Discursos João Paulo II 1996


                                                                                    

                                                                              Janeiro de 1996

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL


DOS BISPOS DO BRASIL REGIONAL CENTRO-OESTE


EM VISITA « AD LIMINA APOSTOLORUM »


Segunda-feira, 29 de Janeiro de 1996



Amados Irmãos no Episcopado

« Graça e paz vos sejam dadas, da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo ».(2Co 1,2).

1. É com muito prazer que vos acolho, Bispos do Regional Centro Oeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Este nosso encontro de hoje é caracterizado pela especial circunstância que, com ele, se dá por encerrada a série de visitas, iniciadas em 1995, que o Episcopado brasileiro realizou em Roma, para visitar Pedro. (Cfr. Gal Ga 1,18). A vossa peregrinação « ad limina Apostolorum » é um ato de matiz extremamente pessoal para cada um de vós. Ao virdes aqui, confessais a fé apostólica perante o mundo e proclamais que a Igreja é a Esposa do divino Redentor e o seu instrumento para a salvação da humanidade. Ao prestardes contas do vosso governo episcopal, repetis com força « gratias tibi, Deus, gratias tipi », e louvais a bondade do Senhor por tudo aquilo que Ele se dignou realizar mediante vós, pedindo ao Todo-Poderoso que vos dê forças para retornardes aos vossos trabalhos pastorais com a certeza da esperança que não confunde (Cfr. Rm Rm 5,5). Pelas palavras que o Senhor Cardeal José Freire Falcão quis dirigir em vosso nome, e a quem sou grato pelas expressões de afeto colegial que externou ao Sucessor de Pedro, vejo o fulcro dos vossos anseios e desafios que assumistes em cada uma das Igrejas particulares que presidis, para difundir o fermento da Palavra que salva, com redobrado ardor missionário.

2. Vossa peregrinação aos túmulos dos Santos Apóstolos está marcada, também, por um evento de particular relevo. De fato, a Igreja universal encontra-se naquela fase fervilhante de preparação para « reavivar no povo cristão a consciência do valor e significado que o Jubileu do Ano 2000 reveste na história humana » ( Tertio Millennio Adveniente, TMA 31). Por isso, não posso deixar de elevar o coração em ação de graças a Deus-Pai, pela acolhida no Brasil da celebração jubilar, especialmente na perspectiva da Nova Evangelização, tendo tido conhecimento de numerosas iniciativas pastorais promovidas em vossas dioceses a este fim.

Nos colóquios pessoais que mantive convosco durante estes dias, pude apreciar mais uma vez a vitalidade das vossas Igrejas particulares, vossa solicitude de Pastores, a dedicação dos vossos colaboradores no ministério apostólico e a fidelidade a este centro da unidade, que é a Sé de Pedro. Tal como já o tenho recordado em ocasiões semelhantes, a reunião de hoje evoca espontaneamente minhas viagens pastorais ao vosso país nascido à sombra da Cruz, abençoado desde as suas origens pela pregação do Evangelho e pelo dom do Batismo, e que continua a ser o imenso campo de trabalho ao qual sois enviados e no qual desenvolveis com abnegação o vosso ministério episcopal.

Este empenho missionário recebe agora um novo impulso, diante da celebração do Segundo Milênio do nascimento do Redentor, e constitui uma ocasião privilegiada para reafirmar no coração e na mente de cada brasileiro a verdadeira fé, revitalizar as comunidades cristãs no exercício da caridade, examinar métodos e adaptar os instrumentos pastorais que permitam à Igreja que está no Brasil continuar, com renovado ardor, a missão que vem desenvolvendo desde os inícios da evangelização.

3. Se o Jubileu do Ano 2000 pretende vir a ser uma grande oração de louvor e agradecimento sobretudo pelo dom da Encarnação do Filho de Deus e da Redenção, de modo especial caberá agradecer o « dom da Igreja fundada por Cristo como o sacramento ou sinal, e o instrumento da intima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano » (Tertio Millennio Adveniente, TMA 32).

