Discursos João Paulo II 1995 - Sexta-feira, 29 de Setembro de 1995

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA


DOS BISPOS DO BRASIL-REGIONAL SUL 3 E 4


POR OCASIÃO DA VISITA « AD LIMINA APOSTOLORUM »


Quarta-feira, 18 de Outubro de 1995



Amados Irmãos no Episcopado

1. Apresento-vos as minhas sinceras boas-vindas por ocasião da vossa visita à Cidade Eterna e aos sepulcros dos Apóstolos Pedro e Paulo. A vós está confiada a responsabilidade pela Igreja nas Dioceses de um País que, no limiar do Século XXI, estará celebrando o V Centenário do seu descobrimento, devendo, portanto, estar preparada para os imensos desafios que o Povo de Deus espera dos seus Pastores.

Por isso, esta vossa visita “ad Limina” está revestida de denso significado histórico: os caminhos de Deus são insondáveis, mas respeitando-se o curso normal dos acontecimentos, a Providência vos chama a iluminar as futuras gerações de brasileiros, como arautos da Verdade, “se perseverardes fundados e firmes na fé, e inabaláveis na esperança que vos dá o Evangelho”(Col 1,23).

Com reconhecimento para com Deus, penso nos dias cheios de graça, em 1991, quando, respondendo ao vosso convite fraterno, pude realizar a minha segunda Visita Pastoral à Igreja que está no Brasil. Conservo ainda viva a grata recordação do testemunho de fé de muitos homens, mulheres e crianças, do acolhimento sincero e cheio de alegria tido em toda a geografia do vosso imenso País. Em todos, pude entrever verdadeiras ânsias de bem e de verdade, e um clima de confiança e de respeito pelos seus Pastores. Pelas cartas que continuamente chegam a Roma em busca de luz, conforto e ajuda manifestando sincera devoção pelo Sucessor de Pedro, sinto a “alma” do brasileiro. Vós mesmos, quando me escreveis, abris o coração expondo lealmente a situação e a vida das vossas Igrejas particulares. É meu vivo desejo encorajar-vos e sustentar a vossa obra muitas vezes fatigosa e cheia de desafios. Com a ajuda de Deus haveis de superar as vossas provas, se estiverdes unidos por um espírito fraterno e se testemunhardes abertamente a vossa comunhão com o Papa e com os Irmãos no episcopado.

Saúdo de coração o Senhor Arcebispo D. Altamiro Rossato que, em representação das Províncias eclesiásticas, que compõem os Regionais Sul 3 e Sul 4, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, quis expor o quadro geral das vossas Dioceses, com seus anseios e suas preocupações. Muito obrigado! Que a luz do Divino Consolador vos inspire sempre enquanto desempenhais, com fé e confiança na Providência, vosso múnus episcopal.

2. Os relatórios quinquenais oferecem um quadro objetivo do estado das vossas Dioceses, dos gratos progressos e também de alguns desenvolvimentos que requerem uma cuidadosa ponderação. O que acontece hoje na Igreja, em qualquer lugar, tem repercussões na sociedade em seu conjunto. Num mundo que se encaminha para a unidade, a responsabilidade de todos por todos tornou-se uma experiência direta. Desempenhai então o vosso ministério episcopal com consciência e com habilidade; que ele seja cada vez mais também ministério de unidade da Igreja universal, contribuindo assim à unidade da doutrina da fé e da moral, tal como esta vincula o Magistério.

A Igreja, com efeito, conserva uma verdade, uma doutrina, uma sabedoria e uma experiência, das quais as pessoas têm necessidade para percorrer o caminho da sua verdadeira libertação, e alcançar o seu bem autêntico. Este é o contexto em que se deve compreender a Encíclica “Veritatis Splendor” que eu quis publicar, movido pela urgência de reapresentar à luz do Evangelho o ensinamento autorizado da Igreja ante a confusão malsã que muitas pessoas sentem acerca das questões fundamentais do bem e do mal, daquilo que é correto e daquilo que é errado. A reafirmação do ensinamento moral da Igreja – que é constante e contudo sempre novo – é a resposta necessária do Magistério à difundida crise ética que atinge a sociedade contemporânea.

Comoveu-me de maneira particular, no recente encontro com a juventude européia em Loreto, ver tantos jovens procurarem ansiosamente amar e servir Cristo na Sua Igreja. Estou certo, porque já tive ocasião de conhecer o seu próprio dinamismo interior, que assim é na vossa Pátria. Esses homens e mulheres do Terceiro Milênio esperam que os seus Bispos e os seus sacerdotes os ajudem a viver segundo a verdade que representa o dom precioso que Cristo lhes reservou (cf. Gal Ga 5,1).

Os fiéis olham para os Bispos da Igreja como para “doutores autênticos, isto é, investidos da autoridade de Cristo, que ao povo a eles confiado pregam a fé” (Lumen Gentium LG 25). Como Pastores experientes, estais profundamente conscientes da intensidade das consequências desta crise na vida quotidiana das pessoas, e também conheceis a vossa própria responsabilidade, que consiste em oferecer orientações pastorais que estejam em conformidade com a mente de Cristo e da Igreja.

Face ao desafio, sem dúvida doloroso, do abandono da Fé e da Moral nos países cristãos, devemos renovar continuamente em nós aquele carisma da vigilância, que levou Santo Agostinho a recordar-nos a seriedade das nossas responsabilidades, quando afirmava: “Além de ser cristão... sou também responsável, e por isso devo prestar contas a Deus do meu ministério”(S. Agostinho Sermão 46: "De pastoribus").

