Discursos João Paulo II 1986 - Quinta-feira, 13 de Março de 1986

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DA CONCELEBRAÇÃO COM OS


BISPOS BRASILEIROS


15 de Março de 1986



Queridos Irmãos no Episcopado, irmãos e irmãs,

Estamos congregados para celebrar a Eucaristia, a caridade, a comunhão, em Igreja: celebrar Cristo-Eucaristia-Amor e Misericórdia-Comunhão. E nós, em Cristo e com Cristo, nesta manhã, queremos, mais do que oferecer, ser oferta ao Pai da nossa condição pessoal e eclesial, em ação de graças, com caridade, em comunhão no Espírito da Verdade e do Amor. Sintonizadas as nossas mentes e corações, nestes sentimentos, proclamemos a nossa gratidão o demos “glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”; pelos trabalhos de nosso Encontro.

É Epifania, é Cenáculo e é Pentecostes este momento: manifestação e testemunho da fé comum, fraternidade, daqueles a quem o Senhor já não chama servos, mas amigos, e docilidade ao Consolador, que nos quer guiar para a verdade total, sob o signo da esperança.

Conosco, Irmãos Bispos do Brasil, estão os demais Irmãos do Episcopado brasileiro a suas Igrejas particulares, está aqui todo o Povo de Deus: a unir-se à nossa súplica.Vamos pedir: que a Igreja alcance a plenitude do amor de Deus e seja fiel à missão que Cristo lhe confiou; que na Igreja os Pastores, como o Bom Pastor, sejam luz, somente luz, para a tornar cada vez mais reveladora, santificadora e salvadora; que os homens se voltem para o Evangelho, amem a justiça e vivam em paz; que encontrem conforto todos os que sofrem e estão desanimados; que o Senhor abençoe as crianças, atraia os jovens, santifique os lares e alegre o trabalho humano e o labor do apostolado.

Pecamos, enfim, pôr todos nós: o perdão para nossas faltas e purificação de nossos corações, para esta Eucaristia, e para, cada vez mais, conformar-nos a Jesus Cristo, que veio para anunciar a Boa-Nova aos pobres e perdoar aos corações arrependidos.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CONCLUSÃO DO ENCONTRO


COM OS BISPOS BRASILEIROS E A CÚRIA ROMANA


Sábado, 15 de Março de 1986



Senhores Cardeais
Queridos irmãos no Episcopado

1. No momento de encerrar este Encontro, que por três dias concentrou as nossas atenções e empenhou as nossas energias, estou repetindo no meu íntimo uma palavra de Teresinha do Menino Jesus (Derniers entretiens), que um grande romancista francês inseriu depois em uma de suas obras mais notáveis (Georges Bernanos, Journal d’un curé de campagne): “Tudo é graça”. Não hesito em proclamar a minha convicção pessoal de que como fruto de muitos esforços humanos, mas sobretudo das orações que nós próprios fizemos e que tanta gente fez por nós, nossa assembleia foi uma verdadeira graça de Deus, como graça de Deus foi cada etapa e cada circunstância que a pontilhou. Graça, o estarmos juntos; graça, o clima de oração e de caridade que culminou na Eucaristia que juntos celebramos como momento significativo do Encontro; graça, as longas horas de reflexão e de intercâmbio; graça o esforço de revisão sincera, necessária quando se quer encarar seriamente problemas e dificuldades que são a marca daquilo que é humano.

2. Diante de uma graça, a atitude mais adequada é a de dar graças, de dizer “muito obrigado”.

Dou graças a Deus que nos inspirou este Encontro, nos assistiu na sua preparação e, ao longo deste tríduo, esteve presente no meio de nós – reunidos no Nome do seu Filho – e nos ajudou na caminhada.

Muito obrigado aos Senhores, Bispos e Pastores da Igreja do Brasil, cuja presença vivamente desejei e sinceramente apreciei durante os três dias.

Muito obrigado aos meus mais próximos, devotados e generosos Colaboradores no serviço todo particular que, em obediência ao Desígnio de Deus, devo prestar ao Corpo de Cristo que é Igreja.

Não tenho porque negar ou ocultar que a experiência do Encontro foi para mim – e peço a Deus tenha sido para todos e cada um – fonte de reconforto e de alegria, no nosso comum serviço eclesial.

3. Permitam que eu sublinhe, nos compassos finais desta intensa jornada pastoral, alguns dentre os muitos aspectos que tornaram estes dias ainda mais profícuos do que ousávamos imaginá-los.