Os que pertencem à Igreja estão unidos entre si, formando um só corpo espiritual, místico, cuja cabeça é Cristo. Desta maneira, não formam uma mera comunidade humana, não constituem simplesmente uma pessoa moral ou jurídica de índole religiosa, mas, pelo contrário, participam de uma unidade íntima que os compromete numa mesma vida, denominada vida sobrenatural ou vida da graça. « Na pessoa moral — dizia meu venerável predecessor, Papa Pio XII — o princípio de unidade não é senão o fim comum e a cooperação de todos na realização deste fim por meio da autoridade social, enquanto que, no corpo místico, a esta cooperação acrescenta-se outro princípio interno que ... ultrapassa imensamente todos os vínculos de unidade que servem para a união do corpo físico ou moral. É este um princípio não de ordem natural, mas sobrenatural; mais ainda, absolutamente infinito e incriado em si mesmo, a saber: o Espírito Santo » (Mystici Corporis).

Mas a Igreja tampouco se reduz a uma pura comunidade de espírito, mística e interna. Todo ser humano é chamado a fazer parte dela, que se configura, externamente, como uma verdadeira comunidade social histórica: o Povo de Deus. « A Igreja terrestre — proclama a Constituição « Lumen Gentium » do Concílio Vaticano II — e a Igreja ornada com dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento divino e humano » (Lumen Gentium LG 8). Na raiz de tudo, encontra-se a grande analogia com o mistério do Verbo Encarnado: « Assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de salvação ... de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo » (Lumen Gentium LG 8). Velar, pois, por confirmar, com o próprio ministério pastoral e santidade de vida, esta igualdade da única Igreja de Cristo, é missão vossa de grande repercussão e responsabilidade.

4. Desde o início do meu Pontificado convidei a Igreja universal a dirigir seu olhar para o começo do terceiro milênio, agora já iminente; tive, inclusive, a oportunidade de frisar que não se trata « de induzir a um novo milenarismo »,(Tertio Millennio Adveniente, TMA 23) como uma tentação de pressentir nele mudanças substanciais na vida das coletividades e de cada indivíduo. A vida humana continuará, os homens seguirão conhecendo sucessos e fracassos, momentos de glória e de decadência, e Cristo nosso Senhor continuará sendo, até o fim dos tempos, a única fonte de salvação.

Mas o tempo tem, também, importância fundamental, pois a salvação chegou-nos mediante as ações cumpridas na História pelo Verbo Encarnado. A fé católica, por seu lado, não nos tira do mundo, mas nos estimula a perceber as chamadas que Deus nos faz, ou, dito de outro modo, a « suscitar uma particular sensibilidade por tudo quanto o Espírito diz à Igreja e às Igrejas (Cf. Ap Ap 2,7 ss) » (Tertio Millennio Adveniente, TMA 23).

Assim sendo, decorrido este tempo de graça para a Igreja que está no Brasil, ao concluir-se mais um ciclo de visitas « ad limina » — tempo de ação de graças, de reflexão e de decisões pastorais —, estou certo de que cada um de vós fará próprias esta e as demais mensagens que dirigi ao Episcopado brasileiro, e se perguntará acerca daquela « particular sensibilidade » a que antes me referia, para levar a cabo, em cada Igreja particular, as indicações que gradualmente quis assinalar ao longo dos nossos encontros pessoais ou coletivos. Neste sentido, nascerá a « alegria da conversão, a "metánoia" ... que é a condição preliminar para a reconciliação com Deus tanto dos indivíduos como das comunidades »,(Tertio Millennio Adveniente, TMA 32) mas que atinge cada um dos Pastores de forma incessante, quando se trata de velar pelo bem espiritual das suas ovelhas.

5. « E vós mesmos, como pedras vivas, sede edificados sobre ele como edifício espiritual ».(1P 2,5).

Sim, caríssimos Irmãos no Episcopado, a Igreja é um « edifício espiritual » constituído de « pedras vivas » que a levantam. Jesus é a « pedra angular, escolhida e preciosa », sobre cujo fundamento a Igreja, sob a ação do Espírito, vai-se edificando a si mesma ao longo dos séculos. Quase a alertar-nos das recorrentes tentações da superficialidade e do clamor, ou também da desilusão e do cansaço, a Primeira Carta de Pedro recorda-nos que a essência verdadeira da Igreja está no seu fundamento: Cristo, crucificado e ressuscitado. Mais ainda: « A Igreja, com palavras do Doutor de Hipona —, "prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus", (Santo Agostinho, De Civitate Dei, XVIII, 51, 2: PL 41, 614) anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha » (Lumen Gentium LG 8 cf. Cor LG 11,26). A força de Cristo é a nossa esperança. Não deveis, não podeis esmorecer! Cristo ressuscitado velará pelo ministério dos seus Pastores, até o dia em que se manifestar, no final dos tempos, no esplendor da sua majestade.

