Discursos João Paulo II 1982 - Quarta-feira, 10 de Março de 1982

ENCONTRO COM OS JOVENS


NA BASÍLICA VATICANA




Caríssimos Jovens!

Sinto-me verdadeiramente contente de vos receber nesta Basílica de São Pedro, e dar as boas-vindas a todos vós, que viestes das Paróquias, das escolas e das associações de várias partes da Itália. A vossa presença é-me sempre grata, porque em vós estão representados e expressos todos aqueles valores humanos, espirituais e sociais que a Igreja não cessa de proclamar e promover, e sobretudo porque vós sois a confirmação visível e jovial da exuberante vitalidade da Igreja de hoje.

Aproveito de bom grado esta feliz oportunidade para vos dirigir uma breve mas vibrante exortação, inspirada no tempo sagrado da Quaresma que estamos vivendo.

A espiritualidade própria deste tempo do ano litúrgico é caracterizada pelo empenho em nos convertermos a nós mesmos e expiarmos as próprias culpas (e também as dos outros!). Este empenho requer o esforço de fazer prevalecer as exigências do espírito sobre as inclinações da carne e dar a supremacia à razão e à vontade sobre os comportamentos não raro contraditórios e volúveis da sensibilidade substraída a todas as normas. A Igreja chama-vos a uma milícia espiritual a fim de obterdes uma formação de jovens fortes, livres e responsáveis, como convém a autênticos seguidores de Cristo, e a fim de saberdes fugir às lisonjas do mundo e às insidias da chamada moral permissiva.

Portanto, não vos contrarie, sobretudo neste tempo de Quaresma, impor-vos a vós próprios maior vigilância, alguma abstinência e alguma abnegação para realizar fielmente aquelas pequenas coisas que amanhã vos poderão ajudar a empreender as grandes acções que talvez já sonheis. Não tenhais receio de vos treinar nesta palestra quaresmal que vos ensina a viver segundo os grandes ideais do Evangelho que revolucionaram o mundo.

Tudo isto pode resumir-se no trinómio: oração, sacrifício e estudo. De facto a oração é a alma de todo o empenho de perfeição; o sacrifício é a sua espinha dorsal e o estudo servir-vos-á a fim de vos preparardes para a vida e para dar provas da vossa fé a quem vo-lo pedir.

O Senhor esteja sempre convosco: vos ampare e vos dê a força para realizar estas sugestões e estes votos, que agora de bom grado corroboro com a minha Bênção Apostólica, que a vós concedo e às vossas famílias.



Saudações a grupos particulares

Na Audiência Geral de quarta-feira, 10 de Março

lizam uma obra tão bonita ao serviço da vida e das famílias, o dos estudantes e dos jovens. Saúdo por fim os oficiais da Região de Lião com as suas famílias. Oxalá a vossa permanência em Roma enriqueça a vossa cultura, os vossos espíritos e os vossos corações, e vos dê uma experiência mais universal da Igreja! Abençoo-vos a todos de coração.

Aos peregrinos italianos

Desejo dirigir, hoje, uma saudação particular aos Oficiais do Exército Italiano e de outras nações, os quais frequentam a escola militar de Civitavecchia. Com eles, saúdo também o Ordinário Militar, D. Gaetano Bonicclli.

Esta manhã, cm São Pedro, participastes, juntamente com as vossas famílias, também elas aqui presentes, na Celebração Eucarística que vos introduziu no clima da Páscoa.

O Senhor Ressuscitado, Vencedor dos poderes do mal e da morte, Príncipe da Paz, convida-vos a colaborar com Ele para fazer triunfar o bem sobre o mal, o amor sobre o ódio, a vida sobre a morte, a verdadeira paz. A paz é a condição indispensável para que a vida das pessoas seja preservada e se consolidem entre os povos relações de mútua colaboração, na busca do bem comum. Não vos deixeis nunca levar pelo enlevo da força e do

A 2* leitura, muito própria do ambiente deste domingo, constitui um hino de louvor em honra do Filho de Deus. Nele se evoca o mistério da humilhação e da exaltação de Cristo. O "homem das dores", que tomou a condição de escravo e obedeceu até à morte infamante, é o Senhor, diante de quem se dobram todos os joelhos. São Paulo sublinha o nexo entre a humilhação e a exaltação: "Por isso Deus O exaltou...". todo o segredo do Mistério Pascal, a dinâmica da Vida que desabrocha da Morte.

