Discursos João Paulo II 1982 - Sexta-feira, 19 de Março de 1982


VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A LIVORNO

NA FESTIVIDADE DE SÃO JOSÉ

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO CLERO, AOS RELIGIOSOS E ÀS RELIGIOSAS


DA DIOCESE DE LIVORNO


Santuário de Nossa Senhora de Montenero

Sexta-feira, 19 de Março de 1982



Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Vim aqui, a esta colina, como peregrino, para venerar a imagem de Nossa Senhora de Montenero, juntamente convosco Sacerdotes, Religiosos e Irmãs, e saúdo cada um individualmente com intenso afecto. Dirijo um pensamento reconhecido ao Bispo D. Ablondi por me ter dado a alegria deste encontro-peregrinação entre irmãos e irmãs junto da Mãe de Jesus e Mãe da Igreja.

Saúdo cordialmente os Padres da Congregação monástica de Valombrosa, que, como guardiães do Santuário de Montenero, há dois séculos acolhem com amor e dedicação os peregrinos sempre mais numerosos provenientes de várias partes da Itália.

Todos nós estamos em caminho pelas vias do mundo, rumo ao nosso último destino, que é a pátria celeste. Aqui na terra estamos somente de passagem. Por isso, nada pode dar-nos o sentido profundo da nossa vida terrena, o estímulo para vivê-la como uma breve fase de prova e também de enriquecimento, quem to à atitude interior de nos sentirmos peregrinos.

Os Santuários marianos, espalhados em todo o mundo, são como pedras miliares colocadas para assinalar os tempos do nosso itinerário na terra: eles proporcionam uma pausa de recuperação, na viagem, para nos restituir a alegria e a segurança do caminho, juntamente com a força de ir avante: como os oásis no deserto, surgidos para oferecer água e sombra.

2. Seguindo o exemplo dos Pontífices, que, de Inocêncio II a Pio IX, me precederam nesta terra, vim a este Santuário de Nossa Senhora de Montenero, a qual foi proclamada pelo meu venerado predecessor Pio XII "principal Padroeira junto de Deus de toda a Toscana", e cujo santuário é meta de tantas peregrinações.

Na terra Toscana, em que a arte e a poesia atingiram o ápice — arte e poesia inspiradas em grandíssima parte nos valores religiosos, de modo especial na Mãe de Deus — não podia faltar um Santuário dedicado a Maria, sobre esta colina, onde, para um maravilhoso quadro natural, se encontram o céu límpido e azul, pintado por Giotto e admirado por Dante, e o mar pelos muitos caminhos que desde tempos longínquos levaram a gente toscana a todos os continentes conhecidos. Pela sua benevolência para com os homens do mar, Nossa Senhora de Montenero é chamada também "Estrela do mar".

Pois bem, aqui, em contacto directo com a natureza, a alma é levada espontaneamente à contemplação, ao colóquio com Deus, a aprofundar o sentido da nossa peregrinação terrena, a elevar-se do nível das preocupações quotidianas, para mais de perto se colocar diante da realidade dos valores que jamais conhecem ocaso.

3. A Virgem de Montenero é venerada como Nossa Senhora das Graças, e o evangelho da sua festa é o cântico do "Magnificat". "A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humilde condição da Sua Serva... me fez grandes coisas o Omnipotente e Santo é o Seu nome".

Caros Sacerdotes, Religiosos e Irmãs da diocese de Livorno, neste nosso encontro, também nós, como Maria, ao rendermos graças ao Omnipotente, cujo nome é Santo, queremos elevar juntos o hino da nossa exultação, porque olhou para a humildade dos seus servos.

A Virgem Santa entoa o Magnificat, consciente que, para dar cumprimento ao desígnio de salvação para todos os homens, o Senhor quis associá-1'A, humilde jovenzinha do seu povo. Nós aqui estamos para entoar, a exemplo de Maria, o nosso Magnificat, sabendo que fomos chamados por Deus a um serviço de redenção e de salvação, apesar da nossa insuficiência.

Quanto mais grandiosa é a obra a ser realizada, tanto mais pobres são os instrumentos escolhidos para colaborar no plano divino. Como é verdade que a força do braço de Deus é realçada pela debilidade dos meios empregados, assim, também, quanto mais as pessoas humanas convidadas a servir são pequenas, tanto maiores são as coisas que o Omnipotente, por meio de nós, está disposto a realizar.

