Discursos João Paulo II 1986 - Sexta-feira, 6 de Junho de 1986

A Igreja, na presente conjuntura, sente-se no dever de recordar que o progresso da técnica e o desenvolvimento da civilização – marcado aliás, pelo predomínio da técnica – exigem um proporcional desenvolvimento da vida moral e da ética; e fá-lo, movida só pelo desejo de contribuir para a promoção do empenho de todos na salvaguarda do homem na sua integridade, numa única família humana.

5. Sinceramente desejosa de respeitar a autonomia dos Governos a Igreja não pode permanecer silenciosa, quanto àquilo que fornece a base de tal empenho comum: os valores éticos que ela recebeu em depósito, com a missão de os difundir. Como Vossa Excelência anotava estes valores coincidem com as exigências da dignidade de cada pessoa, com os direitos e deveres que constituem o fundamento de uma sociedade livre e sã e com a busca participada do autentico progresso e bem comum; coincidem ainda, com a preservação, das aquisições preciosas de uma determinada civilização, enfim, com os requisitos para a realização da sublime vocação de cada ser humano, onde quer que se encontre.

Deus confiou a terra à humanidade em conjunto e fez uma lei para que os homens se dêem as mãos uns aos outros na liberdade: isto comporta o risco de solidariedades não construtivas, porventura desviadas mesmo, do verdadeiro bem da pessoa humana, que requerem discernimento.

6. Neste sentido, a Igreja que está em Portugal continuará, em conformidade com a sua missão religiosa e espiritual, a servir sem desfalecimentos a causa do homem, a um tempo cidadão e filho de Deus, servindo os anseios do Povo português, incutindo confiança e ajudando-o a deixar-se iluminar pela esperança e pelo amor fraterno, núcleo da sua mensagem de salvação. Ao transmitir essa mensagem, a Igreja – pelos seus Pastores, Sacerdotes, Famílias religiosas e Laicado esclarecido e consciente – põe toda a aplicação em servir tudo o que contribua para o homem “ser mais” homem, na família, nas legítimas comunidades, e na sociedade; e ao mesmo tempo para obviar a tudo o que possa danificar, nas próprias raízes, a vida e a dignidade humana e minar a convivência ordenada.

Para isto é importante, talvez prioridade, a tarefa de educação das mentes e dos corações, a Em de se poder contar na edificação da sociedade com homens amadurecidos na estima pelos genuínos valores e no sentido crítico diante dos contra-valores. A Igreja não deixará de dar a sua quota parte, no seu campo específico, para esta conversão – no sentido em que o termo é usado na Encíclica Redemptor Hominis, 16 – à causa do homem, para fazer evoluir a seu favor as estruturas da vida económica e social.

7. Conjuntamente a este esforço de educação, podendo contar com os ricos dotes do dilecto Povo português, será possível, certamente, criar condições e levar a bom termo iniciativas que parecem impor-se, sempre na perspectiva do bem comum: para ser servida a dignidade e vocação das pessoas; para ser mantida a sacralidade da vida de cada ser humano, em todos os momentos da sua existência; para salvaguardar os bens preciosos do matrimónio e da família e favorecer as suas indeclináveis funções em relação à vida e educação da prole; enfim, para promoção e desenvolvimento de cada homem que está em Portugal.

Nas novas responsabilidades assumidas na Europa pelo seu País, que acaba de “regressar às dimensões europeias”, como Vossa Excelência salientava, em ordem à consolidação e promoção de um clima de solidariedade, na união estável, há, talvez, um apelo, sobretudo para as gerações mais jovens: a encarnarem nos novos modelos de pensamento e de vida as coordenadas da fraternidade e da paz, núcleo da Mensagem evangélica e base de apoio da fé crista esclarecida.

