Discursos João Paulo II 1982 - Sábado, 16 de Janeiro de 1982

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A VISITA AO PONTIFÍCIO ATENEU


«ANTONIANUM»


Sala Magna

Sábado, 16 de Janeiro de 1982



Irmãos e Filhos caríssimos!

1. Na solicitude diária por todas as Igrejas (cf. 2Co 11,28), que me incumbe como Sucessor de Pedro e Vigário de Cristo, quis inserir também a visita pessoal às Pontifícias Universidades e Ateneus com sede em Roma, centros de irradiação da cultura eclesiástica, que empenham tantos Professores e Estudantes provenientes de muitas nações de todos os continentes.

Para todos aqueles que nestas beneméritas Instituições estão, de diversos modos, empenhados, a vinda do Papa quer servir de estímulo a cooperarem sempre mais eficazmente com ele para a difusão do Evangelho (cf. Flp Ph 1,5).

2. Na série destas visitas está incluída hoje aquela ao Pontifício Ateneu "Antonianum", da Ordem dos Frades Menores. Dirijo, portanto, a minha cordial saudação aos Senhores Cardeais William Baum, Prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica, e Ferdinando Antonelli, que foi Reitor deste Ateneu; ao Pe. John Vaughn, Grão-Chanceler, bem como ao Pe. Gerardo Cardaropoli, actual Reitor; aos ex-Reitores, aos Decanos e Directores e a todo o Corpo docente.

Em particular, saúdo os caros Estudantes do Ateneu, à disposição dos quais são colocadas as suas multíplices estruturas e iniciativas académicas; é-me grato augurar-lhes uma formação cultural construída com a mente e com o coração, em vista de um testemunho evangélico sempre mais eficaz.

É sabido que actualmente o Pontifício Ateneu "Antonianum" constitui a única Universidade da Ordem dos Frades Menores e também o seu centro de mais reconhecido prestígio, com as suas três Faculdades: de Teologia, de Direito Canónico, e de Filosofia.

Tanto a saudação como a palavra, que me são dadas exprimir na sede deste ilustre Ateneu, dirigem-se também às várias instituições nele inseridas ou que dele fazem parte: os dois Institutos interdepartamentais acenados pelo Reitor Magnífico, a Comissão Escotista, a Academia Mariana Internacional, o Colégio de São Boaventura, a Escola agregada "Regina Apostolorum" para Religiosas, e as sete Faculdades Teológicas afiliadas, tanto na Itália como em Jerusalém.

Estas várias instituições testemunham o nível de autêntica pesquisa académica, que enobrece o Antonianum. De facto, ele realiza e, como todos os Ateneus, é chamado a realizar sempre em maior escala as três finalidades características das Faculdades Eclesiásticas, como escrevi na Constituição apostólica Sapientia Christiana: cultivar e promover a nível científico as próprias disciplinas; formar os Estudantes a um nível de alta qualificação; e enfim ajudar a Igreja na sua obra evangelizadora (cf. Art. 3). Dessas quero aqui salientar sobretudo as duas primeiras, pois que o valor de um Ateneu se mede precisamente pela seriedade e dedicação à pesquisa cientifica. Isto, aliás, é requerido não só pelas exigências culturais do nosso tempo e pelas providenciais reinvidicações do homem contemporâneo, mas também pela evidente dignidade própria das mesmas Ciências cultivadas, às quais é preciso consagrar-se, segundo quanto escreve o Livro de Ben-Sirá sobre a sabedoria: "Segue-lhe os passos e ela dar-se-á a conhecer; quando a tiveres abraçado não a deixes. Pois acharás finalmente nela o teu repouso, e ela transformar-se-á para ti em um motivo de alegria" (Si 6,28-29). Resultados e fases comprovadas das pesquisas realizadas pelo Ateneu são as suas publicações, especialmente a revista científica "Antoniano" e as várias Colecções, entre as quais ocupa o primeiro lugar o "Spicilegium Pontificii Athenaei Antoniani".

Além das Faculdades supramencionadas, é-me grato recordar em particular o precioso trabalho da comissão Escotista, encarregada da publicação da edição crítica das obras de João Duns Escoto, e a benemérita actividade da Academia Mariana, que promove e organiza Congressos de Maríologia e publica as "Actas dos Congressos Mariológico-Marianos". Também a estes Institutos dirige-se o meu elogio pelas suas benemerências conquistadas até agora, e ainda a minha exortação a não extinguirem, mas sim a alimentarem o seu fervor pelo futuro.

A presente visita é-me particularmente grata também porque se realiza entre a conclusão do 750º aniversário da morte de Santo António, de quem o Ateneu toma nome, e o início das celebrações do oitavo centenário do nascimento de São Francisco, fundador da Ordem à qual o Ateneu pertence.

Inspirando-me nestas recorrências, desejo exprimir-vos o meu estímulo e encorajamento para a vossa operosidade futura.

3. Santo António, que precisamente neste dia — 16 de Janeiro de 1946 — foi proclamado pelo meu Predecessor Pio XII "Doutor da Igreja", constitui insigne modelo de estudioso e de anunciador da Palavra de Deus. Conhecedor profundo da Sagrada Escritura — tanto que o Papa Gregório IX o saudou "Arca do Testamento" —, graças ao estilo querigmático da sua exposição e à penetração espiritual e mística da doutrina revelada, tornou-se merecedor do apelativo de "doctor angelicus". O "estilo" da sua reflexão teológica pode ainda hoje inspirar com proveito quantos se dedicam ao aprofundamento das riquezas da verdade divina.

