Discursos João Paulo II 1982 - Sábado, 13 de Fevereiro de 1982


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES


DO APOSTOLADO LEIGO


Catedral de São José

Kaduna, Nigéria

Domingo, 14 de Fevereiro de 1982



Caros responsáveis do laicado da Nigéria
Caros catequistas e caras Mulheres católicas

É para mim motivo de grande alegria encontrar-me convosco hoje. Este encontro dá-me a oportunidade de vos falar sobre o contributo que cada um de vós dá à difusão do Evangelho, e também sobre a vossa comum vocação na Igreja. Todos vós fostes chamados por Cristo mesmo a contribuir na missão salvífica da sua Igreja (cf. Lumen gentium LG 33).

1. Quero exprimir o meu apreço pelo modo como vós, leigos da Nigéria, trabalhais em conjunto com os vossos bispos e sacerdotes para dar testemunho de Cristo, para comunicar Cristo aos outros. Esta unidade com os pastores da Igreja é de facto condição essencial para o bom êxito sobrenatural dos vossos esforços. Sob a orientação deles, tendes o Conselho Nacional dos Leigos e a Organização das Mulheres Católicas a todos os níveis: nacional, provincial, diocesano, paroquial e de aldeia. Há muitas actividades novas e organizações muito dignas. Em todas estas actividades procurais pôr em acção a graça do vosso Baptismo e da vossa Confirmação. Tendo sido chamados por Cristo mesmo, sois os seus colaboradores eleitos na evangelização. Isto leva a que partilheis o zelo da Igreja em dar instrução religiosa a todas as crianças católicas nos institutos de educação de todos os tipos. Sois realmente conscientes do mistério da Igreja, que todos nós que fomos baptizados em Cristo formamos o seu Corpo, a Igreja. Nesta Igreja há diversidade de apostolado ou de ministério, mas unidade de missão: a difusão do Reino de Cristo. Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos — cada grupo tem o seu especial contributo a dar.

2. Como leigos sabeis que o vosso particular tipo de apostolado é fazer que os princípios cristãos prevaleçam sobre os de ordem temporal, ou seja levar o espírito de Cristo para aqueles sectores da vida que são o matrimónio e a família, os intercâmbios comerciais, as artes e as profissões, a política e o governo, a cultura e as relações nacionais e internacionais. Em todos estes sectores os leigos, segundo a expressão do Concílio Vaticano II, devem cumprir a própria missão distintiva (cf. Gaudium et Spes GS 43). Dos vossos párocos recebeis a palavra de Deus e o alimento sacramental. Assim fortificados, entrais na arena da vida quotidiana e nela confessais a Cristo.

3. Na sociedade sois chamados a ser o fermento por Cristo: a levar o testemunho de Cristo para a escola, as repartições governativas, os postos de trabalho, os círculos, os lugares de encontro, as associações nas cidades, as reuniões entre pessoas da mesma idade, as universidades, o comércio, os sindicatos e a política. Em todas estas esferas seculares deveis promover a justiça, a união, a honestidade e o brio. Juntos deveis procurar respostas concretas, inspiradas no Evangelho, para os problemas de corrupção, falta de disciplina, etnicismo e outros males semelhantes.

Nas vossas organizações eclesiais sede modelos de unidade, disciplina, trabalho diligente, lealdade para com os vossos superiores, dedicação, participação no bom êxito dos outros, não procurando a fama mas o Reino de Cristo, não lutando para conquistar o primeiro lugar na sociedade, não procurando ser chamados doutores: "porque um só é o vosso Mestre: Cristo" (Mt 23,10).

É sobretudo na família que podereis comunicar Cristo. Sede maridos e esposas exemplares, criando uma comunidade de amor e vida e exercendo como pais e como mães um verdadeiro ministério na educação dos vossos filhos. É mediante vós que são oferecidos membros ao Corpo de Cristo e candidatos para o sacerdócio e a vida religiosa. A Nigéria olha para vós confiadamente a fim de preparardes bons cidadãos para a sociedade.

4. Empenhando-vos nas numerosas iniciativas do apostolado, deveis dar grande importância à oração e à união com Cristo. Sinto-me feliz em saber que os vossos capelães acentuam sobretudo isto: que recebais com frequência o Sacramento da Reconciliação, que a Eucaristia seja o centro da vossa vida de cristãos e de todas as vossas actividades. O vosso zelo de evangelização provém, de facto, sobretudo da Eucaristia. Com a graça de Deus, os dias de oração comunitária e os retiros anuais para o vosso renovamento espiritual podem contribuir, também eles, para o vosso crescimento na fé que recebestes.

5. Quero dirigir uma particular saudação a vós, caríssimos catequistas da Nigéria. O vosso papel na evangelização inicial e permanente é de tal importância que não poderia vir como peregrino à Nigéria sem ter este feliz encontro convosco.

Desde os inícios, quando os primeiros missionários chegaram à Nigéria há mais de um século, fostes colaboradores incansáveis e insubstituíveis dos sacerdotes. Destes-lhes assistência contínua. Quando não sabiam as línguas locais, fostes intérpretes deles. Preparastes as pessoas para os vários sacramentos. Baptizastes os moribundos quando não havia sacerdotes disponíveis. Animastes a comunidade católica local e levaste-la à santificação dos dias festivos quando não havia sacerdotes. Promovestes os projectos de desenvolvimento da Igreja e contribuístes abundantemente para a difusão do Evangelho.