Faço os melhores votos de que Portugal que justamente se ufana do seu passado, continue a viver e a assumir o papel que lhe cabe na construção, jamais acabada, de um mundo cada vez mais humano, mais belo e iluminado pela justiça e pela verdade, alicerces da paz serena e duradoura. E desejo a Vossa Excelência, cordialmente, um feliz desempenho da missão agora assumida: que ela lhe proporcione, com satisfações e alegrias, também a felicidade de descobrir ainda melhor o verdadeiro rosto da Igreja. Para isto, com a Benção Apostólica imploro os favores de Deus para a pessoa do Senhor Embaixador, bem como para quantos o acompanham e para os seus familiares e colaboradores e, ainda, para todo o dilecto Povo português, ao qual almejo as maiores prosperidades.
Julho de 1986


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR JOSÉ SARNEY


PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL


Quinta-feira, 10 de Julho de 1986

Senhor Presidente,
amados irmãos e irmãs em Cristo

Encontramo-nos aqui, hoje, mais uma vez, a celebrar a Eucaristia com o Brasil e pelo Brasil: hoje, presente pelo Senhor Presidente da República, representante da unidade nacional do querido Povo brasileiro, e pelo distinto Séquito. Esta Eucaristia me recorda outros encontros recentes, com os Senhores Bispos brasileiros e com o saudoso Presidente Tancredo Neves - que Deus tenha na sua glória e para o qual vai um pensamento de sufrágio. Neles, partilhámos, como hoje, preocupações e esperanças, quanto a problemas religiosos e sociais, e juntos rezámos pelo Brasil.

A Eucaristia é celebração da Salvação “para todo o povo”, em Cristo morto e ressuscitado, celebração da bondade de Deus, que se nos revela como Pai e nos quis todos irmãos, em seu Filho unigênito, e a viver em comunhão de amor, no Espírito Santo, como família, tendo os mesmos sentimentos e solícitos pelo bem uns dos outros. A Eucaristia é momento forte de fraternidade na caridade, em ação de graças, em reconciliação e em atitude de oferta; oferta sobretudo de nós mesmos, com nossos projetos, aspirações e propósitos de ser agradáveis a Deus. É com estas disposições, que vamos apresentar-lhe as nossas súplicas.

Vamos pedir por todo o Brasil e cada um dos Brasileiros, para que a solidariedade e o amor social vivificados pela caridade, levem a remediar e prevenir, neste imenso e dileto País, situações de pauperismo e desequilíbrios econômicos; que ninguém fique excluído do desenvolvimento e dos bens do progresso; que uma vez mais neste momento de mutação, como noutras situações de impasse, se conjuguem boas vontades e esforços para salvaguardar e aumentar o patrimônio de valores espirituais e morais -a riqueza mais segura e veraz de um País imensamente rico -e para responder aos desafios que se apresentam à grande família brasileira.

Sim, que os supremos e intocáveis valores, que regem a vida e convivência humanas, abrindo caminhos de diálogo frutuoso, de reconciliação salutar e de amor autêntico, afastem toda a espécie de desamor, a um tempo efeito e causa de egoísmo, de ódio e de violência. Só o amor constrói e nutre humanidade, fraternidade e paz.

Vamos implorar que as iniciativas e reformas que estes desafios exigem, como a reforma agrária, sejam feitas com coragem e acerto, se processem com a aceitação e participação de todos, à luz do são humanismo cristão; e que a organização e elevação social fiquem sempre ao serviço do homem todo e de todo o homem, com sua dignidade e vocação sublime, tanto em zonas agrícolas, como em zonas urbanas e suburbanas.

Vamos orar para que seja cultivado e favorecido, por todos os meios, o respeito pela vida, em todos os momentos da sua existência e em todas as faixas etárias; orar pela nobilitação da família, com suas funções e direitos na geração e educação da prole; orar, ainda, pela promoção da justiça e de uma équa possibilidade de trabalho para todos.

Vamos rezar para que a Igreja que está no Brasil, aí preste sempre o seu específico serviço ao homem, num legítimo espaço de liberdade, podendo dispor de pessoas e meios para a sua obra de evangelização e bom desempenho do mandato missionário que lhe foi dado por Cristo; rezar por todos nós aqui presentes -pelo Senhor Presidente e Excelentíssima Esposa e corpo de colaboradores - e pelo Brasil, implorando tudo aquilo que torna justa, grande e próspera uma Nação, merecedora de amor até ao sacrifício, com as bênçãos de Deus.





MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


À XIV ASSEMBLEIA GERAL


DA CONFERÊNCIA


DOS RELIGIOSOS DO BRASIL


: Amados irmãos e irmãs

1. “Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo!” (1Co 1,3).

Encontrais-vos reunidos nesta XIV Assembléia Geral da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) como os Apóstolos no Cenáculo, em comunhão entre vós, com os vossos Bispos e o vosso povo; e, ao mesmo tempo, com o Papa e com toda a Igreja. E “a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo”(1Jn 1,3). Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos Fundadores.

Tendes diante dos olhos, como um livro aberto, a grande população do Brasil, com toda a sua realidade histórica, social e religiosa; e a vossa mente se abre também para todos os povos do mundo, que vos interpelam e representam um desafio à criatividade e à capacidade evangelizadora de toda a Igreja, mas particularmente dos Religiosos e das Religiosas, suscitados por Deus para serem pioneiros nos caminhos da missão e nas sendas do Espírito.

É para mim grata a oportunidade de vos dirigir esta mensagem, para que a nossa alegria seja completa (cf. 1Jn 1,4).

Quereria exprimir, em primeiro lugar, a minha estima para com todos os Religiosos e Religiosas do Brasil e o meu apreço pelo testemunho admirável de oração e de empenho apostólico que continuam a dar, sem olhar a sacrifícios, guiados pelo amor e animados pela esperança. Os números falam por si: mais de 38.220 Religiosas, 7.716 Religiosos sacerdotes, 2.547 escolásticos que se preparam para o Sacerdócio, 2.331 irmãos leigos, 2.783 noviços e noviças, estão ao serviço do reino de Deus na Igreja que está no Brasil (Departamento Estatístico do CERIS, 1984). é também significativo o fato de quase a metade dos Bispos, exatamente 168, serem Religiosos, e de um grande número de consagrados brasileiros estarem ao serviço da Igreja universal, em países de missão. E também a vida contemplativa se apresenta florescente, com 107 mosteiros femininos e 19 mosteiros masculinos.

Faço minhas as palavras do meu Predecessor Paulo VI: “Sim, verdadeiramente a Igreja deve-lhes muito” (Evangelii Nuntiandi EN 69). Confortado pelo testemunho dado pelos Bispos brasileiros acerca da vida religiosa, no decorrer das recentes visitas “ad limina Apostolorum”, acrescento: a Igreja agradece-vos e conta convosco.

2. Querendo participar nos vossos trabalhos, não só com a oração, mas também com esta Mensagem que confio ao Senhor Cardeal Dom Jean Jérôme Hamer, Prefeito da Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, desejo chamar a vossa atenção para alguns pontos fundamentais a respeito da formação, na linha do Concílio Vaticano II e do recente Sínodo Extraordinário dos Bispos.

Vós sabeis que a vitalidade das Famílias religiosas, a qualidade e a criatividade do serviço apostólico e a eficácia da ação profética dependem, em grande parte, da formação inicial e permanente dos que são chamados a tão nobre missão. Sei que é para vós preocupação constante esta formação. Com efeito, para assegurar às novas gerações, aos formadores e às formadoras e a todos os Religiosos e Religiosas uma preparação adequada, criastes e lançastes mão de numerosas formas de cooperação; e acompanhais, com olhar vigilante, as várias iniciativas surgidas para o seu crescimento e sua organização específica, haurindo inspiração da Palavra de Deus, atentos aos ensinamentos do Magistério da Igreja e tendo presente a realidade concreta.

3. Considerando a formação em todos os seus aspectos, parece ser muito oportuno o tema que vós propusestes examinar. A dimensão profética da vida religiosa nasce, efetivamente, da sua inserção em Cristo, o Profeta por excelência; a sua autoridade não e delegada, como no Antigo Testamento, porque Ele é o Filho Unigênito. Ele anuncia a salvação e ao mesmo tempo a realiza; transmite ao povo a Palavra do Pai; Ele mesmo é a Palavra encarnada que não veio para condenar, mas para irradiar universalmente o amor que regenera; leva o homem a pôr-se bem frente a Deus, para que possa descobrir a Sua presença, retornar a Ele, acolhê-lo como Pai, partilhar com Ele o seu desígnio, e, como filho, tornar-se em Cristo construtor de um mundo novo.

