Discursos João Paulo II 1986 - Sábado, 1º de Março de 1986

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR AFFONSO ARINOS DE MELLOFRANCO


NOVO EMBAIXADOR DO BRASIL JUNTO À SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 3 de Março de 1986



Senhor Embaixador

1. AGRADEÇO-LHE, DE CORAÇÃO, as nobres palavras que me dirigiu, no início da missão de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Federativa do Brasil junto à Santa Sé. Recebendo de suas mãos as Cartas Credenciais, o meu pensamento dirige-se, com sentimentos de deferente estima, para o Senhor Presidente da República José Sarney, que o designou para as altas funções que agora começa a desempenhar. Peço que lhe transmita os melhores votos de felicidades no seu mandato, para o maior bem da dileta Nação brasileira.

Ao assumir, com a nobreza de sentimentos que acaba de expressar, este seu cargo, cabe a Vossa Excelência prosseguir o trabalho de uma plêiade de Embaixadores que o precederam e aqui deixaram uma grata recordação, pelo que contribuíram para a harmonia das boas relações existentes. É tradição que vem de longe, no caso do Brasil, manter um equilíbrio positivo e respeitador da autonomia própria e das competências bem distintas das instâncias em diálogo, que se processa com empenho cultivado, sobre a base de mútua estima, compreensão, amizade e colaboração. Este diálogo se focaliza, no caso da Santa Sé, para um plano bem específico, diferente do plano em que dialogaram, normalmente, os Estados com problemas e interesses mais ou menos pares.

Mas cabe a Vossa Excelência, sobretudo, continuar a representar aqui um povo muito querido: bondoso, dócil e hospitaleiro, ao mesmo tempo que possuidor de um rico patrimônio cultural. Entre os valores humanos, espirituais e cristãos que impregnam este patrimônio, emerge a conhecida religiosidade da gente brasileira, documentada e patenteada de mil e uma formas.

2. Conservo na lembrança e no coração, realmente, a imagem viva do Brasil, com que me foi dado encontrar-me em 1980; e igualmente viva a gratidão que me ficou, pela boa acolhida das Autoridades e do povo, nos diversos estados que visitei, em jornadas inolvidáveis. A presença de Vossa Excelência reaviva em mim a esperança com que desejei esse encontro e peregrinei pela Terra de Santa Cruz, a qual ficou confirmada e consolidada pelo contato pessoal: a esperança de que este País-continente saberá equacionar os seus problemas, para desempenhar bem o papel de primeiro plano que lhe toca, no concerto dos Povos, neste momento histórico.

Esta esperança é acompanhada pela confiança de que a Igreja que está no Brasil – com a missão de servir o homem na sua integridade, como em toda a parte – vai continuar a ajudar o homem brasileiro a harmonizar e cultivar o que o faz verdadeiramente homem; a contribuir para a resposta aos não poucos nem pequenos desafios que nesta linha se apresentam, tendo em conta a crescente tomada de consciência, hoje preconizada, de que o estabelecimento de uma ordem baseada na justiça e na paz se impõe claramente, como imperativo moral, a todos os Povos e a todos os regimes, acima das ideologias e dos sistemas. Esta conscientização – como é sabido – parte do fato de a humanidade ter uma unidade profunda de interesses, de vocação e de destino; de todos os povos serem chamados a formar uma só família, com a variedade e riqueza das suas características nacionais diferentes (Cf. Ionnis Pauli PP. II Nuntius ob diem ad pacem fovendam dicatum, 1986, 4, die 8 dec. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 2 (1985) 1468).

3. Referia-se Vossa Excelência a iniciativas prementes e de vastíssimo alcance que se impõem ao seu País, que neste momento, como sucede um pouco por toda a parte, se ressente de mutações profundas e rápidas: redistribuição, mediante adequadas reformas, de bens e “riquezas que a Providencia abundantemente destinou” ao Brasil; revisão de normas para a participação na vida coletiva; empenho em conseguir maior serenidade creditícia para o Estado de direito. E aludia aos desígnios essenciais que inspiram e determinam a boa vontade dos mais altos responsáveis, mandatados para gerir o destino político e o bem comum dos Brasileiros, propondo-se como meta a vitória, em plano espiritual, da abolição das condições de vida inumanas e a justa participação de todos nos bens ao dispor.

Quanto a tudo isto, a minha confiança, a confiança da Igreja e do mundo, aliás, ao mesmo tempo que se fundamenta na providente ajuda do Alto, que não faltará, tem motivos na vitalidade sã das novas gerações, que é também, fenômeno que se delineia por toda a parte, graças a Deus; elas se apresentam conscientizadas num sentido de responsabilidade que ultrapassa fronteiras e quanto ao imperativo de cultivar grandes e perenes ideais. Nestes tem de assentar o diálogo e solidariedade de toda a família humana, para a solução de problemas e tensões mundiais ou circunscritos, que a todos interpelam.