Coloco, antes de tudo, o inconfundível amor a Cristo e à Igreja que, como não podia deixar de ser, manifestou-se a todo momento neste cenáculo e foi a tônica de tudo o que realizamos. Diferentes uns dos outros em tantas facetas de nossa personalidade de homens e de Pastores, aqui se patenteou aquilo que mais nos une e que é, justamente, aquele amor a Jesus Cristo e à Igreja sem o qual nossas vidas não teriam sentido.

O segundo aspecto foi o respeito mútuo, unido à maior liberdade de expressão, com que, mesmo deixando aparecer as legitimas diferenças, os irmãos Bispos se confrontaram com seus irmão na busca da verdade.

Refiro-me, em terceiro lugar, à clarividência, não isenta de humilde coragem moral, com que respeitáveis Pastores de uma grande Igreja não quiseram esconder mas se dispuseram a reconhecer problemas e obstáculos, limites e carências que afligem essa mesma Igreja, universalmente estimada e admirada, pôr outro lado, pela sua vitalidade e fecundidade.

E pôr último, ponto de fusão dos três precedentes, o quarto aspecto, porventura o mais marcante do Encontro: a saudável e tonificante esperança – esperança humana mas sobretudo esperança teologal – que penetrou sensivelmente atos e palavras, reflexões e propostas, no correr deste Encontro.

4. Se eu tivesse de identificar, nesta hora de encerramento, a realidade espiritual que mais senti pulsar nesta assembleia, diria sem titubear: foi o desejo – mais ainda, o anseio – de mais perfeita comunhão.

Comunhão afetiva mas também comunhão efetiva entre os próprios Bispos, ao preço de todos os esforços e de todas as renúncias possíveis, e usando todos os meios ao nosso alcance para aumentar e consolidar essa comunhão. Estou certo que não me interpretariam mal se eu dissesse que vale mais um passo, dado no sentido da comunhão no seio da Conferência, do que dez com o risco de mortificar, se não de romper a comunhão.

Comunhão em seguida, com aquele que, sola Dei gratia, recebeu e, sustentado pela mesma graça, procura exercer todos os dias o mandato de “confirmar os irmãos”.

5. O ardente desejo desta comunhão e o compromisso sacrossanto, não só de nada fazer para feri-la mas, ainda mais, de tudo fazer para promovê-la, suscitou neste Encontro, com mais vigor do que antes, aquele diálogo no qual a verdade não ofende a caridade, nem a caridade dispensa da verdade; diálogo adulto entre homens, cristãos e Pastores, que não tem outro interesse senão o da Igreja. Falo do diálogo dos Bispos brasileiros entre si, tão importante quanto o dos mesmos Bispos com os representantes de Cúria Romana. Se “tudo foi graça” no Encontro, quero crer que a graça mais insigne foi a de não se ter jamais recusado o diálogo, nem posto obstáculos que o teriam tornado infrutuoso e inútil.

Função do Encontro era, juntamente, a de renovar, alargar, aprofundar, aprimorar esse diálogo.

Neste sentido, estou convencido de que, se este Encontro serviu para aperfeiçoar o diálogo do Episcopado brasileiro com o Sucessor de Pedro e seus colaboradores, e dos Bispos brasileiros entre si, ele conseguiu seu intento. O diálogo precisa continuar, deve continuar.

A Cúria Romana, fiel colaboradora do ministério pontifício se empenha – disso sou testemunha – e se empenhará sempre em conhecer, compreender, compartilhar as situações concretas e os desafios de toda ordem em meio aos quais os Bispos do Brasil exercem o seu ministério. Ela tem, por sua vez, o desejo e a necessidade de ser conhecida, compreendida e ajudada na sua missão eclesial. Esta tem, por sua vez, o desejo e a necessidade de ser conhecida, compreendida e ajudada pelos Bispos no serviço que ela presta à Igreja Universal.

Que esses Dicastérios, aprimorando, quando necessário e enquanto possível, suas prestações de serviço, abram reiteradamente e sustentem sem cessar o diálogo com as Igrejas Particulares. Mas que as Igrejas Particulares – e, entre elas, a que está no Brasil – sintam, pôr seu lado, a confiança de tecer sempre de novo o diálogo com as Congregações. Nesta sístole-diástole está a saúde e a vitalidade de toda a Igreja, pois tal diálogo será um dar-receber, que enriquece a todos.