Mas deveis ser também « pedras vivas » para o povo de Deus ansioso por conhecer, por penetrar de modo mais profundo neste mistério de Cristo e da sua Igreja. Neste caminho interior da graça, nós Bispos e sacerdotes, temos uma grande responsabilidade. Como não recordar aqui, que junto a um desejo sincero de possuir a verdade que liberta, há como um clima rarefeito de « indiferença religiosa, que leva tantos homens de hoje a viverem como se Deus não existisse »? ... E o que poderá dizer-se a respeito « da difusa perda do sentido transcendente da existência humana e do extravio do campo ético, até mesmo em valores fundamentais como os da vida e da família »? (Tertio Millennio Adveniente, TMA 36) É notório que se o « príncipe deste mundo » (Jn 14,30) não puder prevalecer sobre Cristo e sua Igreja, fará assim mesmo de tudo para perder as almas, pois o « demônio, vosso adversário, anda ao redor como um leão que ruge, buscando a quem devorar ».(1P 5,8)

Neste momento de desorientação, « que se difunde também por causa da crise de obediência ao Magistério da Igreja », (Tertio Millennio Adveniente, TMA 36) deveis mostrar-vos firmemente como « mestres da fé » (Christus Dominus CD 2) e, de modo especial, deveis procurar manter-vos, com a graça de Deus e docilidade de espírito, fiéis depositários da Verdade revelada, empenhados, concretamente, em preservar a unidade da Igreja com a promoção da sua disciplina comum e a observância de todas as leis eclesiásticas (Código de Direito Canônico, cân. 392). Desta forma estareis comprometidos, ainda mais, na grande missão que vos espera no limiar do terceiro milênio da Redenção: ajudar a comunicar aos homens os frutos da salvação de Cristo (Cf. Lumen Gentium LG 8) ensinando-os a redescobrir e amar a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

6. Bem sabeis, como « a Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária »; (Ad Gentes AGD 2) e, por isso, é necessário renovar incessantemente o espírito de missão em todos os seus membros, a partir do progressivo amadurecimento de cada um na própria fé batismal. Para obter uma participação ativa de cada membro da Igreja na missão que, embora de maneira diversa, compete a todos, impõe-se dedicar uma atenção prioritária e efetuar um intenso esforço para levar a multidões inteiras de batizados — afastados da prática religiosa, ou que talvez, nem sequer tenham sido educados nela — uma consciência mais clara e explícita da sua identidade católica e da sua pertença à Igreja, à prática assídua da vida sacramental e à sua integração nas próprias comunidades cristãs. Com paciência, com pedagogia paternal, mediante um itinerário catequético permanente, através de missões populares e de outros meios de apostolado, ajudai esses fiéis a aperfeiçoarem sua consciência de pertencer à Igreja. À inserção material na comunidade eclesial, pelo Batismo, devem seguir-se uma adesão consciente e uma participação ativa e generosa, de maneira que seja reforçada a própria identidade com Cristo-Cabeça que, através dos Bispos, sucessores dos Apóstolos, governa toda a Igreja. Dela auferirão os indispensáveis mananciais da graça que, mediante os sacramentos e a Boa Nova da Palavra de Deus, anunciada evangelicamente, se constitui em instrumento de salvação para os que crêem.

São precisamente essas multidões que conservam a fé do seu batismo, embora provavelmente debilitada pelo desconhecimento das verdades religiosas, as mais vulneráveis ante o embate do secularismo e do proselitismo das seitas, aos quais em diversas ocasiões quis referir-me ao longo do ano passado, nos vários encontros com o Episcopado brasileiro. Sem uma integração plena na vida eclesial e nas suas estruturas visíveis, ou seja, sem uma participação viva da Palavra e nos Sacramentos, a fé tende a esmorecer e dificilmente poderá resistir ao clima dessacralizador que reina e que convida a deixar a Deus de lado e a desconhecer a importância da religião para a existência quotidiana dos homens.

