AUDIÊNCIAS 1997




                                                                             Janeiro de 1997 

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 8 de Janeiro de 1997

Na Apresentação de Jesus no Templo,

é revelada a cooperação da "mulher" na Redenção




1. As palavras do velho Simeão, anunciando a Maria a Sua participação na missão salvífica do Messias, põem em evidência o papel da mulher no mistério da redenção.

Com efeito, Maria é não só uma pessoa individual, mas também a «filha de Sião», a mulher nova posta ao lado do Redentor, para compartilhar a Sua paixão e gerar, no Espírito, os filhos de Deus. Essa realidade é expressa pela representação popular das «sete espadas» que trespassam o coração de Maria: a representação evidencia o ligame profundo entre a mãe, que se identifica com a filha de Sião e a Igreja, e o destino de sofrimento do Verbo encarnado.

Restituindo o Filho, há pouco recebido de Deus, para O consagrar à Sua missão de salvação, Maria entrega-se também a si mesma a essa missão. Trata- se de um gesto de partilha interior, que não só é fruto do natural afecto materno, mas exprime sobretudo o consentimento da mulher nova à obra redentora de Cristo.

2. Na sua intervenção, Simeão indica a finalidade do sacrifício de Jesus e do sofrimento de Maria: estes acontecerão «a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações» (Lc 2,35).

Jesus «sinal de contradição» (Lc 2,34) que envolve a mãe no Seu sofrimento, conduzirá os homens a tomar posição naquilo que lhes diz respeito, convidando-os a uma decisão fundamental. Ele, com efeito, «está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel» (Lc 2,34).

Maria está, pois, unida ao Seu divino Filho na «contradição», em vista da obra da salvação. Existe certamente o risco de ruína para quem rejeita Cristo, mas efeito maravilhoso da redenção é a ressurreição de muitos. Só este anúncio acende uma grande esperança nos corações, aos quais já testemunha o fruto do sacrifício.

Pondo sob o olhar da Virgem estas perspectivas da salvação antes da oferta ritual, Simeão parece sugerir a Maria que ela cumpra este gesto, para contribuir no resgate da humanidade. De facto, ele não fala com José nem de José: a sua palavra é dirigida a Maria, que ele associa ao destino do Filho.

3. A prioridade cronológica do gesto de Maria não ofusca o primado de Jesus. O Concílio Vaticano II, ao definir o papel de Maria na economia da salvação, recorda que Ela «se consagrou totalmente... à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo o mistério da Redenção » (LG 56).

Na apresentação de Jesus no templo, Maria serve o mistério da redenção sob Cristo e com Cristo: é Ele, de facto, o protagonista da salvação, que deve ser resgatado com a oferta ritual. Maria está unida ao sacrifício do Filho pela espada que Lhe trespassará a alma.

O primado de Cristo não anula, mas sustém e exige o papel próprio e insubstituível da mulher. Envolvendo a mãe no próprio sacrifício, Cristo quer revelar as profundas raízes humanas deste sacrifício e mostrar uma antecipação da oferenda sacerdotal da cruz.

A intenção divina de solicitar o empenho específico da mulher na obra redentora resulta do facto que a profecia de Simeão é dirigida só a Maria, apesar de também José ser partícipe do rito da oferta.

4. A conclusão do episódio da apresentação de Jesus no templo parece confirmar o significado e o valor da presença feminina na economia da salvação. O encontro com uma mulher, Ana, conclui estes momentos singulares, nos quais o Antigo Testamento como que se concede ao Novo.

Como Simeão, esta mulher não é uma pessoa socialmente importante no povo eleito, mas a sua vida parece possuir um alto valor aos olhos de Deus. São Lucas chama-lhe «profetiza», provavelmente porque era consultada por muitos, por causa do seu dom de discernimento e da sua vida santa, conduzida sob a inspiração do Espírito do Senhor.

Ana era idosa, tendo oitenta e quatro anos, e havia muito tempo que era viúva. Totalmente consagrada a Deus, «não se afastava do Templo, servindo a Deus, noite e dia, com jejuns e orações» (Lc 2,37). Ela representa quantos, tendo vivido intensamente a espera do Messias, são capazes de acolher o cumprimento da Promessa com gozosa exultação. O Evangelista refere que, «aparecendo nesta mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus» (Lc 2,38).