4. A Igreja no Brasil dispõe da riqueza de longa tradição honrosa, que pode proporcionar segurança para a sua caminhada com o homem brasileiro, no sentido de salvaguardar e cultivar valores e buscar objetivos comuns. A luz e a energia que promanam da missão religiosa da mesma Igreja, com o desejo de servir a comunidade humana, encarnado pelos seus fiéis, hão de ditar as linhas do bom entendimento, nalgum momento mesmo da colaboração, para serem superadas dificuldades e se criarem condições para atuação das aludidas tarefas, de grande urgência e vastas repercussões; trata-se da promoção do homem e do seu desenvolvimento, da ajuda inadiável a regiões e a setores menos favorecidos, da luta contra flagelos de vária ordem, não esquecendo os de ordem social, que hoje grassam por toda a parte, sob as formas de violência, da droga, da miséria explorada, do desemprego, da desagregação familiar, etc.

Sobre a vitalidade das Dioceses, das paróquias e demais comunidades de vária ordem, em que se processa a vida eclesial na sua pátria, se fundamenta a confiança de que, animada pelo espírito do Evangelho, a Igreja no Brasil vai prosseguir a fomentar nos corações, sobretudo dos jovens, dos muitos e esperançosos jovens brasileiros – “a maior riqueza de um País imensamente rico” – abertura salutar aos verdadeiros valores universais: amor sem fronteiras, liberdade esclarecida, solidariedade fraterna, paz como bem supremo na peregrinação terrena do homem, justiça social.

É necessário ter sempre bem presente que o homem não vive só do pão material para o corpo. Tem outro tipo de fome, aspirações profundas, ligadas aos seus direitos fundamentais que, quando menosprezados ou conculcados, fazem vacilar as bases da paz.

5. No entanto, será sempre na fidelidade a Deus e ao seu plano salvífico, que a Igreja colocará o homem na primeira linha do seu empenhamento pastoral, proclamando que a dignidade e vocação da pessoa, como a sua vida, são algo sagrado; que todos não somos demais para que se mantenha a sacralidade da vida de cada ser humano, assegurando-a em todos os momentos de sua existência; todos não somos demais para salvaguardar os bens preciosos da família e do matrimônio, com suas inseparáveis características e suas indeclináveis funções em relação à vida e educação da prole.

Sim, todos não somos demais, para ajudar o homem a ser mais homem, auxiliando-o: a passar da “margem” para a estrada firme da vida autêntica; a discernir os valores que dão sentido à própria existência; a saber distinguir as suspeições e propagandas com bases ideológicas que não levam a Deus e, enfim, a saber vencer perplexidades e perturbações em suas escolhas éticas.

A confiança de bom êxito em tudo isto fortalece-se, quando se pode contar com os dotes do Povo brasileiro: dotes de compreensão, tolerância, afabilidade e compaixão; dotes que, na grande maioria, se mostram valorizados pelos ditames da fraternidade, inseparáveis da condição cristã.

Ao terminar, certifico-lhe, Senhor Embaixador, a minha estima e a disponibilidade que aqui encontrará sempre, para favorecer o bom desempenho da sua alta missão. E, ao desejar-lhe os melhores êxitos e consolações pessoais, com a Bênção Apostólica imploro os favores de Deus para a pessoa de Vossa Excelência, para quantos o acompanham e para seus familiares e colaboradores, bem como para todo o querido Povo brasileiro, para o qual almejo as maiores prosperidades.

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DO BRASIL DO REGIONAL LESTE-2

EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 8 de Março de 1986

Meus caríssimos Irmãos no Episcopado

1. LOUVADO SEJA Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador, que nos concede a alegria deste encontro coletivo, depois dos colóquios privados com cada um dos Senhores, Arcebispos e Bispos do Regional Leste-2 da CNBB, o qual abrange os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Ao saudá-los cordialmente, penso com afeto também nas suas Comunidades diocesanas, no bondoso povo mineiro e espírito-santense.

Esta sua visita ad “limina Apostolorum”, há tempos programada, só agora pode concretizar-se, o que lhes exigiu, talvez, mais algum sacrifício. Ele estará registrado no livro da Vida. Neste momento de intensa comunhão eclesial e colegial – como foi muito bem salientado pelo seu representante, o Senhor D. Serafim Fernandes de Araújo, Presidente do Regional e novo Arcebispo de Belo Horizonte – o tempo que se exprime aquela união pela qual o nosso Redentor rezou, antes de ir para o Pai (cf. Jo Jn 17,11), está a realizar-se, ao seu mais alto nível, o programático lema de seu Regional: “Comunhão e participação”. Um lema afortunado! E, com os Senhores, todos participantes da vocação celestial, olhando para “Jesus, o Apóstolo e Sumo Sacerdote da fé que professamos” (He 3,1), imploro que saiamos deste encontro mais identificados com a missão que nos cabe, de continuá-lo no tempo, prolongando o Colégio dos Doze com Pedro, e mais “firmemente consolidados na fé e irremovíveis na esperança do Evangelho” (cf. Cl Col 1,23).