6. Acrescentaria que o fato de ter participado do Encontro é um privilégio que os investe, queridos Bispos Brasileiros, de uma missão: de levar aos co-irmãos, que os Senhores representam, a mesma ânsia do diálogo, a serviço da comunhão afetiva e efetiva. Como a Pão eucarístico que, na Antiguidade crista, um Bispo costumava levar ao outro, como sinal e penhor de comunhão no Corpo Episcopal, levem a seus irmãos o anseio desta comunhão, a decisão tenaz e paciente de construí-la, mediante o diálogo, que é uma condição para tudo isso. Diálogo entre os próprios Bispos, diálogo Bispos-Presbíteros, diálogo Pastores-fiéis, diálogo Igreja no Brasil-Sé Apostólica, diálogo Igreja-mundo não pode ser menos vasto nem menos profundo esse diálogo.

É com essa perspectiva e sob a luz desta grande e propulsora esperança, que desejo encerrar o Encontro e despedir-me dos Bispos brasileiros.

Faço-o pensando já na próxima Quinta-Feira Santa, aniversário natalício do nosso Sacerdócio, ponto de reencontro com a graça e a bênção inestimável do sacramento que nos fez Padres e Bispos.

Comungando com seus Sacerdotes, naquele dia, o Pão da Eucaristia e o pão da caridade, sinta-se cada um dos Senhores idealmente em comunhão também com seus irmãos Bispos do Brasil e de todo o mundo. “Mei etiam mementote”: de mim que, naquele dia, maior consolo não poderia ter do que o de sentir, na fé, a mais estreita comunhão com todo o Colégio Episcopal. Assim se tece a teia maravilhosa da grande comunhão eclesial.

7. E agora, feliz Páscoa! – digo-lhes antecipadamente.

Para entrar no número dos Apóstolos, como aprendemos de um conhecido texto dos Atos dos Apóstolos, era preciso poder ser “testis resurrectionis Eius” (Ac 1,22 cf. etiam Ac 2,32 Ac 3,15). A mesma deve ser a condição dos Sucessores dos Apóstolos: a de serem homens possuídos pôr uma ardente e inabalável fé na ressurreição de Jesus; a de viverem dia após dia animados pelo otimismo – ou melhor, a alegria e a esperança que nascem espontaneamente desta fé; a de saberem testemunhar, diante do mundo, que Cristo ressuscitou e, portanto, nem a morte tem a última palavra.

Encerrando o Encontro, faço votos a todos – especialmente aos queridos Bispos que daqui a pouco voltarão ao Brasil – de poderem ser, também graças ao mesmo Encontro, testemunhas convictas e convincentes da renovadora Esperança pascal.

Acompanhe-os nas suas lides a minha oração. Acompanhe-os a minha Bênção Apostólica, que lhes peço transmitir aos seus fiéis pôr ocasião das festas da Páscoa.



                                                                Maio de 1986

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DE ANGOLA EM VISITA « AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sexta-feira, 23 de Maio de 1986

Senhor Cardeal,
meus amados Irmãos no Episcopado

1. Ao saudar-vos cordialmente, na “unidade de espírito mediante o vínculo da paz”(Ep 4,3) , experimento para convosco os mesmos sentimentos que, de forma tão amável e eloquente, me foram expressos pelo Senhor Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, em nome de todos os membros da CEAST.

Confesso, caríssimos Bispos da Igreja que está em Angola e São Tomé e Príncipe, que desejando ver-vos e ouvir-vos, ao ser-me anunciada a vossa “Visita ad limina Apostolorum”, intensifiquei a minha habitual oração. No clima litúrgico do Pentecostes, implorei do Espírito Santo poder comunicar-vos, neste encontro de Irmãos, alguma graça espiritual, a fim de vos “confirmar” e fortalecer; ou antes – parafraseando o Apóstolo – “para convosco me reconfortar no meio de vós, pela fé que nos é comum” (cf. Rm Rm 1,11-12).