Frequentando habitualmente o Templo, Ela pôde, talvez com maior facilidade do que Simeão, encontrar Jesus no crepúsculo duma existência dedicada ao Senhor e enriquecida pela escuta da Palavra e pela oração.

No alvorecer da Redenção, podemos divisar na profetiza Ana todas as mulheres que, com a santidade da vida e em atitude orante, estão prontas a acolher a presença de Cristo e a louvar todos os dias a Deus pelas maravilhas operadas pela Sua misericórdia eterna.

5. Escolhidos para o encontro com o Menino, Simeão e Ana vivem intensamente esse dom divino, compartilham com Maria e José a alegria da presença de Jesus e difundem-na no seu ambiente. Ana demonstra especialmente um zelo magnífico ao falar de Jesus, testemunhando desse modo a sua fé simples e generosa. Fé que prepara os outros para acolher o Messias na própria existência.

A expressão de Lucas: «Falava do Menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém» (2, 38), parece acreditá-la como símbolo das mulheres que, dedicando-se à difusão do Evangelho, suscitam e alimentam esperanças de salvação.

Saudações especiais

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Saúdo com afecto os peregrinos de língua portuguesa aqui presentes e os que me escutam pela Rádio ou pela Televisão.

De modo especial desejo hoje cumprimentar o numeroso grupo de Juristas católicos brasileiros, provindos de diversos Estados da Federação. Faço votos por que esta sua presença, já habitual em Roma, para um aprofundamento da ciência jurídica junto da Pontifícia Universidade Urbaniana, contribua para reafirmar o estreito ligame que existe entre as verdades naturais e as verdades de fé, pois tanto estas como aquelas têm necessariamente a Deus como Autor. A vós e aos vossos parentes e amigos dou-vos de coração a minha Bênção.

Saúdo-vos cordialmente, caros peregrinos de língua francesa e desejo-vos uma boa descoberta de Roma e dos seus tesouros de fé, cultura e arte. Sobre cada um de vós, invoco a abundância das Bênçãos de Deus.

Tenho o prazer de dar as boas-vindas aos visitantes de língua inglesa, de modo especial aos peregrinos da Coreia e dos Estados Unidos da América. Agradeço também os coros pelo seu louvor a Deus mediante os cânticos. Sobre vós e sobre as vossas famílias, de todo o coração invoco a alegria e a paz de Jesus Cristo, nosso Salvador.

Quero saudar agora com afecto todas as pessoas, famílias e grupos de língua espanhola, que participam nesta audiência. Maria, a Mãe do Menino divino, Salvador do mundo, vos acompanhe e proteja ao longo deste ano novo que acabámos de iniciar. Com estes votos vos concedo de coração a Bênção Apostólica.

É-me grato poder saudar hoje o grupo de Professores de Èakovec e de Osijek, e as crianças de Sarajevo e de Kupres. Sede bem-vindos! Caríssimos, ao conceder a Bênção Apostólica a cada um de vós aqui presentes e às vossas famílias, faço votos por que o ano, há pouco iniciado, seja para todas as queridas populações da Croácia e da Bósnia-Herzegovina, muito extenuadas pela longa guerra, um ano de verdadeira paz na justiça. Louvados sejam Jesus e Maria!

Dou agora cordiais boas-vindas aos peregrinos italianos aqui presentes. Dirijo uma saudação especial ao novo Bispo de Trieste. Saúdo o numeroso grupo de Chefes de portaria de hotel, participantes no Congresso Internacional «As chaves de ouro».

Saúdo também os neo-sacerdotes, acompanhados dos seus pais e da inteira Comunidade do Centro de Estudos Superiores dos Legionários de Cristo e, de igual modo, as Capitulares da Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição de Lipari, guiadas pela Superiora-Geral, Madre Maria Floriana Giuffré. Abraço espiritualmente as crianças da região de Chernobyl, com os seus anfitriões da Associação «Cegonha» de Lanciano, bem como os jovens da Ucrânia, acolhidos pelas Paróquias da Região forânea de Cápua.

Por fim, o meu pensamento dirige-se aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais. Caríssimos, nestes dias depois da festa da Epifania, continuamos a meditar sobre a manifestação de Cristo a todos os povos. A Igreja convida cada baptizado, depois de ter adorado a glória de Deus no Verbo feito carne, a reflectir a sua luz com a própria vida.