3. No âmago da mensagem da “Veritatis Splendor” está a reafirmação da relação essencial entre a verdade e a liberdade (cf. Veritatis Splendor VS 32). A verdade universal acerca do bem da pessoa humana e as normas sempre válidas que asseguram a proteção daquele bem, são realmente acessíveis à razão humana; com efeito, podemos participar no conhecimento de Deus acerca daquilo que devemos ser e fazer, a fim de alcançarmos o objetivo para o qual fomos criados.

Ajudar os homens e as mulheres a redescobrirem “a conexão inseparável entre verdade e liberdade” (Veritatis Splendor VS 99) é a premente exigência do nosso ministério pastoral, tanto individual como coletivo. Ao assegurarmos o ensino claro das verdades básicas apresentadas pela doutrina moral da Igreja, estaremos promovendo uma nova afirmação da dignidade da pessoa humana, uma correta compreensão da consciência, que corresponde à única base sólida para o exercício da liberdade humana, bem como um fundamento para a vida em comum, na solidariedade e na harmonia cívica. Tudo isto é um serviço fundamental em favor do bem comum. Como pode a sociedade moderna libertar-se da decadência crescente do seu comportamento destruidor – inclusive na violação dos direitos da pessoa humana –, sem recuperar o caráter inviolável das normas morais que devem, sempre e em todos os lugares, orientar a conduta humana? (cf. Veritatis Splendor VS 84).

É sabido como a nossa época adquiriu uma percepção particularmente viva da liberdade. Esta percepção, porém, encontrou múltiplas expressões, que, às vezes, se afastam da verdade do homem. Em algumas correntes de pensamento chegou-se a exaltar a liberdade até torná-la um absoluto. Atribuíram-se à consciência individual as prerrogativas da instância suprema do juízo moral. A exigência da verdade desapareceu a ponto de se ter chegado a uma concepção radicalmente subjetiva do juízo moral. Quando se perde a idéia de uma verdade universal sobre o bem, tende-se a conceder à consciência do indivíduo o privilégio de estabelecer autonomamente os critérios do bem e do mal e agir em consequência. Esta visão identifica-se com uma ética individualista, na qual cada um se vê confrontado com a “sua verdade”, diferente da verdade dos outros; por isso, se compreendem as dificuldades encontradas na recente Conferência sobre a Mulher em Pequim, por uma afirmação clara e inequívoca dos valores universais inscritos no coração de cada homem.

Sempre, mas especialmente no contexto cultural atual, será nosso dever afirmar a referência à dignidade humana como fundamento da liberdade, da justiça e da paz e ainda a salvaguarda da família, o conceito de maternidade e a responsabilidade dos pais na educação dos filhos.

Estes temas são demasiado importantes para serem deixados de lado. A Igreja nunca cessará de alertar os fiéis, e todos os homens de boa vontade, de quaisquer atentados à dignidade do homem e da mulher, proclamando sempre com a devida coragem pastoral os valores perenes da Lei Natural, confirmados por Cristo no Evangelho.

4. Algumas tendências culturais hodiernas estão na origem de muitas orientações éticas, que colocam no centro do seu pensamento um suposto conflito entre liberdade e lei. São doutrinas que atribuem a indivíduos ou grupos sociais a faculdade de decidir o bem e o mal.

Esta reivindicação errônea de autonomia também exerceu o seu influxo no âmbito da teologia moral católica, e alguns chegaram a teorizar uma completa soberania da razão face às normas morais relativas à reta ordenação da vida neste mundo. Em consequência, chegou-se ao ponto de negar, em contraste com o ensinamento da Sagrada Escritura e a constante doutrina da Igreja, que a Lei Natural tenha a Deus como autor, e que o homem, mediante a sua razão, participe da lei eterna, que não é estabelecida por ele (cf. Veritatis Splendor VS 36). Uma autonomia assim concebida, nega à Igreja e ao seu Magistério uma competência doutrinal específica sobre normas morais concretas relacionadas com o chamado “bem humano”.

É preciso, porém, recordar constantemente que a liberdade, entendida como arbítrio, separada da verdade e do bem, a liberdade separada dos Mandamentos de Deus, torna-se uma ameaça para o homem e para a mulher, e leva à escravidão, voltando-se contra o indivíduo e contra a sociedade.

A Igreja, que sempre correu na defesa dos direitos do homem, não se pode calar, mesmo a risco de perder a popularidade. O Concílio ensina-nos: “Nenhuma lei humana pode assegurar a dignidade da pessoa e a liberdade do homem, como o faz o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja”(Gaudium et Spes GS 41).

Dou graças a Deus pelas notícias recentes acerca das novas iniciativas no campo dos meios de comunicação social, tanto por parte da Igreja quanto de grupos particulares, para anunciar, com renovado ardor missionário, a Verdade revelada. Não basta, porém, falar às grandes massas muitas vezes polivalentes, se não se encaram individualmente as pessoas, sabendo que Cristo derramou todo o seu preciosíssimo Sangue por cada uma em particular. A liberdade precisa ser guiada pela consciência bem formada, que esteja em condições de distinguir o bem e o mal moral e saiba escolher o bem em todas as situações. A liberdade não é relativismo moral, mas funda-se em critérios morais claros e transparentes. Os brasileiros, hoje, devem ser bem orientados pelos seus Pastores, para resistirem às tendências que lhes chegam de várias partes acerca da modernidade e da libertação as quais, na realidade, muitas vezes são destituídas de verdadeiros princípios morais.

