Discursos João Paulo II 1990


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

PALAVRAS DO SANTO PADRE

DURANTE A VISITA AOS DOENTES


DO LEPROSÁRIO DE CUMURA


Domingo, 28 de Janeiro de 1990




Meus irmãos e irmãs muito amados em Jesus Cristo,

A vossa presença causa-me ternura e compaixão, algo dos sentimentos que experimentava Jesus Cristo, quando recebia os doentes. Ele debruçava-se sobre o sofrimento humano, sobre as chagas do corpo e fazia renascer, nos corações dos homens, a serenidade, a confiança e a coragem. Eu desejaria que também esta visita tivesse o mesmo efeito espiritual; e gostaria de ter mais tempo para conversar com cada um, porque vos amo muito, sofro por vos ver sofrer, e a todos quero confortar.

E por que motivo vos amo? Porque sois pessoas humanas, amados por Deus, e por seu Filho Jesus Cristo, que tanto sofreu por vós; e porque a Igreja católica, como Jesus Cristo, vos ama e irá fazer tudo o que puder em vosso favor.

Eu vou partir; mas digo ao Senhor Bispo - que é vosso grande amigo e ao qual se deve esta obra de Cumura - e peço aos médicos, aos enfermeiros e a quantos vos assistem, que vos façam todo o bem que o Papa desejaria fazer-vos, se pudesse aqui ficar convosco. E deixo-vos, como recordação, a mensagem que, daqui e agora, dirijo a toda a Igreja, com um apelo a vosso favor.

Não vos deixeis abater! O sofrimento tem sempre valor. É capaz de ensinar ao mundo o que é um amor como o amor de Jesus. E esta vossa vida serve para ajudar os outros, serve para receber e transmitir força moral; e, se sois cristãos, podeis transmitir a força da renovação e da alegria de Cristo. Ele ressuscitou para que todos tivéssemos acesso à vida eterna. O vosso sofrimento pode tornar o mundo melhor, se fordes amigos de Deus e amigos uns dos outros; se unirdes a serenidade, a confiança e a coragem aos progressos da medicina e à boa vontade daqueles que vos assistem com amor.

Eu nunca vos esquecerei e confio na vossa lembrança amiga. Rezarei por vós e confio na vossa oração. E dou-vos, de todo o coração, a Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

DISCURSO DO SANTO PADRE

DURANTE A CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


DA GUINÉ-BISSAU


Domingo, 28 de Janeiro de 1990




Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Senhor Bispo de Bissau,
Excelências, minhas Senhoras e meus Senhores
e queridos Guineenses,

1. No momento de deixar a vossa terra, para prosseguir a visita pastoral a outros países da África, leve a sensação de que as horas transcorridas convosco, passaram depressa, mas foram muito densas, graças a Deus.

Exprimo o meu vivo reconhecimento, através dos presentes, a quantos colaboraram nesta breve visita. Em especial:

- a Vossa Excelência, Senhor Presidente de República, por me sentir tão bem acolhido neste País, confiado à sua alta responsabilidade. Pude encontrar em bom número os seus compatriotas, num clima de serenidade, graças às disposições dadas e às medidas tomadas por Vossa Excelência,

- a todas as Autoridades nacionais e locais, que se desvelaram pelo bom andamento desta visita e honraram, por vezes, com a sua presença, os actos que ela comportou,

- a todos aqueles que prestaram a sua cooperação nos trabalhos e diligéncias que requerem as deslocações, a segurança e serviço de ordem, o arranjo dos locais e a difusão dos acontecimentos pelos meios de comunicação social.

Exprimo também apreço, com sentimentos fraternos, a quantos, não compartilhando a fé católica, vieram encontrar-se comigo, pressentindo, certamente, que todos estamos a buscar o maior bem do homem, segundo o plano de Deus.

2. Fiz esta visita pastoral sobretudo para os irmãos e irmãs que comungam a minha fé e integram a Igreja católica na Guiné-Bissau. Verifiquei que se tinham preparado cuidadosamente. Estão de parabéns o Senhor Bispo da Diocese e os seus directos colaboradores, pois o empenho comum contribuiu para fazer dos nossos encontros momentos de comunhão intensa na oração, na fraternidade e na alegria de sermos Igreja. Registo a felicidade que pude auscultar em muitos, de se sentirem mais próximos de Jesus Cristo, o Chefe invisível da mesma Igreja, una, santa, católica e apostólica, no contacto com o sucessor de São Pedro.

As circunstâncias exigem que eu seja breve, nesta despedida. Mas estou grato ao Bom Pastor pelos sentimentos que manifestastes; e não posso esconder os que eu próprio vivi: de emoção e gratidão, por ver o trabalho missionário realizado e o empenhamento actual da Igreja que aqui peregrina, com sinceridade e seriedade na Fé. Sinto-me realmente feliz por ter estado no meio de vós, ainda que por pouco tempo.