6. O vosso especial sector de competência e dedicação é o da catequese e do seu "duplo objectivo de fazer amadurecer a fé inicial e de educar o verdadeiro discípulo de Cristo, mediante um conhecimento mais aprofundado e mais sistemático da Pessoa e da mensagem de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Catechesi Tradendae CTR 19). Introduzis os neófitos na fé, qualquer que seja a sua idade. Ensinais-lhes a doutrina católica, as orações e os hinos. Ajudai-los a participar na sagrada liturgia, especialmente na da Eucaristia.

Visitais os doentes em nome de toda a Igreja. Tomais contacto com os não-cristãos. Animais as associações de apostolado desde os seus primeiros passos. Assistis às reuniões paroquiais e diocesanas e contribuis para a construção de laços de compreensão. Ajudais os jovens a amadurecer no cristianismo inspirando-os na generosidade e na castidade. Descobris candidatos para o sacerdócio e para a vida religiosa e levai-los ao padre. Facilitais também os contactos das pessoas com os sacerdotes. Não raro conseguis realizar formas especiais de assistência quando não há sacerdotes disponíveis. Por estes e por todos os serviços como estes exprimo a gratidão da Igreja universal.

Caríssimos catequistas, a Igreja tem necessidade de vós. Continua a ter necessidade de vós. Por muito numerosos que possam ser os sacerdotes e os religiosos à disposição da Igreja, continuais a ser insubstituíveis. Sois os mais próximos dos vossos irmãos leigos e dais-lhes mais de perto uma ideia da Igreja. Ofereceis-lhes silenciosamente modelos a imitar. Mostrais-lhes que o compromisso na fé e o sacrifício necessário para a difundir são possíveis aos leigos e não só aos sacerdotes e aos religiosos.

7. Sinto-me feliz em saber que as vossas dioceses têm programas para a vossa formação mais avançada, em forma de seminários anuais para todos os catequistas, cursos de formação mais aprofundada e mais prolongada para alguns, e até uma formação que dura alguns anos em institutos catequéticos com maiores recursos do que uma diocese pode oferecer. Agradeço-vos a vossa colaboração em tudo isto. Desejo agradecer aos vossos bispos e sacerdotes que tornam isto possível. Agradeço também aos Responsáveis Nacionais da Instrução Religiosa que ofereceram um significativo contributo.

Catequistas da Nigéria, o Papa ama-vos. Tem confiança em vós, e conta sempre com a vossa ajuda na grande obra da evangelização. Ele abençoa-vos em nome de Jesus.

8. Também sinto grande satisfação em me encontrar convosco, responsáveis da Organização Católica Feminina da Nigéria. Embora me tenha encontrado com responsáveis do Conselho Nacional para os Leigos entre os quais também estais incluídas, o meu encontro particular convosco é justificado pelo lugar insubstituível que ocupais na família, na Igreja e na sociedade.

Sois Mulheres católicas convictas, esposas dignas e mães estimadas. Aprendestes a amar os vossos maridos e a cuidar dos vossos filhos, a difundir o vosso amor entre os membros da vossa família e na sociedade, na sua acepção mais vasta. Sois diligentes na educação dos vossos filhos e em ajudá-los a prepararem-se para a própria vocação na vida. Em particular educai-los para a caridade e a castidade, a generosidade e a disciplina. Estas são tarefas realmente vitais.

Disseram-me que o vosso grupo é bem organizado, disciplinado e eficaz nos vários níveis. As vossas dirigentes são também membros da União Mundial das Organizações Católicas Femininas, cuja Presidente Mundial assistiu à vossa Convenção Nacional em Onitsha, em Abril passado. Organizais cursos de formação para animadores, seminários de cultura doméstica e conferências de doutrina cristã. Quero exprimir-vos o meu apreço por tudo isto.

9. Sois particularmente activas nas várias iniciativas em favor da família. Contribuis para organizar e dirigir centros de preparação de jovens para o matrimónio. Trabalhais nos Consultórios Matrimoniais a nível diocesano. Ajudais as famílias em dificuldade. E defendeis a vida em todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção. Desejo louvar-vos particularmente pela vossa firme tomada de posição contra o aborto. O aborto é o assassínio de uma criança inocente. Deve ser condenado pela sociedade. Quero louvar-vos também pela ajuda que ofereceis às mães solteiras e pelas vossas propostas de aceitáveis alternativas ao aborto. Em todas estas coisas revelais a ternura humana e o amor divino de Cristo Jesus mesmo e de Sua Mãe.

A vossa luta pela instrução religiosa católica dos vossos filhos e de outras crianças merece forte apoio. A religião tem um lugar central na educação. A Igreja deve tomar parte na educação dos jovens. Para isto, tem necessidade da vossa ajuda.

Caras responsáveis da Organização Feminina Católica da Nigéria, mediante vós a Igreja tem possibilidade de exercer grande influência sobre a sociedade. Mediante as multíplices actividades que exprimem a "plenitude da verdadeira humanidade feminil" (Familiaris consortio FC 73) vós trabalhais para a transformação do mundo — para permear toda a criação do espírito de Cristo.

10. Todas estas e outras iniciativas, caríssimos leigos, catequistas e Mulheres católicas, dependem de Cristo para poderem dar frutos. Ele — Jesus Cristo, o Filho de Deus Vivo, o Filho da Virgem Maria — é a fonte de toda a vossa força. O critério último do vosso dinamismo não deve ser procurado no empenho humano, ou na actividade, nem sequer na organização. Deve ser procurado na união com Jesus Cristo, sobretudo, na devoção eucarística. A verdadeira pedra-de-toque da vitalidade cristã da aldeia, da paróquia, da diocese e da nação deve ser procurada na resposta à pergunta: Que lugar tem a Eucaristia na vossa vida? De facto, é na participação do Mistério Pascal da sua morte e ressurreição que Jesus nos torna eficazes colaboradores na difusão do seu Reino sobre a terra. O que realmente conta é a Missa. É Cristo que, mediante a Eucaristia, guia as nossas vidas e constrói as nossas comunidades de amor, de compreensão e de misericórdia.