Finalmente, o evangelho da Paixão. No texto de São Marcos, lido este ano, abundam os pormenores concretos, fruto de testemunhas oculares. A narração começa com o episódio profético da mulher que perfumou os pés de Cristo. Daí, seguimos para o Cenáculo, onde, numa sala grande, alcatifada e pronta, Jesus celebra a primeira Eucaristia. Vêm depois as horas dolorosas de Getsémani, onde Cristo, sozinho, apesar da proximidade dos discípulos, reza ao Pai numa atitude misteriosa de repulsa e adesão. Segue-se a entrega pôr parte de Judas, a fuga dos amigos, o simulacro de julgamento, a condenação, o caminho do Calvário, a morte.

Acompanhando o desenrolar da acção, agradecemos a Cristo que Se entrega por nós e pedimos-Lhe que nos ajude a descobrir os momentos em que a Sua Paixão se repete na nossa vida. Olhando para as pessoas que intervêm nestas cenas movimentadas, fixamo-nos no modo de proceder dos amigos do Senhor: atitudes de medo, traição, negação, fuga... Não é assim ainda hoje? Que eco encontra em nós a proclamação da Paixão de Cristo, o Redentor que é também Rei e Senhor?

Depois de termos ouvido este evangelho de densidade invulgar, celebramos a Eucaristia. Nela se repete sacramental-mente e se torna actual para nós este mistério da Paixão e da Ressurreição. Por isso, na oração sobre as ofertas pedimos ao Pai que, pelo sacrifício de Jesus, nos conceda a graça da reconciliação, isto é, o abandono daquilo que em nós é mal e a participação na Sua vida divina.

Finalmente, na última oração, rogamos ao Pai que faça frutificar em nós o Mistério Pascal de Seu Filho. Depois de termos celebrado a Paixão, esperamos participar da Ressurreição, como o próprio Cristo nos prometeu. Ao fazermos este pedido, ao alimentarmos em nós esta esperança, implicitamente manifestamos a nossa boa vontade em vivermos de acordo com o Mistério que celebramos.


P. ROMANO

poder, que deriva dos instrumentos de destruição e de morte de que dispondes. Por este caminho, irmão contra irmão, pode-se chegar a suprimir quanto de mais

querido e belo o homem possui. * * *

A minha saudação dirige-se também aos peregrinos de Prato, acompanhados do Reitor do Santuário de "Santa Maria dei Giglio", e aos que provêm da paróquia florentina de Nosso Senhor Jesus Cristo Bom Pastor: de modo particular ao grupo de meninos do coro que, com a sua veste litúrgica, recordam a todos a alta dignidade do serviço que realizam.

A primavera, que começa este mês a ornamentar com cores maravilhosas a terra em que viveis, seja para todos vós o convite do Criador a fazer florescer as obras, ainda mais belas, da santidade, em continuidade cora a tradição que vos foi deixada pelos numerosíssimos Santos que

ornamentaram a vossa Região.

* * *

Quero, também, saudar todos os Doentes, sobretudo o grupo organizado pela UNITALSI de Santa Maria Capua Vetere.

Sede para todos um sinal vivo de uma realidade fundamental para o cristão: a cruz levada por amor do Senhor e dos irmãos, é o caminho para obter uma verdadeira e autêntica serenidade





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR VIGNIKO A. AMEDEGNATO


PRIMEIRO EMBAIXADOR DO TOGO


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 11 de Março de 1982



Senhor Embaixador

1. Vossa Excelência é o primeiro Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário encarregado de representar a República do Togo junto da Santa Sé. Este importante acontecimento esclarece o significado das relações diplomáticas estabelecidas de comum acordo em Abril do ano passado, e dar-lhes-á plena eficiência.

Exprimo pois, antes de tudo, a minha alegria em receber aqui Vossa Excelência. E, mediante a sua pessoa, é o povo do Togo que o Papa recebe, em primeiro lugar o Chefe do Estado, o General do Exército Gnassinghé Eyaderna, ao qual lhe peço queira transmitir as minhas respeitosas saudações, a minha gratidão e os meus votos cordiais pelo cumprimento da sua alta missão ao serviço de todos os seus compatriotas. Aos olhos da Igreja, todos os povos têm igual dignidade, e a Igreja tem até especial solicitude por aqueles que foram provados e procuram fazer aumentar os próprios recursos, por mais modestos que sejam, com laboriosos esforços. Durante as minhas duas viagens na África, passei perto do Togo, e se ainda não me foi possível visitá-lo, apesar dos instantes convites que os Bispos togóis me enviaram para Acra ou Cotonou, pensei muito no seu País que saudei na pessoa destes Irmãos.

