Discursos João Paulo II 1987




Julho de 1987


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DE PORTUGAL


POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


Segunda-feira, 6 de Julho de 1987

Amados e veneráveis Irmãos Bispos de Portugal

1. Agradeço os sentimentos que acaba de exprimir o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom António Ribeiro, na qualidade de Presidente da Conferência Episcopal, interpretando o que vos vai no coração e que, nos encontros pessoais, alguns de vós já tiveram a oportunidade de me manifestar. Muito obrigado!

Neste encontro, que é daqueles que vivo como uma das tarefas mais importantes e mais belas do meu múnus de sucessor de Pedro, reafirmo também eu a “viva afeição” com que sempre vos acompanho e com que hoje vos recebo, animado pelo desejo, como dizia o Apóstolo, de “compartilhar convosco, não só o Evangelho de Deus, mas a própria vida” (1 Thess. 2, 8). É de comunhão o momento da vossa Visita ad limina Apostolorum mais do que de simples vivência da Colegialidade episcopal: comunhão das mentes, dos corações e num só Espírito, com o ponto culminante na concelebração da Eucaristia.

Com poucas alterações – mais três novos Irmãos que se nos vieram juntar – este nosso grupo já se encontrou em Fátima, aquando da minha inesquecível peregrinação e, passado um ano, aqui, na precedente Visita ad limina . O tempo passa rapidamente; mas as recordações gratas perduram. Sim: perdura em mim, viva, a lembrança do meu encontro com a Igreja que está em Portugal e hoje também aqui, em vós representada. Saudando-vos como Pastores, saúdo as vossas Comunidades – os Sacerdotes, Religiosos e Religiosas e todos os fiéis – graças a Deus, a maioria do Povo português. E na linha e continuidade desses encontros precedentes, apresento algumas breves considerações, tendo ainda viva a dúplice interpelação da Solenidade recente dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, aliás, perene interpelação de Roma: à unidade de todos os Bispos, na comunhão com o sucessor de Pedro, e ao “cuidado solícito de todas as Igrejas (2Co 11,28).

2. Um ano após a minha visita pastoral, publicastes uma primeira Carta Pastoral conjunta em que, antecipando nalgum aspecto a mais recente Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, escrevíeis: “Está no nosso espírito imprimir novo impulso ao movimento de renovação das nossas Dioceses”. Simultaneamente lançáveis um inquérito, visando auscultar o Povo de Deus a nível nacional, sobre “deficiências e urgências notadas ou sentidas na Igreja que está em Portugal”. Do resultado colhido, nasceu a ideia de “uma só linha de força . . . da acção pastoral até ao Ano Dois Mil ”, expressa em nova Carta Pastoral conjunta, com o afortunado binómio: “Evangelizar e renovar a fé do Povo de Deus, segundo as exigências do Concílio e do nosso tempo”.

Não posso deixar de me congratular convosco por tudo isto, índice de atenção e de muito esforço. Foi um decidido passo em frente, para consciencializar e animar co-responsabilidades, na base segura da unidade e fidelidade, sem ignorar a diversidade das situações e dos recursos e pessoal ao dispor, em Dioceses tão diferenciadas como são as de Portugal. Por isso se reservava a cada um dos Bispos, singularmente considerado, a orientação do movimento evangelizador e renovador na própria Circunscrição diocesana.

3. Não nos permite o tempo, infelizmente, deter-nos na análise da situação da Igreja em Portugal, nesta fase de conscientização, bem reflectida nos amplos e bem elaborados Relatórios, que preparastes com esmero. A par de consoladoras atestações desta recuperação de consciência e das muitas indicações concretas de vitalidade e empenho eclesial, não faltam algumas referências pormenorizadas a lacunas, perigos e dificuldades que aí se apresentam à Igreja que está a caminho e prossegue a sua peregrinação, “no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus, anunciando a Páscoa do Senhor, até que Ele venha” (Lumen Gentium LG 8). Entretanto, o Bom Pastor continua a dizer-nos: “Tende confiança! Eu venci o mundo” (Jn 16,33).