Todos sabemos, por outro lado, o que tenha representado para a humanidade o nascimento de São Francisco: com ele — diz Dante — "nasce para o mundo um sol" (Parad. XI, 54). Muitos são os motivos pelos quais ele exerceu, e ainda exerce, um fascínio tão relevante na Igreja, e também fora dela: a visão optimista de todo o criado, como epifania de Deus e pátria de Cristo, por ele celebrado no notável "Canto das criaturas"; a escolha da pobreza como expressão da sua inteira vida e por ele chamada Senhora, o apelativo dado pelos cavaleiros às damas e pelos cristãos à Mãe de Deus.

Mas como apoio de tudo estava uma virtude teologal integralmente praticada, por ele poucas vezes chamada pelo nome, porque se torna o seu estado de ânimo, que o faz concentrar tudo em Deus e d'Ele tudo esperar, que o torna feliz de nada possuir a não ser Ele. Com palavras entusiastas exprime este seu estado de ânimo na "Chartula" dada ao irmão Leão no Monte Alverne: "Tu és o bem, todo o bem, o sumo bem, Senhor Deus, vivo e verdadeiro... Tu és a nossa esperança" (Opuscula, ed. C. Esser, Grottaferrata 1978, p. 90 s.).

4. Sei que na entrada desta Sala esplêndida, dedicada a Maria Santíssima Assunta, uma epígrafe latina recorda a visita do meu Predecessor Paulo VI, por ocasião do VII Congresso Mariológico Internacional, a 16 de Maio de 1975. Desejo repetir a mensagem dele ao Capítulo Geral dos Frades menores em 1973: como São Francisco, sede também vós, no mundo de hoje, os guardiães da esperança! (cf. AAS 65, 1973, p 457).

Afinal, é esta também a mensagem que eu mesmo enviei ao último Capítulo Geral, a 21 de Junho de 1979, e exorto-vos a imprimir nos vossos ânimos, porque sois os arautos dele, o conteúdo das palavras iniciais da minha primeira Encíclica: "O Redentor do homem, Jesus Cristo, é centro do cosmos e da história" (cf. AAS 71, 1979, p. 1005). Sim: porque a esperança verdadeira, este dom do Espírito que não ilude (cf. Rom Rm 5,5), deriva da única certeza que "o Filho de Deus me amou e Se entregou por mim" (Ga 2,20).

A recuperação desta certeza é urgente no mundo de hoje, fendido por tantas inquietações que são como um atentado à esperança trazida a todos por Cristo: "Tende confiança, Eu venci o mundo" (Jn 16,33).

Não se pode deixar de constatar, com tristeza, que o culto da morte ameaça ter o predomínio sobre o amor à vida: a morte infligida a tantos seres humanos já antes de nascer; a morte não evitada a tantos irmãos nossos consumidos pela doença e pela fome; a morte procurada com a violência e com a droga; a morte da liberdade perpetrada cinicamente contra indivíduos e inteiras nações; e até a morte de quem não pode exprimir livremente o próprio pensamento.

Tudo isto promana, em grande parte, do facto que, em não poucos, veio a morte da consciência, causada, por sua vez, pelo obscurecimento daquela certeza que fundamenta toda a verdadeira esperança: o Filho de Deus amou de modo singular cada homem, a ponto de se fazer homem, também Ele, e dar a vida por todos.

Diante de um tal estado de coisas, de teorias e de praxes, eu sinto dever repetir ainda uma densa expressão do meu Predecessor Paulo VI: "Desta esperança, que se inscreve sobre o sofrimento humano, sobre a fome e a sede de justiça, sobre os nossos túmulos, tem necessidade o mundo" (Audiência Geral, 10 de Dezembro de 1975; Insegnamenti, XIII 1975, p. 1507). Sim, o mundo precisa desta humana e ao mesmo tempo transcendente esperança, que pode transformar em bem-aventurança até situações humanamente desesperadas; que faz ver como momento de vida também o seu fim; que não marginaliza do processo histórico em que vivemos, mas antes o anima introduzindo-lhe a dimensão do futuro; que faz aderir a Cristo primogénito de muitos irmãos na experiência dos condicionamentos da existência temporal e, também, primogénito dos ressuscitados da morte (cf. Rom Rm 8,29 Col 1,18).

5. Desejaria que a Ordem dos Frades Menores, de modo particular mediante este seu Ateneu, ajudasse a preencher esta necessidade de esperança com o contributo originário que se inspira em São Francisco. Tenho a certeza de que todos os esforços serão feitos, a fim de que, com a multiforme actividade própria a uma Instituição académica, esta possa e saiba, na sociedade actual, alargar os espaços aos valores contidos no Evangelho, os únicos capazes de gerar e alimentar esperanças não ilusórias.

Todos os discípulos de Cristo estão marcados por uma irreversível opção que não provém deles, mas d'Aquele que os vincula, por isso, à missão por Ele mesmo estabelecida: "Não fostes vós quem Me escolhestes, mas Eu vos escolhi a vós e vos constitui para que vades e produzais fruto" (Jn 15,16).

Particularmente vós, Professores caríssimos, deveis sentir-vos marcados por aquela opção e comprometidos naquela missão, também em razão de pertença a este Ateneu. E, de facto, para se recordar que Pio XI, ao receber em Audiência os seus membros a 15 de Dezembro de 1933 — Ano da Redenção — no quinquagésimo aniversário de fundação e apenas alguns meses após a sua erecção canónica, disse: "Entre os frutos mais excelentes e salutares da Redenção é-nos grato incluir a inauguração do vosso Ateneu" (Acta Ordinis Fratr. Minor. 53, 934, p. 73). Um dom de Deus, portanto, que suscita em quem o recebeu uma permanente obrigação à correspondência, na linha do mesmo dom: obrigação, por conseguinte, de se colocar ao serviço da obra da redenção realizada por Cristo Redentor.