Se constitui sempre para mim um motivo de alegria o encontro com todas as categorias de fiéis e outras pessoas, aqui no coração da Cristandade, é maior o meu regozijo quando, no múnus de Sucessor de Pedro ao serviço da Igreja universal, posso dirigir-me aos Bispos das Igrejas particulares. Assim, aqui reunidos no amor de Cristo, “firme s na fé” da sua presença entre nó e “inabaláveis na esperança” que n’Ele pusemos (cf. Col 1,23MT 23,8LC 22,32

2. Vem-me espontaneamente exclamar com o Salmista: “Como é bom, como é agradável o convívio de muitos irmãos juntos!” (Ps 132,1). Desta exclamação faço agradecimento ao Pai, louvor ao Filho e súplica ao Espírito Santo: pela unidade do Episcopado de Angola e São Tomé, entre si e com o sucessor de Pedro, do que tenho inequívocas provas, ao serviço de Igrejas na África, de há muito evangelizadas e, não obstante, jovens, em vias de crescimento e que dão sinais de vitalidade intensa, no meio de dificuldades bem conhecidas.

No contexto da África e da Igreja universal, as cristandades de Angola e São Tomé apresentam-se a um tempo, missionárias e de missão. Também aí o Evangelho se encontrou com a alma tendencial e ambiencialmente religiosa das populações. E resultado deste encontro, dessa “primeira evangelização”, foram as conversões, os Baptismos e adesão a Cristo de um elevado número de filhos dessas terras, onde o benemérito trabalho missionário vem de longe e teve neste século um grande impulso.

Estou certo de que, juntamente convosco, os fiéis das suas Dioceses sentem uma gratidão profunda para com os missionários, pelo anúncio do Evangelho e também pelo que conjuntamente receberam num a linha de promoção humana e elevação social, mediante escolas, hospitais e toda uma série de iniciativas de carácter educativo assistencial e caritativo.

Aqui convosco, quero render homenagem a esses missionários, testemunhas de Cristo e arautos da mensagem evangélica. E, como me confirmastes, ainda hoje os Bispos, as Comunidades eclesiais e a gente da vossa terra sentem necessidade, apreciam e desejam ter missionários – sacerdotes, religiosos e leigos – e pedem-nos, em primeiro lugar “rogando ao Senhor da messe que mande trabalhadores para a sua messe”, que já loireja pronta para a ceifa (Cfr. Mt Mt 9,37 Jn 4,35).

3. Convosco, amados Irmãos, vieram a Roma, em espírito, as vossas Comunidades, desejosas de confessar numa só fé, a unidade da Igreja, “um só corpo e um só espírito, dos chamados a uma só esperança e que confessam um só Senhor” (Cfr. Ef Ep 4,4).

Conscientes disto, com espírito construtivo e cristão optimismo, feitos “voz de um povo que dessa voz continua a ser privado”, como escrevestes, partilhastes, comigo esperanças e problemas, vitórias e desaires e os não poucos sofrimentos, que acompanham o vosso labor de Pastores que desejam velar e guiar o rebanho que o Senhor lhes confiou, de boa vontade, não como dominadores, mas como modelos (Cfr. 1Pd 1P 5,2-3) .

Viria aqui ao caso recordar a história de mais de quatro séculos de presença da Igreja nessa região. Não no-lo permitindo o tempo, olhamos para o presente, sob a luz da esperança. São conhecidas da Igreja e do mundo circunstancias peculiares e todo um contexto novo sócio-político em que a Igreja deve continuar a afirmar-se como reino de Deus, bem caracterizado nas parábolas do Mestre, recolhidas no Evangelho, sobretudo a do “fermento”.

Após a recente independência, em particular nas promissoras terras de Angola, o vosso Povo atravessa um momento delicado na definição da própria identidade como jovem Nação, e na busca das linhas de rumo para a sua caminhada histórica, no concerto dos povos. O diuturno drama da falta de segurança e da luta armada não tem deixado de semear o luto, a destruição e a desolação nas vossas circunscrições eclesiásticas. Talvez não totalmente conhecido dos homens, mas bem conhecido de Deus, esse calvário de sofrimentos e privações da gente angolana, não tem poupado os servidores da Igreja a sacrifícios: eles tem chegado aos extremos do rapto de pessoas, incluindo alguns missionários – obrigados em seguida a abandonar as comunidades, onde prestavam os seus serviços pastorais, ou exercitavam a caridade e assistência – salientando, obviamente, os casos numerosos daqueles que selaram com o próprio sangue o amor de Cristo, ao serviço dos irmãos.

Não constitui surpresa total. O Senhor amorosamente, já prevenira: “Se o mundo vos odeia, ficai sabendo que, primeiro do que a vós, me odiou a mim” (Jn 15,18) . No entanto, é sempre doloroso e, pôr vezes, lamentável. Não seria necessário dize-lo novamente: o Papa tem estado e continua a estar mais do que presente a todos, com a oração e o seu afecto no Senhor, irmanado com esses membros que sofrem no Corpo de Cristo (Cfr. 1Co 12,26) .