É por esta razão que os ricos são despedidos com as mãos vazias, os poderosos derrubados de seus tronos, e, ao contrário, os humildes são exaltados e os famintos cheios de bens. Para cumprirmos a missão e prestarmos o nosso serviço, não nos é tanto requerido um património de dotes materiais ou humanos, como poderiam ser o dinheiro, a inteligência, a cultura, a capacidade organizativa ou a eficiência, quanto antes o sentido da própria inutilidade e o generoso empenho no abandono confiante e total ao amor do Omnipotente. A salvação da humanidade, para a qual também os homens são chamados a colaborar, é uma obra eminentemente divina, de uma grandeza tal que supera as dimensões e as possibilidades das forças humanas; e, portanto, pode realizar-se somente se os colaboradores humanos aceitam e desenvolvem a aliança com a omnipotência de Deus.

É este o sentido do cântico e da mensagem mariana, que desejamos hoje recolher e meditar. A nossa pobreza é colmada pela riqueza de Deus, a nossa fraqueza pela sua força, o nosso "nada" por Aquele que é "tudo".

"Grandes coisas fez em mim o Omnipotente", afirma Maria. Ela está plenamente consciente da grandeza da sua missão; mas ao mesmo tempo, reconhecendo-se e permanecendo "humilde serva", atribui todo o mérito disto a Deus salvador. A grandiosidade da missão redentora realiza-se, em Maria, com o acordo perfeito entre a omnipotência divina e a humilde docilidade humana.

4. Caros Sacerdotes, Religiosos e Irmãs, estas considerações, brotadas da meditação dos conceitos essenciais do Magnificat, assumem significado de urgente actualidade, se nos detemos a estabelecer uma relação entre as necessidades espirituais da sociedade contemporânea, da Igreja universal e local, e a disponibilidade dos braços dos colaboradores.

Certamente, a obra da salvação continua incessante no mundo, hoje como ontem, e como será amanhã. E também hoje devemos repetir com Jesus: "A messe é grande, mas os operários são poucos".

Na sociedade contemporânea há tanto para fazer. Evangelizar ou reevangelizar. Também dentro dos limites da vossa comunidade eclesial. A tarefa é difícil, complexa, e não a breve prazo. E não pode ser resultado de simples esforços humanos. É obra de Deus, ainda que Deus peça a colaboração dos homens.

Mas Deus quer salvar a sociedade contemporânea, qualquer que seja a natureza das dificuldades sociais ou ideológicas. Deus pode tudo. Não se esqueceu da sua misericórdia, e a força do seu braço não se enfraqueceu. E quando chama os colaboradores humanos a aderirem ao plano da evangelização e da salvação, deseja-os em atitude de humildade e de docilidade, como Maria.

Irmãos e Irmãs, Deus também vos chamou, antes chamou-vos logo. Desde quando o olhar do Senhor pousou com amor sobre cada um de vós, pessoalmente, e vós dissestes "Sim", tomastes-vos apóstolos do Evangelho em serviço permanente.

Associando-vos à obra de salvação, Deus entende realizar mediante vós "grandes coisas". Certamente, coisas impossíveis ao homem, mas não impossíveis a Deus omnipotente. Confiando-vos uma porção da sua vinha, o Senhor entende, juntamente convosco, evangelizar o mundo contemporâneo, as vossas cidades e os vossos povoados, junto do mar ou na montanha, todos abalados pelo ateísmo ideológico ou pelo materialismo prático do bem-estar.

Se as dificuldades são muitas, não temais. Deus está convosco.

Cumprireis de maneira digna a vossa missão, realizareis o vosso serviço, se, como a Santa Virgem, a vossa dedicação for total; se, colocando-vos em atitude de servos humildes e dóceis, não confiardes nas vossas capacidades pessoais, nas ciências ou técnicas dos homens, no uso dos meios económicos, na busca do sucesso publicitário, ainda que o prudente uso dos meios humanos possa oferecer o seu contributo. A vossa insuficiência humana não vos amedronte. Tende o olhar constantemente voltado para a misericórdia e a força de Deus, que sabe tirar os seus filhos também de corações aparentemente duros como pedras. Procurai o reino de Deus. O resto ser-vos-á dado em acréscimo.