Os fiéis querem ver nos seus Bispos e nos seus padres um homem de Deus, « outro Cristo », que os levem pelos caminhos da fé, dispostos a reconduzir ao Pai os que estavam dispersos; (Cfr. Prex Eucharistica III) eles anseiam por contemplar a Cristo nos seus Pastores através da sua santidade e da dignidade de vida, mais do que pela sua popularidade, alcançada, talvez, por causa de tendências ideológicas ou sociais, ensinando a amar seus semelhantes, solidarizando-se com os que mais sofrem. A Igreja perderia seu mais genuíno sentido sobrenatural, querido por seu Fundador, (Cf. Jo Jn 18,36) se pretendesse atribuir preferentemente à sua estrutura visível uma orientação voltada para assuntos temporais, com o risco de agravar uma divisão no seio da sociedade já exasperada e perplexa ante a falta de orientação positiva sobre o seu destino. O « fundamento da comunidade querida por Deus no Seu desígnio eterno é a obra da Redenção, que liberta os homens da divisão e da dispersão produzidas pelo pecado » (Audiência Geral 7, 31 de Julho de 1991) Cristo, mediante Seu sacrifício redentor, culminado pela morte na cruz, é a fonte da nova unidade dos homens, chamados n'Ele a recuperar a dignidade de filhos de Deus.

O capítulo de intolerância, de violência nas cidades e no campo, de que tenho notícia, com as graves formas de injustiça e de marginalização social que atingem vossa sociedade, só será superado mediante uma catequese que, ao inspirar retos critérios de justiça social, leve a uma conversão dos corações para Deus, e a uma consciência mais viva da realidade sobrenatural da própria vida. Por isso, não é demais insistir que « quando a Igreja anuncia ao homem a salvação de Deus, quando lhe oferece e comunica, através dos sacramentos, a vida divina, quando orienta a sua vida segundo os mandamentos do amor a Deus e ao próximo, contribui para a valorização da dignidade do homem. Mas como nunca poderá abandonar esta sua missão religiosa e transcendente a favor do homem, eis por que se empenha sempre com novas forças e métodos na evangelização que promove o homem todo » (Centesimus Annus CA 55).

O anúncio central, a verdadeira novidade da pregação e da ação da Igreja é a Redenção do homem, operada por Jesus Cristo (Redemptor Hominis RH 18). Este já bem conhecido aspecto soteriológico não poderá jamais ser esquecido ou descuidado; pelo contrário, ele deve ocupar o lugar central, também quando a Igreja, no desempenho da sua específica missão religiosa, fala sobre as realidades temporais, iluminando-as com sua Doutrina Social. Somente a Redenção, obtida por Jesus Cristo e acolhida com fé no coração do homem, libertando-o do pecado, poderá superar as últimas e mais profundas barreiras do mal e da injustiça, assegurando uma sociedade melhor, na realização de uma civilização do amor.

7. Mas, concretamente, que podeis realizar em cada uma das vossas Igrejas?

Da leitura dos vossos relatórios, que preparastes, e da experiência que me provém do « ministério petrino » que se estende a toda a Igreja, desejo sugerir fraternalmente algumas diretrizes, que julgo válidas não só para vós, mas para todos os Pastores em geral.

a) É necessário empenhar-se ativamente na nova evangelização, cuja absoluta urgência para os cristãos da nossa época saliento há muito tempo. Cuidai, de modo metódico e capilar, da instrução religiosa, do catecismo das crianças e dos jovens, do estudo completo e formativo para jovens e adultos, dando especial ênfase à compreensão da sacralidade do matrimônio, e do respeito pela vida. Insisti nos imutáveis fundamentos da fé: Deus, Jesus Cristo, o Espírito vivificante e a Igreja; só Jesus Cristo é a verdade, e só na graça do Espírito há verdadeira salvação; incuti na alma de cada fiel, um terno amor à Mãe de Deus, a Virgem Maria. Formai-lhe a consciência, reta, coerente e corajosa. Deixai-me, deste modo, insistir sobre a conveniência de valerem-se todos do Catecismo da Igreja Católica — significativo reflexo da « natureza colegial do Episcopado »,(Fidei Depositum, 2) decorridos três anos desde quando autorizei a sua publicação — para uma correta interpretação destas, e de outras verdades da nossa fé.