Convido-vos, caros jovens, a ser testemunhas conscientes de Cristo entre os vossos coetâneos; a vós, queridos doentes, a difundir cada dia a sua luz com paciência serena; e a vós, prezados jovens esposos, a ser sinal da luminosa presença de Jesus com o vosso amor fiel na família.

Como conclusão desta Audiência geral foi cantado o «Pai Nosso» e, em seguida, o Santo Padre, juntamente com os Bispos presentes, concedeu a todos os presentes a Bênção Apostólica.





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 15 de Janeiro de 1997

A perda de Jesus e o seu reencontro no Templo




1. Como última página das narrações da infância, antes do início da pregação de João Baptista, o evangelista Lucas apresenta o episódio da peregrinação de Jesus adolescente ao Templo de Jerusalém. Trata-se de uma singular circunstância, que elucida os longos anos da vida escondida em Nazaré.

Nessa ocasião, Jesus, com a Sua forte personalidade, revela a consciência da Sua missão, conferindo a este segundo «ingresso» na «casa do Pai» o significado de uma completa doação a Deus, a qual já havia caracterizado a Sua apresentação no Templo.

Esta perícope parece pôr-se em contraste com a anotação de Lucas, que apresenta Jesus submisso a José e a Maria (cf. 2, 51). Mas, considerando bem, Ele parece colocar-Se, aqui, numa consciente e quase querida antítese com a Sua normal condição de filho, fazendo emergir improvisamente uma decidida separação de Maria e José. Jesus declara que só assume, como norma de comportamento, a Sua pertença ao Pai e não os laços familiares terrenos.

2. Através deste episódio, Jesus prepara a Sua mãe para o mistério da Redenção. Maria, juntamente com José, vive nos três dramáticos dias em que o Filho Se subtrai a eles, para permanecer no Templo, a antecipação do tríduo da Sua paixão, morte e ressurreição.

Deixando partir a Sua Mãe e José para a Galileia, sem acenar-lhes a intenção de permanecer em Jerusalém, Jesus introdu-los no mistério daquele sofrimento que leva à alegria, antecipando quanto haveria de realizar depois com os discípulos, mediante o anúncio da Sua Páscoa.

Segundo a narração de Lucas, na viagem de retorno a Nazaré Maria e José, após uma jornada de viagem, preocupados e angustiados pela sorte do Menino Jesus, procuram-n’O em vão entre parentes e conhecidos. Tendo reentrado em Jerusalém e ao encontrá-l’O no Templo, ficam assombrados, porque O vêem «sentado entre os doutores, a ouvi- los e a fazer-lhes perguntas» (Lc 2,46). A Sua conduta apresenta-se muito diversa do modo habitual. E certamente o Seu reencontro ao terceiro dia constitui para os pais a descoberta doutro aspecto relativo à Sua pessoa e à Sua missão.

Ele assume o papel de mestre, como fará mais tarde na vida pública, pronunciando palavras que provocam admiração. «Todos quantos O ouviam estavam estupefactos com a Sua inteligência e as Suas respostas» (2, 47). Revelando uma sabedoria que assombra os ouvintes, inicia a pregar a arte do diálogo, que será uma característica da Sua missão salvífica.

A Mãe pergunta a Jesus: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que Teu pai e eu andávamos aflitos à Tua procura» (Lc 2,48). Poder-se-ia captar aqui o eco dos «porquês» de tantas mães diante dos sofrimentos que lhes foram causados pelos filhos, assim como diante dos interrogativos que surgem no coração de cada homem nos momentos de prova.

3. Densa de significado é a resposta de Jesus em forma interrogativa: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai?» (Lc 2,49).

Com essa expressão Ele, de modo inesperado e imprevisto, revela a Maria e José o mistério da Sua Pessoa, convidando- os a ultrapassar as aparências e abrindo-lhes perspectivas novas quanto ao Seu futuro.

Na resposta à Mãe angustiada, o Filho revela imediatamente o motivo do Seu comportamento. Maria tinha dito: «Teu pai», designando José; Jesus responde: «Meu Pai», querendo dizer o Pai celeste.