5. A messe é grande, no mundo, na Europa, na Itália, na Toscana e na vossa diocese de Livorno. E os operários são poucos. Verificando o grupo dos Sacerdotes diocesanos e, sob o ponto de vista das estatísticas, confrontando-o com as necessidades espirituais da população ou com as percentuais de outras dioceses, vem logo à mente a imagem evangélica do pequeno rebanho. Mas sei, caros Sacerdotes da diocese, que vós, estimulados pelo zelo das almas e das preocupações pastorais dos fiéis, procurais suprir a insuficiência do número com a multiplicação de vós mesmos, com o aumento das actividades. Todavia, recordando-vos das palavras do Magnificat agora meditadas, estou seguro da vossa convicção pessoal de que a actividade externa não deve prejudicar a vida interior. O Sacerdote, se não quer deixar um sino a ressoar no vazio, sabe encontrar tempo para a meditação e a oração. Consegue também encontrar tempo para a necessária actualização, pois os problemas novos, sobre os quais se deve ter ideias claras e linhas justas de solução, são muitos; e, se não acompanha, arrisca de ficar atrás, com dano da mesma incidência de trabalho pastoral.

Recomendo-vos, portanto, a vida interior e a actualização. Procurai depois suprir a escassez do número também com a formação de novos núcleos de bons catequistas, que sejam capazes de aliviar o vosso trabalho, substituindo-vos em muitas actividades.

Vós, Religiosos, em particular, sem perder as características do vosso original carisma de fundação, sois chamados a coadjuvar o Clero diocesano, a inserir-vos na Igreja local, para dar o vosso contributo substancial para o desenvolvimento da única Igreja.

De modo especial vós, Irmãs, tão numerosas neste encontro, e tão solícitas e disponíveis em tantos campos da vida diocesana, tendes pela frente tarefas insubstituíveis e destinadas a crescer. Congratulo-me tanto convosco pela preciosa ajuda que ofereceis à pastoral de conjunto.

O Senhor, caros Irmãos e Irmãs, derrame sobre todos vós, sobre cada um, a abundância das suas graças. A Virgem Maria vos sirva de exemplo e estimulo; e a minha especial Bênção seja sinal da benevolência divina.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A LIVORNO

NA FESTIVIDADE DE SÃO JOSÉ

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS AUTORIDADES CIVIS DE LIVORNO


Sexta-feira, 19 de Março de 1982



Senhor Presidente da Câmara Municipal de Livorno!
Excelentíssimo Senhor Ministro!

Aprecio sinceramente as cordiais expressões mediante as quais, interpretando os sentimentos, respectivamente dos cidadãos de Livorno e do Governo Italiano, houvestes por bem dar-me as boas-vindas a esta Cidade, antes de iniciar a celebração da Santa Missa nesta Praça em frente da grandiosa Catedral, ponto ideal de referência da vida espiritual e social de Livorno.

Desejo exprimir a minha deferente saudação também aos Membros do Conselho Comunal e a todas as Autoridades civis e militares da Província e da Região toscana, pelo respeitoso e cordial acolhimento. A todos e a cada um de vós, caros Livorneses, exprimo com intensidade de sentimentos a minha saudação.

Sinto-me verdadeiramente contente por me encontrar nesta Cidade! Posso assim admirar as suas belezas naturais, espelhando-se no mar lígure, onde se encontram encastoadas as sete ilhas do Arquipélago, cujo fascínio não deixou de difundir-se na história e na literatura, e uma das quais se gloria de ter o nome de Cristo; mas sobretudo tenho a oportunidade de tomar conhecimento directo da fé cristã que anima este povo e da coragem que ele soube demonstrar nas repetidas dificuldades, pelas quais foi provado nos séculos e, em particular, nestes últimos decénios na obra árdua de reconstrução e ampliação da Cidade após as devastações da última guerra mundial.

O encontro permite-me também manifestar o meu apreço pelo esforço que vós, Livorneses, não vos cansais de envidar para manter a vossa Cidade à altura das antigas virtudes dos vossos antepassados, os quais souberam assegurar-lhe gloriosas tradições civis, sociais e culturais, como demonstra a benemérita instituição da Academia Naval, que precisamente este ano comemora um centenário de existência. É-me grato observar que, apesar das dificuldades de vários géneros, soubestes dar vida e incremento a numerosas empresas industriais, que oferecem possibilidades de emprego e segurança económica a numerosos trabalhadores. Mas noto igualmente com pesar que nem sequer esta Cidade escapa ao grave fenómeno do desemprego, que aflige sobretudo os habitantes dos bairros mais pobres, onde se está agravando. É de modo particular para estes bairros que o meu pensamento e o meu coração se dirigem com maior atenção e solícita participação.