Peço hoje à Bem-Aventurada Maria Mãe de Deus revele a todos o mistério eucarístico do seu Filho e vos conserve para sempre no seu amor.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À COMUNIDADE MUÇULMANA DA NIGÉRIA


Kaduna, Nigéria

Domingo, 14 de Fevereiro de 1982



Senhor Governador, Autoridades todas.

Este discurso, este texto, estava preparado para os chefes religiosos muçulmanos. Agora dirijo as mesmas palavras a vós, que sois representantes da população do Estado de Kaduna e, de modo especial, da população muçulmana.

Caros amigos

1. Sinto-me feliz de ter este encontro convosco. Chefes religiosos Muçulmanos na Nigéria. Saúdo-vos cordialmente e por vosso intermédio apresento as minhas saudações aos muitos milhões de Muçulmanos deste grande país. Vim à Nigéria para visitar os meus irmãos e irmãs da Igreja católica, mas a minha visita seria incompleta sem este encontro. Estai convictos, portanto, que me é muito grato nesta oportunidade apresentar vos os meus sentimentos de fraterno respeito e estima.

2. Todos nós, Cristãos e Muçulmanos, vivemos na terra o único Deus misericordioso.

Uns e outros acreditamos no único Deus que é o Criador do homem. Proclamamos a soberania de Deus e defendemos a dignidade do homem como servo de Deus. Adoramos a Deus e professamos-Lhe submissão. Assim, no verdadeiro sentido, podemos chamar-nos, uns aos outros, irmãos e irmãs na fé no único Deus. E somos gratos a esta fé, dado que sem Deus a vida do homem seria semelhante ao firmamento sem o sol.

Por causa desta fé que temos em Deus, Cristianismo e Islamismo têm muitas coisas em comum: o privilégio da oração, o dever de justiça acompanhado da compaixão e caridade, e sobretudo um sagrado respeito pela dignidade do homem, que está na base dos direitos fundamentais de cada ser humano, inclusive o direito à vida da criança nascitura.

3. Hoje, no mundo, há muitos perigos que ameaçam a família, precioso núcleo da sociedade onde cada vida humana nasce e se desenvolve. Desejaria assegurar vos que os Cristãos têm especial preocupação pela família, pela sua unidade, melhoramento e protecção. Falo-vos desta preocupação porque estou certo que também vós estais convictos da importância dos valores da família e desejais cooperar com os Cristãos nos esforços que visam consolidar e defender a vida familiar.

Permiti-me mencionar algumas áreas suplementares em que Cristãos e Muçulmanos podem cooperar mais. Podemos empenhar-nos no diálogo, a fim de nos compreendermos melhor uns aos outros, quer a nível escolar e nos relacionamentos recíprocos, quer na família e nos lugares de trabalho e de lazer.

Podemos promover mais honestidade e disciplina na vida particular e pública; maior coragem e clarividência nos homens políticos; a eliminação de antagonismos políticos, e acabar com a discriminação devida à raça, cor, origem étnica, religião ou sexo das pessoas.

Todos nós podemos difundir o princípio e a prática da liberdade religiosa, procurando que sejam aplicados especialmente na educação religiosa das crianças. Quando o direito de cada criança de adorar a Deus é complementado pelo próprio direito à educação religiosa, então toda a sociedade é enriquecida e os seus membros estão melhor preparados para a vida. A educação religiosa assume maior importância hoje, visto que certos elementos na sociedade procuram esquecer e mesmo destruir o aspecto espiritual do homem.

Porque vos falo destas preocupações? Porque sois muçulmanos e, como nós Cristãos, acreditais no único Deus que é a fonte de todos os direitos e valores da humanidade. Além disso, estou convicto de que se nos dermos as mãos no nome de Deus poderemos realizar muito de bom. Podemos trabalhar juntos para a harmonia e a unidade nacional, com sinceridade e maior confiança mútua. Podemos colaborar na promoção da justiça, da paz e do desenvolvimento. Tenho a sincera esperança de que a nossa solidariedade fraterna, sob a protecção de Deus, exaltará verdadeiramente o futuro da Nigéria e de toda a África, e aumentará a boa ordem do mundo como uma universal civilização de amor.

Oxalá Deus Omnipotente e Misericordioso volte para vós a sua face e vos abençoe; vos guie e cumule da sua paz e dê alegria aos vossos corações!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS RELIGIOSOS E ÀS RELIGIOSAS DA NIGÉRIA


Seminário de Ibadan, Nigéria

Segunda-feira, 15 de Fevereiro de 1982



Queridos irmãos e irmãs em Cristo

1. Sinto-me muito feliz por me encontrar convosco, homens e mulheres das diferentes dioceses da Nigéria, que viveis a vida religiosa de consagração a Jesus Cristo. Mediante o vosso compromisso de caridade perfeita manifestais a esperança da Igreja e tornais-vos a sua coroa e a sua glória. Sois a sua consolação. Sois os seus embaixadores. Este encontro não podia deixar de se realizar.

Como pessoas já consagradas a Deus pelo Baptismo, vós dais especial testemunho a Cristo na Igreja e no mundo com a vossa renúncia — por amor do Reino dos céus — ao matrimónio, aos bens terrenos e ao exercício da vossa própria vontade. Mediante os vossos votos fizestes este sacrifício livremente, por amor de Deus e do vosso próximo, em espírito de dedicação e de serviço.