4. Foi neste momento e conjuntura histórica, não fáceis, que o Senhor vos chamou, escolheu e enviou para evangelizar entre esse povo – marcado pela inquietude, incerteza e sofrimento – as maravilhas do seu amor. Foi aí que vos quis “embaixadores de Jesus Cristo, como se o próprio Deus exortasse pela vossa boca” (Cfr. 2Co 5,20): “exortasse” cada homem a captar em si e nos outros a necessidade profunda de amar e de ser amado na verdade, na justiça e na compartilha do bem comum; “exortasse” a acolher o seu amor e a sua misericórdia, que na história humana tem uma forma e um nome: chama-se Jesus Cristo. Pôr outras palavras, foi aí que Ele vos quis a evangelizar, “em primeiro lugar dando testemunho, de maneira simples e directa, de Deus revelado pôr Jesus Cristo, no Espírito Santo” (Paulo VI Evangelii Nuntiandi EN 26).

Haveria uma imensidade de pontos a tratar, no conjunto dos problemas pastorais ou com incidência pastorais, tocados nos relatórios e de que me falastes nos nossos encontros individuais. Terei de limitar-me a alguns que parecem ser, e vós próprios me apontastes como mais urgentes, sempre com a grande certeza que todos vivemos: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão se afadigam os que a constroem” (Ps 128,1).

5. Se já acompanhava com a oração e pensava com amor solicito nas comunidades cristãs de Angola e São Tomé, antes desta vossa “Visita ad limina”, agora faço-o mais motivado; e quereria que lhes levásseis, com a certeza do meu apreço e da minha simpatia e benevolência, uma palavra de estímulo, com particular interesse pelos seus queridos mentores: os Sacerdotes. Também eles são “embaixadores de Jesus Cristo, como se Deus exortasse pela sua boca” (cf. 2Co 5,20) e pôr todo o seu ser e agir de testemunhas de uma outra vida, diferente da terrena.

Entre as preocupações que absorvem as vossas energias de Pastores, sei que no vosso quotidiano dais prioridade à formação presbiteral: dos Sacerdotes já ordenados, que escasseiam para as necessidades, e dos candidatos ao Sacerdócio, pressupondo toda a problemática da pastoral vocacional. È verificação constante que, de modo geral, a configuração das comunidades cristas e dos aspirantes à vida sacerdotal depende directamente da figura dos Sacerdotes que tem à frente; estes constituem o ponto de aferimento e o modelo para a maturação na fé e na vocação baptismal à santidade de vida, diversificada em escolhas existenciais, no corpo da Igreja.

Pôr isso é necessário que, na formação inicial e na formação continuada dos “ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus” prevaleça o cuidado de plasmar e cultivar testemunhas de Jesus Cristo convincentes, que apresentem, na sua pessoa e comportamento, uma norma de vida para aqueles que os rodeiam, como preconizava São Pedro Damião: “Que se leia na nossa vida aquilo que se deve fazer e aquilo que convém evitar... basta um pouco de sal para dar sabor a muitos alimentos: basta um pequeno número de sacerdotes para instruir e formar a multidão de uma cristandade”(Carta aos Cardeais: II, 1: PL 144, 258) .

6. Não foi pôr acaso que o Santo empregou a analogia do “sal”; ela é evangélica (Cfr. Mt Mt 5,13) e significa algo “diferente” daquilo que deve ser “temperado”. Pôr isso o Concílio acentuou essa “diferença” sobretudo nos Decretos “Optatam Totius” e “Presbyterorum Ordinis”. “Homem para os outros”, o Sacerdote o será na medida da sua peculiar e coerente maneira de ser “homem para Deus” (Cfr. Hb He 5,1), pelos caminhos da imitação de Cristo, Redentor do homem: caminhos da humildade e da obediência, da continência, perfeita e perpétua, do espírito de pobreza, porque o Senhor é a sua parte e herança (Ps 63,11).