b) Em segundo lugar, ante a insuficiência do clero para atender a uma população em contínuo aumento, é urgente uma grande promoção de vocações sacerdotais. De maneira justa, os Bispos e Agentes de Pastoral Vocacional, reunidos no Primeiro Congresso Continental Latino-Americano de Vocações, de 23 a 27 de Maio de 1994, em Itaici, diziam no começo de sua Declaração Final que « despertar, discernir, animar e apoiar as vocações de especial consagração » é « a causa fundamental da Igreja ». Os jovens de hoje procuram uma Igreja que se identifique com as verdades sobrenaturais e com os mistérios de Deus. Esta Igreja não é só Povo de Deus, facilmente reduzido a uma categoria sócio-cultural ou político-partidária. A verdadeira característica deste Povo de Deus é a sua participação no « sacerdócio régio de Cristo », é ser « Esposa do Verbo encarnado » e « família de Deus ». A Igreja de Deus, « Corpo Místico de Cristo », é enviada ao mundo somente na medida em que participa na divina missão do Filho de Deus feito homem, e vivência sua própria identidade na celebração dos divinos mistérios na liturgia. Neste sentido, urge que todos descubram a liturgia como tesouro primordial na formação da vida consagrada. Não é a história de um povo que se celebra, mas o mistério de Cristo que é o conteúdo mais profundo da Igreja em busca de seu destino definitivo. Cabe, então, reiterar aquela pergunta por mim formulada recentemente: « É vivida a liturgia como "fonte e cume" da vida eclesial, segundo o ensinamento da "Sacrosanctum Concilium"? » (Tertio Millennio Adveniente, TMA 36).

c) Finalmente, como não poderia deixar de ser, a vós, « ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus », (Lumen Gentium LG 21) vão minhas últimas recomendações. Deus nosso Senhor, chama seus Pastores a uma inexprimível união de Amor consigo mesmo. E Ele, que nos amou primeiro, deve poder exigir de seus « administradores » e « amigos » um coração constante, ardente e heróico, de cujas profundezas possa afirmar, com absoluta sinceridade: « Senhor, Tu sabes que Te amo » (Jn 21,17). Este amor evangélico que o Espírito Santo derrama nos nossos corações, (Cf. Rm Rm 5,5) deve constituir a força animadora de todas as vossas atividades pastorais, em benefício do Povo de Deus.

Cristo escolheu-vos e enviou-vos para que anuncieis a todos, com a vossa palavra e com a vossa vida, a sua mensagem e a sua verdade salvífica. Como educadores na fé e « mestres autênticos », (Lumen Gentium LG 25) a vossa oração e a escuta da Palavra hão de ser assíduas e atentas, para poderdes transmiti-La aos demais e, assim, descobrirdes em cada acontecimento os desígnios de Deus (Apostolicam Actuositatem AA 4) A vossa pregação deve ser sempre um testemunho do vosso encontro pessoal com Cristo e da vossa entrega, sem reservas, a difundir o Evangelho e a edificar o Reino de Deus em comunhão eclesial.

8. Enquanto este milênio se aproxima do seu fim, a Igreja prossegue a sua peregrinação; ela está vigilante e aguarda o seu Senhor, o Alfa e o Omega, Aquele que renova todas as coisas! (Cf. Ap Ap 21,5). Ao concluir os nossos encontros, por ocasião das vossas visitas « ad limina », queria convidar toda a Igreja do Brasil a implorar do « Pai de misericórdias » (2Co 1,3) a graça do Espírito, a fim de não se conformar com este século, (Cf. Rm Rm 2,12) mas de ser sempre conforme â « imagem de Seu Filho » (Cf. Rm Rm 8,29). Deus queira que na aurora do terceiro milênio, quando a inteira Nação brasileira estiver celebrando os quinhentos anos de descobrimento, floresçam na Terra da Santa Cruz frutos abundantes de graça e de santidade neste povo bom e generoso, que de vós espera a manifestação do espírito e a virtude de Deus! (Cf. 1Cor 1Co 2,4).

Ao retornardes às vossas dioceses, peço-vos que transmitais aos vossos sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas, catequistas e fiéis, a saudação afetuosa do Papa, que em todos pensa e por todos ora com grande afeto e firme esperança. A intercessão da Santíssima Virgem, nossa Senhora Aparecida, confio as vossas pessoas, as vossas intenções e propósitos pastorais, para que o nome de Cristo esteja sempre presente no coração e nos lábios de cada brasileiro.

Com estes sentimentos vos acompanham a minha prece e a minha Bênção Apostólica.