5. A Evangelização é, sem dúvida, o desafio mais forte e sublime, que a Igreja é chamada a enfrentar. O momento que estamos vivendo é mais o de um incitamento à “Nova Evangelização”, nova no seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão. Mas esta evangelização “comporta também o anúncio e a proposta moral” (Veritatis Splendor VS 107) vivida na santidade de tantos membros do Povo de Deus.

No contexto da Nova Evangelização, que deve gerar e nutrir a fé, podemos compreender o lugar que na Igreja compete à reflexão que a Teologia deve desenvolver sobre a vida moral, assim como podemos apresentar a missão e a responsabilidade própria dos teólogos moralistas. Se a Nova Evangelização deve tornar-se preocupação de todos, nestes especialmente recai uma grave responsabilidade.

Para que a Igreja possa cumprir a sua missão profética, é necessária uma reflexão cada vez mais profunda da fé, sob a guia do Espírito Santo. É ao serviço desta reflexão e busca que se coloca a vocação do teólogo na Igreja.Por isso, faço minhas aquelas precisações relativas ao Magistério da Igreja, cuja tarefa é “discernir, mediante juízos normativos para a consciência dos fiéis, os atos que são em si mesmos conformes às exigências da fé e promovem a sua expressão na vida, e aqueles que, pelo contrário, por sua malícia intrínseca são incompatíveis com tais exigências”(Congregação para a Doutrina da Fé, Donum veritatis, 24-V-1990, n. 16).

A todos os que ensinam a Teologia Moral, por mandato dos legítimos Pastores, desejo recordar o grave dever de instruir os fiéis – especialmente os futuros sacerdotes – com o ensinamento que a Igreja declara com autoridade. De modo particular, todos nós devemos empenhar-nos na organização do estudo da teologia, e num desenvolvimento fecundo das Faculdades e dos Institutos Superiores de Teologia. Na Exortação Apostólica pós-sinodal “Pastores dabo vobis”, expressei os princípios fundamentais da formação científico-intelectual e espiritual dos candidatos ao sacerdócio: “A formação intelectual dos candidatos ao sacerdócio encontra a sua específica justificação na própria natureza do ministério ordenado e manifesta a sua urgência atual de fronte ao desafio da "Nova Evangelização", à qual o Senhor chama a Igreja no limiar do terceiro milênio”(Pastores dabo vobis PDV 51).

Recomendo-vos, sobretudo, uma particular vigilância naquilo que se refere à formação dos vossos seminaristas no campo da Teologia Moral. Serão eles os futuros formadores de consciências cristãs, como confessores, diretores espirituais e animadores de comunidades. Devem, portanto, ser preparados a desempenhar esta importante função do seu sacerdócio, em total sintonia com a doutrina da Igreja. Por isso, é indispensável que manuais e professores de Teologia Moral sejam cuidadosamente escolhidos, para não se introduzir nos seminários e faculdades eclesiásticas de teologia, qualquer forma de dissidência, que seria prejudicial em um campo tão fundamental.

O que interessa na formação teológica dos futuros sacerdotes, dos professores e de quantos colaboram no ensino da religião, é não só a qualidade científica da própria preparação intelectual, mas, também, o “sentire cum Ecclesia” entre professores e estudantes. Nunca é demais precisar, que cabe de modo especial aos teólogos moralistas expor a doutrina da Igreja, dando exemplo de uma leal adesão interna e externa, ao ensinamento do Magistério, tanto no campo do Dogma como da Moral (cf. Veritatis Splendor VS 110). Há uma responsabilidade intelectual, espiritual e pastoral dos teólogos que devem ensinar a doutrina moral da Igreja sem alterá-la em nada. A discordância com a doutrina moral manifestada por contestações e polêmicas, através dos meios de comunicação social, é contrária à comunhão eclesial e à sua reta compreensão da constituição hierárquica do Povo de Deus. Uma oposição ao ensinamento do Magistério da Igreja não pode ser considerada expressão da liberdade cristã e da diversidade dos dons do Espírito: todos os fiéis – leigos, religiosos ou sacerdotes – têm o direito de receber a Doutrina Católica na sua pureza e integridade que, neste caso, os Pastores devem fazer respeitar.

Estes pressupostos tornam-se ainda mais atuais à hora de considerarmos o influxo do Magistério da Igreja articulado para expor, sob a luz do Evangelho, o caminho comum rumo ao desenvolvimento e à libertação integral do homem. É óbvio, que a formulação de juízos morais sobre situações, estruturas e sistemas sociais requer atenta e diligente ponderação como, de resto, a Igreja repetidamente tem-se pronunciado na defesa e promoção dos direitos do homem, e eu mesmo o reafirmei na Encíclica “Centesimus Annus (cf. n. 22).