2. É nesta alegria, unidade no vínculo da caridade e da paz e comungada súplica de nunca desmerecermos do apelativo de “amigos”, e não já simplesmente servos (cf. Jo Jn 15,15), que vamos prosseguir este intercâmbio fraternal sobre as condições e alguns problemas de seu pastoreio diligente, dedicado e zeloso até ao sacrifício.

A Região onde o Senhor os constituiu Pastores abrange extensa área de terras brasileiras, ricas e generosas. Ricas, sob o ponto de vista da natureza, bem conhecidas pelas belezas naturais e pelos recursos que proporcionam ao homem; ricas também, sob o ponto de vista humano e religioso: espontânea e serena bondade de coração da sua gente, generosidade, senso de hospitalidade e solidariedade com os mais fracos e “pequeninos”, entusiasmo ardente por nobres ideais e fidelidade aos grandes valores espirituais e cristãos, culto dos autênticos valores e sãos afetos da família, etc.

São conhecidas as raízes profundas da fé católica do povo mineiro e espírito-santense; essas raízes o marcaram, moral e culturalmente, até ao ponto de ser pôr alguns considerado um fator de equilíbrio humano e religioso para a inteira Nação, pelo convencimento, espírito de moderação e bom senso que demonstra. Não deixo de lembrar, ainda, o proverbial devotamento e solícita adesão desse dileto povo, guiado pôr seus pastores, ao Sucessor de Pedro e à Cátedra de Roma. Disso tive prova, quando me foi dada a alegria de estar em seu meio, em Belo Horizonte, num dia que jamais esquecerei.

Essa alma, “naturalmente cristã” (Tertulliano), com longa tradição de vida e testemunho de adesão a Cristo, não se exime atualmente aos riscos e desafios que lhe vem “de fora” e, nalguns aspectos, também “de dentro” das estruturas eclesiais. Isto me foi dado auscultar, pelos seus Relatórios e confidencias.

Sem poder esboçar aqui um quadro de todos esses riscos e desafios, refiro-me somente à viragem rápida que está a operar-se, na conjuntura social: de um tipo de vida e cultura rural para um tipo novo, que ainda não é bem definido. Ele se vai processando, por vezes de forma imprevista. Isso tem impacto, certamente, sobre a organização e estabelecimento de serviços pastorais à vida cristã. E, em alguns casos, um cristianismo generoso mas superficial, insidiado por seitas, ideologias e visões fragmentárias do homem, alheias, indiferentes ou porventura hostis à tradição cristã, exige tomadas de posição tempestivas, precisas e esclarecidas.

3. Entretanto, meus amados Irmãos, “não se perturbe o seu coração, nem desfaleça” (Jn 14,27)! Temos sobejos motivos de esperanças e de confiança, além da certeza da vitória de Cristo. Para começar, é motivo de esperanças o carácter prioritário que tem tido em sua Região a catequese. Ela tem de ser vista sempre como forma de evangelização e respeitar o seu conteúdo (cf. Paulo VI Evangelii Nuntiandi EN 44). Ou seja, trata-se de uma das atividades eclesiais em que importa respeitar integralmente a missão salvífica da Igreja, em relação ao mundo, como frisava o recente Sínodo dos Bispos.

Como noutros campos, dada a crescente interdependência de pessoas e problemas, em âmbito cada vez mais alargado, e a interpelação recíproca que se fazem o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social dos homens, no campo catequético apresenta-se como necessária a pastoral planejada organicamente.Com participação das entidades e pessoas interessadas, ela pode facilitar o encontro, em conjunto, dos caminhos mais rápidos para alcançar determinadas metas, melhor servir o reino de Deus.

Na Exortação Apostólica “Catechesi Tradendae” e, certamente, nos resultados dos dias de estudo sobre a catequese de seu Regional, em dois anos consecutivos (1980 e 1981) – o que merece encômio – encontrarão os Senhores indicações e propostas, que o seu zelo e responsabilidade de Pastores e Mestres na fé os levarão a utilizar, para formar os espíritos e plasmar retamente a visão de fé, o sentido crítico cristão e a consciência moral de seus fiéis, desde os mais tenros anos de idade.

4. Neste empenho evangelizador, nunca hão de deixar de ser oportunamente conscientizados todos os que na Igreja devem ou querem ser catequistas.Saliento aqui, o papel da família e da escola, sobretudo pelo que se refere à catequese da infância e adolescência. Todos os fiéis cristãos, porém, em determinados momentos e ambientes, tem de assumir a nobre tarefa de ajudar os mais novos a prepararem-se para a vida conforme ao Evangelho: num mundo difícil, com o testemunho da alegria da fé, devem evangelizar, catequizando.

De qualquer modo, serão sempre os Sacerdotes, diretos colaboradores do Bispo que é o “primeiro responsável da catequese” em sua Igreja particular (Catechesi Tradendae CTR 63), os principais agentes na pastoral de catequese, com sensibilidade: em relação à religiosidade popular, sabendo canalizá-la para caminhos de fé genuína; e à catequese permanente e a todos os níveis. Há que aproveitar bem os meios e oportunidades que se apresentam, com o tríplice objetivo de levar cada batizado a esta tríplice aquisição: captar a mensagem integral do Evangelho; fazer a experiência da fé; e, ainda, a experiência da comunidade da fé na Igreja, fundada sobre a verdade, a unidade e a caridade.