Continuai, pois, amados Irmãos, no empenho merecedor de encómio, que referistes no Relatório Geral (II), em formar e ajudar os seus Sacerdotes na estima e cultivo do que os faz mais “homens para Deus e para os outros”, como a Igreja Mãe e Mestra os quer: vivendo na intimidade com Deus a graça que lhes foi dada pela “imposição das mãos”; vivendo o dor do Espírito que é o celibato, cuja disciplina a Igreja está decidida a conservar como um tesouro, apesar de cônscia de “levar este tesouro em vasos de barro”(Código de Direito Canônico, cân. 277). È esta a via de um coração indiviso e liberto, para dedicar-se ao serviço de Deus e dos homens. Porque eminentemente espiritual, este serviço não é comparável ao exercício de uma profissão liberal: é missão, na missão da Igreja. E para isso, a mesma Igreja conta com os Sacerdotes de Angola e São Tomé e confia neles.

7. Entre muitos outros motivos de consolação, informastes-me com alegria que cresce o número das vocações autóctones, masculinas e femininas: é uma esperança que não deve frustrar-se, pela falta de uma formação séria e profunda dos vocacionados. Ao número, tanto nos estados de vida consagrada como nas fileiras sacerdotais, tem de corresponder a qualidade dos escolhidos.

É um trabalho paciente, obscuro e nem sempre acompanhado de frutos visíveis; mas nunca se deve alterar o seu ritmo e rigor, pôr motivo nenhum. Dependendo da graça divina, em boa percentagem, formar os futuros “consagrados” e “enviados” tem de ser como o trabalho do lavrador que diligencia e “sabe aguardar o precioso fruto da terra e tem paciência até receber a chuva temporã e a tardia” (Jc 5,7).

Confirmastes-me que em Angola e São Tomé se deve e se espera muito das Congregações religiosas, para a formação do clero diocesano e dos “consagrados”. Estou certo de que a generosidade das Famílias religiosas continuará a manifestar-se até se dispor de pessoal nas Dioceses, em condições de plasmar almas entusiastas da sua doação total, sacerdotes ardentes de zelo, inteiramente dedicados ao ministério e convencidos da grandeza de a enviados pôr Deus”, talvez missionários, no sentido corrente da palavra, destinados a “gerar igrejas”.

8. È consolador para mim, saber que o povo da vossa terra, com a sua religiosidade quase congénita, se encontra aberto ao Evangelho e manifesta profunda sede de Deus; e que os leigos das vossas Igrejas, dada a escassez de Sacerdotes, estão a tomar cada vez mais consciência das próprias responsabilidades na evangelização. Em muitos campos – como sabemos e o Concílio realçou – “sem a obra dos leigos, só muito a custo a Igreja poderia estar presente e operante” (Apostolicam Actuositatem AA 1), para que a forca do Evangelho leve gradualmente a modificar os critérios de julgar, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida, que se encontrem, porventura, em contraste com a dignidade humana e com o universal desígnio da Salvação: “Deus quer que todos os homens se salvem e conheçam a verdade” (1Tm 2,4).

Conhecendo a colaboração prestada pôr tantos leigos que procuram viver o compromisso consciente e activo com a missão da Igreja nas vossas comunidades, mormente no campo da catequese, desejo estimulá-los à generosidade, que vai até ao sacrifício, e encorajar-vos a vós a lançardes mão dessa ajuda preciosa.

Congratulo-me convosco, ainda, pela criação do Instituto de Ciências Religiosas de Angola (ICRA) em vista de uma mais acurada formação de um laicado à altura do momento que vive a Igreja e a Nação. Que a influencia desse Instituto, atingindo as camadas intelectuais e universitárias – os grandes obreiros da sociedade pluralista – impeça ou remedeie rupturas entre o Evangelho e a cultura ou culturas na vossa terra!

9. Sei do vosso empenho aprimorado e efectivo, ainda na “função de embaixadores de Jesus Cristo, como se Deus exortasse pela vossa boca”, nos dois campos a que passo a referir-me:

A problemática da família, com as insídias – de ordem social, moral, religiosa e civil – que a ameaçam. Sei que a considerais prioridade pastoral, como se reflecte na Carta que publicastes há dois anos; limito-me, pois, a estimular esse programa e empenho, em prol de famílias segundo Deus: o futuro do homem no mundo, na Igreja e, em concreto, nos vossos países, passa pela família.