2. A presença hoje aqui de Vossa Excelência permite-me exprimir os meus fervorosos votos por toda a Nação togol: desejo-lhe continue a viver livre, em profunda paz, facilitada por espírito de tolerância, procurando estabelecer relações cada vez mais justas entre todos os cidadãos que são chamados a participar activamente no desenvolvimento, e dedicando especial cuidado por aqueles que são mais pobres.

3. Neste contexto, a Igreja católica toma a sua parte no esforço comum; de facto, congrega grande número de togóis na mesma fé, que é a fé do Bispo de Roma e da Igreja universal. Deve salientar-se que no Togo, como noutros lados, a Igreja reunida em volta dos seus Pastores e sob a autoridade deles em comunhão com o Sucessor de Pedro, usufrui de toda a liberdade que é correspondente à sua missão espiritual, no que diz respeito de modo especial à organização e ao comportamento da comunidade dos católicos, de maneira a permitir a educação da sua fé e o culto que eles devem prestar a Deus, segundo a própria consciência, pessoalmente e em comum. Estou convencido que este princípio, bem compreendido e respeitado, não poderá deixar de facilitar cada vez mais o bom entendimento existente hoje entre a Igreja e o Estado, tanto mais que os cristãos são promotores de paz e não querem eximir-se do próprio contributo para o desenvolvimento da nação, na preocupação de a servir.

4. Também Vossa Excelência, Senhor Embaixador, quis evocar, entre outras coisas, o trabalho notável de instrução, educação e formação profissional que hoje é assegurado pelas instituições católicas. Sim, a Igreja quer contribuir para preparar bons cidadãos, neste campo importante da escolarização, e também nos outros campos. Mesmo nas escolas do Estado ela esforça-se, graças à benévola compreensão do mesmo, por dar aos seus filhos uma formação moral e religiosa adequada, porque a qualidade da civilização que os Togóis querem construir dependerá não só do desenvolvimento económico, pelo qual formulo ardentes votos, mas da qualidade das relações dos homens entre si e das suas relações com Deus; pode bem dizer-se da formação das consciências, do seu progresso ético e espiritual. Senti-me feliz em lhe ouvir dizer que o povo togol gosta de celebrar publicamente um culto a Deus.

Por fim, Vossa Excelência acentuou a importância de uma ordem jurídica internacional que garanta o respeito da liberdade e dos direitos do homem e também uma ordem económica internacional que assegure um verdadeiro desenvolvimento a todos os povos. A este propósito, a Santa Sé seguiu com interesse os trabalhos que foram esboçados na Convenção de Lomé. E ela fará tudo para recordar aos homens de boa vontade dos diversos países e dos organismos internacionais, desolados ao verem as importâncias esbanjadas com os preparativos para a guerra e traumatizados pelo temor de uma tal guerra, que a verdadeira batalha a empreender é a do desenvolvimento solidário, a fim de cada ser humano ser libertado da miséria e da ignorância, da fome ou das doenças que o progresso cientifico e técnico e as relações mais justas nos permitiriam fazer retroceder, segundo o desígnio mesmo do Criador: "Povoai a terra e submetei-a". E aqui, penso de modo especial nas necessidades humanas da África, que evoquei recentemente em Libreville, ao deixar o Continente.

Desta acção da Igreja Vossa Excelência passará a ser testemunha mais próxima. Ao assegurar-lhe aqui o melhor acolhimento, formulo votos cordiais pela sua nobre missão ao serviço de relações cada vez mais frutuosas entre a Santa Sé e o Togo, e peço a Deus o assista e inspire nesta alta missão.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A ASSIS

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À ASSEMBLEIA DOS BISPOS


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA


Sala Papal do Convento na Basílica de São Francisco

Sexta-feira, 12 de Março de 1982



Senhores Cardeais, e Vós todos,
Veneráveis Irmãos da Conferência Episcopal Italiana

1. Concluídos os encontros pessoais com cada um de vós, e os colegiais com cada Conferência Episcopal, por ocasião da Visita ad limina Apostolorum, viemos como peregrinos de amor e devoção a este luminoso "Oriente" (Paraíso XI, 54), para venerar os sagrados despojos mortais do grande São Francisco, Padroeiro da Itália, e para nos revigorarmos nas fontes do seu espírito e da sua vocação.

O nosso é um acto de peregrinação e de comunhão: "peregrinação", como é sabido, imediatamente motivada pelas celebrações jubilares pelo oitavo centenário do nascimento do Pobrezinho de Assis; "comunhão" como expressão da unidade existente entre as Igrejas particulares e os seus Pastores: Communio Ecclesiarum e Communio Pastorum de toda a Itália.