De qualquer modo, prevalecem os motivos de optimismo e esperança, pois a Igreja em Portugal dá a impressão de uma firmeza relativa, com segurança de consciência e capacidade de intervenção, sem complexos, não obstante as dificuldades subsistam. E, neste momento, parecem provir não apenas de factores transitórios, mas prevalentemente de factores históricos e estruturais, ligados à sorte do povo e do país em geral, a braços com fenómenos de ajustamento às consequências de viragem repentina no seu rumo histórico, portadora de mutações profundas.

Disto se têm ocupado perspicazmente as vossas reflexões conjuntas, analisando os eventos e as situações, como a conhecida evolução política e a descolonização; e, a nível eclesial, o impacto da renovação conciliar e de algumas “leituras” menos exactas do mesmo Concílio. Ainda recentemente escrevíeis: “Numa época em que, por circunstancias várias, nos encontramos integrados na Comunidade Económica Europeia, devemos preocupar-nos em afirmar a nossa consciência colectiva, que não pode reduzir-se a termos de mercado. Há um património a preservar. Dele faz parte a fé cristã . . . Há uma expectativa depositada no carácter específico da nossa contribuição, que se funda precisamente nos nossos valores espirituais e religiosos”.

Fazíeis ainda uma referência que é apelo, que aqui convosco me apraz sublinhar, quanto aos queridos emigrantes portugueses: estes, “quer nos países da Europa, quer nos países de outros continentes, têm contribuído para tornar presente e vivo no seio de outros povos o património de matriz cristã” que levaram da mãe-pátria (Nota Pastoral, die 17 maii 1987).

4. “Evangelizar e renovar a fé do Povo de Deus”: gostaria de ter tempo para repensar convosco todo o conteúdo da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi e algumas ulteriores explanações e aplicações que tenho feito das luminosas perspectivas do documento do meu venerando predecessor Paulo VI. Pressupondo isso, limitar-me-ei a acentuar que se não se cuidasse, como prioridade das prioridades, desta “novidade” da fé pascal do Povo de Deus, segredo da perene juventude da Igreja (Ep 5,27) com outras diligências correr-se-ia o risco de estar a pôr “ um remendo de pano novo em vestido velho” (Mt 9,16).

A fé do Povo de Deus precisa de facto de ser vivificada e alimentada continuamente na obediência ao Evangelho, com o procedimento descrito pelo Apóstolo: missão, anúncio, acolhimento e adesão pessoal compromissiva (Rm 10,14-16)6); precisa de ser animada pela “novidade” de Jesus Cristo. Com Ele, de facto, nasceu o “homem novo”, chamado a viver em família com todos os homens, pela santidade e graça traduzidas em verdade e vida, na edificação da justiça, do amor e paz. E é com “homens novos”, que há-de surgir uma sociedade nova, no clima da solidariedade e da fraternidade, iluminada pelo sol da caridade e continuamente purificada e refrescada pela brisa suave da prática das bem-aventuranças.

5. Com este pano de fundo, passo a acenar a alguns dos pontos mais vezes repetidos nos vinte Relatórios. Primeiro dentre estes, o dos meios e obreiros da evangelização, ou a centralidade da problemática dos recursos, mormente dos recursos humanos: envelhecimento dos Presbitérios, insuficiência das vocações sacerdotais e religiosas e limitações para formar adequadamente os candidatos ao Sacerdócio e à vida consagrada. Parece estar aqui algo preocupante e melindroso, apesar dos progressos, em número e qualidade, que assinalais nestes campos. Desejo fortalecer a vossa esperança e estimular a vossa atenção e intervenção, propondo-vos para acelerar a inversão de tendências que, graças a Deus, começa a desenhar-se:

- insistir na “valorização” da “prata da casa” que não obstante tudo – acentuais vós – é muito boa; ou seja, dispondo de um bom clero, atender aos “modelos” a apresentar às novas gerações, principalmente demonstrando confiança para criar confiança, para que todos os Sacerdotes procurem em todas as coisas acreditar-se como ministros de Deus (2Co 6, 3ss.);

- são boas pistas as “sugestões” da mais recente Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, quanto à formação nos seminários e nas casas religiosas (Synodi Extr. Episcoporum 1985, Relatio finalis, II, A, 5);

-incrementar o apostolado ou promoção vocacional e avivar continuamente as co-responsabilidades, no plano humano e cristão; mas sobretudo, rezar e fazer rezar muito: o Espírito Santo pode suscitar a renovação suspirada, mas sob o ponto de vista humano imprevisível; contudo, é preciso implorá-la com fé ao “Senhor da messe”.