Cada um, por isso, considerará seu dever primordial saber interpretar, como convém aos cultores de ciências sagradas, os vários estilos do nosso tempo e julgá-los à luz da Palavra de Deus, a fim de que a Verdade revelada possa ser sempre mais profundamente entendida, melhor compreendida e apresentada na maneira mais adequada (cf. Conc. Vat. II, Gaudium et spes GS 44), de modo a tornar-se testemunho a verdade que abrange todas as outras: Cristo, o Filho de Deus, morreu para salvar o mundo e o iluminar de esperança.

6. Para esta tarefa se realizar em plenitude é necessário que a doutrina seja acompanhada pela prática do bem. São Francisco admoesta-nos a que não nos deixemos matar pela letra, desejando ardentemente saber só as palavras, mesmo se palavras divinas, com o único escopo de sermos considerados mais sábios do que os outros;. mas de sermos vivificados pelo Espírito, elevando com a palavra e com o exemplo todo o saber a Deus altíssimo, a quem pertence todo o bem (cf. Opuscula, Adm. VII, p. 68). Como não recordar neste Centro de Estudos, dedicado a Santo António, as palavras com que Francisco lhe concedia a própria aprovação para o ensinamento da Teologia? A única condição, posta pelo "Poverello", permanece como palavra de ordem a quem entenda aproximar-se das Ciências Sagradas com a adequada atitude: "Dummodo — escrevia ele — inter huiusmodi studium sanctae orationis spiritum non exstinguas" (cf. o.c., p. 95).

É indispensável, além disso — como escrevi na encíclica Redemptor hominis —, que cada um esteja consciente de permanecer em estreita união com aquela missão de ensinar a verdade, de que é responsável a Igreja (cf. AAS 71, 1979, p. 308); união — recorda-nos São Boaventura —, indissoluvelmente associada à obediência àquele que ocupa a Cátedra de Pedro (cf. Quaest. disput. de perfect. evang., q. 4, a. 3, n. 14: ed. Ad Claras Aquas, T. V., p. 191).

A história diz-nos que os mais altos génios trabalharam para o bem da Igreja, pois outra coisa não ensinaram senão o que tinham nela aprendido (cf. Santo Agostinho, Contra Iulian. II, 10, 23: PL 44, 698). Assim fizeram também os Mestres de mais alto prestígio da Ordem Franciscana, que, juntamente com outros, deram a sua parte na construção do templo da sabedoria cristã (cf. Paulo VI, Carta Apostólica Alma parens, no VII centenário do nascimento de João Duns Escoto: AAS 58, 1966, p. 611 s.), ajudando assim os homens a adorar o Pai em espírito e verdade (cf. Jo Jn 4,23).

Em toda a produção, com efeito, que seja expressão de cultura e de lealdade com a fé, é impresso algum traço de uma passagem de Cristo, Redentor do homem em todos os tempos.

7. Caríssimos Professores e Estudantes!

Ao término, e como recordação, deste familiar encontro faço votos por que a vossa operosidade científica e didáctica, de hoje e de amanhã, se revele adequada a reavivar e conservar a esperança: e possais assim merecer o reconhecimento e a honra que São Francisco recomendou e usou para com "os teólogos e os que têm o ministério das santíssimas palavras divinas como aqueles que nos administram espírito e vida" (Opuscula, Testam P; 309 s.).

Este augúrio confio-o à Mãe de Deus, que São Francisco — refere São Boaventura — circundava de inefável amor, porque por meio dela o Senhor da glória se fez nosso irmão (cf. Legenda Sancti Francisci, cap. IX, n. 3: T. VIII, p. 530); confio-o a Maria Santíssima, que a igreja saúda e invoca como "a nossa esperança".

E sempre vos acompanhe a minha paterna Bênção Apostólica concedida com alegria a todos como ditoso penhor de fecundas graças celestes, que vos amparem no empenho de sempre serdes, no mundo de hoje, autênticas testemunhas de esperança que não ilude.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR JEAN WAGNER


NOVO EMBAIXADOR DE LUXEMBURGO


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 18 de Janeiro de 1982



Senhor Embaixador

O conteúdo das elevadas palavras que Vossa Excelência acaba de me dirigir comoveu-me vivamente. Ao dizer-lhe a minha gratidão, formulo os melhores votos pela sua missão de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário.

Para além da sua pessoa, o meu pensamento dirige-se para Sua Alteza Real o Grão-Duque João que preside os destinos do Luxemburgo, e para Sua Alteza Real a Grã-Duquesa Josefina Carlota: sinto-me feliz em lhes renovar, assim como à sua prezada família, a minha respeitosa recordação e os meus fervorosos bons votos. Saúdo igualmente os que suportam o pesado encargo do bem comum, dentro do Governo, e todo o povo do Luxemburgo, que é justamente considerado pela sua unidade e a sua coragem em meio das vicissitudes da história, pelo seu apego aos valores religiosos e particularmente à fé católica. Esta fé, podia dizer-se, cimentou a alma do país e é ainda partilhada pela grande maioria dos cidadãos. Com satisfação, evoco aqui a fidelidade cristã deles, que o seu Bispo, D. Jean Hengen, sustenta com o seu zelo.