                                                               Fevereiro

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ANTÓNIO DE OLIVEIRA PINTO DA FRANÇA


NOVO EMBAIXADOR DE PORTUGAL JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 17 de Fevereiro de 1996



Senhor Embaixador

Ao receber as Cartas Credenciais com que inaugura a sua missão de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de Portugal junto da Santa Sé, é com grande prazer que lhe dou as boas-vindas, formulando os melhores votos pelo frutuoso e feliz desempenho da mesma.

Nesta ocasião, dirijo o meu pensamento grato e deferente ao Senhor Presidente da República, Doutor Mário Soares, pela presente nomeação de Vossa Excelência e pela saudação amável de que o fez portador, quase na hora do « render da guarda » naquele alto cargo, coincidindo com o seu retiro das lides governativas, no âmbito das quais, várias vezes, fui objecto das suas atenções de que lhe estou obrigado e das mesmas faço memória junto de Deus pela plena felicidade da sua vida e da sua família. Recordo que, na minha segunda Visita a Portugal, me acompanhou gentilmente ao Santuário de Fátima, quando 1á me dirigi no desejo de testemunhar uma vez mais a minha filial gratidão a Nossa Senhora pela solicitude materna com que vigia os destinos e passos dos homens.

E acompanhara-me lá, com a eloquência expressiva da sua fé e confiança na Virgem Maria, o querido povo português, cujo passado e presente imbuído de sentimentos de leal unidade e sincera dedicação ao Sucessor de Pedro quis o Senhor Embaixador recordar e, do mesmo, fazer-me homenagem nas palavras que acaba de me dirigir. Bem haja! Permita-me, neste momento, uma saudação fraterna a todos os fiéis católicos de Portugal, com os seus dedicados Pastores.

Excelência, vejo que, ao assumir as suas novas funções, se sente animado pelo propósito de bem servir as « relações seculares e frutuosas » existentes entre Portugal e a Santa Sé, guiado pelo amor da paz e da justiça que orienta a acção internacional do seu país. Escusado será dizer-lhe que, para tal, pode contar com toda a compreensão e apoio dos meus colaboradores.

Efectivamente, todos os que trabalham com sinceridade em prol do desenvolvimento integral da sociedade humana encontrarão um solícito cooperador na Igreja Católica, que professa não só um real respeito pela dignidade de cada uma das nações do mundo, com as suas próprias riquezas culturais, mas ainda, a bem das mesmas, não se cansa de lembrar que as diferentes culturas podem e devem completar-se mutuamente dentro da unidade da grande família humana.

Agradeço-lhe, Senhor Embaixador, o relevo dado, nas suas palavras, a este empenho incessante da Igreja Católica em prol da paz e entendimento universais, defendendo como único caminho civilizado para superar dissensões e conflitos o diálogo construtivo entre as partes envolvidas. A promoção do diálogo e da solidariedade entre os indivíduos e os povos é um dever de todas as nações, constituindo uma das mais urgentes exigências morais do nosso tempo. Mediante a própria presença no âmbito da comunidade internacional, a Santa Sé procura encorajar e fortalecer este diálogo, especialmente em relação aos valores espirituais e éticos, que são o fundamento essencial de uma sociedade justa e de uma paz verdadeira e duradoura.

Estes são princípios que o seu próprio país compartilha e tem demonstrado servir em várias situações, última das quais a relativa a Timor-Leste, cujos habitantes « continuam à espera de propostas capazes de permitirem a realização das suas legítimas aspirações, ou seja, verem reconhecida a sua especificidade cultural e religiosa » (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé 5, 13 de janeiro de 1996). A quantos tenham a peito ou entre mãos o problema de Timor, suplico o justo empenhamento por viabilizar e apoiar, cada qual na parte que lhe toca, o diálogo iniciado. Estou certo que Portugal saberá investir o melhor — cito — da sua « capacidade de diálogo e respeito pela identidade dos outros, só possível com a força de uma sã humildade », que a História lhe pediu e ensinou. Apelo-me à coragem dos amigos e servidores da paz!

