele núcleo de valores essenciais em que gerações e gerações de lombardos inspiraram no tempo a sua vida. Não é difícil elencar alguns dentre os mais importantes: a honra pelo matrimónio; o culto da família; a solidariedade pela educação dos filhos; o empenho no trabalho; a honestidade nas relações humanas; a força no enfrentar as dificuldades; o amor da liberdade; a generosidade; a participação civil; e sobretudo fé religiosa e adesão à Igreja católica, que representaram o farol orientador na vida da vossa gente.

Da vossa história e tradição vieram os numerosos Santos lombardos que a Igreja venera pelo reconhecido heroísmo da sua virtude; vieram os inúmeros santos conhecidos só de Deus, que todos os dias, sobretudo nas famílias, transmitiram a fé com a oração, o exemplo e a educação; vieram as largas falanges de sacerdotes admiráveis pela dedicação às almas e serviço à Igreja, que souberam guiar os rebanhos com dinamismo empreendedor, não separado da esclarecida prudência pastoral.

3. Na vossa região encontram-se todos os sinais que fazem, do nosso tempo, um período histórico maravilhoso por aquilo que a humanidade chegou a construir, mas também uma época assinalada por tantas imperfeições que a perturbam e agitam. A ciência, a técnica, o trabalho e a inventiva semearam a terra lombarda de fábricas; produziram e espalharam riqueza; atraíram um número altíssimo de pessoas das zonas mais pobres da Itália; tornaram possível um teor de vida, até há uma geração, quase impensável. Mas tudo isto influiu profundamente sobre os costumes e sobre a mentalidade, com consequências muitas vezes negativas precisamente em ordem a esses valores, que a tradição cristã tinha durante séculos defendido como bem mais precioso até mesmo no plano civil.

Cristo escolheu aí e para aí mandou anunciar as maravilhas do Seu amor, entre homens e mulheres que vivem as contradições do nosso tempo, com as possibilidades do bem que nele cresceram, mas também com as formas antigas e novas de mal que o acompanham. A solidão, que desgasta o coração do homem e muitas vezes o arrasta ao desespero, é experimentada de modo particular precisamente no meio de sociedades ricas, animadas e quase transtornadas por rumores e por luzes. Há quem procure vencer a solidão com a droga, o erotismo, o materialismo prático e a violência mesmo; mas o mal não se vence nunca com outro mal.

Sabemos que só Cristo conhece o coração do homem e que só da sua Palavra brota a água viva, capaz de saciar a sede do homem. E é Cristo, só Cristo, que temos a missão de anunciar e testemunhar com a nossa vida. Ser pastor de almas significa, hoje como sempre, saber compreender a fascinadora e tremenda realidade do homem; captar a necessidade profunda de amar e ser amado, que ele encerra em si mesmo; valorizar as suas aspirações de justiça e de paz. Tarefa primordial da nossa paternidade espiritual é transmitir a fé em Cristo, para que nela todo o homem encontre o significado último e unificante da sua vida em cada manifestação e direcção.

4. A vossa região não é importante só pelo trabalho e a organização dele. É importante ainda pelo grande relevo que nele tem a cultura e a educação, com as inúmeras instituições que estão ao serviço delas.

Isto honra os Lombardos. A parte exercida pelos católicos é de notável amplidão, e por este motivo exprimo-vos a minha mais viva complacência e o mais cordial apoio.

Nada menos de quatro cidades vossas são sedes de Universidades: Milão, Pavia, Bréscia e Bérgamo. As escolas de toda a ordem e grau estão aí difundidas de modo capilar. Existem bibliotecas prestigiosas, pinacotecas, conservatórios musicais, escolas de arte, centros e institutos culturais. Imprimem-se na Lombardia jornais e periódicos de nível nacional. Nela têm sede casas editoras de grande fama e importância. Tudo isto apresenta um problema pastoral de enorme relevo para as Igrejas particulares lombardas, mas também para toda a Igreja italiana por causa da influência que a cultura, ultrapassando todos os limites, exerce na formação de um comum pensamento moral e no crescimento da inteligência.