Os votos que lhe exprimo, Senhor Embaixador, dizem respeito sobretudo ao bem do seu país. Vossa Excelência fez notar, entre outras coisas, a delicada posição política e económica do mesmo, devido à situação geográfica. Sem dúvida a paz foi muitas vezes difícil nesta encruzilhada de povos e de civilizações em que o seu país está situado. E como evitaria ele hoje a eventualidade de uma crise económica largamente difundida? Sobre outro plano, o pôr em discussão certas questões de cultura, introduzidas de múltiplos modos, e o enfraquecimento dos costumes que tantas sociedades conhecem, poderiam parecer de natureza a enfraquecer o apego dos seus compatriotas aos valores éticos e religiosos, isto é ao respeito da vida e da dignidade humana. Mas o povo do Luxemburgo mostrou bastante decisão no passado para fazer face a estas dificuldades e se preparar para um futuro de progresso digno deste nome.

Alargando o horizonte, como se pode esquecer, por outro lado, a posição privilegiada que o seu país ocupa dentro da Europa? Apesar da exiguidade do território, já recebeu grande número de trabalhadores de outros países europeus, com todos os problemas de integração que isto comporta. Sobretudo, o Luxemburgo é membro activo de instituições europeias, algumas das quais têm mesmo a própria sede na sua capital, como a Corte de Justiça da Comunidade, o Centro dos órgãos financeiros, e o Secretariado do Parlamento europeu. Faço votos por que o seu país contribua, por seu lado, para fazer que a Europa seja digna das próprias raízes cristãs e da própria vocação, a fim de promover a todos os níveis as relações, os intercâmbios, as cooperações, benéficos entre as partes, de modo harmonioso que respeite o melhor delas mesmas e as encaminhe para uma solidariedade profunda que se demonstre cada vez mais necessária. É bem evidente que esta solidariedade da Europa não poderá limitar-se ao Ocidente, mas deve enriquecer-se dos valores que representam as diversas comunidades nacionais que fazem em conjunto a originalidade deste continente.

Por fim, a Europa não está fechada sobre si mesma. Espera-se o seu testemunho e a sua acção no cenário internacional. Vossa Excelência recordou os princípios a que o Luxemburgo está ligado na sua resolução dos problemas entre os diferentes países do mundo: paz, liberdade, justiça, solidariedade na cooperação, num pé de igualdade e no pleno respeito da independência e da personalidade das nações. A Santa Sé encoraja de facto a realização de tais princípios. Pensa que no nível das relações bilaterais, das Comunidades, das Alianças e das Organizações internacionais, o esforço primordial deve consistir em evitar que se escave ainda o fosso entre países abastados e povos da fome, e ajudar estes a enfrentar os problemas mais urgentes do seu próprio desenvolvimento. Mas a Santa Sé julga que não é menos necessário vigiar para que sejam verdadeiramente garantidos a cada povo a sua soberania, as suas liberdades, a sua cultura e os seus direitos fundamentais, poderia dizer-se a sua alma. Por fim, Vossa Excelência fez justamente alusão ao que "desmoraliza" os homens desta época, aviltando a dignidade humana e os princípios mais sacros, em particular o respeito dos inocentes. Aqui ainda, é necessário um rebate moral que deve encontrar expressão ao nível dos acordos internacionais ou dos instrumentos jurídicos pacientemente elaborados. A Igreja, por seu lado, está pronta a encorajar todos os passos que são tentados neste sentido; e ao mesmo tempo, no âmbito da sua missão religiosa específica, ela quer preparar incessantemente esta correcção ao nível educativo e das convicções profundas, fazendo apelo às consciências com a luz e a força do Evangelho.

Vossa Excelência passará a ser testemunha assídua destes esforços da Igreja. Desejo-lhe encontre a sua alegria nesta missão que espero seja muito frutuosa. Peço a Deus o abençoe e abençoe o seu querido país.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM UM GRUPO


DE CONGRESSISTAS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


Segunda-feira, 18 de Janeiro de 1982



Caros Congressistas,
Caros amigos dos Estados Unidos

Este ano na mensagem para o Dia Mundial da Paz, dirigi as minhas palavras explicitamente "aos homens e mulheres que hoje têm responsabilidade pela vida na sociedade". Como vós estais entre os que pertencem a esta importante categoria de pessoas ao serviço da paz, tenho muito prazer de vos falar directamente esta manhã e de vos dar as boas-vindas ao Vaticano.

1. A paz é sem dúvida dom de Deus. Mas porque ela está confiada a nós, a paz encontra-se também ligada com a justiça humana, que por sua vez é alimentada mediante acertadas estruturas da lei e mediante as delicadas e diligentes actividades dos legisladores. Como congressistas vedes-vos habilitados a oferecer uma eminente forma de serviço aos vossos concidadãos. Estais habilitados a ajudar a construir as estruturas legais que reflectem a justiça e por conseguinte promovem a paz. Além disso, as estruturas que levantais podem ser contribuição duradoura.

2. O serviço que prestais pode beneficiar não só o vosso próprio país mas também a sociedade em geral. As medidas que tomais no Congresso dizem respeito às vidas de milhões de Americanos. Elas também se referem ao bem-estar da população universal; as decisões do vosso Congresso podem dar fraternal auxílio a todos os sectores da humanidade e podem manter a esperança de povos inteiros.

3. Sois chamados a defender a dignidade humana dentro do vosso país e além das suas fronteiras. Sois chamados a ser corajosos advogados dos direitos humanos — especialmente dos inalienáveis direitos proclamados pela vossa própria Declaração de Independência: o direito à "vida, à liberdade e à busca da felicidade". Defender e proteger a vida humana, ajudar todos os vossos irmãos e irmãs a viverem como pessoas livres que procuram essa verdadeira felicidade, querida para eles pelo Criador — eis na verdade uma esplêndida missão.