Com esta minha visita, na festa de São José, desejo prestar homenagem sobretudo a eles, reivindicar na Igreja e na sociedade o lugar quê lhes cabe e dar voz às justas reivindicações e ao direito a terem pão, casa, trabalho, escola e assistência sanitária, ou seja o comum bem-estar material e espiritual.

Estou certo que as competentes Autoridades civis e religiosas não descuidarão tentativa alguma para a completa solução destes problemas. Por meu lado, asseguro-vos, caríssimos Livorneses, que não deixarei de rezar ao Senhor a fim de que assista todos os bons propósitos e todas as iniciativas destinadas a maior progresso social e à vossa contínua elevação humana e espiritual, e sobre vós invoco a plenitude das graças e consolações celestes.

                                                   

                                                          Maio de 1982



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA EM PORTUGAL

CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS

DISCURSO DE JOÃO PAULO II


Aeroporto Internacional de Portela em Lisboa

Quarta-feira, 12 de Maio de 1982


Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Senhor Cardeal Patriarca, Senhores Arcebispos e Bispos,
Senhoras e Senhores, caríssimos amigos de Portugal,

1. AGRADEÇO A DEUS e agradeço a todos a grande alegria com que piso hoje o solo de Portugal. Agradeço a Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, pela deferente presença aqui, em nome pessoal e a representar o hospitaleiro e honrado Povo desta nobre “Terra de Santa Maria”, ao qual, por Vossa Excelência, dirijo esta minha primeira mensagem.

Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

Com estas palavras, de reconciliação e de paz, para a renovação dos corações e dos espíritos no amor, inaugurava o meu ministério de Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal; com elas quero saudar-vos no início desta minha peregrinação a Portugal. À maneira de saudação simbólica acabo de beijar o chão pátrio de Portugal. É um gesto simples que se repete, mas denso de significado, a provocar em mim uma emoção sempre nova, com um fundo constante – o único amor de Jesus Cristo – mas bem diferenciada pelos novos amigos que encontro. Primariamente, da minha parte, esse gesto significa amizade, pela amizade de que me vejo rodeado e que me dita um sentido “muito obrigado”. Muito obrigado a todos vós!

Desejaria que este agradecimento fosse aceite por todos os que aqui, por credenciais diversas, representam Portugal e se empenharam por tornar possível esta minha viagem, convidando-me e trabalhando na sua organização; em particular, pelos homens da Igreja, meus Irmãos no Episcopado, que aqui vieram dar-me as boas-vindas em nome da Igreja que está neste País que muito amo.

2. Estou em Portugal, a realizar um sonho há muito acalentado, como homem da Igreja e desejoso de conhecer Fátima directamente; estou aqui a acolher amáveis convites de meus Irmãos Bispos, de Sua Excelência o Senhor Presidente da República e dos muitos portugueses que me manifestaram um tal desejo: um grande número de cartas que recebi, nestes últimos tempos, e de viva voz; estou aqui hoje, graças a Deus “rico em misericórdia”. Esta minha peregrinação tem um sentido dominante: Fátima; seguirei depois um itinerário mariano, por Vila Viçosa, Sameiro e “Cidade da Virgem”. Em direcção à Fátima ou no retorno de Fátima, levo no coração o cântico de acção de graças de Nossa Senhora, por Deus me ter salvado a vida, aquando do atentado sofrido, a 13 de Maio do ano passado; assim, em atitude adoradora, vou repetindo:

“A minha alma glorifica o Senhor / e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,47).

Em visita pastoral, desejaria, juntamente com os meus Irmãos Bispos e confirmando-os, animar a Comunidade eclesial; e, com humildade e simplicidade, comunicar Cristo e anunciar a sua mensagem e apregoar a “dimensão humana” do mistério da Redenção, em que o homem pode encontrar a grandeza, a dignidade e o valor próprio da sua humanidade.