Os Religiosos, de fato, em virtude do seu Batismo, participam por Cristo e pelo dom do Espírito na missão profética de toda a Igreja, que se exprime, fundamentalmente, na escuta e no anúncio da Palavra e no testemunho de vida; ou seja, no Evangelho meditado, proclamado e vivido.

Além disso, dado que a vida religiosa continua a representar na Igreja a mesma condição de vida que o Filho de Deus abraçou, quando veio ao mundo para fazer a vontade do Pai,(Cfr. Lumen Gentium LG 44) ela proporciona a todo o Povo de Deus um testemunho que bem podemos denominar profético. Em primeiro lugar, pela expressão multiforme de vida evangélica com a qual as pessoas consagradas tornam viva e presente a riqueza do mistério de Cristo, seguindo os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, e as peculiares opções, sempre a partir do Evangelho, contidas nos carismas dos Fundadores. Deste modo, a radicalidade da sequela de Cristo e da dedicação total ao serviço da Igreja faz de cada comunidade religiosa e de cada um dos seus membros um sinal de vida evangélica e um testemunho vivo e interpelante que atrai o Povo de Deus para o caminho da santidade e da doação pessoal ao serviço dos irmãos.

A mensagem que a vida religiosa proclama não é sua, mas é-lhe confiada por Cristo e pela Igreja. E, mais ainda, a consagração religiosa, vivida como aliança esponsal e comunhão de amor com Deus, está na origem de uma genialidade apostólica que suscita só por si a admiração. (Cfr. Evangelii Nuntiandi EN 69) O seu testemunho, para muitos jovens e adultos, torna-se mediação segura para a descoberta da própria vocação e convite jubiloso para seguir a Cristo com o coração indiviso.

Abrem-se novas e maravilhosas perspectivas, para a formação das novas gerações e para o próprio Povo de Deus se renovar, quando se aprofunda a vocação religiosa em todas as suas dimensões, à luz da vida da Igreja e do ensino do Concílio Vaticano II.

Exorto-vos, meus amados Irmãos e Irmãs, a fazer este aprofundamento, com renovado empenho e com simplicidade de coração, para apresentar aos jovens e a todos os chamados os valores profundos que lhes expliquem o significado da sua vida e da sua particular presença no Povo de Deus. Os jovens têm direito e esta visão ampla e aprofundada. Eles não nos pertencem a nós; mas a Cristo e ao Pai como cada um de nós. Com eles e todos em conjunto, ligados pelos vínculos do amor,(Cfr. Jo Jn 13 Lumen Gentium LG 9 Gaudium et Spes GS 38) constituímos a família de Deus, chamada a ser fermento e alma da humanidade (Cfr. Gaudium et Spes GS 40).

4. O fato de estarmos cônscios dos apelos da ora atual e da história, bem como das nossas responsabilidades, impõe-nos assegurar aos jovens, Religiosos e Religiosas, uma formação adequada, o mais completa possível, em fidelidade dinâmica a Cristo e à Igreja, ao carisma do Fundador e aos homens do nosso tempo.

No encontro de Porto Alegre com os vocacionados e seus formadores, durante a minha visita pastoral ao Brasil, a 5 de Julho de 1980, fiz uma pergunta aos responsáveis da formação que desejo apresentar mais uma vez, no contexto dos vossos trabalhos: “Na hora atual, decisiva para o próprio destino e para o do mundo, terá o Brasil Seminários, Casas religiosas de formação ou outras instituições eclesiásticas, terá sobretudo os reitores e mestres capazes de prepararem Sacerdotes e Religiosos à altura dos problemas postos por uma população em contínuo aumento e com exigências pastorais cada vez mais vastas e complexas?”. Aludia na mesma altura a alguns problemas que me pareciam prioritários, no intuito de dar estímulo a uma ulterior reflexão e busca. Trata-se de problemas que já tiveram alguma resposta no decorrer destes últimos anos; mas permanecem sempre atuais e precisam de ser objeto de contínua consideração para bem da Igreja e da vida religiosa e sacerdotal.