4. No sábado passado tive ocasião de indicar ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé que o tempo presente é difícil. Mas acrescentei também: "As forças do bem são maiores". Julgo que o vosso papel como Congressistas vos dá imensas oportunidades para fazer o bem de muitas maneiras: como servos confiados e verdadeiros do público, como defensores da liberdade, como defensores da vida e como amigos dos povos — e assim como verdadeiros pacificadores que promovem os direitos humanos.

Tudo isto se encontra na melhor tradição da vossa terra — na maneira americana de viver. De novo, como estabelece a vossa Declaração de Independência, está em ordem para assegurar estes direitos, que "os Governos estão instituídos entre os homens". Ou, como um distinto americano, Thomas Jefferson — a quem eu me referi durante a minha saudação na alameda em Washington — uma vez disse: "O cuidado da vida e da felicidade humanas, e não a destruição delas, são o primeiro e o único legitimo objecto do bom governo".

Senhoras e Senhores, a obrigação é grande mas pode ser perfeitamente desempenhada. Sois chamados a contribuir efectivamente para o destino da América e para o futuro do mundo. Deus vos conserve nesta importante tarefa de serviço dentro da verdadeira causa dos direitos humanos, da "vida, da liberdade e da procura da felicidade".

Obrigado pela vossa visita.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA NIGÉRIA


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 21 de Janeiro de 1982



Caros Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

1. O próprio Jesus disse: "Tenho de anunciar a Boa Nova do Reino de Deus... pois para isso é que fui enviado" (Lc 4,43). Para nós estas palavras são como chave. Revelam a mais profunda significação do nosso ministério episcopal, pois resumem toda a missão do Salvador. Jesus indica por este modo a suprema prioridade que nos toca como Bispos actuando em Seu nome e sendo enviados por Ele. Somos chamados a anunciar o Evangelho, a evangelizar o nosso povo. Este anúncio da Boa Nova — esta evangelização — é feita pela palavra e pelo sacramento. Na verdade, o Concílio Vaticano II olha para a Eucaristia como para o mais eficiente anúncio do Evangelho, "a fonte e coroa de toda a evangelização" (Presbyterorum Ordinis PO 5).

2. A semana passada quando falei ao primeiro grupo de Bispos vindos do vosso país, disse-lhes quanto desejo que toda a minha visita pastoral à Nigéria seja vista no contexto da evangelização. Disse-lhes que o grande desejo do meu coração é "anunciar ao vosso povo a vivificadora mensagem da verdade, o Evangelho de Jesus Cristo". Todo o programa da minha visita está relacionado com este tema central. E é a minha esperança que os acontecimentos individuais ajudem a fixar o espírito na Boa Nova da salvação — de facto, na verdadeira pessoa de Jesus Cristo, o Salvador do mundo, o Redentor do homem — e esses acontecimentos tornarão o Seu Evangelho mais profundamente conhecido, respeitado e amado. Peço também que, devido à graça de Deus, a minha visita inicie nova era de evangelização, que siga um centenário de pregação zelosa do Evangelho e o generoso serviço prestado no nome do mesmo Jesus "que andou de lugar em lugar fazendo o bem" (Ac 10,38).

Espero com antecipado prazer proclamar Jesus Cristo a todos aqueles que desejarem livremente prestar atenção à minha voz. Desde os meus encontros com os vários grupos que formam a Igreja na Nigéria. A todos estes grupos espero apresentar a Boa Nova do Reino de Deus, em relação com as concretas circunstâncias da vida diária, como ela é vivida no contexto da cultura nigeriana. Os diferentes acontecimentos dar-me-ão amplas oportunidades para tentar falar ao vosso povo, de coração a coração.

3. Mas entretanto, uma reflexão agora sobre o verdadeiro alvo e finalidade da evangelização é fonte de ânimo para nós como Bispos. Por meio desta reflexão podemos claramente ver o serviço específico que, juntamente com os nossos sacerdotes, somos chamados a prestar à comunidade. É sempre questão de transmitir a Boa Nova — um libertador, promotor e convincente Evangelho. Na expressão de Paulo VI, o nosso papel como evangelizadores é falar a respeito do "nome, do ensino, da vida, das promessas, do Reino e do mistério de Jesus, de Nazaré, o Filho de Deus" (Evangelii Nuntiandi EN 22).

Que privilégio é para nós anunciar "o nome que está acima de todo o nome" (Ph 2,9) — o único nome em que há salvação! O nosso ensino é verdadeiramente o ensino de Jesus, ensino sobre a vida, sobre a plenitude da vida e sobre a vida eterna. Pregamos e tornamos conhecido um Jesus que diz: "Vim para que tenham a vida e a tenham em abundância" (Jn 10,10). Sob a autoridade de Jesus somos capazes de mostrar promessas que não enganarão, promessas como: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5,8-9). Em tudo isto pregamos nós um Senhor misericordioso, um Jesus que ama e não veio para condenar, mas para salvar e estabelecer um Reino que reúne num só os dispersos filhos de Deus. No âmago da nossa mensagem está a proclamação do dom divino da salvação — o dom do misericordioso amor de Deus concedido por meio da morte e ressurreição do Seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo. Sim, por meio de Cristo o Filho, nós recebemos a graça da adopção divina e "é n'Ele que temos a redenção pelo Seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da Sua graça" (Ep 1,7).