As homenagens que me foram tributadas, entendo-as como finalmente dirigidas, àquele que disse ao Apóstolo de quel sou sucessor as densas e tremendas palavras: “ Tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja ” (Mt 16,8). Na minha breve passagem entre vós, quereria ter sido um eco e um reflexo, limitado mas autêntico, do mesmo Senhor Jesus, que passou entre os homens, solícito em trazer a “ salvação de Deus para todos os homens ” (Tt 2,11) sem exclusivismos nem discriminações; mas com particular atenção aos pobres, aos “ mais pequeninos ” e aos sofredores.

3. A derradeira imagem que acabo de colher na vossa terra, ao visitar o Leprosário de Cumura, é emblemática; tez-me pensar nos dramas que muitos Guineenses ainda vivem, debatendo-se com males e carências deprimentes e paralisantes, para os quais, quiçá, não seriam precisos milagres. Vem-me espontaneamente à lembrança o Mestre, Jesus Cristo, que, por obras e palavras, acentuou bem que evangelização e atenção às necessidades concretas dos homens andam ligadas. Ao pregar o Reino de Deus, Ele ia multiplicando os gestos concretos de amor para com todos os que sofriam: leprosos, cegos, paralíticos, pessoas de luto, etc.

E dizia, ao explicar o Juízo das “ nações ”, que o Reino está preparado para aqueles que, usando de misericórdia, partilham com os pobres, visitam os doentes e encarcerados e se põem ao serviço dos “ mais pequeninos ” (Cfr. Mt Mt 25).

Em particular, faz-me lembrar a cena do paralítico, junto à piscina de Bezatha. Quando Jesus passava, leu-lhe nos olhos esperança e desejo de viver melhor, e ouviu-lhe esta frase muito interpeladora: “ Eu não tenho ninguém ”(Jn 5,7). Ninguém que me ajude, me mostre solidariedade. Oxalá que idêntica exclamação nunca pudesse escapar dos lábios de Guineense algum!

Praza a Deus que os poderes públicos, de mãos dadas com a iniciativa privada, com a colaboração da Igreja e com a solidariedade da família humana, possam proporcionar a todos os pobres e sofredores desta Nação a possibilidade de romper o círculo da pobreza e de ter acesso aos bens que lhes permitam “ ser mais ”.

Para tanto, dizia-o na Encíclica “ Sollicitudo Rei Socialis ”, importa eliminar do homem o pecado, que impede aquela visão de “ outrem, pessoa, povo o nação... como um nosso " semelhante ", um " auxílio ", que se há-de tornar participante, juntamente connosco, no banquete da vida, para o qual todos os homens são convidados por Deus ” (Sollicitudo Rei Socialis SRS 39).

4. Aos oprimidos pela pobreza e pela doença, desejo nesta hora deiar uma palavra de conforto: que se sintam amados e estimados pela Igreja e pelo Papa, assim como os ama e estima o próprio Jesus Cristo, Filho de Deus. Ele deu a vida por todos; e, ao estabelecer as bases do seu Reino, propôs-se como modelo de amor fraterno aos discípulos (Jn 13,34); e deu-lhes um código para se chegar a tal amor: as “ Bem-aventuranças ”.

Desejaria que esta minha palavra fosse ao mesmo tempo, de esperança e de estímulo; não se deiem desanimar pelas provações actuais! Conservem sempre viva a confiança num amanhã melhor, com a ajuda de Deus e com a ajuda solidária de muitos! Sem se rebaiarem nem abdicarem das próprias capacidades, façam tudo o que puderem para superar as dificuldades da pobreza não querida, com o seu cortejo de amarguras; façam-no, não para passarem à riqueza da iniquidade, mas para manterem a dignidade de homens, de filhos de Deus.

5. Aos meus irmãos e irmãs católicos lembro ainda: a Igreja não deve limitar-se a ser simplesmente um sinal de esperança para o mundo. Deve também dar-lhes as razões dessa esperança. Deve ajudar, não só a levantar os problemas, mas também a buscar-lhes as respostas, à luz dos desígnios divinos, que se entrevêem na Palavra revelada.

Continuai, pois, a escutar a palavra com que Cristo vos envia: “ sereis minhas testemunhas ” (Ac 1,8)! Continuai a evangelizar, com os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo (Cfr. Fl Ph 2,1-5), para que se opere a simbiose perfeita entre a fé anunciada e a alma africana, firmes na certeza de que, para isso, o Evangelho não precisa nem pode mudar. Sede corajosos para enfrentar os problemas pastorais: os antigos e os novos, os trazidos pelas mudanças da vida moderna, por exemplo, pelo urbanismo ou pelo acesso aos estudos de muitos jovens desta Nação.