Se "a cultura é aquilo que leva o homem enquanto homem a tornar-se mais homem" (Discurso à UNESCO, 2 de Junho de 1980), apresenta-sè com evidência imediata o cuidado que devemos ter com a cultura e a difusão dela. Disto depende o destino do homem, e a Igreja portanto é directamente responsável por ela. Tudo o que fazeis, para acompanhar aqueles que trabalham nas diversas instituições culturais e nas escolas, e para não deixar que faltem uma forte, séria e operosa presença cultural católica, corresponde às mais decisivas expectativas do homem e às mais graves responsabilidades da Igreja.

Num contexto social como o lombardo, tarefa da cultura deveria ser a oferta de um contributo de insubstituível importância para a compreensão do nosso tempo.

A cultura católica não deve faltar. A verdade de Cristo, guardada e ensinada de modo autêntico pelo Magistério da Igreja, ilumina a experiência humana e permite conhecê-la a fundo. Dai deriva a possibilidade, para a mesma razão humana, da determinação de critérios e princípios, que inspiram apreciações e orientações, para ela de outro modo impossíveis. Também aquele que não tem fé deveria pelo menos reconhecer que o contributo da cultura católica, para a compreensão do homem, enriquece a investigação e o conhecimento comum.

A fé não mata a razão e não exclui, de facto, o que pela razão é conquistado. Mas a cultura que a fé gera, quando é sinceramente vivida, não é só razão. Nasce da vida cristã, e da vida cristã traz o selo. Torna-se mentalidade; exige coerência; reconhece o primado da contemplação; dilata-se na caridade; faz-se atenta com a especial inclinação para cada homem e para todo o homem. Onde a causa do homem exige um empenho particular, para aquilo que o homem produz não se voltar contra ele, o papel de uma cultura católica é fundamental por motivos não só religiosos, mas também civis e sociais.

5. De alguns problemas particulares parece-me oportuno falar hoje convosco, com a finalidade de sublinhar a importância de uma acção pastoral atenta e esclarecida, a respeito da cultura. O primeiro é o da chamada "cultura popular", ou seja daquele conjunto de princípios e valores que formam o "ethos" de um povo, a força que o unifica no fundo e que a experiência histórica fez maturar por vezes com o duro preço de grandes dores colectivas, constituindo um fundamento comum, antes e além das orientações ideológicas e políticas. Nenhum povo se constitui fora deste fundamento. Nenhuma experiência política, nenhuma forma de democracia pode sobreviver, se falta o apelo a uma comum moralidade de base. Nenhuma lei escrita é suficiente para garantir a convivência humana, se não tira a sua íntima força de um fundamento moral. Tal "cultura popular" é, na maior parte, obra, na vossa região, da fé cristã e da educação dada no curso dos séculos pela Igreja. Hoje por diversos motivos está ela ameaçada; por vezes parece em grave perigo de ser subvertida. Vigiai com grande cuidado sobre este ponto: dele depende o futuro da Igreja e da sociedade mesma.

Uma segunda reflexão diz respeito à escola, sobretudo a que os meninos e as meninas têm obrigação de frequentar. Essa escola contribui em grau eminente para a formação da "cultura popular". Embora reconheçamos a influência da chamada "escola paralela", ou seja dos meios de comunicação de massa, e dos grupos que espontaneamente se formam entre os meninos, a função da escola continua insubstituível. Mantém-se tal, não só pelos numerosos argumentos aduzidos pela pedagogia, mas também pela acção que o professor está em posição de exercer sobre os alunos. Daqui deriva a fundamental importância, na pastoral escolar, do que é programado e feito para acompanhar religiosa e culturalmente professores de todas as ordens e graus, a partir das educadoras da escola materna.