A castidade consagrada tem grande valor de testemunho num mundo invadido pelo egoísmo e pelo uso ilegítimo do sexo. Além disso, na Nigéria e em toda a África o sacrifício da paternidade ou maternidade não é de pouca importância. A pobreza chama os homens a renunciarem ao apego ao dinheiro e àquilo que o dinheiro pode adquirir. A obediência deve exercitar-se em contraste com a rebelião, o orgulho, a vaidade e a opressão no mundo. Como diz o Concílio Vaticano II, o estado religioso é uma prova de que o Reino de Cristo e as suas necessidades prioritárias são superiores a todas as considerações terrenas (cf. Lumen gentium LG 44).

Mais importante ainda do que os vários trabalhos que realizais, é a vida que viveis: por outras palavras, aquilo que sois. Sois pessoas consagradas que se esforçam por seguir a Cristo com grande intensidade de amor.

2. O vosso amor a Deus e a união com Ele na oração manifestam-se nas actividades do apostolado. Sois chamados de vários modos a colaborar na causa da evangelização. Mediante os múltiplos trabalhos esforçais-vos por comunicar Cristo e por prestar serviço em Seu nome. Continuais a realizar, através de uma densa rede de iniciativas eclesiais, o fim último da catequese: "pôr as pessoas não apenas em contacto mas também em comunhão, em intimidade com Jesus Cristo" (Catechesi tradendae CTR 5). Onde quer que uma criança se encontre em necessidade, onde quer que alguém sofra, onde quer que um irmão ou uma irmã se sinta só ou marginalizado, o religioso tem a oportunidade de trabalhar para o Reino de Deus. Mas a oração e a união com Deus permanecem sempre a alma do vosso apostolado. Sem Jesus nada podemos fazer.

3. Aprecio o vosso esforço no sentido da continua formação teológica e espiritual dos vossos membros, a vossa iniciativa de centros de aperfeiçoamento para depois do noviciado, as assembleias regulares dos vossos Superiores-Maiores, e as assembleias regionais para todos os religiosos. Mediante estas actividades é-vos possível reflectir mais profundamente sobre a vida religiosa, crescer na compreensão da caridade e do significado da vossa missão, consolidar a unidade entre vós e coordenar o vosso apostolado. Vivificados e renovados na fé e no amor, sentir-vos-eis capazes de vos dedicar, com uma disponibilidade ainda maior, ao serviço da Igreja local e universal.

4. Desejo mencionar de modo particular os irmãos religiosos, louvá-los e encorajá-los. A vossa vocação, queridos irmãos, não é fácil, sobretudo porque o espírito do mundo não aprecia a pobreza evangélica nem o serviço humilde. Sois chamados a seguir a Cristo numa vida de doação total que geralmente não é aplaudida pelo público.

Muita gente não compreende a vossa vocação porque não consegue entender como o convite de Cristo, quando é aceite, pode verdadeiramente dar alegria e plena realização de si: "Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me" (Mt 16,24). Cristo, que se humilhou a si mesmo, é o vosso modelo e a vossa força. Vós, pois, não deveis nunca duvidar da vossa identidade. A compreensão da vossa vocação, a felicidade que transparece em vós e a paz que de vós se difunde, o vosso zeloso empenho no apostolado e no bem do povo a quem servis, são testemunho eloquente do poder da graça de Cristo e da supremacia do Seu amor.

5. Todos os religiosos, irmãos e irmãs, devem saber que as tentações não os poupam. Os vossos três votos, mais cedo ou mais tarde serão postos à prova no cadinho de problemas, de crises e de perigos. O vosso intenso amor a Cristo e à Sua Igreja ensinar-vos-á a permanecerdes fiéis. Deveis, de modo particular, procurar formas ainda mais autênticas de vida de pobreza evangélica, num país onde a separação entre ricos e pobres se está alargando cada vez mais. Na Nigéria de hoje espera-se também de vós que sejais fermento na sociedade mediante um espírito de humilde serviço, realizado particularmente entre os pobres. Este tipo de serviço consagrado é o contrário da complacência, da arrogância e da posição privilegiada.

Ao projectar o vosso apostolado e a formação profissional dos vossos membros, cada Congregação deverá ter plenamente em conta a Igreja local ou diocese. A diocese é uma família espiritual da qual o Bispo é pai e chefe, e os religiosos devem evitar a tentação de organizar programas paralelos aos da diocese. A inteira diocese — sacerdotes, religiosos e leigos — deve, pelo contrário, coordenar os seus planos apostólicos e a sua estratégia para dar testemunho comunitário a Cristo.

6. Desejo acrescentar uma especial palavra aos monges e às irmãs de clausura da Nigéria, pelo contributo especifico que, com o seu modo de vida, dão à Igreja e à Nação. Vós dais precisamente grande importância ao culto de adoração, à oração e à contemplação. A própria Igreja ratifica a vossa vocação porque está convencida de que a fecundidade apostólica é um dom de Deus. Mediante a oração assídua estais associados a Jesus, que "pode salvar perpetuamente os que por Ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder em seu favor" (He 7,25). Unidos a Jesus na sua intercessão, sois então capazes de obter graças para o apostolado activo e para todo o mundo. Conto pessoalmente com a vossa ajuda.

A vossa é uma vida de abnegação. Dais, por isso, a todos os cristãos, e por conseguinte a todo o povo, um testemunho silencioso mas eloquente da soberania de Deus e da primazia de Cristo na vossa vida. Mediante o trabalho das vossas mãos e do vosso empenho intelectual, mostrais a íntima relação entre trabalho e oração. Ao mesmo tempo manifestais a vossa solidariedade no trabalho com todos os vossos irmãos e irmãs no mundo inteiro.