Senhor Presidente e queridos Guineenses,

Para concluir, quero dizer; gostei da Guiné-Bissau e da sua gente. Levo comigo uma lembrança grata. Exorto a todos a viverem como bons cidadãos em harmonia operosa. Ao deixar este País reitero os votos de que o meu serviço apostólico possa contribuir para o maior bem da sociedade nacional; e de que se continue a construir aqui uma comunidade onde reinem a solidariedade, a paz, a justiça e o amor. E peço a Deus que, fiéis à sua identidade, cada vez mais todos os Guineenses sejam felizes, nos caminhos do progresso e da prosperidade.

Muito obrigado a todos! E que Deus omnipotente abençoe a Guiné-Bissau e o querido Povo guineense!

Adeus!



                                                                   Fevereiro de 1990



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL


DOS BISPOS DO BRASIL REGIONAL SUL-3


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 10 de Fevereiro de 1990




Queridos Irmãos no episcopado,

1. Depois do breve colóquio com cada um, chegou o grato momento de nos encontrarmos em conjunto: os Senhores, Bispos do Regional Sul-Três, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que aqui se encontram em visita “ ad limina Apostolorum ”, e o sucessor de Pedro.

Sentindo profundamente a “ sollicitudo omnium ecclesiarum ” (2Co 11,28), de coração lhes dou agora as boas-vindas a todos. Queira Deus que esta visita, preparada com tanto esmero, possa trazer a cada Igreja particular que pastoreiam, a quantas integram o Regional e Província eclesiástica, que coincide com o mesmo, a todo o Povo de Deus no Brasil e, consequentemente, à Igreja universal os mais abundantes frutos. Frutos de graça e paz, que não podem deixar de buscar-se no cumprimento deste especial dever, que o múnus episcopal impõe (cann. 399 e 400).

E que o Deus da paz, a todos nos torne, cada vez mais, “ aptos, com todo o bem, a cumprir a sua vontade, realizando Ele em nós o que lhe é agradável, por Jesus Cristo ”(He 13,20).

Recebendo hoje os Senhores, penso acolher a todos os queridos irmãos e irmãs, seus diocesanos, pelos quais despendem o melhor das suas energias, na sequela do Bom Pastor (Jn 10,11), numa vida inteiramente dedicada ao rebanho confiado aos seus cuidados. Em Igreja-Comunhão, em Corpo místico de Cristo, ao mesmo tempo que aos Senhores e aos fiéis do Rio Grande do Sul, as minhas palavras dirigem-se também aos demais Irmãos Bispos do Brasil; como continuarei a pensar nos Pastores do Regional Sul-Três, em próximos encontros com outros grupos, que igualmente virão neste ano à Cidade eterna, em visita “ ad Limina ”, para venerar os túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.

2. Não poderia deixar de volver, logo desde o início destas palavras de fraterna saudação, o meu pensamento e o meu afeto a toda a grande Nação brasileira. Perdura em mim a lembrança viva da calorosa acolhida, que me dispensou o bondoso povo de suas terras, que, de modo bem sensível, me conquistou o coração, durante a minha inesquecível visita pastoral, há já quase dez anos.
Não se pode, aliás, esquecer que o Brasil católico representa uma considerável parte da Igreja, em termos de circunscrições eclesiásticas, com um Episcopado correspondente; daí decorre uma sua projeção, particularmente preponderante, sobretudo no contexto da América Latina.

Não desconheço as grandes riquezas humanas da gente brasileira, fruto especialmente do maravilhoso caldeamento de raças e de culturas, aí realizado, graças também a uma convergente visão cristã dos verdadeiros valores humanos. Os mesmos encontram seu fundamento em profunda religiosidade, que continua ainda a caracterizar, singularmente, essa Terra de Santa Cruz, como há quase cinco séculos foi denominada pelos primeiros Portugueses que desembarcaram no novo Continente.

Não ignoro, porém, a mole imensa de problemas de toda a espécie que gravam sempre mais e em percentagem crescente sobre esse povo tão bondoso, mas às vezes também sofrido; particularmente na atual conjuntura, caracterizada, pela contraposição discriminatória e indiscutivelmente injusta, de um mundo dividido em blocos, nomeadamente Norte-Sul, o que não pude deixar de denunciar, já várias vezes.

3. Bem se pode, consequentemente, avaliar quanto deve pesar, em seus corações de Pastores, essa série de problemas de um Brasil, que está a atravessar, sem dúvida, sob vários aspectos, um dos momentos difíceis da sua História, se bem que os Senhores representem um dos Estados ainda privilegiado, graças ao seu dinamismo na superação dos problemas nacionais comuns, que em outros Estados atingem dimensões, até anos atrás, impensáveis.