A história e a experiência da vossa região oferecem mais uma prova de que a fé foi transmitida ao povo por obra dos pais, dos sacerdotes e, em não poucos casos, dos professores. São inúmeras as pessoas que reconhecem dever à sua mestra ou ao seu mestre elementar as primeiras, nunca depois esquecidas, orientações religiosas. Os católicos lombardos foram os primeiros a compreender a importância do problema nos anos entre os séculos XIX e XX. Devem-se à capacidade de eles olharem para longe e à solidez e operosidade típicas da estirpe lombarda algumas iniciativas de grande relevo que, propondo-se "educar os educadores", deram impulso fundamental à educação cristã do povo. Foi na Lombardia que se constituiu, nos princípios deste século, a Associação nacional dos mestres católicos, dedicada a Nicolò Tammaseo. Foi por obra de lombardos que teve origem, e continua a actuar, a providencial instituição da Editorial "La Scuola". Foi a Universidade Católica que iniciou, logo que foi constituída, cursos de formação para os professores. Incite-vos essa tradição a continuar na busca de soluções sempre novas de um problema, hoje como ontem, de alcance verdadeiramente histórico.

A "cultura popular" é hoje em grande medida, como já insinuei, influenciada pelos meios de comunicação de massa. Não se pode duvidar da importância de tais meios na formação dos costumes e da opinião pública. Os católicos italianos já a isso dedicaram louvavelmente muita atenção; mas é necessário multiplicar os esforços para que tais meios não operem de tal modo que desorganizem uma moralidade de base, que foi sempre a força secreta do povo italiano. É preciso fazer todo o esforço para ajudar e sustentar o diário católico e também os semanários católicos, que nas vossas dioceses gozam de larga difusão entre o povo e entram nas famílias, levando a vossa palavra e fazendo que seja seguida a vida da Igreja. E o mesmo devemos dizer das emissoras radiofónicas e televisivas católicas, que operam na vossa região: são meios de inestimável potência para levar a voz católica a ambientes e lugares, de outro modo quase inacessíveis, e que merecem toda a possível ajuda.

6. Uma alusão particular quero reservar para a escola católica, que na vossa região está felizmente difundida e organizada. Exprimo-vos por ela o meu aplauso cordial. A escola católica não é facto marginal ou secundário, na missão pastoral do bispo. Não se pode interpretar unicamente como função de substituir a escola estatal. Não há-de também entender-se como antítese da escola estatal. Encontra-se verdadeiramente justificada pela missão mesma da Igreja, e é plenamente compreensível à luz dos princípios basilares da doutrina cristã: o primado educativo da família; um projecto educativo em que se fundam em harmonia a fé, a cultura e a vida; a possibilidade oferecida a todos de uma educação integralmente cristã; a liberdade não só nas instituições, mas também das instituições. Os católicos lombardos bateram-se aguerridamente no passado, quer pela sua escola quer pela escola estatal. É necessário continuar, considerando cada vez mais a escola católica como iniciativa da Igreja particular, que por meio dela evangeliza, educa e colabora na edificação de costumes moralmente sãos e fortes no povo.

Não podemos esquecer que na Lombardia, em Milão e em Bréscia, se encontra a Universidade Católica do Sagrado Coração, pérola autêntica da escola católica na Itália. Foram o génio e a tenacidade, a fé e a paixão pela educação dos jovens — do Padre Agostino Gemelli e de outros lombardos — a institui-la há uns 60 anos, ajustando-se ao voto e ao desejo de muitos católicos italianos. A Universidade Católica do Sagrado Coração é hoje uma realidade viva, prestigiosa e apreciada, não só na Itália e não só entre os católicos. Na sua tríplice função — didáctica, de investigação cientifica e de educação permanente — dá contributo inestimável para a vida da Igreja e da sociedade, e merece ser sustentada com generoso empenho.

Pelo menos uma alusão desejo dedicar também às casas editoras católicas, que surgiram e têm a sede na vossa região. São numerosas e constituem nova prova da inteligência e da riqueza espiritual dos católicos lombardos. Dentro embora do respeito pela sua legítima autonomia, têm de ser seguidas, animadas e assistidas, a fim de que as suas actividades representem sempre um serviço à verdade e à formação cristã da opinião pública.