Com o silêncio monástico contribuis para criar uma atmosfera que ajude os homens a escutar Deus e a receber a Sua inspiração. Não é para admirar que sacerdotes, religiosos e leigos acorram aos vossos mosteiros e conventos para a sagrada liturgia, a oração, os retiros espirituais, dias de recolhimento, conselhos e, ainda, simplesmente para repousar. Em todos estes modos contribuís para promover a maturidade do vosso povo no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo.

7. A todos vós, queridos religiosos da Nigéria, desejo manifestar o meu profundo afecto em Cristo Jesus. Estou-vos muito agradecido pelas vossas vidas consagradas e por todos os generosos serviços que prestais à Igreja. Peço-vos que rezeis continuamente pelas intenções da Sé Apostólica e pelas necessidades da Igreja universal. A Virgem Maria nossa Mãe, modelo de amor a Jesus e de consagração a Ele, vos ajude a viver com fidelidade a vossa vocação de amor e de fé, de alegria e de esperança. De facto, segundo as palavras de São Pedro, sem terdes visto Jesus "vós O amais; sem O ver ainda, crestes n'Ele e isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa". Queridos irmãos e irmãs, "colocai a vossa esperança na graça que vos será dada, no dia em que Jesus Se manifestar" (1P 1,8 1P 1,13).



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS COMISSÕES ORGANIZADORAS


DA VIAGEM APOSTÓLICA


Nunciatura Apostólica de Lagos, Nigéria

Segunda-feira, 15 de Fevereiro de 1982



Queridos irmãos e irmãs em Cristo

1. Sinto-me verdadeiramente feliz por, antes de deixar a vossa terra, ter este encontro convosco, representantes de todos aqueles que organizaram esta minha visita à Nigéria.

Por muitos meses programastes, reexaminastes os vossos planos, tivestes reuniões em Roma, em Lagos, nos vossos centros provinciais, a nível diocesano e em outras jurisdições. Estivestes em contacto com o Governo, com várias organizações, sociedades e pessoas. O resultado foi o programa perfeito, primorosamente organizado, que já está no seu quarto dia.

Expresso-vos o meu profundo apreço. Os vossos inúmeros sacrifícios ajudaram a reforçar a fé, a incrementar a caridade e a consolidar amizades. Contribuístes muito para a vida da Igreja na Nigéria e para a felicidade e o bem-estar de tantos concidadãos vossos.

2. As disposições que tomastes permitiram-me realizar a minha missão pastoral como servidor do Evangelho de Cristo e como Pastor universal do Povo de Deus. Graças à vossa colaboração foi-me possível proclamar, aqui na Nigéria, Cristo, a Luz do mundo.

3. Trabalhando juntos, fostes o reflexo da unidade da Igreja; demonstrastes o imenso valor que atribuís à solidariedade na acção, e quanto desejais ser, como os primeiros cristãos, "um só coração e uma só alma" (Ac 4,32). A minha esperança é que o exemplo de colaboração e o muito trabalho demonstrados durante os preparativos para a minha visita, continuem a inspirar-vos em todas as vossas actividades nas Igrejas locais, e no apoio constante que sois chamados a dar aos vossos Bispos e sacerdotes.

Conforme as palavras de São Paulo, serei sempre grato "pela parte que tomastes na difusão do Evangelho... Estou persuadido de que Aquele que começou em vós a boa obra a completará até ao Dia de Cristo Jesus. É justo que eu alimente estes sentimentos por todos vós, porque vos trago no coração" (Ph 1,5-7).



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

A NIGÉRIA, BENIN, GABÃO E GUINÉ EQUATORIAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA NIGÉRIA


Nunciatura Apostólica de Lagos, Nigéria

Segunda-feira, 15 de Fevereiro de 1982



Caríssimos Irmãos Bispos

"Graça, misericórdia e paz da parte de Deus e da de Jesus Cristo, nosso Senhor" (1Tm 1,2).

Tenho prazer imenso em estar hoje convosco. No mês passado éreis meus hóspedes no Vaticano, e durante estes dias serei eu vosso hóspede. Compreendemo-nos, amamo-nos e comunicamos entre nós livremente. A minha breve viagem ao vosso país enche-me de alegria e de esperança. Sinto pena de não poder visitar mais centros, mas sabeis qual a razão por que foi limitado o programa. Em toda a parte fizestes excelentes preparativos. O vosso povo é entusiasta, hospitaleiro e cheio de fé. Compreende o imenso tesouro de graça que possui, em Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso ofereço louvor ao Seu Pai, que deu ao vosso povo profundo intuito de fé em coisas que estiveram escondidas "aos sábios e aos entendidos" (Mt 11,25).

1. Congratulo-me convosco e exprimo a minha solidariedade fraternal no ministério de cada dia, na realidade eclesial em que sois os pastores do rebanho. Fizestes honra aos missionários que iniciaram este bom trabalho há um século.

Os vossos seminários estão repletos, as vossas Congregações religiosas têm estável afluência de candidatos, e as vossas organizações de apostolado são dinâmicas. Amais quem preside na caridade à Igreja universal, como também os seus colaboradores no trabalho da Sagrada Congregação para a Evangelização dos Povos. Sois promotores da doutrina ortodoxa e da liturgia aprovada, e alentais a disciplina sacerdotal. O vestuário talar e o hábito religioso são ainda tidos em honra no vosso país. Exercitais com zelo o vosso esforço magisterial por meio de homilias, cartas pastorais e outras declarações.