Ao referir-Se à Sua descendência divina, Ele quer afirmar não tanto que o Templo, a casa de Seu Pai, é o «lugar» natural da Sua presença, quanto, ao contrário, que Ele deve interessar-Se por tudo aquilo que se refere ao Pai e ao Seu desígnio. Ele quer reafirmar que só a vontade do Pai é para Ele norma que vincula a Sua obediência.

Esta referência à total dedicação ao projecto de Deus é evidenciada no texto evangélico, pela expressão verbal «é necessário », que aparecerá, depois, no anúncio da Paixão (cf. Mc Mc 8,31).

Aos Seus pais, pois, é pedido que O deixem ir, a fim de cumprir a Sua missão lá onde O conduz a vontade do Pai celeste.

4. O Evangelista comenta: «Mas eles não compreenderam as palavras que lhes disse» (Lc 2,50).

Maria e José não percebem o conteúdo da Sua resposta, nem o modo, que parece ser uma rejeição, com que Ele reage à preocupação deles como pais. Com esta atitude Jesus quer revelar os aspectos misteriosos da Sua intimidade com o Pai, aspectos que Maria intui sem, porém, os saber ligar com a prova que estava a experimentar.

As palavras de Lucas permitem-nos conhecer como Maria vive no seu ser profundo este episódio deveras singular. Ela «guardava todas estas coisas no seu coração» (Lc 2,51). A Mãe de Jesus liga os eventos ao mistério do Filho, que lhe foi revelado na Anunciação, e aprofunda- os no silêncio da contemplação, oferecendo a sua colaboração no espírito de um renovado «fiat».

Inicia assim o primeiro anel duma cadeia de eventos, que levará Maria a superar progressivamente o papel natural, que lhe deriva da maternidade, para se pôr ao serviço da missão do seu divino Filho.

No templo de Jerusalém, neste prelúdio da Sua missão salvífica, Jesus associa a Si a Mãe; Ela jamais será apenas Aquela que O gerou, mas a Mulher que, com a própria obediência ao Desígnio do Pai, poderá colaborar no mistério da Redenção.

E assim Maria, conservando no seu coração um evento tão repleto de significado, chega a uma nova dimensão da sua cooperação na salvação.



Saudações especiais

Queridos Irmãos e Irmãs!

Amados visitantes de Portugal e demais peregrinos que falais o mesmo idioma: uma saudação fraterna de boas-vindas, com votos de que a vossa peregrinação até ao lugar da Confissão de Pedro seja frutuosa, rica de graças e luzes do Alto, que vos ajudem a ser, por toda a parte, autênticas e incansáveis testemunhas de Cristo. Em seu Nome, dou-vos a minha Bênção, extensiva aos vossos familiares e comunidades cristãs.

Caros Irmãos e Irmãs! Saúdo cordialmente as pessoas de língua francesa presentes nesta audiência. Em particular, é-me grato acolher D. Vilnet, Bispo de Lila, o Superior e os diáconos do seu Seminário Maior. Deus vos abençoe!

Prezados Irmãos e Irmãs! Tenho o prazer de dar as boas-vindas aos visitantes de língua inglesa, presentes nesta audiência, especialmente aos peregrinos da Austrália e dos Estados Unidos da América. Também estou grato aos coros pelo louvor a Deus, manifestado através da música. Sobre todos vós, invoco cordialmente a alegria e a paz de Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador do mundo.

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola; em especial o grupo de fiéis guatemaltecos, neste dia da festa do Cristo de Esquipulas, diante de cuja imagem, no ano passado, implorei mais uma vez a paz.

Congratulando-me com toda a Guatemala pela assinatura do «Acordo de Paz Firme e Duradoura», que põe fim à guerra, desejo que esta querida Nação goze de um futuro de paz e progresso espiritual e material, no qual sejam respeitados os direitos de todos e cada um possa oferecer o seu esforço em favor do desenvolvimento integral, da participação social e da convivência pacífica. Com estes votos, de bom grado concedo a todos a Bênção Apostólica.

Dirijo cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana, em particular ao Presidente e aos membros do Centro «La Famiglia» de Roma, que vieram para recordar o trigésimo aniversário de fundação e o vigésimo aniversário da instituição da Escola para Consultores familiares.