Sei que há no seu Regional um Bispo responsável pela Pastoral da Juventude e Ensino Religioso Escolar: todos – os Senhores que o elegeram e o Papa – confiamos na sua sabedoria, eficiência e na assistência do Espírito, para se aproveitar essa idade generosa da juventude e esse momento bem propício da escolaridade para fortalecer e educar na fé e na coerência moral as gerações que sobem na vida, promessa de um novo porvir iluminado pelo reconhecimento de Deus e do seu desígnio de os homens formarem uma família de bons irmãos.

5. “Irremovíveis na esperança do Evangelho” e confiando n’Aquele que opera em nós o querer e agir (cf. Fil Ph 2,13), seja-me permitido indicar, entre outros, três campos em que se impõe com urgência a evangelização, também pela via da catequese:

A - A família. Encontra-se patente nos seus Relatórios a urgência de uma ao convergente e concorde das diversas Dioceses, não só de uma Região mas de todo o Brasil, para salvaguardar e promover os valores da família, tradicionalmente sã e sólida, mas ameaçada em diversos planos, e agredida mesmo, pôr certos modelos que lhe são capciosamente impostos. Não nos é possível deter-nos aqui a discorrer sobre uma pastoral orgânica, visando preparar os jovens para o sacramento do Matrimônio e as responsabilidades familiares; ajudar os casais a desempenhar as suas indeclináveis funções e a viver o ideal cristão apontado pelo Concílio Vaticano II, de as famílias se tornarem “igrejas domésticas”, responsabilizadas, ao mesmo tempo, pela formação do homem e do cristão, pois “o futuro do homem passa pela família”. Tudo isto pressupõe critérios esclarecidos, quanto à unidade e indissolubilidade do vínculo matrimonial e quanto à fidelidade, fecundidade, sacralidade da vida e educação da prole. Pressupõe, enfim, a consciência do serviço que a família está chamada a prestar à Igreja e à sociedade, conforme o que se explana na “Familiaris Consortio”.

Cada um dos Sacramentos, e não só o Matrimônio, mereceria que lhes dissesse aqui uma palavra de encorajamento e alerta. Mas limito-me à Eucaristia e Reconciliação ou Penitência, normalmente designada em suas terras por Confissão.

B - A Eucaristia é um momento privilegiado de catequese e o coração de cada vida cristã. Louvor de Deus e fraternidade encontram na Eucaristia o seu ponto de mais alta afirmação. Sei que é grande a piedade eucarística em sua Região; alegro-me pôr isso. Hoje limito-me a partilhar sua preocupação pastoral por iluminar as consciências sobre as disposições pessoais para a sagrada Comunhão: fé viva, dignidade e pureza de alma. Já São Paulo as apontava, quando precavia os cristãos de seu tempo: “Aquele que come e bebe, sem distinguir, o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação” (1Co 11,29).

Como bem sabemos, não se poderia conciliar com o ensino da Igreja a posição de quem sustentasse que a Eucaristia perdoa os pecados graves, sem recurso ao sacramento da Penitência. É verdade que o Sacrifício da Missa é fonte de todas as graças, enquanto torna presente o Sacrifício da Cruz. Mas isto não significa que os que cometeram pecado mortal possam aproximar-se da Mesa eucarística sem se terem reconciliado com Deus, mediante o ministério sacerdotal no Sacramento.

C - Penitência ou Reconciliação: é a via ordinária e necessária para recuperarem a graça aqueles que, depois do Batismo, caíram em pecado grave. O seu alcance, porém, não se limita a apagar os pecados nos corações contritos; é também manifestação da bondade misericordiosa de Deus e da sua glória, segundo a conhecida expressão de Santo Agostinho, registrada no número sete do ritual deste Sacramento: “Confessio fidei, confessio vitae, confessio laudis”.

Pude auscultar que os preocupa, e justamente o ministério da Reconciliação; que não fecham os olhos diante de problemas de fundo e novos, que se levantam à celebração “ordinária e necessária” do Sacramento. Só desejaria exortá-los, fraternalmente, a procurarem que seja aplicado quanto se encontra exposto na Exortação Apostólica “Reconciliatio et Paenitentia”, acerca das “convicções fundamentais” a viver, e das normas a serem observadas, no que se refere às formas de celebração deste Sacramento (Ioannis Pauli PP. II Reconciliatio et Paenitentia RP 31-33 cf. Codex Iuris Canonici, cann. 960 ss.) .

6. Os Jovens. Recordo sempre gratamente as horas intensas de fé, calor humano e vibração de meu encontro, em Belo Horizonte, com os Jovens do Brasil – “a maior riqueza de um país imensamente rico”. Os Jovens olham para a Igreja; e precisam obter dela certezas: e nós temos a grande certeza de Cristo Redentor.