Assim, Pastor com os seus Pastores e peregrino com a Igreja peregrina em Portugal, sinto neste momento a necessidade de exprimir o mais alto apreço e render preito às tradições cristãs desta terra abençoada, pequena pátria de um grande Povo, que se ufana de empresas históricas arrojadas, com ressaibos de aventura. Isso foi circunstância e ocasião providencial para os filhos desta Nação dilatarem a Fé, recebida desde o berço, numa gesta de evangelização, que o mundo católico e não só, reconhece, admira e agradece: das florestas de Amazónia até às frias plagas japonesas, passando pela África e pelas Índias, o nome de Cristo foi anunciado por generosos missionários portugueses.

3. Mas, não se podendo evangelizar, se não se está evangelizado, aqui rendo preito também à Igreja viva e dinâmica, identificada com a maioria da população portuguesa, que, ao longo dos séculos, com fidelidade ao Redentor do homem – aqui cultuado sobretudo nos seus mistérios da Paixão e da Eucaristia – com devoção a Nossa Senhora, que seria proclamada Rainha e Padroeira de Portugal, e em adesão à Sé Apostólica de Roma, soube manter a sua opção por Cristo, dando ao mundo Santos da envergadura de um Santo António de Lisboa; venho também prestar homenagem a este Santo universal, neste ano de comemorações antonianas.

Salve Portugal, de gente honrada, generosa, paciente, laboriosa e cheia de pundonor, terra de Mártires, Santos e heróicos servidores do Evangelho de Cristo. A evocação sumária e homenagem ao teu passado, funde-se em mim, nesta hora de alegria, com a visão de esperança do teu presente, do qual iremos falando ao longo destas jornadas, e do teu futuro que eu almejo próspero, pacífico e feliz para todos os teus filhos, do Minho ao Algarve, das outras regiões insulares e onde quer que se encontrem; para os emigrantes espalhados pelo mundo e para aqueles que tendo voltado à pátria, aqui procuram reorganizar a sua vida: enfim, para todos sem excepção vão os meus melhores votos de felicidades. Confio este votos desde já em prece a Nossa Senhora de Fátima, Mãe de Deus, Mãe da Igreja e dos Povos, sob cuja protecção coloco a minha visita a Portugal, ao invocar sobre esta dilecta Nação as bênçãos de Deus omnipotente e misericordioso.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA EM PORTUGAL

DISCURSO DE JOÃO PAULO II

AO LAICADO CATÓLICO


NA CATEDRAL DE LISBOA


Quarta-feira, 12 de Maio de 1982



Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

MUITO OBRIGADO, irmãos e irmãs, pela amizade e alegria deste encontro, aqui, no coração de Lisboa antiga e senhoril, impregnada de história e pujante de vida!

Obrigado a Vossa Eminência, Senhor Cardeal Patriarca, Dom António Ribeiro! Com penhorantes palavras quis saudar-me e interpretar os sentimentos, não só dos presentes, da Igreja que está neste Patriarcado de Lisboa – aqui tão distintamente representada – mas de quantos desejariam tomar parte neste encontro com o Papa, o primeiro a nível estritamente eclesial, na ilustre “casa Lusitana”. È um momento de júbilo e gratidão, dizia Vossa Eminência; e desejo, do coração, que seja também de felicidade e plenitude para todos, certos de estar o Senhor connosco, aqui reunidos “em Seu nome” (Mt 18,20).

1. Venho até vós motivado pelo amor de Cristo, em visita que é, por sua natureza, pastoral; e venho sobretudo em peregrinação a Fátima, para aí celebrar, em adoração agradecida, “as misericórdias do Senhor”, com Maria, a serva do Senhor. Cada paragem e encontro – gratíssimos, sem dúvida –, tém também carácter de etapa neste meu peregrinar em gratidão a Nossa Senhora e, com Ela e por Ela, em gratidão ao Omnipotente que “me fez grandes coisas” (Cfr. Lc 1,49).

Ao preparar-me para este encontro, nesta bela Catedral antiga, eu pensava em vós e rezava por vós com grande afecto; e, ao informar-me desta cidade, eu tentava imaginar os protagonistas do passado e do presente, neste cenário, onde pouco a pouco se foi estabelecendo o reino de Cristo, bem lembrado pela imponente estátua que agora domina a cidade, em gesto, não de posse, mas de oferta: para Cristo, reinar é servir e amar.

2. No meu louvor a Deus pela gesta evangelizadora, aqui cumprida ou aqui iniciada, eu pensava na solidez de raízes seculares, dos Católicos de Portugal, cujos antepassados no cumprimento de missão histórica e religiosa inserida na história universal – que sem tais protagonistas talvez fosse pelo menos diferente – lhes legaram uma herança, rica de glória e responsabilidade: glória a que rendo preito de admiração, nesta hora; a responsabilidade que, pela sua dimensão eclesial, aqui quero realçar. Seja-me permitido dirigir estas reflexões, em particular, ao Laicado católico.