Nesta linha, é sabido o lugar que ocupam as pessoas consagradas: não apenas com a disponibilidade, a competência e o zelo que lhes são próprios, para tornar presente a Igreja em diversos campos; mas neste tempo tão necessitado de oração e, talvez, omisso na adoração de Deus, precisa-se muito de pessoas dadas à oração, que rezem pelos que não podem, não sabem e não querem rezar, como se precisa também da exemplaridade da teologia da Cruz.

6. O crescimento do número de estudantes e docentes no ensino secundário, superior e universitário, em Portugal, é outra realidade, em si mesma consoladora, por vós assinalada como urgência para a atenção da Igreja, pelo que isso representa no presente e no futuro cristão e na vida social do País. É uma multidão exposta e sacudida pelo vento, talvez de “ doutrinas múltiplas e estranhas ”, onde o ensino se professa neutro religiosamente. É uma “ massa ” enorme a “ levedar ”. E o “ fermento ” têm de ser “ homens novos ” – e neste ponto vai um apelo aos Leigos da vossa pátria-para que saibam manter e fortalecer continuamente a própria identidade cristã, conscientes de que “ é coisa boa robustecer o coração com a graça” (He 13,9 Ep 4,14), a fim de darem testemunho de fé desassombrada, esperança trascendente e amor traduzido em vida das exigências éticas, como pessoas motivadas, esclarecidas e respeitadoras dos demais.

Este respeito, porém, nada tem que ver com a indiferença. É uma atitude responsável, ditada pela consciência autêntica, que leva a reconhecer, em si e nos outros, o homem com todas as suas dimensões como criação maravilhosa, com “ direitos de autor ”: a pessoa humana. E nisto fundamenta o respeito do Criador e um amor do homem que vai além das categorias do quantitativo e do factício.

7. E neste momento, quero dizer uma grata palavra de estímulo, bons votos e apelo para a Universidade Católica Portuguesa – da iniciativa da vossa Conferência Episcopal – e para as suas extensões universitárias, que são realidades hoje, em diversas cidades. O seu prestígio, unanimemente reconhecido – como frisaram diversos Relatórios – tem de se manter e cada vez mais redundar em serviço à missão evangelizadora da Igreja, contribuindo para serem atingidos e modificados “pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida do homem, que se apresentem em contraste com a Palavra de Deus e com o seu desígnio de salvação” (Pauli VI, Evangelii Nuntiandi EN 19). Sei que fazeis o que vos é possível para que se conserve esse prestígio e por torná-lo evangelizador. Que Deus vos ajude e ilumine sempre e a todos os comprometidos nesta causa.

Mas impõe-se à vossa solicitude e generosidade de Pastores uma atenção mais alargada a todo o mundo da cultura, como se impõe a todos os “homens novos” pela novidade de Cristo. É tarefa árdua, mas muito prometedora de frutos, a curto e a longo prazo. O Cristianismo é parte muito importante do património cultural português. Referistes que, entre vós, numerosos Sacerdotes se dedicam ao enno e não apenas da disciplina de “Religião e Moral”. Todos desejamos que sejam exímios profissionais, os melhores entre os melhores. Mas os Sacerdotes estão comprometidos, antes de mais, com Cristo e com a sua Verdade; e só serão felizes na consonância e harmonização de todo o seu ser e agir com a condição de “ministros de Cristo” e sentindo com a Igreja: com a Igreja universal e com a sua Igreja local; e ainda, actuando a exemplaridade de luz e sal” que os outros têm direito a ver neles, mesmo quando, paradoxalmente, os aliciam para a “emigração” da sua escolha de vida fundamental. E, para serem realmente felizes, rezem, rezem muito, cultivando a união com Cristo, pois disso depende a eficácia da sua vida doada, disso depende o fruto da sua actividade (Jn 15,5): depende a salvação de muitos irmãos.