Por último desejo, no contexto do fundamental tema da cultura, recordar o serviço que é chamada a prestar, neste campo, a Faculdade Teológica da Itália Setentrional, frequentada por sacerdotes, religiosos e leigos da Lombardia, do Piemonte e do Véneto. Exorto-vos a seguir de perto a actividade de tal Centro, sustentando-o e, ao mesmo tempo, vigiando para que seja sempre salvaguardada a pureza da doutrina. Como responsáveis pela salvação eterna dos vossos fiéis, tende sempre viva consciência da missão que vos incumbe de garantir que ao vosso rebanho seja levado o anúncio da verdadeira fé e que sejam dele afastados os erros que o ameaçam (cf. Lumen Gentium LG 25). Só uma fé, alimentada nas fontes genuínas da verdade trazida por Cristo, poderá consentir a elaboração de projectos de acção capazes de influir positivamente na vida dos particulares e mesmo nas estruturas sociais.

7. Veneráveis Irmãos, os frutos de uma pastoral da cultura não podem ser imediatos. Exigem tempo e paciência. Devemos semear hoje, se queremos que o amanhã do nosso povo seja cristãmente mais fervoroso e luminoso. Importante é semear hoje com generosidade e inteligência. É necessário fazer-vos ajudar neste esforço por sacerdotes e leigos, que à límpida vida cristã e à paixão apostólica unam uma séria preparação cultural, segurança de doutrina e modernidade de métodos, e ao mesmo tempo a capacidade de ver a fundo e para a frente. O que fazeis no campo da cultura e da educação renderá cem por um, para a glória de Deus e a salvação dos homens.

E agora, em conclusão deste encontro, na perspectiva já próxima de duas grandes reuniões — como o Congresso Eucarístico nacional do próximo ano de 1983 e o 400° aniversário da morte de São Carlos Borromeo, que decorrerá em 1984 — ao mesmo tempo que faço votos por que tais acontecimentos possam constituir momentos significativos de reflexão e de prosseguimento, concedo de coração, a vós e às populações que representais aqui, a propiciadora Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO I CONGRESSO NACIONAL


DO MOVIMENTO ECLESIAL DE EMPENHO CULTURAL


Sábado, 16 de Janeiro de 1982



Caríssimos!

1. Desejo exprimir-vos a minha sincera alegria ao receber-vos depois do nosso encontro de Junho de 1980, quando, após a aprovação dos novos estatutos pelo Conselho permanente da Conferência Episcopal Italiana, viestes para me apresentar o vosso programa de empenho cultural ao serviço da Igreja e da Sociedade civil.

Precisamente o facto de ser eclesial o vosso Movimento, obriga cada um de vós a pensar e promover a cultura em estreita conexão com a fé que professais, a realizar uma verdadeira síntese entre a fé e a cultura. É esta a vossa missão especifica, da qual nunca podeis eximir-vos nem como homens de cultura nem como crentes, dado que tal síntese é uma exigência tanto da cultura como da fé.

É, em primeiro lugar, uma exigência da cultura. "O homem, de facto, vive uma vida verdadeiramente humana graças à cultura" (Discurso à UNESCO, 6: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1, 1980, p. 1639). Se a cultura é o lugar em que a pessoa humana se humaniza e se aproxima sempre mais profundamente da sua humanidade, disto se segue que a condição fundamental de toda a cultura é que, nela e mediante ela, todo o homem, o homem na medida inteira da sua verdade, seja reconhecido: na base de toda a cultura digna deste nome está esta afirmação, teórica e prática, da pessoa humana. Para quem crê, "o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado... Cristo, na mesma revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta perfeitamente o homem ao próprio homem" (Gaudium et spes GS 22). E, portanto, o empenho cultural de quem crê seria substancialmente falho se a humanização do homem, que ele promove mediante a cultura, não fosse com consciência orientada e dirigida para a sua complementação na fé. A cultura não é só obra individual: ela é também essencialmente comunitária, fruto da cooperação de muitos. O cristão deve cooperar com todos os que se empenham pela cultura. Mas a condição imprescindível desta cooperação é o reconhecimento e o respeito, por parte de todos, da verdade inteira do homem e da sua dignidade. Quando se verificam cooperações não respeitantes desta condição não é ao homem que se serve, mas a ideologias destrutivas do homem; atraiçoa-se, isto é, o empenho cultural. A fidelidade à visão cristã do homem, ensinada pela Igreja, não isola mas, ao contrário, torna de modo efectivo capazes de criarem verdadeira cultura: universalmente humana e humanizada. "Na verdade, Cristo morreu por todos e a vocação última do homem é realmente uma só, a saber divina" (Gaudium et spes GS 22).