Seja-me permitido agora propor à vossa atenção mais alguns pontos, respeitante à formação das novas gerações, que me estão particularmente a peito, não perdendo nunca de vista a Igreja universal e tendo bem presentes as vossas responsabilidades, quanto ao presente e quanto ao futuro.

Não obstante as grandes necessidades apostólicas e as situações prementes, em que as Famílias religiosas exercem suas atividades, continua a ser prioritário um cuidado esmerado na escolha e na preparação dos formadores e das formadoras. Trata-se de um dos ministérios e serviços à Igreja dos mais difíceis e delicados, que precisa de todo o vosso apoio e confiança.

Os formadores e as formadoras encontrarão sempre nos documentos do Magistério da Igreja o caminho seguro da doutrina e da vida, com a qual se devem identificar, para oferecer aos jovens formandos, Religiosos e Religiosas, os conteúdos de pensamento e de estilo concreto de vida consagrada. É um direito que deve ser respeitado; è uma expectativa que não pode ser desiludida, a fim de a vida religiosa, inserida plenamente na Igreja, ser sempre alimentada com a própria verdade que a Igreja propõe para os seus filhos, para que não sejam discípulos senão do único Mestre que é Cristo.

Os jovens e as jovens têm necessidade sobretudo de mestres que sejam para eles: pessoas totalmente de Deus, conhecedoras respeitosas do coração humano e dos caminhos do Espírito, capazes de responder às suas exigências de sempre crescente interioridade, de experiência de Deus e de fraternidade e de iniciação à missão. Formadores que saibam educar para o discernimento, a docilidade e obediência, a leitura dos sinais dos tempos e das necessidades do povo, e para responder a esses sinais, com solicitude e audácia, mas em plena comunhão eclesial.

A Conferência dos Religiosos do Brasil está chamada a desempenhar um papel importante neste campo, quer transmitindo com fidelidade as orientações da Igreja, quer estimulando a colaboração intercongregacional e providenciando, com iniciativas apropriadas, à preparação dos formadores. Atuando em sintonia com o Episcopado, em todos os níveis (nacional regional e diocesano), vós, Superiores e Superioras maiores, podereis aproveitar o trabalho dos colaboradores melhores de cada Instituto; e, correlativamente, prestar serviços, que não só ajudem a superar eventuais limitações, mas criem um estilo válido de formação para a vida religiosa.

Estas iniciativas intercongregacionais ajudarão, ao mesmo tempo, a valorizar os carismas específicos, desenvolvendo a comunhão e a consciência da complementaridade na fraternidade e abrindo os horizontes da caridade para a Igreja universal e para toda a Igreja local em ordem a uma ação evangelizadora e pastoral mais unitária e eficaz, sob a orientação dos Bispos.

5. Tudo isto requer, evidentemente, além de uma presença ativa e discreta dos formadores e de vossa parte, como Superiores, um acurado e tempestivo discernimento vocacional. As necessidades e urgências apostólicas nunca justificarão um discernimento apressado e uma inadequada preparação para o noviciado. Para o próprio amadurecimento, a pessoa tem necessidade de percorrer um itinerário de fé e de empenho no serviço, gradual e personalizado. A iniciação à vida religiosa malograr-se-á se vier a faltar uma verdadeira conversão e uma autêntica opção por Cristo, na liberdade e na experiência do seu amor, porque “o chamado para o caminho dos conselhos evangélicos nasce do encontro interior com o amor de Cristo que é amor redentor” Redemptionis Donum, 3).

Toda a formação religiosa se desenrola em torno do eixo da sequela de Cristo, pela participação intensa nos seus mistérios atualizados na liturgia e vividos na Igreja, pela crescente doação de si mesma aos irmãos, segundo a sensibilidade própria da vocação específica, na assimilação e participação progressiva do carisma do Fundador.