Mas será sempre conveniente destacar as palavras que dirigi aos seminaristas de Brasília na minha última Viagem Pastoral à vossa terra: “Tende sempre como guia, para os estudos, o Magistério autêntico e universal da Igreja. Só quando o Magistério é docilmente aceito, com espírito de fé..., é que se podem evitar as tentações do deslumbramento superficial perante correntes e modas teológicas que deturpam e obscurecem a Verdade”(Aos Alunos do Seminário "Nossa Senhora de Fátima" 4, Brasília, 15 de outubro de 1991). Uma análise sociológica não pode ser nunca a instância suprema na elaboração do discurso teológico. Se estabelece uma elaboração objetiva de dados e de fatos, nas suas conexões e na sua causalidade, ela poderá ser um instrumento útil para se conhecer melhor a realidade humana, mas é a Revelação em si mesma, e só ela, que pode oferecer ao teólogo as luzes necessárias para a compreensão sempre mais profunda da verdade sobre o homem, que se encontra intimamente relacionada com a verdade de Deus e sobre Deus. Só assim poder-se-á evitar os riscos de instrumentalização ideológica da teologia.

Por isso, a Igreja deseja – como foi declarado oportunamente – que os professores dos Centros de formação eclesiástica, “aos quais vem confiada a formação do clero, sejam escolhidos entre os melhores e possuam uma sólida doutrina e uma conveniente experiência pastoral, unidas a uma boa formação espiritual e pedagógica”; ao mesmo tempo, “é necessário promover uma colaboração estrita com os professores de moral, de dogmática e de pastoral para garantir a coerência, a unidade, a solidez do ensino”(Orientamentos para o Estudo e Ensinamento da Doutrina Social da Igreja na Formação Sacerdotal, Roma, 1988, p. 67).

A vós, queridos irmãos no episcopado, vos foi confiado vigiar sobre a transmissão do ensinamento teológico, e recorrer às medidas oportunas para que os fiéis possam ser preservados de toda a doutrina e teoria a ele contrárias. Nesta tarefa, os Bispos são ajudados pelos teólogos, mas as opiniões teológicas não constituem a regra nem a norma do seu ensinamento; vige aqui o princípio segundo o qual o ensinamento do Magistério – graças à assistência divina – vale mais que a argumentação meramente humana. Mais ainda, o pluralismo teológico, invocado às vezes sem critério, “não é legítimo a não ser na medida em que é salvaguardada a unidade da fé, no seu significado objetivo”(Dei Verbum DV 34).

6. Diante de uma sociedade que parece insistir em viver independente dos valores morais, caracterizando atitudes não apenas contrárias, mas indiferentes a tais valores, resultando naquilo que comumente se chama “civilização da morte”, a Igreja não se cansa de defender com firmeza essas normas morais que, sendo universais e imutáveis, porque oriundas da Lei da própria natureza, constituem a condição para a existência da liberdade. À cultura da morte a Igreja propõe a cultura do amor. Só na observância de tais normas, que proíbem todo o mal intrínseco e regulam a justa e pacífica convivência humana, tornam-se possíveis o bom desenvolvimento da estrutura social, o bem público como tal e a harmonia pessoal do ser humano.

É exatamente por isso que as palavras do apóstolo Paulo tornam-se tão atuais em nossos dias: “Prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente... porque haverá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina” (2Tm 4,2-3). Assim, a missão da Igreja deverá ser sempre a de interpretar a norma moral, propondo-a a todos os homens e mulheres de boa vontade, sem esconder as suas exigências e compromissos... Mesmo quando a verdadeira doutrina é impopular não nos será lícito buscar uma fácil popularidade!

É evidente que, em sua perene diligência para com os fiéis, a Igreja, Mãe e Mestra, tem sempre em mente as situações conflituosas e extremamente complexas da vida do homem e da sociedade contemporânea, cujo caminho moral torna-se com freqüência cansativo pelas dificuldades, debilidades e situações dolorosas (cf. Veritatis Splendor VS 95). Porém, em sua solicitude pastoral, a Igreja não pode esquecer que a genuína compaixão e a verdadeira compreensão significam o amor pela pessoa, pelo Bem Supremo e pela autêntica liberdade que não é possível separar de uma opção fundamental pelo Sumo Bem. Não será enfraquecendo a verdade moral e negligenciando os verdadeiros valores que a Igreja cumprirá a sua missão em favor do homem.

A Igreja, obediente ao Senhor, que veio não para julgar mas para salvar, deve manifestar a misericórdia para com as pessoas sem, contudo, renunciar ao princípio da verdade e da coerência, pelo qual não se pode chamar bem ao mal e mal ao bem. Não diminuir em nada a doutrina salvadora de Cristo constitui eminente forma de caridade para com as almas. Não podemos deixar de ter diante dos olhos, ao longo de todos os séculos, que a força da Igreja está no testemunho dos santos, isto é, daqueles que tornaram como própria a verdade de Cristo. À pergunta “que hei de fazer de bom para alcançar a vida eterna”, (Mt 19,16) a Igreja responde com Maria: “Fazei tudo o que Ele vos disser”(Jn 2,5).

Certamente a todos nós, mas especialmente a vós Bispos de Santa Catarina, vêm à memória aqueles dias da Beatificação da Madre Paulina que a Providência me concedeu a graça de realizar. Dizia-vos, naquela ocasião, que a “Igreja no Brasil... precisa, hoje, mais do que nunca, de santos”(Homilia na Missa de Beatificação de Madre Paulina 5, Florianópolis, 18 de outubro de 1991). Mas é precisamente por isto, que a sociedade moderna tem uma extrema necessidade de Verdade, porque só sobre o fundamento da Verdade se pode construir, de modo seguro, o edifício da vida moral e ascética. Só da Verdade nasce a moralidade autêntica, objetiva e universal.