É assim compreensível a preocupação dos Pastores com a promoção humana. Seria lamentável e até mesmo pernicioso, todavia, quando ela se tornasse tão envolvente e às vezes mesmo vinculada a opções ideológicas estranhas à mensagem evangélica, a ponto de, realmente, desfigurar por completo o fim principal da Igreja.

Não que a Igreja, na busca do seu fim principal, a saber, a “ salus animarum ”, no pleno sentido dessa expressão, se oponha à realização terrena do homem, ou dela se possa esquecer. É geralmente reconhecido quanto a humanidade deve à Igreja, no campo da defesa dos direitos humanos e do progresso, bem como no concernente ao desenvolvimento e promoção das pessoas.

Esta promoção humana, porém, sempre foi e sempre deve ser para a Igreja decorrência da busca do seu fim específico. É com os olhos nele que a Igreja se preocupa pela formação e vivência religiosa dos cidadãos de qualquer Estado, com especial enfoque da sua ética social, que se fundamenta no fim último de toda a sociedade. Isso é a melhor contribuição que a Igreja pode dar para a construção da sociedade civil.

Através da História, por poder devolutivo e com carácter absolutamente excepcional e transitório, a Igreja, sem renunciar à sua doutrina sobre os dois poderes autônomos e soberanos, precisou resolver problemas civis, em circunstâncias de extrema necessidade. Pretender, porém, reivindicar para a Igreja um poder que absolutamente não lhe compete, é certamente desservi-la, no pior dos modos.

Pode-se compreender a fácil e forte tentação que, em certas contingências, poderia ter um Pastor, de canalizar na direção exclusiva ou quase exclusiva da promoção humana todo o seu empenho pastoral. Mas trata-se de uma tentação, que ele deve superar, como a superou Cristo, o Bom Pastor. A seu exemplo, é certo, podemos, e algumas vezes deveremos, como Igreja, dentro da própria competência e subsidiariamente, procurar soluções também para problemas de ordem temporal, sobretudo nas situações em que se vê comprometida a dignidade do homem e são espezinhados os seus mais elementares direitos.

4. Lembramos, porém, que o “ misereor super turbas ”(Mc 8,2), que levou Jesus inclusive à multiplicação dos pães, não afastou minimamente o Mestre da sua própria missão. As multiplicações dos pães não foram fim a si mesmas; e muito menos poderiam servir (não obstante as insistências dos agraciados para fazê-lo Rei, Libertador) de pretexto, para que o Mestre assumisse uma liderança política ou algo semelhante. Mas o modo de proceder do Mestre acabou por ser motivação e preparação para a grande promessa da Eucaristia, daquele alimento que não perece, do Pão vivo descido dos céus, do Pão que dá a vida eterna (Jn 6,15 Jn 6,26 Jn 6,58).

É ainda o Mestre, o Bom Pastor, a recordar-nos: “ Dai a César o que é de César ” (Mt 22,21). Do Evangelho decorre, diáfana, a vontade de Deus, revelada por Cristo e em Cristo: Rei sim, mas “ não deste mundo ”(Jn 18,36). Deus quer que sejam, dois os poderes que governam a cidade terrena e a cidade celeste; poderes distintos e autônomos, harmoniosamente compenetrados.

A recente síntese conciliar dessa doutrina, não menos diáfana, relembra-nos com insistência a distinção entre a cidade terrestre ou dos homens, que é a sociedade civil, e a Igreja, que é Cidade e Reino de Deus. Cabe aos homens, segundo as leis divinas, inscritas na própria natureza humana, organizar a cidade terrestre e designar as autoridades que a governam. A Igreja, por seu lado, foi constituída diretamente por vontade de Jesus Cristo, que lhe deu suas leis fundamentais, suas finalidades e suas funções próprias (cf. Gaudium et spes GS 76).

5. Para o cristão há “ compenetração da cidade terrestre e da celeste ”. E cabe-lhe cumprir os deveres correspondentes a uma e a outra, dentro das respectivas leis. Mas “ a missão própria que Cristo confiou à sua Igreja não é, por certo, de ordem política, econômica ou social. Pois a finalidade que Cristo lhe prefixou é de ordem religiosa ”. Portanto, só os aspectos religiosos, espirituais e morais de cidade terrestre fazem parte da missão própria da Igreja.

Quanto à atividade econômico-social, “ os cristãos que se aplicam ao desenvolvimento econômico-social, no nosso tempo, e que lutam pela justiça e a caridade, devem estar persuadidos de que, assim, muito podem contribuir para o bem-estar do gênero humano e a paz do mundo ”.