4. Como nós anunciamos explicitamente o mistério de um Deus que salva e reúne o Seu povo numa só família, compreendemos a necessidade de um testemunho exemplar — sendo também este a condição para evangelizar. A lição da história confirma que pela acção do Espírito Santo a evangelização se realiza sobretudo por meio do testemunho de caridade, do testemunho de santidade. Os ministros de Cristo são efectivos evangelizadores até ao ponto de estarem unidos com Cristo, até ao ponto de amarem os seus irmãos e experimentarem a necessidade urgente de anunciar o Evangelho. Para nós as palavras de Jesus são um programa completo de vida e de ministério. Nunca as podemos esquecer: "Tenho de anunciar a Boa Nova do Reino de Deus... pois para isso é que fui enviado".

5. Este é o ideal pastoral que nos sustenta no nosso ministério, dia após dia, ano após ano. Esta é a visão pastoral que nós devemos oferecer aos nossos sacerdotes, pessoalmente chamados por Cristo a ser nossos cooperadores nesta tarefa vital. Este é o ponto de vista pastoral, que desejamos toda a formação seminarística inculque, e todo o apostolado leigo exerça. De facto, foi este ideal, esta visão, este ponto de vista e esta consciência de ter sido enviado, de acordo com o que Jesus disse -"pois para isso é que fui enviado" — que animou os missionários a levarem a palavra de Deus ao vosso povo. E é esta consciência de ter sido enviado, esta consciência da necessidade de comunicar Cristo, que animará, nos últimos anos deste século XX e para além, a evangelização continuada em profundidade da Nigéria e de toda a África. Este, portanto, é o significado de toda a evangelização, e o significado da minha visita: sendo enviado para comunicar Cristo pelo poder do Espírito Santo, sendo enviado para pregar a Boa Nova do Reino, sendo enviado para proclamar o amor salvador de Cristo até Ele vir de novo na glória.

Amados Irmãos, estamos prontos a ir juntos para frente, e a chamar as Igrejas locais, na sua integridade, para esta tarefa. E nós fá-lo-emos, confiando nas orações e na intercessão da Nossa Bem-aventurada Mãe Maria, para a glória da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO PIEMONTE (ITÁLIA)


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 23 de Janeiro de 1982



Caros Irmãos no Episcopado!

1. "Ecce quam bonum et quam iucundum habitare fratres in unum" (Ps 133,1). Com estas palavras do Salmista entendo exprimir-vos em primeiro lugar a minha saudação, que é verdadeiramente sentida e cordial, mas também o meu aprazimento e a minha profunda alegria ao encontrar-me hoje convosco, vós que sois os distintos pastores representantes da nobre Igreja que está no Piemonte.

Alegra-me este encontro, sobretudo por dois motivos. Em primeiro lugar, porque ele me permite, como também a vós, reafirmar de modo claro os estreitos vínculos de comunhão na fé cristã e a nível de vida eclesial, que sempre devem caracterizar as relações recíprocas entre a Sede de Pedro e as vossas respectivas Sedes diocesanas, a ponto de se dar claro testemunho daquela unidade, pela qual Jesus Cristo rezou insistentemente um dia antes de morrer na cruz (cf. Jo Jn 17,11 Jo Jn 17,21 Jo Jn 17,23). Em segundo lugar, a vossa presença hoje recorda à minha mente e ao meu coração os momentos, breves mas intensos, que me foi dado viver na vossa terra a 13 de Abril de 1980. Naquela ocasião tive a graça de vos encontrar e de perceber, embora tenha estado somente em Turim, a ilustre tradição cristã e a grande sensibilidade eclesial própria das Regiões do Piemonte e do Vale de Aosta. E hoje em vós, quase retribuindo para meu conforto aquela visita breve mas significativa, revejo o vosso povo bom e laborioso, as vossas Comunidades cristãs fervorosas e empenhadas, o vosso Clero zelante no ministério da palavra e da operosa caridade, os Religiosos e as Religiosas que testemunham o "glorioso Evangelho de Cristo" (2Co 4,4) seja na contemplação, seja a vários níveis de generoso apostolado, e depois todos os Baptizados, que de modos diversos mas igualmente preciosos constituem porção eleita da santa Igreja de Deus e "têm por missão a defesa do Evangelho" (Ph 2,16).

2. Caros Irmãos, vós bem sabeis que uma visita "ad limina" é ocasião muitíssimo propícia para reflectir com responsabilidade sobre a situação das vossas Dioceses; e é, portanto, ocasião de balanços e de projectos, talvez de preocupações, mas certamente também de renovadas esperanças e de mais generosa dedicação ao próprio ministério episcopal. Tenho conhecimento do relatório preparado por vós sobre a situação sócio-religiosa do Piemonte e, ao alegrar-me vivamente pelo trabalho por vós realizado, asseguro-vos a minha fraterna participação nas vossas alegrias e nos vossos anseios pastorais, que assumo e faço meus. Isto vale sobretudo com referência aos problemas mais urgentes por vós assinalados: a evangelização da cultura, do trabalho e dos jovens; a pastoral das comunicações sociais e dos fenómenos do turismo, do "deslocamento pendular" de pessoas, da emigração; a maturação do Clero no espírito conciliar; a integração dos Leigos na vida da Igreja; as vocações sacerdotais e religiosas. Como se vê, há suficiente matéria para o vosso zelo, tão incansável e inteligente; mas, antes de tudo, isto é motivo válido para entregar-vos sempre de novo ao Senhor e à força da sua graça, pois "se não for o Senhor a edificar a casa, em vão trabalham os construtores" (Ps 127,1).