Tal simples acto constitui a coroação mais alta e extraordinária da Visita ad limina do ano passado, porque nela estão igualmente presentes a realidade da peregrinatio e a da communio.

2. A Igreja universal, "Povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Lumen Gentium LG 4), é chamada a viver interior e visivelmente o grande mistério da comunhão, de que o Sucessor de Pedro é princípio e fundamento, e pelo qual "quem está em Roma, sabe que os índios são seus membros" (S. Jo. Crisóst. In Jo. Hom. 65, 1; ). Trata-se de uma relação articulada, múltipla e simples ao mesmo tempo, que no respeito de cada vocação, missão, encargo e carisma, cria a universal unidade de um só Povo de Deus, inclinado a centrar toda a humanidade em Cristo Cabeça (cf. Lumen Gentium LG 13).

No âmbito de tal unidade católica, existem as Igrejas particulares com os seus legítimos Bispos que "o Espírito Santo constituiu..." (Ac 20,28). Eles com a Visita ad limina trazem ao Sucessor de Pedro a expressão viva e concreta daquela "comunhão eclesial", que vigora no âmbito da Igreja particular mesma, entre o Bispo, o Clero e os Fiéis, nas diversas ordens e missões, para receberem dele de modo visível a confirmação, juntamente com a tutela das legítimas verdades, e exprimirem ao mesmo tempo a última inserção na comunhão da única Igreja católica.

3. Mas na Visita ad limina está presente também o aspecto peregrinante da Igreja mesma: a Igreja que está no caminho; que, como novo Israel, caminha à procura da cidade futura e permanente, entre tentações e tribulações, e não cessa de renovar-se cada dia, na fidelidade ao desígnio de Cristo, para ser sacramento de salvação para o mundo inteiro (cf. Lumen Gentium LG 8, 9, 44).

Nestas "Visitas", de facto, percorremos de novo idealmente o caminho de cada Igreja particular no decurso dos últimos cinco anos, em vista de uma sintonia mais profunda de fé, de ministério e de caridade, no quadro das dinâmicas de desenvolvimento e de maturação do tipo de sociedade próprio de cada Região. Amor no vínculo da comunhão eclesial e fatigante co-responsabilidade em afrontar o caminho quotidiano, encontraram expressão nos colóquios e nos discursos, como também nas conversações que daí resultaram.

4. Ora, reunidos na Assembleia extraordinária, apresenta-se natural e urgente para nós a necessidade de formular um quadro de conjunto e uma síntese, inspirando-nos precisamente no Padroeiro da Itália, que é indiscutivelmente testemunha excepcional da peregrinação bimilenária do Povo de Deus sobre esta privilegiada Península. Ele representa, de facto, uma das mais altas expressões daquele humanismo cristão, vivido e enriquecido por tantas gerações de Italianos, que viram e continuam a ver em Francisco o genuíno intérprete dos seus valores éticos e das suas aspirações, como eficazmente evidenciastes na vossa hodierna Mensagem à Comunidade italiana.

A circunstância do oitavo centenário franciscano convida naturalmente, primeiro que tudo, a dirigir o olhar para o passado, para reconhecer aqueles conteúdos sempre válidos que se mantêm uma constante de viagem também para as sucessivas etapas da peregrinação eclesial. Certamente, o empenho mais urgente continua a ser o de delinear com realismo a etapa presente do caminho, em vista de programar e animar o percurso futuro. Essa tríplice atenção assinalou os "ritmos" dos nossos encontros agora concluídos, e qualifica também o sentido do encontro nacional hodierno. Nesta atitude, sirva-nos ainda uma vez de luminoso sustentáculo o testemunho de São Francisco. Ele, por um lado, foi homem "de fronteira" — como hoje se diria — pelo que exerce ainda agora grande fascinação mesmo junto dos que estão longe, mas foi sobretudo homem de fé em Deus, discípulo ardoroso de Cristo, filho devoto da Igreja, irmão afectuoso de todos os homens, mesmo de todas as criaturas. A seu respeito, qualquer rígido esquema de colocação torna-se inadequado. Fiel sem reservas, precisamente por causa de tal fidelidade sentiu-se livre de observar à letra o Evangelho, de seguir uma estrada sua, que lhe indicara só o Espírito de Cristo, e pôde ser assim "aquele homem novo, dado pelo Céu ao mundo" (Leg. Maior XII, 8), a cujo aparecer "os povos — como se exprime Tomás de Celano — ficaram cheíssimos de admiração diante dos sinais da renovada idade apostólica" (3 Cel 1). Francisco foi portanto homem de Igreja, que viveu em pleno esta tríplice dimensão: consciência do passado, abertura às exigências do presente, projecção dinâmica para as perspectivas do futuro; e tudo isto no contexto de uma vivíssima sensibilidade católica.