È de grande importância, porém sobretudo em uma sociedade pluralística, que se tenha uma justa visão das relações entre a comunidade política e a Igreja. Impõe-se fazer uma distinção clara entre a ação que os fiéis, individualmente ou em grupo, fazem em nome próprio, como cidadãos, guiados pela sua consciência cristã, e as ações que realizam em comunhão com os seus Pastores, em nome da Igreja. “ Em razão da sua missão e competência, a Igreja de modo algum se confunde com a comunidade política, nem está ligada a nenhum sistema político; ela é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana ”(Gaudium et spes GS 42 Gaudium et spes GS 72 Gaudium et spes GS 76).

Tudo aquilo que a Igreja, como Povo de Deus peregrinante na realidade contingente do mundo presente, tem feito e não poderá jamais deixar de fazer em favor da realização terrena do homem, de harmonia com a sua realização cristã é como Igreja que sempre deverá fazê-lo, respeitando os princípios acima recordados. O seu envolvimento nos problemas sócio-econômicos e na vida da comunidade política, deverá ser sempre e somente consequência ou corolário da sua missão primordial; esta é, como se sabe: o anúncio e o testemunho de Jesus Cristo, Evangelho do Pai, seguindo o único Espírito da verdade. Pensar, falar e agir em sentido diverso seria obviamente desvirtuar por completo a natureza da mesma Igreja, qual a fundou o Senhor Jesus; além de ser uma forma de clericalismo, que parece, hoje mais do que nunca, anacrônica.

6. Não podemos jamais esquecer que a Igreja, na mesma Constituição “ Gaudium et spes ” (nn. 1-5), ao referir-se ao mundo contemporâneo, com “ suas alegrias e esperanças, tristezas e angústias ”, e ao dirigir-se a ele, se proclama abertamente: “ comunidade de homens reunidos em Cristo e guiados pelo Espírito Santo para o reino do Pai ”; além disso, apresenta, sem rebuços, o “ Cristo crucificado e ressuscitado como a sua única redenção e salvação ”.

Na grande reflexão conciliar sobre si mesma, da qual resultou a Constituição dogmática “ Lumen gentium ”, a mesma Igreja não deixou nenhuma dúvida a respeito da sua natureza e finalidade. E definiu-se: “ em Cristo, sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano ”. Nela se atua o plano salvífico universal do Pai, o Reino revelado e inaugurado por Cristo, Filho de Deus encarnado, no Espírito Santo .

A Igreja, manifestação visível de Cristo invisível, Povo sacerdotal, profético e real, continua a fazer a proclamação e a instauração crescente desse Reino de Deus, “ peregrinando entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus ”.

A “salus animarum” é o seu fim essencial e a sua lei suprema. A santificação é o ápice e o objetivo último de todo o seu empenho salvífico, segundo a vocação de todos à santidade (Lumen gentium LG 1 Lumen gentium LG 6-8 Lumen gentium LG 39).

Para a salvação e santificação devem orientar-se, pois, os esforços da evangelização, com todas as suas vias, e por todos os seus obreiros. Mas convém esclarecer que na evangelização em campo social, que é um aspecto do múnus profético da Igreja, o anúncio é sempre mais importante do que a denúncia; e esta não pode prescindir daquele (Lumen gentium LG 1 Lumen gentium LG 6-8 Lumen gentium LG 39).

Para a salvação e santificação, devem orientar-se todo o exercício do sacerdócio comum do Povo de Deus e, mais ainda, do sacerdócio ministerial, conforme a reflexão do mais recente Sínodo dos Bispos, exarada na Exortação Apostólica “ Christifideles Laici ” (n. 41). E tal exercício deve ser sempre animado pela caridade. Esta, paradoxalmente, “ é tanto mais necessária, quanto mais as instituições, tornando-se complexas na organização e pretendendo gerir todos os espaços disponíveis, acabam por se esvaziar, devido ao funcionalismo impessoal, à burocracia exagerada, aos interesses privados injustos e ao desinteresse fácil e generalizado ”.

7. Queridos Irmãos no episcopado,

Sei bem quanto os Senhores estão conscientes das responsabilidades estritamente eclesiais que lhes incumbem e que, como que acompanham sempre a cada um na sua Igreja particular, no Regional e no Brasil. É grande a tarefa que lhes pesa aos ombros; mas a todos nos anima a certeza decorrente da fé em Cristo.

Baste pensar no empenho fundamental de evangelizar. No Brasil, que está prestes a celebrar os seus cinco séculos de evangelização, tal empenho atinge proporções realmente impressionantes, como o demonstram os Planos de Pastoral conscienciosamente elaborados pela Conferência Nacional, pelas Províncias eclesiásticas e pelos Regionais, bem como por cada Igreja particular.

O “impendar” e “superimpendar” do Apóstolo (2Co 12,15) não pode deixar de ser o lema de vida para cada um dos Senhores, para os padres e demais consagrados, bem como para todo o fiel consciente de sua dignidade e responsabilidade, em relação ao serviço do Reino, que é Reino de amor e de paz.