Senhor Embaixador, queria, por fim, registar a emoção que lhe vai na alma pelo facto de chegar a Roma no limiar do Grande Jubileu do Ano 2000, que há-de ser — assim o espero e por isso instantemente rezo — um acontecimento de graça e de salvação para a Igreja e para o mundo. Isso exigirá a ambos, para além do mais, um sério e franco confronto com o secularismo », para enfrentar « a vasta temática da crise de civilização, como acabou por se manifestar sobretudo no Ocidente, tecnologicamente mais desenvolvido mas interiormente empobrecido pelo esquecimento ou pela marginalização de Deus » (Tertio Millennio Adveniente, TMA 52). Estou certo que a sociedade portuguesa, nos seus diversos níveis e componentes, fiel à sua história e ao exemplo dos seus maiores, saberá abrir-se a tal confronto, com coragem e livre dos preconceitos derivados de uma visão arreligiosa e amoral da pessoa e da comunidade humana.

Ao concluir este encontro, reitero meus votos cordiais par que a sua alta missão, hoje iniciada, seja coroada de êxitos. A Deus Todo-poderoso confio a pessoa de Vossa Excelência, os que lhe são caros e os seus colaboradores, e a sociedade portuguesa inteira, sobre todos invocando a abundância dos favores celestes por intercessão de Nossa Senhora da Conceição, que Portugal, há 350 anos, no Santuário de Vila Viçosa e pela voz da sua máxima Autoridade civil com explícita adesão dos Representantes da Nação, escolheu servir e honrar como Padroeira e Rainha.

Deus abençoe e proteja Portugal!                                                             
 Dezembro de 1996           


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS ESCOCESES


2 de Dezembro de 1996

Eminência
Queridos Amigos

É com muito prazer que o recebo, Cardeal Winning, juntamente com o Lorde-Mor de Glasgow e os numerosos fiéis que o acompanham nesta peregrinação a Roma, no momento em que Vossa Eminência celebra o Jubileu de Prata da sua Consagração episcopal.

É duplamente oportuno que as celebrações deste aniversário ocorram na Festa do Apóstolo Santo André, Padroeiro da Escócia. André foi o primeiro que levou o seu irmão Simão Pedro para junto do Senhor. Hoje, seguindo as pegadas de inumeráveis peregrinos escoceses ao longo dos séculos, viestes a Roma para visitar o túmulo de Pedro, no Vaticano. Oxalá esta peregrinação consolide os vínculos de comunhão que vos unem ao Sucessor de Pedro, e vos aproxime ainda mais, como André aproximou Pedro, de Jesus Cristo. Estou convicto de que os católicos da Escócia, conhecidos pela sua fidelidade ao Senhor e à Sua Igreja, até mesmo no meio de sofrimentos e provações, hão-de receber a graça de perseverar no testemunho jubiloso do Evangelho e da Sua mensagem de esperança duradoura.

Ao confiar todos vós à solicitude amorosa de Maria, Mãe da Igreja, concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica, como penhor da graça e da paz em Cristo, nosso Salvador.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR TEÓFILO DE FIGUEIREDO ALMEIDA SILVA


NOVO EMBAIXADOR DE CABO VERDE JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 12 de Dezembro de 1996



Senhor Embaixador

É com imenso prazer que o acolho hoje no Vaticano e recebo as Cartas Credenciais que o designam Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Cabo Verde junto da Santa Sé, constituindo mais um elo na sucessão de Representantes do seu País, com a insigne missão de manter e estreitar as relações entre a Sé Apostólica e a sua Nação, objecto da minha solicitude e afecto de Pastor.

Quero, em primeiro lugar, manifestar o meu agradecimento pelas deferentes palavras que me dirigiu, dando voz aos nobres sentimentos de proximidade e adesão à Sé de Pedro que se abrigam no coração da grande maioria dos seus concidadãos, como pude experimentar durante a minha Viagem Apostólica de 1990 e, de algum modo, reviver na grata visita que o Senhor Presidente da República, António Mascarenhas Monteiro, me fez recentemente. Aproveito esta significativa ocasião para, na pessoa de Vossa Excelência, saudar calorosamente o povo cabo-verdiano, empenhado na construção duma sociedade que corresponda às suas aspirações. Peço a Deus que abençoe os esforços de todos na edificação dum país cada vez mais digno e próspero.

Como é do conhecimento de Vossa Excelência, a missão da Igreja é essencialmente religiosa; as suas relações diplomáticas com as diversas nações visam responder à necessidade premente, a nível internacional, de afirmação e revigoramento da unidade da família humana. O Concílio Vaticano II ensina que « promover a unidade é efectivamente algo que se harmoniza com a missão essencial da Igreja » (Gaudium et Spes GS 42), que é a de ser instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano » (Lumen Gentium LG 1).