8. Confidenciastes-me ainda alegrias e apreensões pelo que se refere ao culto litúrgico, devoções e tradições, vividas em festas e romarias, típicas da vossa terra. Causou-me profunda satisfação constar na maioria dos Relatórios o aumento da devoção à Santíssima Eucaristia, também fora da Missa, graças aos ministros extraordinários do Sacramento. A Eucaristia, sabemo-lo, está ligada a promessa da vida eterna; e, por isso, permanece “o centro e ápice de toda a vida cristã”.

Mas quanto ao resto, com perspectivas positivas, há questões em aberto, a que dedicais a melhor atenção, visando aproveitar e valorizar o bom fundo de religiosidade das vossas gentes. Deixo-vos como sugestões, ao encorajar o vosso zelo, empenho e firmeza neste campo imenso: dialogar e levar pelo juízo crítico, à purificação do sentido do sagrado e do imperativo da adoração a Deus, muitas vezes subjacente àquilo que se desvirtuou e desviou; fazer todo o possível para ser retomada a celebração-encontro da Eucaristia dominical, e por que esta corresponda à necessidade de festejar, comungar e sentir ser realidade a “lei de Cristo” que implica “levar os fardos uns dos outros” e “chorar com os que choram”, quando necessário, mas também “alegrar-se com os que estão alegres” (Ga 6,2 Rm 12,15): tratar-nos uns aos outros como irmãos.

9. Para tanto, impõe-se viver e crescer na consciência de filhos de Deus em graça (Ep 5,1), “examinar-se cada um a si mesmo” e fazer o devido discernimento, de qual é a vontade do Pai celeste, do que é bom e perfeito (Rm 12,1-2). E aqui se insere o apelo à reconciliação, garantida pelo Sacramento, devidamente celebrado; o apelo à conversão, ao compromisso pessoal. Celebrar a Penitencia, para a libertação do pecado, torna-se tanto mais imperativo quanto mais os cristãos souberem percorrer os caminhos indicados pela Senhora da Mensagem, em Fátima: os caminhos da oração pessoal, familiar e comunitária; e os caminhos da conversão ao Evangelho, voltando-se para Deus e fazendo da vida prece e na prece enquadrar o quotidiano. E neste nosso tempo, quando avassala a perda do sentido do pecado e tantas pessoas sentem o vazio interior e a crise espiritual, “a Igreja deve manter e promover, com energia, o sentido da penitência, da oração, do sacrifício, da oblação de si mesmo, da caridade e da justiça” (Synodi Extr. Episcoporum 1985, Relatio finalis, II, A, 4). Por último, exorto-vos Irmãos muito amados, a prosseguir naquela firmeza serena que transparece dos vossos Relatórios e dos vossos Documentos conjuntos, a orientar, incentivar e amparar com tempestivos pronunciamentos – quando necessário – o testemunho colectivo e peregrinação na fé da Igreja que está em Portugal. Quanto mais se manifestam as tendências para sobrepor o quantitativo e o factício ou simplesmente demagógico ao espiritual, que chegam mesmo a questionar, a nível de sociedade ou de Estado, valores morais fundamentais para se manter a dignidade pessoal, tanto mais os cristãos devem sentir-se fortes, coesos e apoiados para chamar erro e pecado aquilo que o é, porque em contraste com o Criador e a sua criação. Cristo, o mesmo ontem, hoje e para todo o sempre, continua a ser “ caminho, verdade e vida ”, para a autêntica felicidade do homem.

10. Quanto a outros campos da vossa actividade de Pastores, ficam-me no coração e na primeira linha da minha prece as vossas confidências, esperanças e preocupações. Assim

- a família: a família segundo Deus, as tradicionais famílias sãs portuguesas, que começam a ser saudade, e as famílias que tendes; e no entanto, o futuro do homem continua a decidir-se na família; esta continua a ser esperança para o equilíbrio das pessoas e a harmonia da sociedade;

- o mundo do trabalho, dos sem-trabalho e dos que sofrem as consequências das injustiças, desajustes e insídias que o minam, quando o trabalho tem de ser caminho de fidelidade a Deus e ao homem-irmão;

- os “mass-media”, com as suas imensas possibilidades e com a problemática, a que importa dar respostas aferidas pelo Evangelho; – a carência ou inadequação de estruturas eclesiais e laicais que deveriam preparar os cristãos para participarem na promoção social e para um compromisso no apostolado, mais eficaz e seguro; e relacionada, a incipiente experiência dos diáconos permanentes;