Sei, amados Irmãos, que continua a estar-lhes presente a opção pelos Jovens na América Latina, a par da opção pelos Pobres, feita na Conferência de Puebla. Quero encorajá-los a prosseguir nessa opção, insistindo em “formar no jovem o sentido critico frente aos contravalores culturais, que as diversas ideologias tentam trasmitir-lhe” (Puebla, 1197); em formar o jovem na verdade, animada pelo amor, pois só o amor constrói, colocando as esperanças nos horizontes de Deus.

Há vários outros assuntos e componentes da vida eclesial, objeto da sua solicitude de Pastores, dos quais gostaria dizer uma palavra, como por exemplo:

– a crise vocacional, embora ela não se apresente em sua Região com aspectos alarmantes;

– os seus diretos colaboradores – os seus queridos e beneméritos Padres – que tem tradições a manter e honrar;

– os Seminários e Casas de formação para o Sacerdócio e Vida consagrada, numerosos em suas Dioceses, graças a Deus;

– os abnegados Formadores que ai procuram, responsavelmente, servir e edificar a Igreja;

– os membros de Institutos de Vida consagrada e seu enquadramento na única missão evangelizadora da Igreja;

– o Diaconato permanente, os outros ministérios e o Laicato católico, aos quais o Concilio continua a fazer apelo;

– os meios de comunicação social e o serviço do reino de Deus;

– as Universidades e Faculdades católicas, etc.

Com esta referencia incompleta, ficam-me no coração para tema de colóquio com Deus, estes e outros seus problemas.

7. Só mais uma observação. A Igreja olhou sempre as várias formas de expressão artística com muito apreço (cf. Sacrosanctum Concilium SC 122). Numerosos foram os artistas que em sua terra, sobretudo no período barroco, traduziram nas produções a emoção e a exaltação religiosa própria ou de outros, mediante a reflexão sobre os Livros sagrados e as vicissitudes da vida humana. Dai resultou um património artístico, que ficou a testemunhar às novas gerações a fé dos antepassados e a constituir para elas uma interpelação e um estimulo a descobrirem e aprofundarem os genuínos valores cristãos.

Como deixar de preocupar-se com a salvaguarda de tais riquezas do engenho do homem iluminado pela fé? Como não aplicar-se em fazer com que a mensagem crista, contida nessas obras e monumentos, possa ser proposta para quantos procuram a experiência do Divino através da beleza?

Foi com satisfação que me apercebi de quanto isto lhes está a peito em sua missão: do que estão a fazer no sentido de defender e valorizar tais bens, em bom entendimento com as Autoridades públicas. Estas, respeitando a competência eclesiástica, não podem deixar de dispensar a sua atenção àquilo que é simultaneamente património religioso e património cultural da Nação.

8. Agradeço a visita que me fizeram. Sei que estão persuadidos de que realmente tem razão o Apóstolo, quando confessa: “Tudo posso naquele que me dá força” (Ph 4,13). Regozijo-me com os Senhores pelo bom funcionamento do “Regional” e pelo que puderam escreverem seu Relatório global: “Nossos Bispos, efetiva e afetivamente, procuram caminhar juntos, sendo sempre um sinal de união”.

Encerrando-se, com o grupo dos Senhores, o ciclo desta visita “ad limina Apostolorum” dos Irmãos Bispos brasileiros, o meu pensamento voa até Fortaleza, onde tive a alegria de ver a todos juntos, os que então integravam sua Conferência Episcopal, a grande maioria dos que encontrei ao longo deste ano. E, evocando como válido quanto nessa circunstancia lhes dizia, fraternamente, peco ao Apóstolo e Sumo Sacerdote da fé que professamos, Jesus Cristo (cf. Hb He 3,1), para todos sem excepção, a fidelidade Aquele que os constituiu Pastores da Igreja que está no Brasil, porção extensa da una e única Igreja de Cristo.

Imploro para todos e para as suas Comunidades diocesanas a celeste protecção de Nossa Senhora, que me confirmaram continuar em sua Região a ter um lugar de relevo na piedade do povo fiel. Numerosas são as romarias e festas a Ela dedicadas, onde acodem os fiéis. Que encontrem sempre o espaço e impulso catequético para retemperar a própria fé em Cristo, olhando para Maria Santíssima. Ao seu Coração Imaculado confio a Igreja que está em Minas Gerais, Espírito Santo e em todo o Brasil.

Seja penhor da minha comunhão e participação em seus trabalhos, alegrias e esperanças de Pastores a Bênção Apostólica que lhes dou, de todo o coração, e faço extensiva às suas Comunidades diocesanas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PRELADOS


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DOS BISPOS DO BRASIL


Quinta-feira, 13 de Março de 1986

Senhores Cardeais,
Senhores Arcebispos e Bispos,

A Igreja nossa mãe possui, como algo de conatural, o segredo de unir harmoniosamente a solenidade à simplicidade, a seriedade à jovialidade, a gravidade à informalidade. Ela o faz admiravelmente na sua Liturgia, daí a beleza das suas celebrações. Ela o faz também em muitas outras manifestações da sua vida.