Abraço com afecto as crianças provenientes da Ucrânia, hóspedes da Paróquia de Santo André Apóstolo, em Griciniano de Aversa. Saúdo, depois, o grupo de Generais e de altos Oficiais provenientes de vários Países europeus, reunidos em Roma para actividades de serviço.

Apresento, além disso, uma saudação cordial aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais. Convido-vos, caros jovens, a testemunhar sempre com generosidade a vossa fé em Cristo, que ilumina o caminho da vida.

Seja a fé um constante conforto no sofrimento de todos vós, queridos doentes; e para vós, prezados jovens esposos, a luz de Cristo seja guia eficaz na vossa existência familiar.





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


22 de Janeiro de 1997

O dom da reconciliação




1. «Tudo isto vem de Deus, que por meio de Cristo nos reconciliou Consigo e nos confiou o ministério da reconciliação » (2Co 5,18).

Nesta semana de oração pela unidade (18–25 de Janeiro) os cristãos — católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes — reúnem-se com maior fervor para rezar juntos. A divisão entre os discípulos de Cristo constitui uma contradição tão evidente, que não lhes consente resignar- se a ela sem se sentirem de algum modo responsáveis. Esta semana particular tem a finalidade de solicitar a comunidade cristã a empenhar-se com maior intensidade na oração, para experimentar ao mesmo tempo como é bonito vivermos juntos como irmãos. Não obstante as tensões que às vezes as diferenças existentes suscitam, estes dias fazem já de algum modo antegozar a alegria que será trazida pela plena comunhão, quando ela finalmente se realizar.

O Comité Misto Internacional, composto de representantes da Igreja católica e do Conselho Ecuménico das Igrejas, o qual anualmente prepara os textos para esta semana de oração, propôs este ano o tema da reconciliação, inspirando- se na segunda carta de São Paulo aos cristãos de Corinto. O Apóstolo proclama, antes de mais, o grande anúncio: «Deus reconciliou-nos Consigo, por meio de Cristo». O Filho de Deus tomou sobre Si o pecado do homem e obteve o perdão, restabelecendo a nossa comunhão com Deus. Com efeito, Deus quer a reconciliação da humanidade inteira.

Da carta aos Coríntios resulta claramente que a reconciliação é graça de Deus. Nela, por outro lado, afirma-se também que Deus «nos confiou o ministério da reconciliação» (2Co 5,18), nos confiou «a mensagem da reconciliação » (Ibid., 19). Este anúncio empenha, portanto, todos os discípulos do Senhor. Mas que esperança podem ter de ser escutados ao propor o convite à reconciliação, se eles são os primeiros a não viver uma situação plenamente reconciliada com todos os que compartilham a sua fé?

Este é um problema que deve atormentar a consciência de quantos crêem em Jesus Cristo, que morreu «para trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos» (Jn 11,52). Contudo, serve de conforto para todos nós a certeza de que, apesar das nossas debilidades, Deus actua connosco e, no final, realizará os seus desígnios.

2. Neste sentido a crónica ecuménica oferece-nos com frequência motivos de esperança e encorajamento. Se consideramos o mundo desde o Concílio Vaticano II até hoje, a situação das relações entre os cristãos mudou muito. A comunidade cristã é mais compacta e o espírito de fraternidade mais evidente.

Certamente, não faltam motivos de tristeza e preocupação. Cada ano, todavia, registam-se eventos que incidem positivamente no esforço rumo à plena unidade. Também no ano que há pouco concluímos, foram realizados intensos contactos em diversas circunstâncias, com as várias Igrejas e Comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente. Alguns destes acontecimentos chamam a atenção dos meios de comunicação social, outros passam despercebidos, mas não são menos úteis.

Quereria assinalar, em particular, a colaboração crescente que está a ser feita nos Institutos de pesquisa científica ou de ensino. A contribuição que estas iniciativas podem dar à solução dos problemas abertos entre os cristãos — em campo histórico, teológico, disciplinar, espiritual —, é certamente importante, sob o aspecto quer da superação das incompreensões do passado, quer da procura comum da verdade. Esta colaboração não é apenas um método hoje necessário; nela experimenta-se já uma forma de comunhão de intenções.