Olhai, irmãos e irmãs, que aqui sois e representais esse Laicado, eu não duvido de estardes conscientes desse passado e de que à sua luz vos prezais de viver o presente, empenhados em construir o futuro, cada vez mais segundo o pensamento de Deus criador, redentor e senhor da história. Nesta certeza, a juntar-se à certeza da potência do Mestre e Senhor da Igreja, que é sempre “o princípio estável e o centro permanente da missão que o próprio Deus confiou a cada homem”, Cristo Jesus (Redemptor hominis RH 11), se funda a muita esperança com que vejo o Laicado católico da vossa terra.

A Igreja de Deus, toda ela, e imediatamente a que vive, ora, luta e espera, em toda a abençoada “Terra de Santa Maria”, confia em vós, dispostos como estais a colaborar com Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir (Cf. Mt Mt 20,28), em fidelidade ao Pai e em fidelidade ao homem.

3. Vós optastes por Cristo, na Igreja: opção feita de uma vez para sempre, com a aceitação do dom inestimável do Baptismo, consciencializada no dia da Primeira Comunhão, ratificada com o sacramento da Confirmação e vivificada em seguida com toda a vida sacramental, cujo “centro e ápice é sempre a Eucaristia” (Lumen Gentium LG 11)

E qual é a vossa vocação, responsabilidade e missão de leigos?

Vós bem o sabeis: o leigo está integrado no Povo de Deus, que caminha neste mundo rumo à Pátria celeste. Fostes conquistados e santificados por Cristo, que vos resgatou por alto preço: não foi com ouro ou prata, mas com o seu precioso sangue (Cfr. 1Pd 1P 1,18). E fostes chamados à santidade, tendo por modelo o próprio Cristo, na sua doação integral ao Pai e aos irmãos: “como Aquele que vos chamou à santidade, sede também vós santos em todas as vossas acções” (Ibid.1, 15). Mas olhai que a santidade, mais que uma conquista, é dom que vos é concedido: o amor de Deus foi derramado em vossos corações pelo Espírito Santo que vos foi dado (Cfr. Rm Rm 5,5).

Desde o início os cristãos reconheceram-se como os grandes beneficiados do Senhor. Reuniam-se para juntos agradecer, celebrando o dom por excelência – a Eucaristia – em assembleia. Esta reunião é tão importante que, aos poucos, os cristãos se denominam por ela: eles mesmo são igreja. E como símbolo deram também ao local da reunião o nome de igrejas. Fostes chamados por Deus para a vida em comunidade, em Igreja. E de novo, se trata de uma graça: foi o Senhor que vos reuniu em Igreja, que vos fez igreja, unidos a todo o Corpo eclesial espalhado pelo mundo inteiro.

O dom de Deus que vos foi dado, constitui o sinal de que sois amados por Ele. Assim, ser cristão não é, primariamente, assumir uma infinidade de compromissos e obrigações, mas é deixar-se amar por Deus, como o próprio Cristo que é o amado e se sente o amado pelo Pai, conforme atestou com toda a sua vida e diz expressamente: “O Pai ama-me” (Jn 10,17).

A nossa profissão de fé inicia com estas palavras: Creio em Deus Pai. Nelas se resume toda a atitude cristã: deixar-nos amar por Deus como Pai. Cada um de nós é amado por Deus e conhecido pelo próprio nome como filho. Eis porque é sempre possível dirigir-nos confiantes a Ele. Foi Cristo, como “irmão” mais velho, quem no-lo ensinou.

4. Amados por Deus, pois, certamente perguntareis: o que é que nos compete fazer, na qualidade de leigos? O cristão nunca pode limitar-se a uma atitude meramente passiva, de puro receber. A cada um é dado um “dom” diferente, de acordo com a efusão do Espírito, mas para o proveito comum.

Daqui, da própria natureza de baptizados, deriva a exigência do apostolado na Igreja, a qual é sacramento constituído por Cristo para atingir todos os homens, e para isso é continuamente vivificada pelo Espírito Santo.