7. Caros Irmãos no Episcopado, ao concluir este encontro, quereria confirmar-vos no vosso serviço pessoal à Igreja, esta Mãe de cujo regaço temos “aprendido tudo”, e que prefigura a Jerusalém do alto já presente no meio de nós. Dentre todos os santos, Maria Santíssima compartilha a nossa condição humana, mas numa total transparência à graça de Deus. Compreende o homem pecador e ama-o com amor de Mãe. E por isso mesmo está do lado da verdade e compartilha o peso da Igreja ao recordar a todos e sempre as exigências da Fé. Com esperança, peço à Virgem Maria, a quem dais o belo nome de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que interceda todos os dias por vós junto de seu Filho, a fim de que vossa missão vos dê muita alegria.

De coração concedo a minha Bênção Apostólica a vós, aos sacerdotes, religiosos e religiosas e aos fiéis a vós confiados bem como ao vosso País, para que possa ser exemplo e testemunho da Nova Evangelização de uma América Latina renovada em Cristo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL


DOS BISPOS DO BRASIL-REGIONAL NORDESTE-5


EM VISITA « AD LIMINA APOSTOLORUM »


Domingo, 22 de Outubro de 1995



Caros Irmãos no Episcopado

1. Como Bispo de Roma apresento-vos hoje, por ocasião da vossa visita “ad Limina” deste ano, as minhas mais cordiais boas-vindas. Em vós, eminentes Pastores da Província Eclesiástica do Maranhão que pertence ao Regional Nordeste 5 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, saúdo todos os sacerdotes, os religiosos e os fiéis, que vós representais. O objetivo primário da Visita “ad Limina Apostolorum” é refletir uma vez mais sobre a missão e sobre as tarefas ligadas ao vosso serviço episcopal, através da visita ao sepulcro dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo e do encontro pessoal com o Sucessor de Pedro.

Sinto-me feliz em vos acolher, pois este é um momento intenso na vida dos Bispos, no qual a Providência nos dá a ocasião de exprimir a nossa solidariedade e de compartilhar o ministério apostólico, que nos é comum, e que nos torna Sucessores dos Apóstolos. É este “affectus collegialis” que nos une, na oração, na celebração eucarística e na compreensão recíproca, para sentirmos juntos as alegrias e as dificuldades da missão, para reconhecer os apelos do Senhor, a fim de correspondermos cada vez mais às expectativas que Ele tem a nosso respeito. Por isto, desejo agradecer as delicadas palavras do Senhor Arcebispo D. Paulo Eduardo Andrade Ponte, e vos asseguro que de todos me lembro quotidianamente em minhas orações e solicitude pela Igreja.

2. As vossas dioceses envolvem um povo cuja característica marcante é a sua juventude, além do condicionamento evidente ligado aos desafios da pobreza, da saúde e da educação. Pude, pessoalmente, dar-me conta disto por ocasião da minha visita pastoral de 1991 à vossa terra, da qual ainda conservo uma recordação viva, alegre e reconhecida.

O Brasil é chamado o “país do futuro”. Pois bem, eu vos diria que a forjadora desse futuro será a juventude, que tive a felicidade de visualizar de norte a sul do país - uma infinidade de rostos novos, alegres, otimistas, esperançosos, sequiosos da Verdade – e que serão, sem dúvida, “os primeiros protagonistas do terceiro milênio” (Discurso aos universitários em Cuiabá 2, 16 de outubro de 1991).

Sabeis muito bem, que a juventude “não é apenas um período da vida que corresponde a uma determinada faixa etária” (João Paulo II, Cruzando o limiar da esperança, 19), mas uma qualidade da alma que se caracteriza precisamente por um idealismo que se abre para o amanhã. No período que habitualmente se denomina juventude, o jovem – como aquele do Evangelho – “procura a resposta às suas interrogações fundamentais; não somente o sentido da vida, mas, também, um projeto concreto para começar a construir sua vida. É esta a característica mais essencial da juventude” (João Paulo II,Cruzando o limiar da esperança, 19).

Compete a vós dar-lhes essas respostas, colocando diante das suas vidas o mais belo Ideal que se encerra no inigualável amor a Cristo. “Se em cada período de sua vida o ser humano deseja afirmar-se, encontrar o amor, na juventude o deseja de forma ainda mais intensa. Mas para isso os jovens precisam de guias... que caminham junto com eles pelos caminhos que escolheram seguir”(João Paulo II, Cruzando o limiar da esperança, 19).

Vós, caríssimos Irmãos, tendes que ser esses guias, que caminhem diante deles como o Bom Pastor, dispostos a darem a própria vida pelas suas ovelhas, encarnando, primeiro, as virtudes que desejam que eles vivam, depois, sem perder nunca a “boa forma” da juventude - não importando a vossa idade – a vibração espiritual, o entusiasmo e a autenticidade nos vossos ideais apostólicos.