5. Quem não vê a importância eclesiológica de semelhante atitude? A Igreja, de facto, vive em todas as suas partes a realidade total do Corpo místico de Cristo, quer na dimensão temporal enquanto actualiza no hoje a redenção levada a termo pelo seu Fundador, anunciando o seu remate escatológico, quer no espaço, enquanto em toda a Igreja particular ela está totalmente presente.

As consequências que deste dado eclesiológico podem derivar, para a particular situação da Itália, são fáceis de descobrir. No contexto social da Nação evidenciam-se algumas tensões e contraposições, que mais parecem embaraçar do que favorecer a construção de um conjunto harmónico; constitui paradigma, a este respeito, a tensão existente entre Norte e Sul, ligada a múltiplas causas sociais, culturais, económicas e políticas.

A Igreja, constituindo por sua natureza "um germe eficacíssimo de unidade, de esperança e de salvação" (Lumen Gentium LG 9), é chamada a operar incessantemente para que se ultrapasse qualquer divisão, favorecendo com meios perspicazes a integração e a união, aos diversos níveis da Cidade humana, no espírito da luminosa frase paulina: "Levai os fardos uns dos outros" (Ga 6,2).

A Conferência Episcopal Italiana desempenha certamente obra de integração em tal sentido, contudo os meios usados até agora podem dizer-se realmente adequados e suficientes? É necessário estudar toda a oportuna iniciativa de carácter nacional que possa conduzir à desejada meta de uma unidade de espíritos, cada vez mais profunda e activa, mesmo no campo da convivência civil, a exemplo do Pobrezinho de Assis, a cujo respeito assim se exprimia o contemporâneo, Tomás de Spalato: "Na realidade, toda a substância das suas palavras tendia a apagar as inimizades e a lançar os fundamentos de novos pactos de paz" (Fonti Franc. 2252).

6. Desejo, além disso, sempre com olhar sintético, aludir a outro problema de conjunto, que diz respeito directamente à missão da Igreja, e se relaciona com as considerações expostas acima quanto aos dois aspectos da "comunhão" e da "peregrinação". Surge espontânea a pergunta: que tipo de comunhão deve procurar realizar a Igreja na Itália para conseguir exercer a sua presença estimulante no decurso do actual espaço de caminho da sociedade nacional, dentro dos confins que vão dos Alpes à Sicilia?

Recebemos de Cristo uma missão. Missão e comunhão chamam uma pela outra com relação íntima, sendo ambas constitutivas do único mistério da Igreja. "O Verbo encarnado — dissestes com palavras enérgicas no Documento Comunhão e Comunidade, publicado em Outubro último — ao mesmo tempo que recebe na comunidade divina a Igreja, torna-a participante da missão de salvação recebida do Pai, e nela e por ela realiza-a continuamente na história" (n. 2).

Ora, para completar essa tarefa de animação, de fermento evangélico e de inspiração cristã, requer-se precisamente a existência de uma activa presença nos diversos momentos e estruturas da vida social. Essa presença dinâmica e iluminada devemos sabê-la contrapor na prática, com acção humilde e serena, mas informada e decidida, aos programas que pretenderiam eliminar esta presença e tornar a Igreja "ausente", inutilizando-lhe o influxo inspirador.

Tal é a característica da missão, isto é da apostolicidade: não contrasta nem com o diálogo, nem com a liberdade de consciência, pelo contrário é em certo sentido requerida por tais atitudes, não podendo existir respeito pelos outros se não se lhes consente exprimirem-se a si mesmos nas formas devidas. Eis então que este nosso encontro, ao lado do túmulo do Padroeiro da Itália, nos impele a formular a pergunta acerca dos caminhos mais aptos para assegurar uma presença eficaz do Evangelho e da Igreja na Península inteira, durante as últimas décadas do século vinte.

Outra lição nos vem de São Francisco, embora vivamos numa época tão diversa da sua: e é a mensagem de amor à pobreza.

Francisco entende Cristo precisamente nos pobres, quando, descendo para São Damião, encontra o leproso e o beija, dando-lhe tudo quanto tem. O rico filho de Pietro di Bernardone, diante do Bispo de Assis, renuncia a todos os bens do mundo, oferecendo uma esplêndida lição de desapego, de liberdade interior, de verdadeira pobreza, tanto que, no eco estupefacto dos contemporâneos, a sua escolha foi vista â luz de uma relação nupcial com a "Senhora Pobreza".