3. Entre os problemas que absorvem as vossas energias como Bispos, é-me grato deter-me no da formação sacerdotal, ao qual atribuo grande importância e urgência, fundamentado em duas considerações. Antes de tudo, devemos reconhecer que em via de regra a configuração das várias Comunidades cristãs, sejam elas paroquiais ou associativas, depende estritamente da imagem e da obra dos respectivos pastores, que, se nem sempre são os fundadores, sem dúvida são os guias responsáveis da sua maturação na fé e das suas opções nos compromissos eclesiais, como também o são, Deus não permita, dos seus desvios. Por isso, formar os Sacerdotes significa também formar indirectamente todos os que serão confiados aos seus cuidados pastorais. Além disso, leva-me a falar deste tema a longa e gloriosa tradição dos Santos piemonteses que, depois de Santo Eusébio de Vercelli e S. Máximo de Turim, floresceram sobretudo a partir do século passado e correspondem aos nomes universalmente conhecidos de José Bento Cottolengo, João Bosco, José Cafasso, Leonardo Murialdo, para não falar de José Alamano e Tiago Alberione. Aliás, estas figuras, como disse durante a minha visita a Turim, "exactamente como acontece com a coroa dos Alpes que cinge a vossa região, representam somente os cumes mais altos de toda uma cordilheira de montanhas robustas e resplandecentes" (Discurso aos Sacerdotes).

Pois bem, para que esta corrente dourada do Presbitério piemontês continue e se renove, é preciso cultivar com todo o cuidado quantos, todos hoje, dela fazem parte ou para ele se encaminham. E há uma dupla exigência que deve ser posta em prática: a de um certo destaque crítico do mundo e a da sua inserção nele. De facto, assim se exprime o Concílio Vaticano II: "Os Sacerdotes do Novo Testamento, pelo seu chamamento e pela sua ordenação, são segregados, de algum modo, do seio do Povo de Deus, não para dele se separarem ou de qualquer homem, mas para se consagrarem totalmente à obra para a qual o Senhor os assume" (Presbyterorum Ordinis PO 3). Estas duas componentes, embora não sejam fáceis de união; em todo o caso hão-de estar oportunamente equilibradas e, harmonizadas, para não se cair em opostos extremismos que não são próprios dos Sacerdotes na cura de almas.

4. Exactamente aqui se impõe o dever da formação sacerdotal, que, começando desde os anos do Seminário e de modo particular da Teologia, se estende de maneira permanente também no período da efectiva realização do ministério pastoral. A este propósito, quero exprimir-vos a minha satisfação por tudo o que fazeis em todos os níveis desta formação, em particular pelo cuidado das Vocações, pelas várias Escolas Teológicas e ainda pelo benemérito Instituto de Pastoral com sede em Turim, mas com âmbito regional.

A complexa sociedade em que vivemos exige empenho particularmente esmerado neste sector, com necessária actualização tanto no seu conhecimento como nos métodos para aproximá-la. Os campos sociais a serem enfrentados são muitos e diversificados. Contudo, a mensagem evangélica que somos chamados a levar é única e simples, válida para todos; ela será de modo inteligente adaptada aos vários receptores somente segundo a regra áurea do apóstolo Paulo: "Fiz-me tudo, para todos, para salvar alguns a todo o custo" (1Co 9,22). Neste sentido, o recente Concílio recorda que "todos os Sacerdotes são enviados a colaborar na mesma obra, quer exerçam o múnus paroquial ou supra-paroquial, quer se dediquem à investigação científica ou ao ensino, quer trabalhem manualmente,... onde isso for aprovado pela devida Autoridade, quer ainda realizem qualquer outra obra apostólica ou orientada ao apostolado" (Presbyterorum Ordinis PO 8). Sempre eles "contribuem simultaneamente para maior glória de Deus e para o progresso dos homens na vida divina" (ibid.2). Para tanto, dever-se-á sempre insistir muito sobre o desenvolvimento e a aquisição de particulares dotes pessoais: a partir daqueles humanos, fundamentais e indispensáveis, dos quais nunca se deve descuidar, aos propriamente ascético-espirituais, aos intelectuais, até aos da arte pastoral prática. É um inteiro conjunto de conhecimentos educativos que deve ser dado ao Sacerdote, e no qual deve estar treinado, como alguém que se apresta a uma empresa imprescindível e delicada, de que dependem definitivamente a orientação radical e o destino último dos homens.

5. Nesta linha coloca-se também o tema das relações entre os Bispos e o seu Presbitério. Deve refulgir em alto grau aquela comunhão, a que todos os cristãos são chamados. Como adverte o Concílio, "as relações entre os Bispos e os Sacerdotes diocesanos devem-se fundamentar, sobretudo, nos vínculos da caridade sobrenatural, de modo que a comunhão da vontade dos Sacerdotes com a do Bispo torne mais fecunda a acção pastoral de todos" (Christus Dominus CD 28). E é uma comunhão que deriva duplamente dos sacramentos do Baptismo e da Ordem: o primeiro já nos vincula ao único corpo de Cristo (cf. 1Co 12,13), e o segundo nos une na idêntica função apostólica de ser "o odor de Cristo" (2Co 2,15) e "embaixadores" d'Ele (ibid. 5, 20). Este é o primeiro testemunho que devemos dar e tem particular eficácia, conforme as próprias palavras de Jesus: "que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jn 17,21).