Aqui, por exemplo a Divina Providência nos reúne para o exame de temas importantes e preocupantes da vida da Igreja no Brasil. Desejamos, porém, faze-lo não através de instâncias canónicas e em contexto institucional, mas em um Encontro de irmãos, em clima de oração e de reflexão, também de caridade fraterna, de esperança e de alegria, na escuta recíproca e no diálogo.

É com este espírito que saúdo de coração os Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos, representantes do numeroso Episcopado brasileiro, e lhes dou as boas-vindas a esta casa do Papa que é a sua casa. Agradeço-lhes desde já a disponibilidade com que, interrompendo seus afazeres pastorais particularmente exigentes nesta quadra quaresmal, acorreram aqui para o almejado encontro comigo e com alguns de meus colaboradores no “ministerium Petri”.

Recebam estes últimos também, Cardeal Secretário de Estado e Cardeais Prefeitos de importantes Congregações e Conselhos, a expressão da minha gratidão por esta nova prova de dedicação à Sé Apostólica por um lado e às Igrejas Particulares por outro lado.

1. Este nosso Encontro se realiza poucos dias depois da passagem do último grupo de Bispos vindos do Brasil em Visita “ad limina”, o do Regional Leste-2. Nove outros grupos o haviam precedido no correr de um ano inteiro. Para as Igrejas das quais são devotados Pastores, para eles próprios e para toda a Igreja no Brasil, foi – como eles mesmos declararam mais de uma vez, explicitamente – uma forte e incisiva experiência eclesial. Agradecendo agora, com viva e sincera cordialidade, a todos estes irmãos muito caros e renovando a cada um a promessa de permanecer espiritualmente próximo às suas labutas “propter Evangelium”, peco a Deus que essa experiência de novas energias ao seu devotado ministério.

2. Experiência Eclesial, dizíamos e isto pôr dois motivos mais relevantes. Primeiro porque cada um daqueles Pastores aqui veio não em nome próprio, portador de inquietações ou aspirações individuais, mas carregando no coração e sobre os ombros toda uma Igreja: aquela comunidade eclesial que um misterioso Desígnio de Deus confiou aos seus cuidados. Eclesial, em segundo lugar, porque a Visitatio é, por definição, um kairós, um tempo favorável no qual cada Bispo leva sua Igreja Particular, com sua fisionomia própria e suas riquezas espirituais, a encontrar-se e a dialogar com outras Igrejas Particulares, suas irmãs, em dimensão de Igreja Universal. Essa Visita revela-se, portanto, como tempo e espaço de eclesialidade efetiva: são os próprios Bispos que, nas conscienciosas avaliações enviadas pôr alguns grupos a mim e às Congregações competentes atestam que a Visita lhes foi preciosa para sentir-se mais e mais inseridos na comunhão eclesial, para “dilatare spatia caritatis” e para compreender concretamente o dinamismo vital que leva da Igreja Particular à Igreja Universal e da Universal à Particular. Não me demoro neste ponto, que será certamente objeto de ulteriores considerações.

3. Como conclusão – e digno coroamento – da Visita “ad limina”, aqui nos reunimos neste Encontro romano. Acha-se nas suas origens um desejo convergente: meu, dos dirigentes da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil e de alguns Bispos com quem tive a oportunidade de manifestar-me. Ele é, pois, fruto de uma iniciativa de Santa Sé alegremente acolhida e corresponsavelmente assumida pelos Bispos brasileiros.

A intenção que inspirou sua convocação e inspira o seu desenvolvimento confere ao Encontro também algumas características fundamentais:

– ele quer ser uma síntese, tão ampla e profunda quanto possível, na sua forçosa brevidade, dos encontros tidos anteriormente com os grupos de Bispos e com cada Bispo em particular. Em um certo sentido ele recolherá, em uma visão de conjunto, as numerosas e variegadas facetas que compõem a Igreja no Brasil, e que se manifestaram com maior ou menor evidencia no diálogo com cada um dos grupos separados.

– podemos dizer que tal encontro contém uma revisão da Visita “ad limina”? No sentido de uma revisão do seu funcionamento material, certamente ano. Seria porém um valioso serviço à Igreja no Brasil se, juntos, aqui pudéssemos fazer, isto sim, uma revisão da fisionomia da Igreja no Brasil tal como essa fisionomia foi-se desenhando ao longo das visitas dos Regionais.

– não exageramos se dizemos que esse mesmo Encontro realiza uma forma particular e “sui generis” de colegialidade. Com efeito, embora circunscrito aos limites (limites continentais!) de uma Nação, neste Encontro se atua aquilo que é essencial ao affectus collegialis: a íntima comunhão sacramental e hierárquica de uma significativa parcela do Colégio episcopal cum Petro a fim de exprimir e concretizar sub Petro a “sollicitudo omnium Ecclesiarum” e o carisma apostólico e missionário daqueles que “foram postos pelo Espírito Santo para governar a Igreja de Deus”.