Só uma Igreja unida, como a quer Jesus, o Bom Pastor, “ uma coisa só com Ele e com o Pai ” (cf. Jo Jn 17,21-23), poderá levar adiante a maravilhosa mas tão ponderosa missão que Ele lhe confiou. E sobretudo não se pode permitir, pelos pretextos acima recordados, de uma promoção humana mal entendida, a ruptura da sua unidade, na verdade e na caridade. Tal comunhão é a maior graça que Jesus insistentemente pediu ao Pai, quando nos fez o dom supremo da Eucaristia: “ ut omnes unum sint ”(cf. Jo Jn 17,21-23).

8. Que Maria Imaculada, Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, velando por todos os Seus filhos da Pátria brasileira a Ela consagrada, conserve sempre na unidade a Igreja peregrina nessa Terra de Santa Cruz.

Concluo, cheio de esperança, fazendo votos para que a união das Igrejas particulares que estão no Rio Grande do Sul, reunidas na Província eclesiástica que tem as suas raízes na antiga Diocese dedicada a São Pedro, continue a resplandecer na unidade da Igreja universal que aqui hoje celebramos. É isto que peço insistentemente ao Bom Pastor, ao saudar por intermédio dos Senhores, os seus presbíteros, as comunidades de consagrados, as paróquias, as famílias, os jovens e as crianças, os anciãos e quantos sofrem, enfim, todos os queridos gaúchos, seus diocesanos. Levem-lhes a certeza do meu afeto e o meu encorajamento, a viverem a própria vocação cristã, buscando primeiramente o único reino de Deus e a sua justiça, com a ampla Bênção Apostólica que lhes dou, de todo o coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL

DOS BISPOS DO BRASIL REGIONAL SUL-2 EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 17 de Fevereiro de 1990




Queridos Irmãos no episcopado

1. O nosso encontro de hoje, que coroa a visita “ ad limina Apostolorum ” que estão realizando, como Bispos que integram o Regional Sul-2 da Conferência nacional dos Bispos do Brasil, é para mim motivo de profunda alegria. Vêm do Estado do Paraná, das quatro províncias eclesiásticas de Curitiba, Londrina, Maringá e Cascavel, em que estão estruturadas as dezoito dioceses, confiadas aos seus cuidados pastorais.

São portadores, como discípulos e amigos de Cristo, das alegrias e esperanças, bem como das tristezas e angústias dos homens que habitam nessa bela região do imenso Brasil. Isso me confidenciaram nas audiências pessoais. Este momento, sem pretender sintetizar quanto foi objeto de nossos colóquios, é sobretudo de comunhão, em continuidade com a Eucaristia, que é sempre o ponto mais alto da visita “ ad limina ”: Ele, o Bom Pastor, está realmente no meio de nós, como Emanuel.

Saudando-os, com sentimentos de afeto e estima, saúdo as Comunidades do Povo de Deus, à frente das quais Ele os constituiu Pastores, exortando-os, desde já, a permanecerem “ firmes e inabaláveis, sempre generosos em trabalhar para o Senhor, sabendo que a sua fadiga não é infrutuosa ” no mesmo Senhor (cf. 1Co 15,58).

2. Não posso não recordar, nesta hora, como lembro sempre, e mais vivamente nestes dias de contato com os Senhores, a peregrinação apostólica que me levou a terras paranaenses, com o ápice na celebração da Eucaristia em Curitiba. Nessa ocasião - como recordam, por certo - fazia, com os paranaenses e por eles, um pedido, que, apesar dos quase dez anos transcorridos, me parece ainda atual. Dizia então:

“Por vós, eu peço a Deus, com o major fervor, que não venha nunca a arrefecer, mas antes se alente e cresça a profunda integração racial, que existe entre vós. Que nesta fraternidade entre vários povos não falte uma especial solidariedade com nossos irmãos indígenas. Que haja, ainda, entre vós, abertura para acolher muitos outros grupos humanos, necessitados de uma pátria, porque privados das suas ” (Homilia, Curitiba, 6 de julho de 1980).

Sendo Pastores de uma região brasileira relativamente bem estruturada, como Igreja, e tendo preparado com primor esta visita, trazem no coração balanços e projetos, com muita esperança. Mas não deixei de auscultar, nos encontros com cada um, que os anima também vivo sentido de responsabilidade, com sereno realismo.

Há uma nova configuração social de vida e cultura rurais do povo, que passa a viver segundo novos padrões, com mentalidade prevalentemente urbana e industrial. Depois, o momento político, com novas perspectivas, assim como a pressão dos meios de comunicação social, naturalmente alertam para nova problemática pastoral. Há que obviar ao risco de cedência de um cristianismo de superfície, insidiado por ideologias, visões do homem indiferentes se não mesmo hostis à tradição cristã, a que vem juntar-se o engodo fácil das seitas e o oportunismo daqueles que o Senhor bem estigmatizou em suas alegorias (cf. Mt Mt 7,15 Jn 10,12), pondo-nos de sobreaviso contra inimigos “ domésticos ”.