- a propaganda a que nem sempre é possível fazer frente, de cunho materialista, ateia ou antieclesiástica, a alargar o espaço para o secularismo, o permissivismo moral, pelos caminhos do consumismo e do hedonismo, até aos mundos ilusórios da alienação total da pessoa;

- o mundo dos Jovens, dos queridos jovens portugueses, aos quais todos desejamos que não rompam com o seu património cultural; que sejam livres, sim, mas no amor que sabe discernir e sacrificar-se por pobres ideais, para serem os melhores cidadãos da sua pátria, dando largas à generosidade dos seus corações para abraçarem o mundo, com o que nele é belo, nobre e de acordo com o projecto de Deus.

Queridos Irmãos no Episcopado,

11. “Tende confiança! Eu venci o mundo”.

Evangelizar e renovar a fé do Povo de Deus, segundo as exigências do Concílio e do nosso tempo, é uma tarefa imensa; mas não é algo suplementar ou facultativo na nossa missão de Pastores, aliás, na missão da Igreja. Muitos factores incidem na vitalidade cristã e fecundidade apostólica das comunidades e podem debilitá-las. O labor, que tem de ser constante contra o dessoramento, será tanto mais eficaz e convincente quanto mais os agentes pastorais e todos os discípulos de Cristo estiverem unidos e falarem a mesma linguagem: forem “um só coração e uma só alma” solidamente enraizados na caridade divina: “para que o mundo creia”, Todos os cristãos portugueses têm nisto a sua quota-parte, cada um segundo a própria condição.

A nós, Pastores, o Senhor confiou a tarefa de articular as diversas formas de co-responsabilidade e empenhamento. Com os sentimentos do “Bom Pastor” e como testemunhas, temos de garantir, mais do que a compacidade, a comunhão profunda e frutuosa, entre os fiéis, entre as diversas comunidades, entre as dioceses, entre as zonas pastorais, enfim, entre as forças vivas do Povo de Deus e de todas estas com a Igreja universal.

Neste Ano Mariano, para implorar a intercessão da Mãe do Redentor -modelo e presença materna na vida da Igreja que está a caminho-convosco, ajoelho-me em espírito em Fátima: que o Altíssimo derrame sobre vós e sobre as vossas Comunidades diocesanas os dons do seu amor, para caminhardes, com jubilosa esperança, cada dia mais “evangelizados e renovados”, na peregrinação da fé. É o que imploro ao abençoar, representada em vós, toda a Igreja em Portugal.



                                                                    Dezembro de 1987

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR LEONEL SEBASTIÃO VIEIRA


PRIMEIRO EMBAIXADOR DA GUINÉ-BISSAU


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 19 de Dezembro de 1987

Senhor Embaixador,

É para mim motivo de satisfação receber aqui Vossa Excelência e aceitar as Cartas que o acreditam como Primeiro Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Guiné-Bissau junto da Santa Sé. Ao agradecer-lhe, Senhor Embaixador, a afirmação dos sentimentos expressos, bem como a deferente saudação que me transmitiu do Senhor General João Bernardo Vieira, Chefe de Estado, dou-lhe as minhas boas-vindas, ao mesmo tempo em que lhe asseguro a minha benevolência para a alta missão que lhe foi confiada.

Este Acto reveste-se de duas significações especiais: marca o encontro entre o Romano Pontífice e o Governo e o Povo guineense, representados na pessoa de Vossa Excelência; e marca também, com a instauração das relações diplomáticas, a decisão comum de manter um diálogo que possa favorecer um conhecimento mútuo, delinear formas e traçar rumos no prosseguimento de amistosas relações, inseridas num contexto de respeito e liberdade.