Por isso também hoje a Igreja italiana, no seu conjunto, é chamada a reflectir sobre esta grande lição de Francisco para encarnar cada vez mais no seu contexto e na sua vida esse valor evangélico, do qual derivou nos séculos uma admirável tradição de ascese eclesial, seja nas pessoas isoladas seja nas instituições. É necessário que também as novas gerações sejam educadas na sobriedade e no sacrifício, virtudes indispensáveis num são processo pedagógico, que pretenda formar personalidades amadurecidas.

A este propósito, é-me grato prestar homenagem à simplicidade de vida do Clero italiano que, usando meios em geral muito limitados, sabe desempenhar dignamente o próprio ministério e sustentar obras pastorais muitas vezes de longa projecção. Uma Igreja pobre, de facto, não pode fugir a despertar Uma atitude de responsável solidariedade entre os fiéis, tornados conscientes da obrigação de oferecer o próprio apoio. A experiência da Igreja em várias épocas e em diversas nações demonstra-o abundantemente.

A escolha de Francisco, radical e revolucionária, tem por isso um profundo significado também hoje, para a Igreja na Itália e no mundo.

7. Esses caminhos do Evangelho e da Igreja, para o hodierna geração e para as sucessivas, foram traçados pelo Concílio Vaticano II, que — segundo eu disse no principio do Pontificado — "é... uma pedra miliar na história bimilenária da Igreja e, por reflexo, na história religiosa e também cultural do mundo" (17 de Outubro de 1978; Insegnamenti I, 14).

Precisamente a este propósito, vale a pena reflectir até que ponto foi assimilado pelo Povo de Deus, que está na Itália, o significado autêntico da orientação pastoral do Concílio, que infelizmente foi imediatamente assinalado por elementos de divisão.

As orientações do Concílio devem ser estudadas, meditadas, relidas e aplicadas: não apenas seguindo os próprios Documentos conciliares, já em si mesmos tão ricos de directrizes e de sugestões pastorais, mas também com a ajuda daquela a que podemos chamar a "chave sinodal" de leitura do mesmo concílio, isto é mediante as indicações derivadas dos trabalhos dos Sínodos dos Bispos, até agora celebrados, e propostas por Documentos de vasto alcance como a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI, depois do Sínodo de 1974; a minha Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, depois do de 1977; a Exortação Apostólica Familiaris Consortio, depois do de 1980; tendo também presentes as Declarações do Sínodo de 1971 no que diz respeito à "identidade" dos Sacerdotes, como também ao problema da "justiça no mundo", problema este com vastas ressonâncias e que sempre encontrou a Igreja sensível e atenta às inspirações do Evangelho e da Tradição, sempre fiel ao seu original ensino no campo social, numa coerente continuidade que, na época mais recente da nossa história, vai da Encíclica Rerum novarum de Leão XIII, à Quadragésimo anno de Pio XI, às Radiomensagens de Pio XII, às Encíclicas Mater et Magistra e Pacem in terris de João XXIII, à Encíclica Populorum progressio e à Carta Apostólica Octogésima adveniens de Paulo VI, até à minha recente Encíclica Laborem exercens.

Será precisamente com a ajuda desta "chave sinodal", que será necessário desenvolver, evitando os perigos da já aludida divisão, as exigências fundamentais do Concílio Vaticano II. Trata-se de aplicar "nas coisas pequenas" aquelas "grandes" orientações que assinalaram a história recente da vida da Igreja; porque, efectivamente, é no pequeno que se realiza o grande, e por isso o pequeno é sempre coisa grande!

Eis pois a importância e urgência que reveste o trabalho pastoral nos diversos sectores das vossas Igrejas. Refiro-me, primeiro que tudo, à solicitude pelas vocações eclesiásticas e pelos Seminários. A Igreja que está na Itália deve empenhar-se numa acção cada vez mais metódica, penetrante e capilar, pela busca e pelo cuidado das vocações. É sabido que, ao mesmo tempo que na Nação os problemas pastorais e eclesiais aumentam, não há sempre Sacerdotes em número suficiente para enfrentar as múltiplas exigências espirituais dos fiéis.