3. O pastor tem que ser também pedagogo, artista, escultor. Tem que saber plasmar, como colaborador da graça do Espírito Santo e através de um trabalho de formação permanente, a figura de Cristo no perfil da personalidade em formação. Assim, ele encontrará aquele grande amor: Cristo, de acordo com o lema de São Paulo: “Para mim o viver é Cristo” (Ph 1,21). Não poupeis esforços em transmitir fielmente à juventude, como fruto do vosso amor a Cristo, a doutrina católica, a única que poderá satisfazer a sua sede de Verdade e de Amor. Ensinai-lhes a saborear com gosto os ensinamentos fundamentais da fé cristã. Vale aqui o que eu dizia à juventude em Denver em 1993: “Educar sem um sistema de valores baseado na verdade, equivale a abandonar os jovens à confusão moral, à insegurança pessoal e à manipulação fácil” (Discurso de Boas-vindas no Aeroporto de Denver 4, 12 de agosto de 1993). Não é exagero dizer que a relação do homem com Deus e a exigência de uma “experiência” religiosa são o ponto focal de uma profunda crise que atinge o espírito humano. Enquanto continua a secularização de inumeráveis aspectos da vida, há uma nova exigência de “espiritualidade”, como evidencia o aparecimento de numerosos movimentos religiosos, os quais procuram responder à crise de valores na sociedade contemporânea. Se por secularização entende-se perder a perspectiva da vida eterna, viver como se ela não existisse, como se Deus não existisse, não se pode ignorar, em contrapartida, as profundas aspirações que hoje animam o coração dos homens. Apesar dos sinais negativos, muitas pessoas têm fome da espiritualidade autêntica e encorajadora. Existe “uma nova descoberta de Deus na sua transcendente realidade de Espírito infinito”(Dominum et Vivificantem DEV 2), e especialmente os jovens procuram um fundamento sólido sobre o qual construir a própria vida. Os jovens do Brasil esperam que os guieis rumo a Cristo, que é a única “resposta existencialmente adequada ao desejo de bem, de verdade e de vida que mora no coração de cada homem”(Centesimus Annus CA 24).

Eles esperam que seus pastores sejam mestres da verdadeira oração cristã, que conduz à partilha no diálogo filial do próprio filho com o Pai, em conformidade com a maravilhosa expressão de São Paulo, descrita na Carta aos Gálatas: “Porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito que clama "Abba!" "Pai!"” (Ga 4,6). O autêntico renovamento das vossas Dioceses exige um apostolado de oração arraigado na fé, fortalecido pela vida sacramental e litúrgica, e operante na caridade (cf. Catecismo da Igreja Católica CEC 2558). .

4. Paralelamente à alimentação da vitalidade espiritual dos jovens – homens e mulheres – está o desafio de lhes apresentar “a plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer de Si mesmo”(Redemptoris Missio RMi 5). É óbvio que as controvérsias ideológicas das décadas passadas não lhes despertam interesse algum. Eles não se inspiram num Evangelho distorcido, falseado ou tornado aparentemente fácil. Devem ser feitos todos os esforços para garantir que os programas de educação catequética e religiosa, as escolas e as instituições católicas de ensino superior e, de modo particular, o ministério da pregação da Igreja, apresentem serena e convictamente – contudo sem embaraço nem compromissos – a integridade do tesouro do ensinamento da Igreja.

É meu desejo também animá-los a perseverarem na formação de professores para o ensino da religião nas escolas públicas, em cumprimento da norma constitucional brasileira mediante a qual “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (Constituição da República do Brasil, art. 210, 2). De resto, “a formação da consciência fica comprometida, se faltar uma profunda educação religiosa. Como pode um jovem compreender plenamente as exigências da dignidade humana, sem fazer referência à própria fonte desse dignidade, Deus criador? Nesta perspectiva, o papel da família, da Igreja Católica, das Comunidades cristãs e das outras instituições religiosas é primordial, e o Estado, atendo-se às normas e Declarações internacionais, deve assegurar e facilitar os seus direitos neste campo” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz 1991, 8 de dezembro de 1990). Já vige mútuo e harmônico entendimento entre as diversas confissões religiosas e, apesar de certas divergências havidas recentemente com organismos institucionais de algum Estado da Federação, estou certo de que se chegará sempre a um consenso inspirado na colaboração leal, que permitirá orientar todo o homem, e toda a mulher, segundo o plano de Deus.

Neste sentido, o novo “Catecismo da Igreja Católica”, além de servir, como é natural, “como texto de referência, seguro e autêntico, para o ensino da doutrina católica” (Introdução, n. 4) nas mãos dos próprios formadores, representa para vós um instrumento de alto valor para a formação integral da personalidade do jovem: a primeira catequese que deveria ser aprendida na “Igreja doméstica”, o ensino necessário para a Primeira Eucaristia e o Sacramento da Crisma, a preparação remota e próxima para o casamento, a orientação do amor e da sexualidade humana e tantos outros capítulos indispensáveis a esse esforço pastoral, são ampla e profundamente tratados no novo Catecismo.

A falta de formação cristã, talvez seja o pior dos males que afetam a nossa juventude. É necessário um empenho efetivo para desenvolver com profundidade um trabalho formativo nessa idade em que o homem projeta os seus ideais para o futuro.

5. Estes pressupostos dão-nos ensejo para reafirmar uma vez mais a atenção que deveis dar às prioridades pastorais da Família e da Juventude. Por isso, sugiro-vos que essas duas temáticas, intimamente vinculadas, sejam constante objeto das vossas iniciativas apostólicas.

O futuro da Igreja no Brasil e o bem da mesma comunidade nacional dependem, em grande medida, da consolidação da instituição familiar – fundada no matrimônio indissolúvel – e da educação de uma juventude arraigada nos valores ideais, que a tradição católica trouxe à vossa Pátria.