No desempenho desta missão, a Santa Sé não cessa de apelar para uma ordem mundial mais justa, inspirada por uma verdadeira solidariedade, necessária para sustentar o desenvolvimento dos países que procuram resolver as dificuldades resultantes das condições desfavoráveis em que se encontram, como no caso da seca, referido por Vossa Excelência, que está assolando o seu país. A recente Cimeira Mundial sobre a Alimentação, promovida pela FAO, deixou clara a vontade política dos Governos em darem-se as mãos para superar as graves emergências que põem em causa a sobrevivência de populações inteiras. Possa a Comunidade Internacional, em nome daquele espírito de uma única e grande família que é a humanidade, honrar os compromissos assumidos, desencadeando uma fecunda permuta de dons onde sejam contempladas, ou melhor, privilegiadas as nações mais desfavorecidas, facto esse que há-de redundar, em última análise, no bem-estar de todos! Realmente, « é do próprio interesse das nações ricas optarem pelo caminho da solidariedade, porque só assim será possível garantir à humanidade paz e harmonia duradouras » (Ecclesia in Africa ).

O citado espírito de família, propiciador de dias mais serenos e benignos para a humanidade, sobressai nas palavras que dirigi à Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano passado: « O conceito de "família" evoca imediatamente algo que vai para além de simples relacionamentos funcionais ou mera convergência de interesses. A família é, por sua natureza, uma comunidade fundada sobre a confiança recíproca, o sustento mútuo e o respeito sincero. Numa autêntica família, não existe o domínio dos fortes; pelo contrário, os membros mais fracos são, devido à sua debilidade, duplamente acolhidos e servidos. Transferidos para o nível da "família das nações", estes são os sentimentos que devem tecer, mesmo antes do simples direito, as relações entre os povos (Mensagem à Assembléia da ONU pelo 50º aniversário de fundação 14, 5 de Outubro de 1995) para que a comunidade internacional possa aspirar, com fundada esperança, a ver sanadas as chagas que ainda sangram na própria carne de inúmeros seres humanos.

Senhor Embaixador, passando do âmbito da « família das nações » ao seu paradigma e inspiração, ou seja, às famílias da nação, recordo como a Assembleia do Sínodo dos Bispos para a África, realizada em 1994, pôs a descoberto que, neste Continente « de modo particular, a família representa a base sobre a qual está construído o edifício da sociedade », (Ecclesia in Africa ) especificando que a mesma « possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento continuo, mediante o dever de serviço à vida: saem, de facto, da família os cidadãos, e é na família que eles encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade. Assim, por força da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se às outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social » (Ecclesia in Africa ). Eis a razão por que a Igreja em Cabo Verde, como aliás por toda a terra, tem tão a peito a defesa da família: salvaguardando a célula primordial da sociedade, concorre para evitar a desintegração desta. Posso assegurar-lhe que os católicos cabo-verdianos continuam determinados a colaborar para o bem-estar nacional, não obstante os atentados vandálicos contra símbolos religiosos, que infelizmente se têm repetido por mãos anónimas.

Quando, depois, se reconhece, como justamente o faz o Senhor Embaixador, que o seu País « tem crescido sempre suportado por uma cultura estruturada na base de princípios e valores cristãos », é lícito esperar que o modelo de família assente na unidade e indssolubilidade do matrimónio seja privilegiado como garantia da estabilidade e solidez da vida social da nação. O Concilio Vaticano II lançou este apelo: « Que o poder civil considere como um dever sagrado reconhecer a verdadeira natureza do matrimónio e da família, protegê-los e fazê-los progredir, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade doméstica » (Gaudium et Spes GS 52). Um ordenamento jurídico, que tutele convenientemente a família, terá repercussões positivas no bem comum, fazendo com que esta instituição continue a ser o núcleo sobre o qual se funda a sociedade.

Senhor Embaixador!

Ao concluir este encontro, formulo votos cordiais por que a sua alta missão, hoje iniciada, lhe proporcione muitas satisfações no desempenho da mesma. A Deus Todo-poderoso confio a sua pessoa e os que lhe são caros, o Senhor Presidente da República e quantos estão ao serviço do querido povo de Cabo Verde, que Vossa Excelência tem a honra, a partir de agora, de representar junto da Santa Sé.




Discursos João Paulo II 1996