Deveis mostrar todo o cuidado, predilecção e desvelo a estes Sacerdotes, que são os vossos colaboradores imediatos, os autênticos "educadores na fé" (cf. Presbyterorum Ordinis, PO 6). Neste momento tão solene do encontro do Bispo de Roma com os Bispos de toda a Itália, o meu pensamento vai, com profunda estima e com fraternal afecto, aos cerca de 40.000 Sacerdotes italianos — e aos 20.000 Religiosos — que, párocos nas grandes paróquias urbanas ou nas pequenas do campo ou das montanhas, ou animadores de pequenas ou grandes Comunidades e sobretudo de grupos de jovens, de operários, ou empenhados na pastoral em qualquer nível — mestres de escola, de Liceu ou de Universidade — trabalham todos os dias pelo Reino de Deus. A Itália, pela sua plurissecular tradição histórica e cultural, tem necessidade da presença e do testemunho dos Sacerdotes, que nesta Nação têm dado provas de grande espiritualidade e caridade para com os necessitados, os doentes e os marginalizados.

Aos Sacerdotes está confiado, de modo especial, o culto a Cristo Eucaristia, fonte, centro e ápice da vida cristã (cf. Lumen Gentium LG 11 Ad gentes AGD 9). O próximo Congresso Eucarístico Nacional, que se realizará em Milão, contribua para tornar mais intenso o amor adorante pelo Sacramento do Altar, não só em todos os fiéis, mas sobretudo nos Sacerdotes.

Renovo a expressão da minha solicitude pelas Religiosas e por todas as que vivem uma vocação de consagração, as quais, no dom de si a Cristo, e seguindo as pegadas de Maria Santíssima, levam à Igreja de Deus uma riqueza de espiritualidade, de caridade e de dedicação nos vários campos da assistência aos enfermos, aos pobres, aos anciãos e às crianças; ou no ensino, ou naquelas situações em que a delicada sensibilidade feminina pode vencer difíceis barreiras; ou no voluntário silêncio da clausura; mas especialmente na oração contínua e no sacrifício reparador.

Faço votos por que as jovens desta Nação, desejosas de dar à vida o seu verdadeiro e pleno significado, saibam responder com entusiasmo e generosidade ao convite de Cristo, que as chama ao dom de si nas várias formas de vocação consagrada.

Insisto, depois, ainda sobre a catequese e, em particular, sobre a formação catequística dos jovens, que tenha presente os seus problemas, as suas exigências, as suas expectativas e a sua cultura. Como também insisto no problema da pastoral universitária, na constituição ou revitalização dos centros de cultura, e na cada vez mais urgente pastoral no mundo do trabalho. Quer dizer, é necessário um cada vez maior empenho comum de vós, Pastores, pela formação e a promoção do Laicado. Os Leigos devem dar testemunho a Cristo com a sua vida, na família, na classe social a que pertencem e no âmbito da profissão que exercem. Devem encarregar-se da instalação da ordem temporal como missão própria e, guiados pela luz do Evangelho e pela doutrina da Igreja, actuar directamente e de modo concreto; como cidadãos cooperar com os outros cidadãos, segundo a sua específica competência e responsabilidade; e procurar em toda a parte e em todas as coisas a justiça do Reino de Deus (çf. Apostolicam actuositatem AA 7). Os Leigos católicos italianos têm magnífica e exemplar história de acção, de empenho e de fidelidade à Igreja e também â Nação. É preciso tornar mais intensa e profunda a sua formação cultural e espiritual mediante oportunas iniciativas de carácter permanente, a fim de eles estarem sempre mais seriamente preparados para assumir aquelas responsabilidades eclesiais, que vós Bispos houverdes por bem confiar-lhes.

8. De tudo quanto ponderámos resulta, em certo sentido, uma nova dimensão da "peregrinação e da comunhão". Viemos aqui, ao túmulo glorioso de São Francisco, para meditar sobre esta dimensão, para reflectir em conjunto sobre os nossos encargos e os nossos compromissos e para gozar deles, como da perspectiva da nossa missão e da nossa comunidade.

Procuremos ver este nosso "caminho" comum: o caminho do Evangelho e da Igreja dos anos de 80, através da Península, dos Alpes até à Sicilia e à Sardenha.

Todavia, se devemos permanecer na verdade da nossa vocação, será necessário fazer esforços para aprofundar e considerar este "caminho" ainda na relação com os outros: com as outras Igrejas, com as outras Sociedades.Como a Providência divina deu à terra italiana São Francisco e tantos outros — inúmeros Santos — e como ela misteriosamente guiou para este País os passos de Pedro, o Pescador da Galileia, não podemos maravilhar-nos se outros "olham", para esta Igreja que está na Itália, e se com ela muitas vezes se medem a si mesmos nos diversos problemas. Diante dos outros temos portanto uma autêntica e séria responsabilidade.