Frente a tais situações, importa que os fiéis cristãos saibam “ conhecer ” e reconhecer a voz do próprio Pastor, aquela voz, aliás, que ecoou há quase dois mil anos: “ Ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor ”(Jn 10,16). Haverá um só Povo de Deus, numa nova Aliança do único Senhor com os homens: “ Habitarei e andarei entre eles; e serei o seu Deus e eles serão o meu Povo ” (2Co 6,16 cf. Hb He 8,10 Lv 26,18).

3. Já em precedente encontro com os Bispos de seu Regional, em visita “ ad limina ”, eu me comprazia em observar como o dileto estado do Paraná, sendo, de uma certa maneira, “ a terra de todas as gentes ”, ajudava a nos dar a idéia e como que a tornar palpável a realidade de Igreja como Povo de Deus: ou seja, aquela admirável multidão que o Espírito Santo, de entre tão grande variedade de etnias e de culturas, congregou na unidade da doutrina dos Apóstolos, da comunhão fraterna, da fração do Pão e da oração (cf. Insegnamenti, VIII/1, p. 1711).

Quero hoje aqui partilhar com os Senhores algumas reflexões sobre essa realidade misteriosa e tão sugestiva, que empenha e estimula o seu ministério de Pastores. Para não verem jamais frustrado nem deturpado esse seu dedicado ministério, é bom que, a propósito, se retorne à consideração do mistério do Povo de Deus, que é ao mesmo tempo e indissociavelmente a Igreja que está a caminho, como “ sujeito ” histórico.

Esta reflexão é bem atual. O Concílio Vaticano II, ao apresentar as várias imagens da Igreja, entre outras muito significativas, privilegiou esta de Povo de Deus. Deixa entender, assim, que a considera mais feliz, para exprimir o aspecto de corpo social, que, embora inserido na história dos homens, transcende todos os tempos e todos os povos (cf. Lumen gentium LG 9).

4. Esse título de Povo de Deus, como os Senhores sabem, comporta todas as ressonâncias das intervenções divinas para salvar o mundo; e aponta sempre para a definitiva realização das mesmas em Jesus Cristo, nosso Senhor, no qual “ todas as promessas de Deus se tornaram " sim " ” (cf. 2Co 1,20).

A Igreja, portanto, amados Irmãos, sendo a continuação de Israel, Povo de Deus da antiga Aliança, é também a sua transformação radical. Com efeito, ultrapassando todos os limites de ordem étnica, geográfica ou cultural, a Igreja se torna a casa aberta para todos indistintamente, uma vez que, nela, todos passam de “ não-povo ” a Povo de Deus (cf. 1P 2,10).

A razão primária dessa transformação radical está no fato de a Igreja ter sido fundada pelo Filho de Deus, feito homem, morto e ressuscitado. Ele torna presente o próprio mistério da Santíssima Trindade. É neste adorável mistério que ela tem a sua única e tríplice fonte. É dele que ela recebe a conotação única de Povo congregado na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf. S. Jerônimo, In Neoph.: CCL 78, p. 542 s; S. Cipriano, De oratione dominica, 23: PL 4, 553).

É, de fato, em virtude do sacramento do Batismo, conferido precisamente no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que os homens vão sendo incorporados no Povo de Deus.

E assim, “ o Senhor Jesus, " a quem o Pai santificou e enviou ao mundo " (Jn 10,36) , torna participante todo o seu Corpo místico da unção do Espírito, com que Ele mesmo foi ungido ” (Decr. Presbyterorum Ordinis PO 2); (cf. Rm Rm 6,4). E é este o Reino, a que Jesus Cristo deu início sobre a terra, dotando-o de todos os meios necessários à sua definitiva realização. Para fazê-lo crescer, são convidados todos os que acolhem o Senhor Jesus: para que se tornem seus colaboradores, na fidelidade à graça, vocação, estado de vida e função que lhes são próprios (cf. 1Co 3,8 ss).

5. Em apoio dessa fidelidade a serviço do Povo de Deus, o Espírito Santo distribui suas graças e seus dons, em ordem ao cumprimento da respectiva missão de leigos, religiosos ou ministros sagrados, a fim de que todos, e cada qual pela parte que lhe cabe, contribuam para a edificação do mesmo e único corpo.

Dentro dessa disposição orgânica e com essa finalidade (cf. Ef Ep 4,7 ss) tem o primeiro lugar a graça conferida aos Apóstolos e aos Bispos, seus sucessores, unidos ao sucessor de Pedro. É essa graça que tutela as variedades, e providencia a que estas promovam a unidade na caridade, de maneira que todos os membros do Povo de Deus possam, livre e ordenadamente, chegar à salvação.