Nas relações, uma das condições indispensáveis é o diálogo, que nos convida “ à busca de tudo aquilo que tem sido e continua sendo comum a todos os homens, mesmo no meio de tensões, oposições e conflitos. fazer do outro um próximo. aceitar a sua colaboração, é partilhar com ele a responsabilidade frente à verdade e à justiça. propor e estudar todas as formas possíveis de conciliação honesta, sabendo unir à justa defesa dos interesses e da honra da própria parte uma não menos justa compreensão e respeito para com as razões da outra parte, bem como as exigências do bem geral, comum a ambas ” (Ioannis Pauli PP. II, Nuntius ob diem ad pacem fovendam dicatum pro a.D. 1983, 6 die 8 dec. 1982: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, V, 3 (1982) 1546 s.). Assim é possível obter a colaboração de todos e se pode fazer apelo à solidariedade universal, sobretudo quando se tem de enfrentar situações difíceis, entre as quais merecem destaque os graves problemas que se referem às condições básicas para a sobrevivência, para a alfabetização e educação, que afectam as classes mais pobres.

Vossa Excelência aludiu a problemas do nosso tempo e à esperança que o Governo do seu País deposita na Igreja, no que diz respeito à causa da paz e da dignidade da pessoa humana. Na verdade, estes pontos fazem parte essencial da missão que a Igreja recebeu do seu divino Fundador; e, fiel a este mandato irrenunciável, Ela peregrina no tempo iluminando os acontecimentos humanos com a mensagem ouvida outrora: “ Paz na terra aos homens de boa vontade ” (Lc 2,14). Nestes últimos tempos têm sido mais insistente a sua voz e mais numerosos os seus gestos na salvaguarda e na promoção do bem imenso que é a paz, e daquilo que lhe é não só conexo mas pressuposto basilar a dignidade da pessoa humana, incluída a dimensão da liberdade religiosa. Estes bens inestimáveis, continuamente ameaçados, exigem como marco, para serem firmes o duradouros, o respeito dos direitos invioláveis da pessoa humana, entre os quais não se pode deixar de pôr em relevo os valores éticos; exigem também a promoção da justiça entre as pessoas e os povos; e comportam igualmente “ os direitos das Nações a conservar e a defender a sua independência, a sua identidade cultural, a possibilidade de se organizar socialmente, de gerir os seus negócios e de conduzir o seu destino livremente, sem estar à mercê, directa ou indirectamente, das potências estrangeiras ” (Ioannis Pauli PP. II, Allocutio ad nationum Legatos, novo anno ineunte coram admissos, 7, die 10 ian. 1987: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, X, 1 (1987) 77).

Numa época como a nossa, ensombrada por tantas dificuldades, mas também aberta para acolher os apelos mais nobres e altos, a Igreja deseja servir a todas as pessoas, sem distinção de raça, classe ou cultura; e, sem pretender posições de privilégio, deseja mais que seja reconhecido o espaço de liberdade religiosa onde possam actuar os seus fiéis e colaborar para o bem comum; deseja ainda, em espírito de mútua colaboração e harmonia com quem dirige os destinos de cada Nação, favorecer a grande causa do homem, especialmente do mais pobre e necessitado. Para poder realizar esta vocação de serviço, a Igreja encarna-se na realidade de cada povo, na sua história e cultura, participa do seu esforço de desenvolvimento, vive solidariamente as dores humanas e toma parte nas suas dificuldades assumindo e promovendo as suas legítimas aspirações.

Senhor Embaixador,

Ao evocar gestos do meu venerado Predecessor, o Papa Paulo VI, quis Vossa Excelência relevar a sua significação para os ideais da sua jovem Nação, recentemente chegada à independência; e, ao enunciar dificuldades encontradas para o seu desenvolvimento, salientava, entre outros, o valor da cooperação. Isto propicia-me grato ensejo para afirmar a boa vontade da Igreja em colaborar para o progresso social e espiritual do seu País. Para tanto confia ela que os fiéis católicos da Guiné-Bissau possam ocupar o lugar e desempenhar a tarefa que lhes cabe, como cidadãos e cristãos, na promoção do bem comum e no progresso da Nação.

Asseguro-lhe que poderá contar com disponibilidade, compreensão e a possível assistência e colaboração da parte da Santa Sé, para um desempenho da sua missão que desejo feliz. E, pedindo que apresente as melhores saudações ao Senhor Chefe de Estado, imploro para a pessoa de Vossa Excelência e para o Povo da Guiné-Bissau e suas Autoridades os favores e bênçãos de Deus Omnipotente.







Discursos João Paulo II 1987