Sinto-me feliz por saber que o vosso zelo pastoral se exprime também por meio do Secretariado Católico da Nigéria, do Secretariado Missionário Nacional, do Instituto Católico da África Ocidental, do Simpósio das Conferências Episcopais da África e de Madagáscar, e por meio da colaboração com a Cúria Romana e com o Sínodo Mundial dos Bispos. Estas e outras manifestações de amor pastoral e apostólico, agradeço-vo-las em nome de Jesus Cristo, o único que nós todos, com Pedro, reconhecemos como "Pastor supremo do rebanho" (1P 5,4).

Numa grande Conferência Episcopal como a vossa, nunca é supérfluo sublinhar a importância da unidade e da acção combinada. Há tantas necessidades no apostolado da vossa nação, que não podeis satisfazer se não vos mantendes unidos e não trabalhais em conjunto! Exemplos são os projectos que termino de citar. Unidos a estes encontram-se os Seminários Regionais e interdiocesanos, menores e maiores, as vossas relações com as autoridades civis regionais e nacionais, os planos pastorais e assim por diante. Os problemas requerem também acção unida e bem considerada: qualquer falta de disciplina que possa existir entre os sacerdotes, o problema das tribos ou grupos étnicos, e problemas nacionais como a corrupção, a desonestidade e a violência.

Estou informado que o apostolado da escola deu bons resultados para a evangelização na Nigéria, mas que a situação das escolas da Igreja também criou grandes problemas, de modo particular durante os últimos quinze anos. A educação religiosa das crianças, na escola ou fora desta, é da maior importância. Nos diversos Estados da vossa extensa Federação estais-vos esforçando por desempenhar a vossa responsabilidade de Bispos tomando medidas em favor dos direitos e das necessidades de muitas crianças católicas. Actuando como guias espirituais e pastores vigilantes, e fiando-vos no pleno apoio dos vossos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos, estais procurando demonstrar os objectivos da educação cristã e ajudar os pais a desempenhar a obrigação imposta por Deus como primeiros educadores dos filhos.

A este propósito quero chamar a atenção para o que escrevi na minha recente Exortação Apostólica: "Deve ser absolutamente assegurado o direito dos pais à escolha de uma educação conforme à sua fé religiosa. O Estado e a Igreja têm obrigação de prestar às famílias todos os meios possíveis a fim de que possam exercer adequadamente os seus deveres educativos. Por isso, quer a Igreja quer o Estado devem criar e promover aquelas instituições e actividades que as famílias justamente reclamam. A ajuda deverá ser proporcional às insuficiências das famílias. Portanto, todos os que na sociedade ocupam postos de direcção escolar nunca esqueçam que os pais foram constituídos pelo próprio Deus como primeiros e principais educadores dos filhos, e que o seu direito é absolutamente inalienável (Familiaris consortio FC 40). Sim, caros Irmãos em Cristo, em todo o vosso zelo apostólico para com os leigos e para com o clero, estou perto de vós no amor de Cristo Jesus.

Agradeço-vos a vossa consciência missionária e a vossa iniciativa de enviar sacerdotes, irmãos e irmãs da Nigéria para bom número de outros países na África e na Índia Ocidental. Estou-vos agradecido pela fraternidade que mostrais aos vossos irmãos sacerdotes; é verdadeiramente um compromisso maravilhoso o de fazer os exercícios espirituais ânuos e os dias de recolhimento mensal com eles. Em tudo isto mostrais a Unidade do sacerdócio na Unidade da Igreja de Cristo.

2. Quando um grupo de alguns de vós estava em Roma no mês passado, tive ocasião de falar da minha visita à Nigéria, como de uma experiência da nossa unidade em Cristo e na Igreja. A unidade, que viveis nas vossas Igrejas locais, estamos a experimentá-la agora juntos. Esta unidade é unidade de fé baseada na palavra de Deus, no Evangelho — Evangelho que deve ser crido, vivido e difundido. Por isso, propus a unidade e a evangelização como duplo propósito desta minha visita pastoral à dilecta Igreja da Nigéria.

Hoje estamos a celebrar em Lagos a palavra de Deus que nos une; celebramos o Verbo Encarnado de Deus, que morreu para "trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos" (Jn 11,52). Celebramos o Evangelho como "poder de Deus para a salvação de todo o crente" (Rm 1,16). Recordamo-nos como, por meio da graça de Cristo e dos méritos do Seu preciosíssimo sangue, a palavra de Deus se radicou na vida do vosso povo, o reuniu em comunidade de fé, e ele foi continuamente produzindo frutos de justiça para a salvação.

3. Considerando o processo dinâmico da evangelização que se realizou, damo-nos conta de que este deve continuar incessantemente. Damo-nos conta de que as pessoas não crerão em Cristo "sem ouvir falar d'Ele, sem que alguém O anuncie, e não terão anunciador sem um ser enviado (cf. Rom Rm 10,14). E assim hoje, caros irmãos em Cristo, reflictamos nas palavras de Jesus: "Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós" (Jn 20,21).

Eu fui enviado por Cristo e também vós fostes enviados por Cristo. E, unidos a todo o Colégio Episcopal do mundo inteiro, somos enviados a anunciar Cristo, a proclamar Cristo, a comunicar Cristo e o Seu Evangelho ao mundo. Eis a razão por que, antes desta visita pastoral, exprimi a esperança de que ela iniciasse "nova era de evangelização". Esta é a minha oração repetida: que o zelo pela evangelização invada a Igreja aqui na Nigéria. E porquê? Porque a evangelização constitui a missão essencial da Igreja, é a sua vocação, é a sua identidade mais profunda (cf. Evangelii nuntiandi EN 14). Nisto a Igreja, que é a plenitude de Cristo (cf. Ef Ep 1,23), reflecte finalmente a missão de Jesus, que diz de Si mesmo: "Tenho de anunciar o Reino de Deus, pois para isso é que fui enviado" (cf. Lc Lc 4,43).