A vossa missão de leigos, portanto, fundamentalmente é a santificação do mundo, pela vossa santificação pessoal, ao serviço da restauração do mundo. O Concílio Vaticano II, que tanto se debruçou sobre os leigos e o seu papel na Igreja, acentuou bem a sua índole secular. É o cristão que vive no mundo, responsável pela edificação cristã da ordem temporal, nos seus diversos campos: na política, na cultura, nas artes, na indústria, no comércio, na agricultura...

A Igreja há-de estar presente em todos os sectores da actividade humana e nada do que é humano lhe pode permanecer alheio. E sois vós, principalmente, prezados leigos, que a deveis tornar presente. Quando se acusasse a Igreja de estar ausente de algum sector, ou de despreocupar-se de algum problema humano, equivaleria lastimar a ausência de leigos esclarecidos ou a não actuação de cristãos naquele determinado sector de vida humana. Por isso dirijo-vos um apelo caloroso: não deixeis a Igreja ficar ausente de nenhum ambiente da vida da vossa querida Nação. Tudo deve ser permeado pelo fermento do Evangelho de Cristo e iluminado pela sua luz. É vossa tarefa fazê-lo.

5. Ao apostolado leigo individual, feito de actividades pessoais e, sobretudo, de testemunho cristão devem juntar-se as formas associadas de apostolado em que os leigos se unem para realizar juntos certos objectivos. Longe de se excluírem, as duas formas completam-se. Nenhuma forma associada de apostolado é eficaz sem um testemunho pessoal de cada membro. Por outro lado, diante das exigências hodiernas, que superam de longe as capacidades individuais, requer-se um esforço conjugado para levar a mensagem evangélica ao coração da civilização.

Existem muitos movimentos e formas de organização do apostolado leigo; todos são importantes e úteis quando imbuídos de um verdadeiro espírito eclesial e cristão de serviço. Cada qual tem os seus objectivos, com métodos próprios no seu sector ou no seu meio; mas é imprescindível ter consciência da complementariedade e estabelecer laços de estima entre eles, em que assente o diálogo uma certa conjugação de esforços e mesmo uma real colaboração. Pertencemos a uma mesma Igreja. Cabe-nos estimular-nos mutuamente no bem. Todos devemos trabalhar juntos pela mesma causa. Cristo é um só. Mesmo sendo muitos os ministérios e as actividades todos concorremos para um mesmo objectivo: que Cristo seja anunciado, que os homens encontrem a salvação, que o bem comum seja servido e, enfim, Deus em tudo seja glorificado.

6. A vivência generosa e testemunho corajoso da vossa identidade, sabemo-lo, transcende meras qualificacões sociológicas; exige algo profundamente pessoal, que insere na comunidade “ontológica” dos discípulos de Cristo, na “videira” que é o mesmo Cristo, a formar uma “só coisa” com Ele e com os irmãos, e ditar união de forças e intentos, para o frutificar humano-divino da própria vida a partilhar, e da actividade a desenvolver.

Já se deixam entrever, como imperativos indeclináveis: o cultivo da fé e da vida divina, a frequência dos sacramentos e o dever da oração constante; a necessidade, mais do que a simples vantagem, da fidelidade à Cátedra de Pedro, da comunhão profunda com a Hierarquia bem inseridos nas perspectivas da Igreja local, em aderência aos vossos Bispos e em sintonia com as Comissões episcopais nacionais, em união com o clero e com os religiosos; a exigência de associações realisticamente organizadas e informadas pelo amor: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei” (Jn 13, 34s.).

O diálogo, presença e inserção no mundo, de que tanto se ocupou o recente Concílio, pode amedrontar ou seduzir. Mas vós, irmãos e irmãs, sabeis que o Senhor pensava também no hoje em que vivemos, quando, com amor, recomendava “não se perturbem os vossos corações” (Ibid. 14, 27). E dirigindo-se ao Pai, ainda no mesmo contexto, orou por cada um de nós nestes termos: “Pai, santifica-os na verdade. A Tua palavra é a verdade” (Ibid. 17, 17).