Quanto ao ano há pouco concluído, quereria recordar a Declaração comum, assinada com Sua Santidade Karekin I, Catholicos de todos os Arménios (13 de Dezembro de 1996). Com esta antiga Igreja, que sobretudo neste século se enriqueceu com o testemunho duma plêiade de mártires, existia uma contenda cristológica que remontava ao Concílio de Calcedónia (451), isto é, há mais de 1.500 anos. Incompreensões teológicas, dificuldades linguísticas, diversidades culturais tinham, durante todos estes séculos, impedido um verdadeiro diálogo. O Senhor concedeu-nos, o que foi para nós motivo de profunda alegria, confessar finalmente juntos a mesma fé em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Na Declaração comum, reconhecemos a respeito d’Ele que é «Deus perfeito na Sua divindade, homem perfeito na Sua humanidade; a Sua divindade está unida à Sua humanidade na Pessoa do Filho Unigénito de Deus, numa união que é real, perfeita, sem confusão, sem divisão, sem forma de separação alguma».

No ano passado, além disso, encontrei- me com muitos irmãos de outras Igrejas e Comunidades eclesiais, como Sua Graça o Dr. George Leonard Carey, Arcebispo de Cantuária, e com outras personalidades que vieram visitar-me a Roma. Também fora desta Cidade, nas minhas viagens, foi para mim uma alegria encontrar-me com representantes de outras Igrejas, empenhados em testemunhar a fé em Cristo e em procurar a comunhão, juntamente com os católicos do lugar.

São outros tantos pequenos mas significativos passos rumo à reconciliação dos corações e das mentes. O Espírito de Deus nos guiará rumo à plena compreensão recíproca e à almejada meta da plena comunhão.

3. Entre os cristãos permanecem infelizmente, não só dificuldades doutrinais, mas também asperidades, reticências, manifestações de desconfiança, que às vezes dão origem a expressões de agressividade gratuita.

Isto significa que deve ser intensificado tanto o ecumenismo espiritual — que consiste na conversão do coração, no renovamento da mente, na oração pessoal e comum —, como o diálogo teológico. Esse empenho deve aumentar, precisamente enquanto nos encaminhamos rumo ao Grande Jubileu, ocasião excepcional para todos os cristãos levarem juntos, às gerações do novo milénio, o alegre anúncio da reconciliação.

Este primeiro ano de preparação para o Jubileu tem como tema: «Jesus Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre» (cf. Heb. He 13,8). Na Tertio millennio adveniente fiz notar que «precisamente sob a vertente ecuménica, este será um ano muito importante para juntos voltarmos o olhar para Cristo, único Senhor, com o compromisso de nos tornarmos um só, nos termos da sua súplica ao Pai» (n. 41).

Com todos os que nesta semana oram pela unidade dos cristãos, elevemos também nós a nossa oração, invocando ao Senhor o dom da reconciliação.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 29 de Janeiro de 1997

Maria na vida oculta de Jesus


Queridos Irmãos e Irmãs,

1. Os Evangelhos oferecem poucas e escassas notícias sobre os anos transcorridos pela Sagrada Família em Nazaré. São Mateus fala da decisão tomada por José, depois do retorno do Egipto, de fixar a residência da Sagrada Família em Nazaré (cf. Mt Mt 2,22-23), mas depois não dá nenhuma outra informação, excepto que José era carpinteiro (cf. Mt Mt 13,55). Por seu lado, São Lucas menciona duas vezes o retorno da Sagrada Família a Nazaré (cf. Lc Lc 2,39 Lc Lc 2,51) e fornece duas breves indicações sobre os anos da infância de Jesus, antes e depois do episódio da peregrinação a Jerusalém: «O Menino crescia e robustecia- Se, enchendo-Se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele» (Lc 2,40), e «Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens » (Lc 2,52).

Ao escrever estas breves anotações sobre a vida de Jesus, Lucas relata provavelmente as recordações de Maria, relativas a um período de profunda intimidade com o Filho. A união entre Jesus e a «cheia de graça» supera em grande medida aquela que normalmente existe entre mãe e filho, porque está arraigada numa particular condição sobrenatural e é revigorada pela especial conformidade de ambos à vontade divina.

Pode-se, então, concluir que o clima de serenidade e de paz, presente na casa de Nazaré, e a orientação constante para o cumprimento do projecto divino, conferiam à união entre mãe e filho uma extraordinária e irrepetível profundidade.