2. A síntese entre cultura e fé não é só uma exigência da cultura, mas também da fé. Como ensinou o meu predecessor Paulo VI, "importa evangelizar — não de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade e isto até às raízes — a cultura e as culturas do homem... a partir sempre da pessoa e fazendo continuamente apelo para as relações das pessoas entre si e com Deus" (Evangelii nuntiandi, EN 20). Se, de facto, é verdade que a fé não se identifica com alguma cultura e é independente em relação a todas as culturas, não é menos verdadeiro que, precisamente por isto, a fé é chamada a inspirar e impregnar todas as culturas. E o homem todo, na realidade da sua existência quotidiana, que é salvo em Cristo e é, por isso, o homem todo que deve realizar-se em Cristo. Uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada e nem com fidelidade vivida.

Na minha recente Exortação apostólica escrevi: "é mediante a inculturação" — por meio, isto é, de uma fé que se torna cultura — "que se caminha para a reconstrução plena da aliança com a Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo" (Familiaris consortio FC 10). É desta "reconstrução plena" que o homem de hoje mais precisa. Só a plena verdade sobre o homem, que nos é dada pela fé, pensada fielmente sob a guia do Magistério da Igreja, pode tornar-vos capazes de perceber na sua profunda unidade e de harmonizar a sempre maior diversidade dos elementos constitutivos da cultura hodierna: unificação e harmonização em que consiste a sabedoria (cf. Gaudium et spes GS 15).

3. Nesta perspectiva do vosso empenho cultural e de harmonia com o vosso modo de presença nos mais actuais problemas da sociedade contemporânea, escolhestes como tema do vosso Congresso nacional: "Profissionalidade e trabalho. Que sentido? Que projecto?". Com o vosso debate em congresso, cujo programa li com interesse, propondes-vos aprofundar os temas expostos na encíclica Laborem exercens, no que diz respeito à situação económica e social da Itália.

Tal análise da transformação e das tendências do sistema económico-social, pode tornar-se um oportuno ponto de partida para promover aquelas inovações técnico-científicas, estruturais e jurídicas, exigidas pela evolução dos sistemas de produção e que contribuem, ao mesmo tempo, para salvaguardar a dignidade e a actividade do trabalhador, qualquer que seja o seu nível de responsabilidade e de profissionalidade: criativa, directiva ou executiva. Como escrevi na Laborem exercens: "o trabalho humano não diz respeito simplesmente à economia, mas implica também, e sobretudo, valores pessoais. O próprio sistema económico e o processo de produção auferem vantagens precisamente do facto de tais valores pessoais serem respeitados" (n. 15).

O valor pessoal do trabalho nunca pode deixar de ser considerado, pelo que, em qualquer sistema económico, mesmo até de parcial ou total socialização dos meios de produção, o homem deve conservar a consciência de trabalhar "como pessoa ". Quando o trabalho perde as características da subjectividade, quando não é mais "actus personae" (Laborem exercens LE 24), quando o trabalhador não sente mais trabalhar como pessoa, sobrevêm então o aborrecimento pelo trabalho, que se transforma frequentemente no mito do não-trabalho, na desordem social do ócio, já condenado por São Paulo (2Th 3,10-12).


Discursos João Paulo II 1982 - Sábado, 9 de Janeiro de 1982