Fiéis à Verdade, irmãos e irmãs, continuemos a participação na realeza de Cristo, servindo, como Ele Senhor e Mestre fez e ensinou. Este é o caminho: cristãos no aconchego da intimidade pessoal; cristãos no interior do lar – como esposos, pais e mães e filhos de família, em “igreja doméstica”; cristãos na rua, como homens e mulheres situados; cristãos na vida em comunidade, no trabalho, nos encontros profissionais e empresariais, no grupo, no sindicato, no divertimento, no lazer, etc.; cristãos na sociedade, ocupando cargos elevados ou prestando serviços humildes; cristãos na partilha da sorte de irmãos menos favorecidos; cristãos na participação social e política; enfim, cristãos sempre, na presença e glorificação de Deus, Senhor da vida e da história.

E assim, com o coração cheio de confiança e amor, desejo, irmãos e irmãs, que “tudo o que é honesto, tudo o que é justo e tudo o que é puro... seja objecto dos vossos pensamentos... E o Deus da paz estará convosco!” (Cfr. Fl 4,8s.). Ao retornardes aos vossos lares levai a bênção do Papa para as vossas famílias.

Coragem! Com afecto em Cristo, dou-vos a Bênção Apostólica.





PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA EM PORTUGAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À COMUNIDADE FRANCISCANA


NA IGREJA DE S. ANTÓNIO EM LISBOA


Quarta-feira, 12 de Maio de 1982



Excelentíssimos Senhores Presidente
e Vereadores da Câmara Municipal de Lisboa,
Amados filhos de São Francisco,
meus irmãos e irmãs,

1. GRATO PELA HONROSA presença da Excelentíssima Câmara Municipal e pela vossa, a todos saúdo com alegria franciscana. E servindo-me da palavra do Apóstolo, aos caríssimos Franciscanos começo por dizer: “em primeiro lugar, dou graças ao meu Deus, por Jesus Cristo, a respeito de vós, porque a vossa fé é conhecida em todo o mundo” (Rm 1,8). E para isso contribuiu sobremaneira Santo António, que estamos a honrar neste momento e neste lugar.

Aqui, nesta casa, em boa hora transformada em oratório pelas Autoridades da Câmara lisbonense, nascia pelos fins do século doze Santo António de Lisboa, também invocado como Santo António de Pádua. Na feliz expressão do meu predecessor Leão XIII, ele é “o Santo do todo o mundo”. Neste mês de Majo, precisamente no dia 30, vamos comemorar os setecentos e cinquenta anos da sua canonização, facto a que andam ligadas conhecidas tradições de vibração popular (cf. Léon de Kerval, Sancti Antonii de Padua Vitae duae, Paris 1904, 116-117).

Este ano, tambén está a celebrar-se, por todo o mundo, o oitavo centenário do nascimento de São Francisco de Assis. Temos, pois, redobrado motivo para nos alegrarmos. E nesta hora, quereria fazer minhas as palavras do Papa Pio XII, para exclamar: “Exulta, Lusitania felix!”. Em especial Franciscanos e Franciscanas de Portugal, exultai! Rejubilem as Autoridades e o povo de Lisboa! Alegrai-vos, todos vós portugueses espalhados pelo mundo inteiro.

2. O movimento franciscano – é para mim motivo de satisfação lembrá-lo aqui – incidiu profundamente no ânimo dos populações de Portugal; e não apenas da gente humilde e iletrada: era aos filhos de São Francisco, segundo consta, que a Santa Sé recorria, muitas vezes, a fim de serem intermediários e seus porta-vozes perante os monarcas e nobres, a apaziguar contendas, a lembrar, com humildade mas também com firmeza, deveres e obrigações.

A vocação missionária dos Franciscanos portugueses, logo a seguir a Santo António, vê-se testemunhada no facto de Frei Lourenço de Portugal, no século XIII, ter sido enviado ao Oriente pelo Papa Inocêncio IV (cf. Antonino Franchi, La svolta politico-ecclesiastica tra Roma e Bisanzio, 1249-1254, Roma 1981, 15, 16, 37, 74, 123, 127, 128, 161). E sabe-se que a Regra dos Frades Menores inclui um capítulo sobre as missões (Regula Bullata, cap. 12, Regula non Bullata, cap. 16, ed. Caietanus Esser, O. F. M., Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, Grottaferrata 1978, 237-238, 268-271). Foi esse espírito que os levou à África, Índia, Brasil, Ceilão e Extremo Oriente. Assim, a presença dos Filhos e Filhas de São Francisco em Portugal, nos países de expressão portuguesa nos vários continentes, mostra-se rica de obras de evangelização, assistência, ensino e serviço paroquial.


Discursos João Paulo II 1982 - Sexta-feira, 19 de Março de 1982