Na prática, a vocação da Igreja para evangelizar significa sobretudo viver o Evangelho cada vez mais profundamente. Significa aceitar a chamada de Cristo à conversão e os pedidos inerentes à fé pregada por Jesus. A chamada à conversão era o tema da pregação de João Baptista (cf. Mt Mt 3,2). Era a explícita proclamação de Jesus: "Convertei-vos, porque o Reino dos céus está perto" (Mt 4,17). Era a mensagem de Pedro para o Pentecostes: "Arrependei-vos" (Ac 2,38).

Entendida desta maneira, a evangelização implica um processo de purificação e de mudança interior que influi nas Igrejas locais. Significa conversão para a salvação: a comunidade eclesial que se torna cada vez mais comunidade de fé viva, comunhão de oração, centro de caridade que difunde o interesse pelos pobres, e pelos doentes, pelos que estão sós, pelos abandonados e os deficientes, os leprosos, todos os que são débeis na fé, e os que têm necessidade de ser sustentados e procuram alguém que lhes mostre o amor de Cristo.

Tendo abraçado o Evangelho, a Igreja mesma é chamada a comunicá-lo por meio da palavra e dos factos. O povo católico, sob a vossa direcção pastoral, tem a oportunidade, o privilégio e o dever de dar um testemunho anexo ao Evangelho de Jesus na cultura em que esse povo vive. Tem o poder de levar o Evangelho ao coração da sua cultura, no tecido da sua vida de cada dia. É sobretudo, quando as famílias cristãs foram verdadeiramente evangelizadas e estão conscientes do seu papel evangelizador, que pode conseguir-se uma efectiva evangelização da cultura — efectivo encontro entre o Evangelho e a cultura. A necessidade é extrema, pois como indicou o meu predecessor Paulo VI: "A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época" (Evangelii nuntiandi EN 20).

Aspecto importante da vossa tarefa particular de evangelização é a dimensão global da inculturação do Evangelho na vida da vossa gente. Aqui, vós, e os vossos cooperadores sacerdotes, ofereceis ao vosso povo uma perene mensagem da divina revelação — "as imperscrutáveis riquezas de Cristo" (Ep 3,8), — mas ao mesmo tempo, sobre a base deste "eterno Evangelho" (Ap 14,6), ajudai-lo a "fazer surgir, da sua própria tradição viva, expressões originais de vida, de celebração e de pensamento" (Catechesi tradendae CTR 53).

A Igreja verdadeiramente respeita a cultura de cada povo. Oferecendo o Evangelho, a Igreja não pretende nem destruir nem abolir tudo o que há de bom e de belo. De facto, ela reconhece muitos valores culturais e por meio do poder do Evangelho purifica e introduz no culto cristão alguns elementos dos costumes de um povo. A Igreja vem trazer Cristo; não vem trazer a cultura de outra raça. A evangelização tende a penetrar e elevar a cultura por meio do poder do Evangelho.

Por outro lado, sabemos que a revelação de Deus supera os conhecimentos de qualquer cultura e de todas as culturas do mundo colocadas juntas. Com São Paulo deveremos julgar o plano divino: "Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Que insondáveis são os Seus juízos e impenetráveis os Seus caminhos!" (Rm 11,33). A profundidade da divina revelação é manifestada no mistério da encarnação, que, por sua vez, desvela a vida da Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Por isso é claro, como afirmei anteriormente, que "a força do Evangelho por toda a parte é transformadora e regeneradora. Quando ela penetra numa cultura determinada, quem se maravilhará de que ela aí aperfeiçoe muitos elementos?" (Catechesi tradendae CTR 53). Ao mesmo tempo, é por meio da providência de Deus que a divina mensagem encarna e se comunica graças à cultura de cada povo. É sempre verdade que o caminho da cultura é o caminho do homem, e é por este caminho que o homem encontra Aquele que incorpora os valores de todas as culturas e revela plenamente o homem de cada cultura a si mesmo. O Evangelho de Cristo, Verbo Encarnado, encontra a sua residência no caminho da cultura e deste caminho continua a oferecer a sua mensagem de salvação e de vida eterna.

Por causa destas importantes considerações, caros Irmãos em Cristo, desejo implorar de novo do Espírito Santo aquela "nova era de evangelização", da qual vos falei em Roma. Será, seguramente, um dom de Deus — um dom que se juntará à interminável lista dos dons concedidos ao vosso povo pela misericordiosa e amorosa bondade do nosso Deus. Pelo nosso lado, é necessário ter profunda convicção de que o nosso próprio ministério de Bispos é verdadeiramente ministério de evangelização, incluindo a evangelização da cultura. Como insinuei em Roma, é Jesus mesmo que nos indica que a evangelização é a nossa "prioridade suprema".

4. Antes de concluir, desejo acrescentar uma palavra sobre dois aspectos importantes do nosso ministério evangélico. Como nós explicitamente proclamamos o dom da salvação de Deus, a Sua chamada à conversão, o Seu misericordioso perdão e o Seu amor redentor, fazemo-lo no contexto do Sacramento da Penitência e da Eucaristia.