2. Em Maria a consciência de cumprir uma tarefa que lhe foi confiada por Deus, atribuía um significado mais excelso à sua vida quotidiana. Os simples e humildes trabalhos de cada dia assumiam, aos seus olhos, um valor singular, já que eram vividos por Ela como serviço à missão de Cristo.

O exemplo de Maria ilumina e encoraja a experiência de inúmeras mulheres, que realizam o seu trabalho quotidiano exclusivamente entre as paredes domésticas. Trata-se de um empenho humilde, oculto, repetitivo e, muitas vezes, não apreciado de modo suficiente. Contudo, os longos anos, transcorridos por Maria na casa de Nazaré, revelam as suas enormes potencialidades de amor autêntico e, portanto, de salvação. Com efeito, a simplicidade da vida de tantas donas de casa, sentida como missão de serviço e de amor, contém um valor extraordinário aos olhos do Senhor.

E pode-se até dizer que a vida de Nazaré, para Maria, não era dominada pela monotonia. Em contacto com Jesus que crescia, Ela esforçava-se por penetrar o mistério do seu Filho, contemplando e adorando. São Lucas diz: «Maria conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (2, 19; cf. 2, 51).

«Todas estas coisas»: são os eventos de que Ela foi, ao mesmo tempo, protagonista e espectadora, a começar pela Anunciação; mas, sobretudo, é a vida do Menino. Cada dia de intimidade com Ele constitui um convite a conhecê-l’O melhor, a descobrir mais profundamente o significado da Sua presença e o mistério da Sua pessoa.

3. Poder-se-ia pensar que para Maria era fácil crer, dado que Ela vivia quotidianamente em contacto com Jesus. A respeito disso, porém, é preciso recordar que os aspectos singulares da personalidade do Filho permaneciam habitualmente ocultos; embora o Seu modo de agir fosse exemplar, Ele vivia uma vida semelhante à de tantos dos Seus coetâneos.

Durante os trinta anos da permanência em Nazaré, Jesus não manifesta as Suas qualidades sobrenaturais nem realiza gestos prodigiosos. Às primeiras manifestações extraordinárias da Sua personalidade, ligadas ao início da pregação, os Seus familiares (chamados no Evangelho «irmãos») assumem — segundo uma interpretação — a responsabilidade de O reconduzir a casa, porque julgam que o Seu modo de Se comportar não é normal (cf. Mc Mc 3,21).

Na digna e laboriosa atmosfera de Nazaré, Maria esforçava-se por compreender a trama providencial da missão do Filho. A respeito disso, para a Mãe foi certamente objecto de particular reflexão a frase que Jesus pronunciara no Templo de Jerusalém, quando havia doze anos de idade: «Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai » (Lc 2,49). Ao meditar sobre isto, Maria podia entender melhor o sentido da filiação divina de Jesus e o da sua maternidade, empenhando-se em divisar, no comportamento do Filho, os traços reveladores da Sua semelhança com Aquele a Quem Ele chamava «Meu Pai».

4. A comunhão de vida com Jesus, na casa de Nazaré, levou Maria a progredir não só «na peregrinação da fé» (LG 58), mas também na esperança. Essa virtude, alimentada e sustentada pela lembrança da Anunciação e das palavras de Simeão, abrange todo o arco da Sua existência terrena, mas é de modo particular exercida nos trinta anos de silêncio e escondimento transcorridos em Nazaré.

Entre as paredes domésticas a Virgem vive a esperança de forma excelsa; sabe que não permanece desiludida, ainda que não conheça os tempos e os modos com que Deus realizará a Sua promessa. Na obscuridade da fé e na ausência de sinais extraordinários, que anunciem o início da missão messiânica do Filho, Ela espera, para além de qualquer evidência, aguardando de Deus o cumprimento da promessa.

Ambiente de crescimento da fé e da esperança, a casa de Nazaré torna-se um lugar de sublime testemunho da caridade. O amor que Cristo desejava infundir no mundo acende-se e arde, antes de tudo, no coração da Mãe: é precisamente no lar que se prepara o anúncio do Evangelho da caridade divina.

Olhando para Nazaré, contemplando o mistério da vida oculta de Jesus e da Virgem, somos convidados a reflectir sobre o mistério da nossa própria existência, que — recorda São Paulo — «está escondida com Cristo em Deus» (Col 3,3).