Para responder plena e adequadamente a esta duradoura responsabilidade, a Igreja de Deus que está na Itália deve viver intensamente a própria dimensão "missionária". Dimensão missionária ad extra, qual se manifestou nos séculos e se manifesta ainda hoje, na generosidade de tantos filhos e filhas desta Nação, que abandonaram a Pátria, a família,, os amigos e a segurança, para se lançarem ao mundo a pregar o Evangelho: a Itália pode legitimamente ter orgulho nos Missionários e nas Missionárias, que a todas as plagas da terra levaram e levam, como São Francisco, a paz e o bem, tais como os proclama a mensagem de Cristo. Mas tais conhecidíssimos méritos da Itália, no campo da sua plurissecular dimensão missionária ad extra, são o fruto daquela que podemos chamar a dimensão missionária ab intra, isto é o seu dinamismo e a sua vitalidade, pelos quais a Igreja de Deus que está na Itália — como por outro lado toda a Igreja — está perenemente in statu missionis: "A Igreja, que vive no tempo, por sua natureza é missionária, enquanto é da missão do Filho e da missão do Espírito Santo que ela, segundo o Plano de Deus Pai, deriva a própria origem" (Ad gentes AGD 2). Tal dimensão missionária ab intra contrapõe-se por isso ao tradicionalismo e ao imobilismo; encontra-se confrontada com o perfil da "secularização" programada pela vida nos diversos sectores; e descobre além disso não só o seu "ontem" sacral e cristão, mas também o "hoje" atormentado e exaltador, e o "amanhã" ainda imprevisto e imprevisível.

É nesta perspectiva que será necessário recolher os sintomas da solidariedade que se está a ligar com diversas Sociedades e Igrejas da Europa e do mundo, e favorecer o seu progresso para um entendimento cada vez mais inteligente e prático.

9. Toda a comunidade eclesial na Itália — os Bispos, os Sacerdotes, as Almas consagradas e os Leigos — neste momento de crise de valores, de desorientamento moral, mas também de ansiosa busca de novas sínteses culturais de tensão para uma vida mais conforme com as profundas aspirações do coração humano, é chamada a participar activamente na reconstituição da ordem civil da Nação, fundada nos valores éticos do humanismo cristão.

E esta sua missão histórica só a poderá cumprir se for cada vez mais consciente da sua identidade, cada vez mais obediente à sua chamada ao testemunho, cada vez mais convencida da intrínseca e insubstituível genuinidade e força dos próprios valores, cada vez mais generosa no seu empenho de presença e de participação, e cada vez mais coerente e tenaz na acção, para que a Itália redescubra e viva, com renovado fervor, a sua riqueza humana e o seu rosto cristão. Como não é possível compreender em toda a sua plenitude a figura do Pobrezinho de Assis sem como ele ser crente, cristão e católico, assim não é possível esgotar a compreensão da história e da vida da Itália, caso se prescinda da Fé.

No fim desta nossa reunião, que representa quase uma síntese ideal de todos os encontros, pessoais e colegiais convosco, tidos por ocasião das vossas visitas "ad limina", dirijo a minha oração ardente aos Santos e às Santas, que a terra da Itália deu ao mundo durante vinte séculos, e em particular a dirijo aqui, ao lado do seu túmulo, ao Padroeiro da Itália, São Francisco, para que estenda a toda a sua Pátria terrena aquela Bênção que, ao morrer, dirigiu à sua dilecta Assis:' "... Senhor... pela tua copiosa misericórdia... a cidade tornou-se refúgio e morada daqueles que Te conhecem e dão glória ao Teu nome e espalham perfume de vida santa, de recta doutrina e boa fama em todo o povo cristão. Eu peço-Te portanto, ó Senhor Jesus Cristo, pai das misericórdias, que não olhes para a nossa ingratidão, mas que Te recordes só da abundância da Tua bondade que lhe demonstraste. Seja sempre, esta cidade, terra e habitação daqueles que Te conhecem e glorificam o Teu nome bendito e glorioso nos séculos" (Leggenda perugina, 99).

E confio estes meus votos e estes meus pensamentos a Nossa Senhora Santíssima, a "Castelã da Itália", por quem o bom povo desta Nação alimenta uma devoção terna e forte, carregada de sentimento, mas alimentada também de autênticos conteúdos teológicos. A Virgem Santíssima dirija sempre o seu olhar materno para este País.

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe sempre, caríssimos Irmãos no Episcopado, e todo o Povo de Deus que está na Itália.



Discursos João Paulo II 1982 - Quarta-feira, 10 de Março de 1982