A sequela de Cristo leva a compartilhar, cada vez mais consciente e concretamente, o mistério da sua paixão, morte e ressurreição. O Mistério pascal deve ser como que o coração dos programas de formação, enquanto é fonte de vida e de maturidade. É sobre este alicerce que se forma o homem novo, o religioso e o apóstolo.

A formação requer períodos de tempo adequados e um programa orgânico, completo, exigente, estimulante, aberto e claramente inspirado na norma das normas da vida religiosa, qual é o seguimento de Cristo, e no carisma do Fundador. Exige para todos, mas em particular para os Religiosos chamados ao Sacerdócio, uma sólida formação teológica, bíblica e litúrgica, como se encontra indicado nas normas da Igreja universal e local e de cada Instituto.

São necessários, por fim, os locais de formação susceptíveis de assegurar, efetivamente, a consecução dos objetivos próprios de cada fase da formação. Será bom, portanto, que os jovens, durante o período de formação, residam em comunidades formativas, onde não há de faltar nenhuma das condições requeridas para uma formação completa: espiritual, intelectual, cultural, litúrgica, comunitária e pastoral; condições estas, que, raramente, se podem encontrar todas nas pequenas comunidades. É sempre indispensável no entanto, ir beber na experiência pedagógica da Igreja tudo aquilo que nos permite avaliar do acerto com que se procesa e enriquece a formação em uma comunidade adequada às pessoas e à sua vocação religiosa e, em alguns casos, sacerdotal.

Quer esta formação se realize totalmente no interior dos vossos Institutos, quer seja confiada parcialmente a iniciativas intercongregacionais, a vossa função de Superiores e Superioras maiores é sempre muito importante no processo de formação dos vossos candidatos, cuja responsabilidade, diante de Deus e da Igreja, pesa sempre sobre vós.

6. A Igreja que está no Brasil requer uma pastoral de muito empenhamento; é, sem dúvida, uma Igreja viva e dinâmica; mas os trabalhadores são poucos. É fácil, portanto, correr-se o risco de cair no ativismo, que poderia levar a um esvaziamento espiritual e a um cansaço precoce. Daí resulta a urgência de uma formação constante, para revitalizar as forças espirituais daqueles que se dedicam ao serviço da evangelização, em qualquer campo e situação. É tarefa que se impõe a todos os Institutos religiosos, portanto, programar e realizar um plano adequado de formação permanente, para os seus membros. Um programa que não vise somente a formação da inteligência, mas de toda a pessoa, principalmente na sua dimensão espiritual, para que todos os Religiosos e Religiosas possam viver em plenitude a própria consagração a Deus, na missão específica que lhes foi confiada pela Igreja.

7. Meus amados irmãos, Superiores e Superioras maiores: quis partilhar convosco, alguns pensamentos que animam a nossa oração e reflexão na caminhada da Igreja e da vida religiosa na história, no limiar do ano 2000. O mundo em que vivemos, hoje mais do que nunca, tem necessidade de ver em vós homens e mulheres que acreditaram na Palavra do Senhor e apostaram no amor. No intuito de que vossa vida, florescendo e frutificando no amor indiviso pelo Senhor, seja cada vez mais vivificante para toda a Igreja e para o mundo, procurei encorajar-vos a “trazer para o hoje da vida e da missão de cada Instituto aquele arrojo com que os Fundadores se deixaram conquistar pelas intenções originárias do "Espírito"”(Congr. para os Religiosos e os Institutos Seculares, Religiosi e Promozione Umana, 25 apr. 1978, n. 30), acentuando sobretudo a urgência de uma sábia formação das novas levas de almas enamoradas de Jesus Cristo.

Que Maria, modelo de todos os consagrados, seja vosso sustentáculo na caminhada, reavive em vós a plena comunhão e a alegria de pertencerdes a Cristo e fortifique o vosso zelo apostólico! Com minha afetuosa e ampla Bênção Apostólica.

Vaticano, 11 de Julho de 1986.

PAPA JOÃO PAULO II








Discursos João Paulo II 1986 - Sexta-feira, 6 de Junho de 1986