Trata-se, com frequência, de uma existência humilde e obscura aos olhos do mundo; porém, de uma existência que na escola de Maria pode manifestar inesperadas potencialidades de salvação, irradiando o amor e a paz de Cristo. Amados visitantes do Brasil e todos os presentes de língua portuguesa: esta peregrinação a Roma encha de luz e fortaleza o vosso testemunho cristão, para confessardes Jesus Cristo como único Salvador e Senhor da vida: fora d’Ele, não há vida, nem esperança de a ter. Com Cristo, sucesso eterno à vida que Deus vos confiou. Para cada um de vós e família, a minha Bênção!

Saudações

Amados visitantes do Brasil e todos os presentes de língua portuguesa: esta peregrinação a Roma encha de luz e fortaleza o vosso testemunho cristão, para confessardes Jesus Cristo como único Salvador e Senhor da vida: fora d'Ele, não há vida, nem esperança de a ter. Com Cristo, sucesso eterno à vida que Deus vos confiou. Para cada um de vós e família, a minha Bênção

Acolho com prazer os peregrinos de língua francesa e dirijo, em particular, uma saudação cordial ao Senhor Embaixador Joseph Amichia e aos membros da Embaixada da Costa do Marfim junto da Santa Sé. Que o Senhor Amichia seja vivamente recompensado pelos vinte e cinco anos que passou em Roma! Saúdo também com afecto o grupo de Pontcalec e todos os jovens aqui presentes. Deus vos abençoe e vos proteja todos os dias da vossa vida!

Tenho o prazer de saudar os visitantes de língua inglesa presentes nesta Audiência, especialmente os que vieram da Dinamarca, da Noruega e dos Estados Unidos. Faço extensivas as cordiais boas-vindas também aos peregrinos da Arquidiocese de Toronto. Sobre todos vós invoco de coração uma abundância de favores celestes.

Desejo saudar agora cordialmente todos os peregrinos de língua espanhola, em particular os grupos que vieram do México e do Chile. Que o mistério da vida oculta de Jesus, Maria e José em Nazaré seja para todos escola de fé e de esperança, e modelo de caridade. Invocando a protecção da Sagrada Família, concedo-vos, a vós e às vossas famílias, a Bênção Apostólica.

Louvado seja Jesus Cristo! Apresento cordiais boas-vindas aos peregrinos da República Checa. É-me grata a vossa presença nesta Audiência, que testemunha o vosso afecto para com a Igreja de Cristo e a devoção ao Sucessor de Pedro. Faço votos por que esta vossa peregrinação a Roma seja para todos motivo de revigoramento espiritual e de fortalecimento na fé. Abençoo-vos de coração.

Sede bem-vindos, sacerdotes da Eslovénia, que, durante o mês de Janeiro, participastes no Pontifício Colégio Esloveno no curso teológico-pastoral. Enriquecestes de maneira feliz a vossa actualização teológica, com a vida litúrgica e a visita aos lugares sacros. Deus abençoe os vossos generosos propósitos e vos acompanhe a Mãe Celeste, para serdes dispensadores conscienciosos das graças divinas e fiéis servidores da Igreja. Com estes bons votos concedo a minha Bênção Apostólica a vós e aos vossos fiéis.

Dirijo cordiais boas-vindas a todos os peregrinos de língua italiana. Saúdo, em particular, o grupo de sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, provenientes de vários Países, que participam no curso anual para futuros colaboradores e postuladores, organizado pela Congregação para as Causas dos Santos. Caríssimos, faço votos por que trabalheis com fruto ao serviço do grande património da santidade da Igreja, e o enriqueçais com o vosso testemunho pessoal. Saúdo, depois, os Membros da tripulação do submarino «Primo Longobardo » e os Subtenentes do Curso «Pegaso Quarto» da Academia Aeronáutica de Pozzuoli. Saúdo-vos, por fim, a vós, caros Jovens, queridos Doentes e prezados jovens Esposos, e desejo que todos vós, cada um na própria condição, contribuais com generosidade para difundir a alegria de amar e servir Jesus Cristo.

A todos a minha Bênção.



                                                                           Fevereiro de 1997


AUDIÊNCIAS 1997