Embora seja verdade que no vosso Povo perdura felizmente um sólido sentido de família, a saber, a consciência e a estima do seu valor, contudo não ignorais que, na situação atual, podemos notar também algumas “sombras”, que descrevi na Exortação Apostólica “Familiaris Consortio”, e que são sinais negativos da cultura contemporânea: “o número crescente de divórcios, a praga do aborto, o recurso cada vez mais frequente à esterilização, a instauração de uma verdadeira e própria mentalidade contraceptiva” (Familiaris Consortio FC 6). Mais ainda, as frequentes separações e a mentalidade divorcista, que aumentam pelos maus exemplos e pelo influxo nocivo de certos meios de comunicação social, vão debilitando nos jovens a convicção de que o matrimônio é, por sua própria natureza e por vontade de Cristo, uma aliança em fidelidade e para sempre. Desse modo põe-se em perigo o futuro da instituição familiar e a subsistência mesma de uma sociedade sã, harmônica e autenticamente humana.

É bem sabido que a ruptura da vida familiar produz efeitos deletérios sobre os filhos, que são as primeiras vítimas. A miséria aliada ao fenômeno, infelizmente bastante frequente, do abandono afetivo e espiritual dos jovens, que se sentem de fato “sem família”, é a causa de males muito graves, que comprometem o desenvolvimento integral da juventude de um país: falta de valores e de normas de vida, desorientação, desapego ao trabalho, vulnerabilidade ante o ambiente de hedonismo e de corrupção moral, alcoolismo, droga e delinquência.

Já tive ocasião de dizer na primeira Visita “ad Limina” aos Bispos do Paraná, que a salvaguarda da família deve ser um objetivo pastoral permanente para vós. Neste sentido, quero exortar-vos a continuar com todo o empenho nesta tarefa plasmando-a em realizações concretas. Trata-se de prosseguir, senão de dar vida a uma pastoral familiar orgânica e permanente, destinando para isso os meios que sejam necessários e preparando para tal objetivo agentes pastorais idôneos, entre os vossos sacerdotes, religiosos e membros do laicato que, com uma formação específica nas matérias respeitantes a este âmbito, vos ajudem a enfrentar com criatividade e eficácia este desafio.

6. Não menos importante é a Pastoral da Juventude, que estará sempre atenta – sob a vossa solícita e diuturna vigilância – às exigências formativas dos mais novos.

A este respeito, quereria fazer notar que não basta uma resposta maciça e entusiasta dos jovens. É necessário também oferecer-lhes uma formação sólida e exigente, apta a assumirem seu papel como “sujeitos ativos, protagonistas da evangelização e artífices da renovação social” (Christifideles Laici CL 46).

Neste sentido, é necessário ir ao fundo dos problemas, passar do humano para o divino, dos impulsos sentimentais para as profundas convicções religiosas. E isto exige tempo e esforço continuado. A Pastoral da Juventude deve também formar o jovem na sua consciência política, de acordo com as diretrizes marcadas no “Catecismo da Igreja Católica” onde claramente se afirma que “a Igreja não se confunde de modo algum com a comunidade política”(n. 2245). Dita formação está motivada por um aspecto altamente positivo da personalidade do jovem, que pode sofrer, no entanto, desvios perigosos: o seu espírito de rebeldia e a sua sede de justiça. Quando ela se desenvolve em função de valores humanos e cristãos, em face de um ideal autêntico, o seu inconformismo é como um revulsivo purificador, que impulsiona o progresso e a solidariedade.
Mas, como eu já alertava os jovens em Belo Horizonte em 1980, existe o perigo de instrumentalizar essa nobre rebeldia para finalidades políticas partidaristas.

A Pastoral da Juventude nunca poderá ter uma determinada cor ou emblema político. A Igreja cometeria uma traição ao homem se, com as melhores intenções, lhe oferecesse bem-estar social, mas lhe sonegasse ou lhe desse escassamente aquilo a que tem direito, a que mais aspira (por vezes até sem o perceber), aquilo a que tem direito, que espera da Igreja e que só ela lhe pode dar: transmitir como depositária autêntica a palavra revelada; anunciar o Absoluto de Deus; proclamar as bem-aventuranças e os valores evangélicos e convidar à conversão; comunicar aos homens o mistério da graça de Deus nos sacramentos da fé e consolidar esta fé – em uma palavra, evangelizar e, evangelizando, construir o reino de Deus.

Por isso, a Pastoral da Juventude não deve perder a sua identidade apostólica. Se se desviasse aquele espírito de rebeldia – essa profunda sede de justiça que caracteriza a juventude – para finalidades políticas que, por serem precisamente partidaristas, dividem, comprimem, partem aquilo que é essencialmente dilatado, universal, católico, se desvirtuaria o que é de mais essencial na mensagem de Cristo e o que há de mais belo e mais autêntico no ideal da juventude!

Em tal contexto, não posso deixar de mencionar um importante setor da Pastoral da Juventude, que é chamado a ter fundamental importância neste limiar do terceiro milênio. Refiro-me à Pastoral Universitária, que, em vosso país, assume uma grande importância pelo elevado número de jovens que cursam o ciclo de estudos superiores e a influência que eles terão, no futuro, sobre os destinos da sociedade. À medida mesma em que descobrirem o amplo horizonte das ciências e as profundas interrogações que elas apresentam ao ser humano, os jovens universitários devem poder encontrar na Igreja um ambiente propício de acolhida, um âmbito de reflexão que os ajude, à luz da Revelação divina, a iluminar a razão e as ciências que dela decorrem, para perceber com clareza o destino último e o significado pleno do ser humano. Lugar especial de diálogo franco e sincero entre ciência e fé, entre experimentação e observação científicas, por um lado, e sabedoria religiosa, por outro, a Pastoral Universitária, se fiel à sua identidade específica e à sua missão evangelizadora, é chamada a desempenhar função importante na Nova Evangelização com que a Igreja deve enfrentar os desafios da sociedade moderna.