Os jovens, promessa de um amanhã melhor. Também neste aspecto me confidenciastes as vossas justificadas preocupações pastorais. Foi com mágoa que vi confirmado, pelos vossos relatos, quanto a juventude, principalmente em Angola, está marcada pelo momento histórico que aí se vive. Dizei aos queridos jovens da vossa terra a grande simpatia e afecto com que o Papa e toda a Igreja em geral os acompanham e se interessam pôr eles.Dizei-lhes, ainda: que não se deixem instrumentalizar, nem rebaixar; insisti, “oportuna e inoportunamente... com bondade e doutrina”, para que saibam reagir aos contravalores; que cultivem a sua capacidade e generosidade para abroçar ideais nobres; que vivam a certeza de não poderem edificar sobre outro fundamento que não seja Jesus Cristo, Redentor do homem; fazei-lhes ver, enfim, que às suas expectativas, em relação à Igreja, corresponde a grande esperança que a mesma Igreja deposita neles, que é voto e, ao mesmo tempo, prece ao grande Amigo dos jovens, Jesus Cristo: para que nunca se deixem enredar pôr ideologias ou sistemas que apregoam o ódio e a violência, pois somente o amor pode construir a civilização do amor.

10. Não se apresentando fácil o contexto da vida e missão das Igrejas onde sois Pastores, desejo neste momento estimular-vos a que “firmes na esperança”, olheis para a frente e para o Alto. Atentos, com a simplicidade da pomba e a prudência da serpente (Cf. Mt Mt 10,16), ao evoluir das situações e mentalidades, à irruente infiltração das ideologias e aos estragos da luta armada, procurai aliar à vossa firmeza a possível adaptação às circunstâncias.

A vossa esperança e a esperança que inculcais não é alienante e não vos deixará confundidos, “porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo” (Rm 5,5), o Espírito da Verdade. E é a forca da verdade que vos ditará, na posição de firmeza, a abertura e contribuição para o diálogo, na busca da reconciliação ditada pelo amor. A única revolução que a Igreja pode, quer e sabe fazer, pôr experiência vivida, é a revolução do amor: de mandamento novo, enquadrado no fundo do “sermão da montanha” e encastoado no código das Bem-aventuranças.

São extremamente complexas as causas dos conflitos que torturam o continente africano, assim como os mecanismos do poder político, dos interesses de parte e dos blocos que os determinam e sustentam. Entretanto, continua com toda a validade o apelo que, avisadamente, a vossa Conferencia Episcopal lançava já em 1975: “Importa acabar de vez com mais violências que a nada conduzem...”.

11. A Igreja, como é sabido, desejosa de dar, dentro do princípio de subsidiariedade, a sua contribuição específica para a construção da sociedade, em qualquer latitude, não se arroga nenhuma competência para propor modelos alternativos às mesmas sociedades (Cfr. Gaudium et Spes GS 76); ela não reivindica privilégios. Mas, respeitando direitos legítimos, ao serviço da dignidade e vocação pessoal e social do homem, deseja o respeito da própria liberdade de agir e de expressar a própria mensagem, no desempenho da sua missão universal de iluminar os homens com a luz dos povos, que é Cristo Redentor; deseja poder servir e amar, contribuindo para a união do homem com Deus e para a fraternidade na família humana.

Neste sentido, apraz-me registar, com louvor, a obra benemérita e generosa dos filhos – sacerdotes, religiosos e leigos – da Igreja em Angola; nos sectores do ensino e educação, nos hospitais e dispensários e em múltiplas obras de assistência e promoção humana; e, menos vistosa, também a contribuição inspirada na caridade crista, para uma indispensável reconstituição do tecido social, entre várias etnias e grupos, suscitando a consciência da responsabilidade comum, perante desafios que a todos interpelam.

Bem cônscia de que a transformação de estruturas político-sociais não se pode verificar nem consolidar se não for expressão de uma conversão interior, das mentes e dos corações, à causa do homem, a Igreja não cessa de apontar, na verdade e no amor, caminhos de libertação. O amor divino, que é a sua vida, a isso a impele, como a leva a tornar-se realmente solidária com cada homem que sofre a procurar discernir nos sinais dos tempos, aqueles que trazem consigo garantias de libertação, dos outros que sejam enganadores e ilusórios (Instr. Libertatis Nuntius, 60-61) .

Que o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação faca com que o Povo angolano em breve encontre a almejada paz, possa livremente escolher e construir o próprio futuro, na fidelidade aos genuínos e sãos valores étnicos e tradições históricas, sem interferências indevidas, pelos caminhos do diálogo, da reconciliação e da fraternidade, até ao amor: encontro no dom e enriquecimento recíproco, de todos os cidadãos angolanos. Incluo nesta prece e votos, com idêntica estima, o Povo são-tomense.