Acrescento uma outra característica, decorrente das anteriores e de não menor relevância: como verdadeiro ato de Igreja, o nosso Encontro, eminentemente fraterno, está desde já e estará todo o tempo impregnado do afeto e estima que o Sucessor de Pedro e com ele a Sé Apostólica dedica aos irmãos Bispos; do desejo de aprofundar o conhecimento de uma Igreja, pôr diferentes títulos digna da maior atenção; da ânsia de poder oferecer a essa Igreja a possível ajuda para que cumpra ainda melhor a sua vocação e missão. Sem preconceitos nem “animus iudicandi”, o Encontro deseja ser um grande gesto fraterno, benfazejo, se assim o Senhor o quiser, para além de uma Nação, a toda a Igreja.

4. Desde o seu primeiro anúncio, tem-se sublinhado fortemente a singularidade do acontecimento. Em vez de singularidade, seria preferível falar de novidade: a Visita “ad limina” de um episcopado se encerra com um encontro de Bispos com o Papa. Que corresponda à Igreja no Brasil, com seus cento e dez milhões de fiéis e seus mais de trezentos Bispos, o privilégio da “primeira vez” e – pôr que não? – o de abrir a porta e servir de modelo para outras experiências, tal fato não deveria surpreender ninguém. De resto, novo não significa emergencial. E como seria “emergencial” um Encontro desejado, programado e preparado ao longo de vários meses? No que se refere às intenções, sabem Vossas Eminências e Excelências e sabem meus colaboradores aqui presentes que a única intenção é a de reforçar ainda mais uma comunhão – a dos Pastores de um imenso País e de uma Igreja pôr muitos aspectos notável, entre si e com o Sucessor de Pedro –, comunhão esta que deve ser fundamento da comunhão dos fiéis entre si e com os Pastores a fim de que tal comunhão eclesial seja e apareça como sacramento de comunhão diante da comunidade humana.

Invocando, no início dos nossos trabalhos, o Espírito de paz e de união, de caridade e de verdade, a Ele quisemos entregar nosso anseio de construir, todos juntos, a comunhão, lá onde muitos elementos conspiram para feri-la e eliminá-la.

5. O presente Encontro revela-se, senão propriamente necessário, ao menos oportuno e útil, quando colocado sobre a tela de fundo de um acontecimento eclesial e de uma situação histórica.

O acontecimento eclesial é o Concílio, recentemente iluminado pôr este outro importante evento que foi o Sínodo Extraordinário. As grandes linhas cristológicas e eclesiológicas traçadas há vinte anos e agora reavivadas – a Igreja como mistério de comunhão, a missão do Pastor na comunidade eclesial, o dinamismo evangelizador e missionário da Igreja, a urgência de transmitir a fé na sua pureza e integridade – estarão continuamente na raiz e no centro de todas as nossas reflexões como critério iluminador e como inspiração. Ao exprimirmos uns aos outros nossas convicções sobre a nossa vocação e missão na Igreja no Brasil e na Igreja Universal, é o Vaticano II, como evento de graça, que servirá de guia; ao mesmo tempo os ensinamentos do Concílio, como eco da Palavra de Deus para os nossos tempos, fornecem elementos de autentico discernimento espiritual e oferecem um princípio interior de unidade capaz de fazer convergir pontos de vista frequentemente discrepantes.

A outra tela de fundo, é o momento histórico de todo o quase-Continente latino-americano e especialmente do Brasil e da Igreja no Brasil.

Do ponto de vista sócio-político-cultural o gigante Brasil encontra-se, mais uma vez, diante dos desafios de uma encruzilhada histórica igual às mais decisivas no passado, senão mais decisiva. Reconquista de caminhos de plena democracia, dever de afrontar problemas graves como os da saúde, da habitação, do trabalho e – porventura mais fundamentais – os da alfabetização e da instrução, da terra, do pauperismo, da fome, da marginalização, contrastes vistosos em vários níveis da sociedade brasileira, necessidade de sabedoria para discernir pôr detrás desses problemas todos a crise moral que, como no mundo todo, é causa e efeito dos mesmos: estes são alguns traços do momento histórico vivido pôr uma Nação e, mais precisamente, pelo Povo que constitui essa Nação. Diante dos desafios aqui apenas esboçados os Bispos, como Pastores da Igreja, e a Igreja como um todo tem um papel específico a exercer, que não se identifica nem se substitui ao dos políticos, dos economistas, dos sociólogos, dos intelectuais ou dos sindicalistas. É o papel de quem, pôr uma convicção profunda, sabe que, levando a cabo sua tarefa especificamente religiosa, está pondo em ação um verdadeiro e pleno humanismo e portanto está dando uma eficacíssima – embora pouco aparente – colaboração para a solução dos problemas humanos. Afirmar o contrário é pensar que só a atividade sócio-política imediata é eficaz; é desconhecer que se promove radicalmente o homem quando se ajuda este mesmo homem a realizar-se naquilo que tem de mais profundo e essencial, entre outras coisas na sua relação com o Absoluto de Deus; é arrancar a Igreja da sua missão primigênia e identificá-la com outras instancias pôr um reducionismo perigoso e destruidor.