E quero acrescentar aqui uma palavra sobre os Conselhos Pastorais diocesanos. Sei que, segundo as várias Igrejas locais, funcionam de maneira diversa. Talvez nem sempre seja fácil convocá-los ou até mesmo constitui-los, e às vezes também acolher as suas instâncias. Ocorre, por isso, convencer-se da sua importância, pois são os intérpretes do Laicado mais empenhado e sensível à vida da Igreja, e em muitos campos, como sabemos, "sem a ajuda dos leigos, a Igreja dificilmente poderia estar presente e trabalhar" (Apostolicam Actuositatem AA 1); sobretudo, constituem eles a parte muito mais ampla do Povo de Deus, e é por isso indispensável convocá-los, com oportuna formação, para discutir e deliberar o que diz respeito a toda a Comunidade diocesana, sempre respeitando a competência do Conselho Presbiteral e a responsabilidade própria do Bispo. Importante é sem dúvida, além disso, o Conselho paroquial em cada Comunidade, o qual o vosso zelo não deixará certamente de recomendar aos Párocos das vossas dioceses, apoiando-os e esclarecendo-os. A comunidade diocesana, deste modo, poderá crescer e dar eficaz testemunho cristão. Para tanto é preciso educar os baptizados e as comunidades a uma fé incisiva, a uma fé isto é que não se reduza a um facto interior, mas seja capaz de exprimir também um novo e concreto humanismo. É urgente, portanto, recuperar uma consciência do valor do ambiente (escola, universidade, fábrica, hospital, etc.) como lugar em que a vida do homem se forma e se manifesta, mas em que também a fé é chamada a incidir de maneira construtiva.

6. Estou ciente, em particular, de que na vossa Região, tão representativa do empreendimento industrial italiano, existe há tempo uma difundida crise no mundo do trabalho. Em muitas famílias está colocada em perigo a base económica da sua subsistência. Nestes momentos difíceis é necessário que a Comunidade eclesial não só seja sensibilizada a estes problemas, mas também concorra, dentro das suas possibilidades, para superá-los. O desemprego, como escrevi na Encíclica Laborem exercens, "é sempre um mal e, quando chega a atingir determinadas dimensões, pode tornar-se uma verdadeira calamidade social" (n. 18). O trabalho, de facto, é "um fundamental direito de todos os homens" (ibid.), e como tal deve ser salvaguardado e promovido.

De outra parte, lá onde o trabalho é seguro e garantido, é preciso conferir-lhe "aquele sentido que ele tem aos olhos de Deus e mediante o qual o mesmo trabalho entra na obra da salvação conjuntamente com as suas tramas e componentes ordinárias" (ibid. 24). No Piemonte houve uma grande tradição de Sacerdotes e de Leigos, que deram notável contributo no campo caritativo e social, promovendo numerosas iniciativas em benefício do povo, especialmente dos mais necessitados. É necessário levar avante este empenho, visando, de uma parte, a plena ocupação dos trabalhadores e, de outra, a sua formação cristã como parte viva e qualificada da Igreja. Entre a fé cristã e o mundo do trabalho não só não deve existir algum hiato, mas se trata de realidades complementares, que já no Divino Operário de Nazaré encontraram a sua perfeita simbiose e sempre O colocam diante dos olhos de todos como ideal ponto de referência.

Para oferecer semelhante testemunho é necessária uma eficaz presença cristã dentro do movimento operário, a ponto de ali realizar uma função de fermento e de promoção, ajudando entre outras coisas o homem do trabalho a ter sempre plena consciência da própria identidade, colocando-se as perguntas fundamentais sobre o sentido do trabalho e da pessoa humana, criada à imagem de Deus. Para tanto, a pastoral neste sector tem ainda espaço para oferecer ao mundo do trabalho, e aos operários em particular, novos conteúdos para uma reconstrução da sua identidade e um método para uma práxis, em que tal identidade se exprima segundo a própria originalidade cristã e com uma real capacidade de comparticipação e de resposta às reais necessidades de fundo.

7. Caros Irmãos, ao concluir este nosso encontro, não posso deixar de dirigir particular pensamento ao Cardeal Michele Pellegrino, antigo Arcebispo de Turim, há alguns dias gravemente enfermo. Desejo-lhe de coração pronto restabelecimento com a ajuda do Senhor e a ele associo todos os doentes das vossas Dioceses, que têm com os seus sofrimentos lugar especial nas minhas orações. Agradeço-vos a visita feita, que me alegrou muito, e exorto-vos sentidamente a enfrentar sempre com entusiasmo os deveres do ministério episcopal ao serviço das vossas Comunidades diocesanas. Aliás, estou certo que da vossa peregrinação aos túmulos dos gloriosos apóstolos Pedro e Paulo recebestes decisão e estímulo, de modo a apascentar de bom grado o rebanho de Deus a vós confiado (cf. 1P 5,2), podendo dizer com verdade: "Tudo posso n'Aquele que me dá força" (Ph 4,13). Da minha parte, enquanto vos asseguro que podeis contar sempre com a minha compreensão e o meu apoio, prometo-vos que não faltará uma particular e constante recordação ao Senhor "Pastor supremo" (1P 5,4), a fim de que caminhe convosco, ilumine as vossas mentes e robusteça as vossas vontades, conformando-vos sempre mais a Ele e enchendo-vos de todo o conforto.

E alegro-me de corroborar estes votos com a minha Bênção Apostólica, que de coração vos concedo e gostaria fosse extensiva ao vosso Clero, aos Religiosos e Religiosas, e a todos os Fiéis das vossas queridas Dioceses.




Discursos João Paulo II 1982 - Sábado, 16 de Janeiro de 1982