Meus queridos Irmãos,

Confio estes votos – pôr Angola harmonizada, pacífica e a percorrer os caminhos da prosperidade ao seu alcance – a Nossa Senhora, que em boa hora vós escolhestes e proclamastes Padroeira da Nação, sob a título de “Coração Imaculado de Maria”.

E ao regozijar-me e dar graças a Deus convosco, pelo trabalho que realizais e pelo espírito que vos anima, peco que sejais portadores de saudações cordiais para os Presbitérios, Religiosos e Religiosas – sem esquecer os de clausura – as pessoas consagradas, os Leigos comprometidos nos movimentos e associações de espiritualidade e apostolado, os queridos Catequistas, enfim, todos os fiéis diocesanos, com uma ampla e afectuosa Bênção Apostólica.



                                                                             Junho de 1986



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR JOÃO DE SÁ COUTINHO


NOVO EMBAIXADOR DE PORTUGAL JUNTO


DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 6 de Junho de 1986



Senhor Embaixador

1. É para mim grato acolher o distinto Representante de Portugal neste acto de apresentação das Cartas Credenciais como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário junto da Santa Fé. É aqui recebido hoje, como o será sempre, com a atenção e interesse que merecem a pessoa de Vossa Excelência e o seu nobre País; este, aliás, tem vindo a demonstrar recíproca consideração, até na escolha dos mandatados para esta missão.

Numa experiência nova, pôr certo, relativamente às importantes missões diplomáticas que Vossa Excelência tem vindo a desempenhar, dado o plano específico em que se processam as relações, vem continuar aqui o trabalho de precedentes Embaixadores que deixaram grata recordação, pelo que contribuíram para um amistoso equilíbrio positivo e respeitador da autonomia e competências respectivas e bem distintas das partes em diálogo. Este diálogo pressupõe e, pôr sua vez, nutre a mútua estima, compreensão e amizade e, dentro de devidos limites, mesmo a colaboração ao serviço do homem.

2. Apreciei vivamente as palavras que me dirigiu e os nobres propósitos expressos. Antes de mais, peco a Vossa Excelência que retribua as saudações do Senhor Presidente da República Portuguesa, certificando-o da estima com que é saudado, com votos de felicidades no mandato que acaba de iniciar, ao serviço de um Povo que sempre me mereceu admiração e do qual conservo viva e grata lembrança, desde que me foi dado fazer a experiência das suas manifestações de fé crista e devoção à Igreja, aquando da visita pastoral em 1982.

Foi com esperança que desejei então encontrar-me com Portugal; e foi com esperança que regressei dessa viagem inolvidável para mim: a fundada esperança de que essa antiga e nobre Nação saberá enfrentar e resolver bem problemas de momento e continuar, de fronte erguida, a sua caminhada histórica no concerto dos povos.

3. É sempre com simpatia que a Santa Sé considera e acompanha Portugal, com uma longa e rica história vivida desde os primórdios da nacionalidade com a presença da Igreja. Essa caminhada conjunta da Igreja com Portugal deixou marcas nas tradições e na vida das suas gentes, documentadas nos costumes, na arte, na literatura, enfim, em toda a cultura da alma lusa. Ao espalhar-se pelos cinco Continentes, onde ainda hoje continua, de algum modo, o Povo português não deixou de irradiar a própria cultura de inspiração crista, mormente pôr obra dos seus muitos e generosos missionários. Nas minhas peregrinações apostólicas, a que Vossa Excelência fez deferentes referencias, tem-me sido dado encontrar-me com essa irradiação, como ainda há pouco ao visitar a Índia, em especial em Goa.

Isso está a indicar que ainda hoje, nas áreas culturais de língua comum com Portugal, a sua nobre Nação continua a ter imperativos de boa amizade e de fidelidade a valores patrimoniais partilhados, não obstante tivessem mudado as circunstancias e o contexto político e social.

4. Encontramo-nos numa daquelas encruzilhadas históricas em que facilmente se criam situações que parecem pôr em jogo os valores supremos da convivência humana. É de instabilidade e precariedade, sem dúvida, a hora que passa; e surge a alternativa: ou se cultivam e desenvolvem esses valores, ou então apresenta-se inevitável uma derrocada. Jamais o homem teve nas suas mãos tanto poder e, paradoxalmente, jamais terá experimentado tanta fragilidade. Isto transposto para o nível dos Povos patenteia a sua interdependência e urge os imperativos da solidariedade.


Discursos João Paulo II 1986 - Quinta-feira, 13 de Março de 1986