Para ajudá-la a cumprir sua missão diante do momento histórico, a Igreja conta, no contexto latino-americano, com as orientações oferecidas pelas duas Conferencias Gerais do Episcopado: a de Medellín, em 1968, e a de Puebla (que tive o privilégio de inaugurar naquela cidade mexicana) em 1979. Lidas com o espírito com que foram elaboradas, sem violências hermenêuticas, sem acréscimos ideológicos, sem distorções de qualquer ordem, essas orientações apontam um caminho à Igreja na missão que lhe cabe a serviço daquela porção de humanidade, porção da mesma Igreja, que é o Brasil.

Penso que as três jornadas de trabalho serão insuficientes para refletir, dialogar, traçar rumos em matérias da delicadeza e do peso das que aqui evocamos. Faremos aquilo que for possível na exiguidade do tempo.

6. Ano seria realista supor que, em meio aos diálogos intensos destes dias, ano se imponha vez pôr outra a questão incandescente da “teologia da libertação”. Ela ano é o tema destas jornadas mas ano seria realista tampouco pretender evitá-la.

Há pouco mais de um ano a Instrução “Libertatis Nuntius” que, com minha aprovação, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou, veio confirmar que pode e deve existir uma reflexão teológica sobre a libertação, fundamentada em sólidos elementos doutrinais pertencentes ao mais autentico Magistério da Igreja bem como ao tesouro da Palavra de Deus. A Igreja considera seu dever prosseguir, atualizar, aprofundar mais e mais essa reflexão, graças à qual ela procura dar resposta também às graves questões relativas à justiça social, à equidade nas relações pessoais, nacionais e internacionais, à paz e ao desarmamento, à liberdade, aos direitos fundamentais da pessoa humana, etc. A mesma Congregação para a Doutrina da Fé está prestes a publicar um novo documento que focaliza os principais aspectos da teologia da libertação entendida nos termos que acabo de recordar. Purificada de elementos que poderiam adulterá-la, com graves consequências para a Fé, essa teologia da libertação é ano só ortodoxa mas necessária.

Meus votos – e estou certo de que são também os de todos – são para que das reflexões destes dias, desapaixonadas, fraternas, venha a surgir uma consciência mais viva dos elementos positivos da legítima “teologia da libertação” – estes são os elementos fornecidos pelo Evangelho, sabiamente elaborados pelo Magistério da Igreja, constantemente propostos pela sua doutrina social – e, com esses, uma definição da identidade evangélica e eclesial desta. Venha a surgir, mais ainda, o propósito de trabalharmos todos juntos com decisão e constância para promover, difundir, proteger, defender esta perfeita identidade. Prevalecendo essa identidade, sem ambiguidades nem deformações, teremos o direito de conservar a esperança que pessoalmente tenho proclamado muitas vezes como o fiz no correr da minha visita ao Brasil: a esperança de que neste País – e em toda a América Latina – graças aos princípios evangélicos e aos ensinamentos do Magistério da Igreja as reformas sociais ingentes, profundas e necessárias, se façam com justiça e caridade, com a desejada eficácia e sem a violência que, além de ser anti-evangélica, acaba quase sempre pôr gerar injustiças iguais às que combatia, senão ainda maiores e mais cruéis.

7. Celebrando a Eucaristia nesta Quinta-feira da Quarta Semana da Quaresma, tivemos diante dos olhos, na primeira leitura proposta pela Liturgia, a impressionante e comovedora imagem de Moisés, guia de um povo através do deserto, intercedendo pôr esse povo com um clamor que nasce de uma profunda compaixão e que ano deixa indiferente o próprio Deus (Ex 32,7-14) . Bispos brasileiros, os Senhores trazem para este Encontro sentimentos de amor e compaixão pelas comunidades confiadas aos seus cuidados e aos dos outros irmãos Bispos que os Senhores representam. Com palavras tiradas do Evangelho da Missa de hoje – palavras de Jesus, novo Moisés que injeta substancia nova e inesperada plenitude na missão do antigo Moisés –, os Senhores dizem com humilde confiança: “As obras que o Pai me deu a cumprir, estas obras que estou realizando, dão testemunho de que o Pai me enviou” (Jn 5,36) .

Damos início, pois, irmãos caríssimos, aos trabalhos destes dias. Impele-nos a esperança pascal, aquela que meu insigne Predecessor São Leão Magno proclamava no sermão lido hoje no nosso breviário: Appareant nunc quoque in civitate sancta, id est in Ecclesia Dei, futurae resurrectionis indicia. Queira Deus que o nosso encontro seja, para a Igreja no Brasil, um luminoso indício de renovada vitalidade pascal.






Discursos João Paulo II 1986 - Sábado, 1º de Março de 1986