Na Nigéria o vosso povo manteve-se fiel ao rito religioso da reconciliação e da misericórdia, como o prova o hábito de recorrer à Confissão. Esta fidelidade é por si um dom de Deus. Em muitas partes da Igreja no mundo, o Sacramento da Penitência, por diversas razões, tem sido menos praticado do que era antes. O Concílio Vaticano II, e a sua aplicação por parte da Sé Apostólica, tinham em vista despertar renovada atenção a certos aspectos do Sacramento. Incluindo estes, por exemplo: o ministério da Igreja em perdoar os pecados; o efeito do pecado sobre todo o Corpo de Cristo; e o papel da comunidade na celebração da penitência e no trabalho da reconciliação. Mas o Concílio Vaticano II e a Sé Apostólica não quiseram com isto, em nenhuma medida, iniciar um processo no curso do qual grandes sectores de católicos abandonariam o uso do sacramento, ou lhe descuidariam a prática negando a sua importância para a vida cristã. O próximo Sínodo dos Bispos será oportunidade maravilhosa para o Magistério da Igreja reiterar colegialmente o papel vital deste sacramento e o seu uso segundo as normas aprovadas pela Igreja. Estas normas são conformes a lei divina e exprimem a autêntica renovação querida pelo Concílio Vaticano II e pela Sé Apostólica.

Entretanto, peço que façais tudo o que puderdes, caros Irmãos, para confirmar a importância da natureza eclesial do Sacramento da Penitência, que não está só em harmonia com a confissão e a absolvição individuais, mas actualmente as exige, fora de alguns casos excepcionais em que a Igreja autoriza a absolvição geral.

Chamando o vosso povo a uma conversão constante, pregando a misericórdia e o perdão do Salvador, sublinhando o aspecto comunitário da reconciliação e promovendo o uso particular da confissão e da absolvição individual entre o vosso povo, prestais um serviço de imenso valor não só às vossas Igrejas locais, mas também à Igreja universal. Exaltai o mistério da Redenção e defendei um dos mais sagrados direitos do vosso povo. Como indiquei na minha primeira Encíclica, "A Igreja, ao observar fielmente a plurissecular prática do Sacramento — a prática da confissão individual, unida ao acto pessoal de arrependimento e ao propósito de se corrigir e de satisfazer — defende o direito particular da alma humana. É o direito a um encontro mais pessoal do homem com Cristo crucificado que perdoa... Como é evidente, isto é, ao mesmo tempo, o direito do próprio Cristo em relação a todos e a cada um dos homens por Ele remidos. E o direito de encontrar-se com cada um de nós naquele momento-chave da vida humana, que é o momento na conversão e do perdão" (Redemptor hominis RH 20).

5. O vosso ministério evangelizador atinge finalmente o auge, que é ao mesmo tempo o centro de toda a vida sacramental, na Eucaristia. Aqui o Evangelho é plenamente proclamado; aqui é oferecida aos fiéis a perfeita união com Jesus. Aqui pode cada cristão receber o poder salvador da Redenção na sua plenitude. E aqui, no Sacrifício Eucarístico, a vossa particular missão pastoral é consumada. Aqui sois verdadeiramente uma só coisa com Cristo, o Bom Pastor, o Supremo Pastor do rebanho. Toda a conversão vem a terminar naquela união que só na Eucaristia se completa. Toda a evangelização se dirige para este centro, que é tanto a sua fonte como o seu ponto mais alto (cf. Presbyterorum ordinis PO 5).

É também na Eucaristia que nós mesmos, Bispos da Igreja de Deus, encontramos força e alegria pastoral para conduzir o povo de Deus pelo caminho da salvação e da vida eterna. Aqui unimos, no nome de Cristo, a Sua Igreja peregrina na sua trajectória para o Pai, "o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação" (2Co 1,3). Aqui apresentamos Jesus ao nosso povo e caminhamos com Ele, em santidade e verdade, para o abraço eterno do amor do Pai, para a plena comunhão de vida com a Santíssima Trindade.

Este, meus Irmãos Bispos, é o meu e vosso ministério — o nosso ministério de evangelização — em serviço do povo de Deus na Nigéria, e em toda a parte a Sua divina providência dirige o vosso zelo missionário.

Seja louvado Jesus Cristo, seja louvado o Seu amor redentor, seja louvado o Evangelho da Salvação!

Quero abrir o meu coração com um presente que trouxe nesta ocasião para vós nesta Conferência: é uma imagem do meu coração, da minha origem; e é também imagem da minha esperança no futuro da Igreja, da humanidade, e de cada família humana em cada madre-pátria (e era particular na minha madre-pátria) e em todo o mundo. Agradeço-vos do coração a vossa participação; e a vossa preparação. Já exprimi há pouco o meu reconhecimento aos vossos colaboradores e à Conferência toda; agora repito os meus sentimentos a cada um de vós e a toda a Conferência Episcopal Nigeriana. É, sem dúvida, fruto de uma Graça Divina e da bênção de Nosso Senhor se esta visita se vai realizando tão bem, mas é também fruto do vosso ministério, do vosso desejo fraterno e pastoral, e do espírito de unidade entre vós e com o Bispo de Roma. Estou profundamente grato a todos vós por tudo isto e por toda a espécie de preparação espiritual: não é talvez tão visível como uma preparação externa, mas no fundo esta não é senão o espelho em que se reflecte a espiritualidade. Obrigado por esta preparação espiritual da vossa Igreja, da vossa gente: o vosso país, a Nigéria, teve muitos missionários, em especial da Irlanda. Aproveitamos, por conseguinte, a ocasião para abençoar de modo particular esse país que deu tantos filhos às missões de toda a Igreja, especialmente na vossa nação. Ora, a visita do Papa é uma experiência especial; e desejo agradecer às precedentes gerações de Bispos, sacerdotes e missionários que abriram o caminho a tal experiência, e é juntamento convosco que agradeço ao Senhor por meio de Sua Mãe.



Discursos João Paulo II 1982 - Sábado, 13 de Fevereiro de 1982