Os jovens não só são evangelizados, mas também são eles mesmos evangelizadores que levam o Evangelho aos seus coetâneos, inclusive às pessoas que se afastaram da Igreja e àquelas que ainda não escutaram a Boa Nova. Já sei que desde há tempo se vem intensificando a ação nas Comunidades que, com generosidade e sacrifício, levam a Palavra de Deus e fomentam a vida sacramental, e de igual modo a ajuda caritativa e a promoção humana, às populações mais necessitadas de assistência pastoral. Desejo encorajar, pois, todos os que realizam este meritório trabalho de Igreja, a continuarem a intensificar esses gestos de comunhão, até mesmo entre as diversas dioceses. Aqui se insere, sem dúvida, o dinamismo da juventude. Muitos jovens têm um enorme potencial de generosidade, de dedicação e de empenho, e sentem-se atraídos por formas de trabalho voluntário, especialmente quando se trata de servir os necessitados.

Junto, porém, a essa importante face da solidariedade cristã, meu pensamento vai com imensa gratidão aos jovens – e já são muitos, graças a Deus! – que se sentem chamados a ser protagonistas da missão. A consciência do dever apostólico, que arranca suas origens das mesmas fontes batismais (cf. Carta Apostólica aos Jovens do Mundo, Dilecti Amici, n. 9, 31 de março de 1985), levou-me à convicção de lhes dizer: “Sobretudo vós, jovens, sois chamados a tornar-vos missionários da Nova Evangelização, testemunhando quotidianamente a Palavra que salva”(Mensagem para a IX e X Jornada Mundial da Juventude 2, 21 de novembro de 1993). As manifestações habituais do que chamaríamos de “ministério da juventude” – que têm como ponto focal a paróquia – devem prosseguir, a fim de que os leigos não se sintam isolados da comunidade mais vasta. Todavia, como as vossas próprias experiências no-lo confirmam, é com frequência útil estimular esta obra mediante associações, movimentos, centros especiais e grupos que correspondam às suas exigências particulares (cf. Redemptoris Missio RMi 37).

7. Para concluir, diletos Irmãos, peço-vos que vivais com grande desvelo a formação dos jovens. Seja dada, com particular esmero, a Catequese em todos os níveis etários, sobretudo aos adolescentes, de modo que estes se sintam realmente “enlevados como Jesus aos doze anos no Templo” (cf. Carta do Papa João Paulo II às Crianças no Ano da Família, 13 de dezembro de 1994).

O jovens é essencialmente um ser em formação, e vós sois os seus grandes formadores. Ensinai-lhes que o futuro se realiza na medida em que forem fiéis a uma vocação divina a fim de assumirem plenamente “aquilo em que cada um e cada uma se deve tornar: para si – para os homens – para Deus” (cf. Carta Apostólica aos Jovens do Mundo, Dilecti Amici, n. 9, 31 de março de 1985); ensinai-lhes que essa vocação se vislumbra na oração, se fortalece na Eucaristia; ensinai-lhes, também, o verdadeiro significado do sexo e do amor, da alegria e da dor, da vida e da morte; levai-lhes a mensagem de solidariedade e de justiça para que possam ser fiéis continuadores da obra de Deus na terra; ensinai-lhes, o uso correto da própria liberdade, sobretudo, que a maior liberdade é o pleno dom de si. E do mesmo modo, que não tenham medo de evangelizar nas praças e nas ruas como os primeiros apóstolos, de tornar Cristo conhecido nas modernas metrópoles. Este não é o momento de se envergonharem de testemunhar o Evangelho(cf. Rm Rm 1,16) “por cima dos tetos” (Mt 10,27).

8. Através de vós, Pastores e Irmãos no Episcopado, confio a Maria, Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, Mãe do Amor Formoso, a juventude brasileira; a Ela, que leva em si um sinal indelével de juventude e beleza que não passa jamais. Desejo e peço-vos que aproximeis os jovens dessa Mãe Amorosa, que lhe confieis a vida que se abre diante de si, num futuro esplendoroso, e que A amem com todo o ardor de seu coração jovem (cf. Audiência Geral 4, 2 de Maio de 1979). O Papa espera do Brasil uma nova primavera de vocações sacerdotais e religiosas, através do modelo d’Aquela que é a imagem viva da entrega completa a Deus!

Ao terminar este encontro, desejo reiterar-vos a minha estima fraterna e pedir-vos que, ao regressardes às vossas dioceses, leveis a saudação e o afeto do Papa a todos os vossos diocesanos, às famílias cristãs, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, que com dedicação e generosa entrega anunciam a Boa Nova da salvação e dão testemunho de serviço, fidelidade e espírito apostólico. Invoco sobre vós e sobre vossos fiéis a proteção do Altíssimo e vos concedo a minha Bênção.
Novembre de 1995



Discursos João Paulo II 1995 - Sexta-feira, 29 de Setembro de 1995