Esta graça e dom hierárquico, apostólico-episcopal, amados Irmãos, implica uma autêntica diversidade dentro do Povo de Deus. Ela nos foi conferida pela Ordenação sacramental, que perpetua na Igreja aquele ato criativo, com que Jesus Cristo “ fez ” os Doze, e do qual deriva para os seus sucessores a função específica de serem presença e testemunho do mesmo Cristo entre os fiéis (cf. Const. Lumen gentium LG 18 Lumen gentium LG 19 Lumen gentium LG 21). Esta diferença essencial, como sabemos, não comporta um distanciamento entre os Bispos e os demais membros do Povo de Deus; sua função concretiza-se, precisamente, no ministério de santificar, de ensinar e de governar o mesmo Povo de Deus; um ministério que só os sucessores dos Apóstolos recebem de Jesus Cristo, e que eles devem exercer só em seu nome.

6. Muito diferente de qualquer outro povo, quanto às normas constitucionais que o regem, este Povo de Deus não é depositário da autoridade inerente à sucessão apostólica; como se o ministério episcopal constituísse uma espécie de delegação popular, ou ficasse vinculado a tal Povo, em termos de duração ou de modalidades de exercício. Sendo de origem sacramental, essa autoridade é exclusivamente de origem divina, e como tal permanece; não precisa, portanto, de ser ratificada por mais ninguém.

Isto não quer dizer que o Bispo haja de converter sua unicidade sacramental em isolamento pastoral. Pelo contrário, tem a obrigação de aceitar e, mesmo de procurar a colaboração de todos, tanto das pessoas individualmente, como dos organismos diocesanos e superdiocesanos, a fim de aperfeiçoar e dar maior eficácia ao seu serviço de guia e tornar mais fácil a aceitação do mesmo. Mas, tornar-se-ia indevida toda a colaboração que se convertesse em pressão. Então o Povo de Deus seria colocado ao nível de um povo no sentido laico. Correr-se-ia o risco de subordinar, de certa maneira, o ministério episcopal a opções, mesmo de fé e de vida cristã, feitas à medida do homem. Teríamos, nesse caso, uma inversão de termos e de valores: em vez do povo de Deus, o Deus do povo.

7. Se é bom que a Igreja, seguindo o exemplo do seu Mestre, que era “ manso e humilde de coração ”, esteja bem firme também ela na humildade, e que possua o sentido crítico a respeito de tudo aquilo que constitui o seu carácter e a sua atividade humana, é óbvio igualmente que também a crítica deve ter os seus justos limites. Como Pastores da mesma Igreja, levando por diante o que o meu predecessor Paulo VI chamou o “ diálogo da salvação ” (cf. 1Tm 2,4), incumbe-nos estar vigilantes, quanto àquele espírito crítico, em que não se exprime já uma atitude de serviço; mas antes, a vontade de orientar a opinião de outrem segundo a própria opinião, algumas vezes divulgada de maneira assaz imprudente (cf. Enc. Redemptor hominis RH 4).

O ministério episcopal, portanto, não se pode desligar da sua relação original e irreversível com Jesus Cristo. Há um direito iniludível de quantos fazem parte de Povo de Deus: o direito de poderem escutar, nos seus Pastores, o próprio Cristo e o Pai que O enviou; e de receber, da parte deles, não uma palavra dos homens, mas a Palavra de Deus (cf. Lc Lc 10,16 1Th 2,13).

Os fiéis e todos em geral querem ouvir de nós “ palavras de vida eterna ”, a iluminação da fé quanto ao sentido da vida temporal, e as razões da esperança dos bens futuros, para levarem por diante a missão que Deus lhes confiou no mundo (cf. Const. Lumen gentium LG 48). As bem-aventuranças, todas elas, apontam para o justo juízo, que não pertence aos homens nem ao tempo presente, mas só a Jesus Cristo, quando vier na sua glória (cf. Mt Mt 25,21 ss) para a consumação do seu Reino e para sentenciar que os justos irão para a vida eterna.

8. Meus amados Irmãos no episcopado: esta reflexão, sobre a Igreja como Povo de Deus, é-me sugerida e exigida pela responsabilidade que me incumbe, qual sucessor de Pedro: ser, no meio desse mesmo Povo, o princípio e o fundamento visíveis da unidade. Tanto da unidade dos Bispos, como da unidade da multidão dos fiéis. E na mesma linha de responsabilidade, também aos Senhores, como Bispos, cabe serem princípio e fundamento visíveis da unidade nas Igrejas particulares que lhes estão confiadas (cf. Const. Lumen gentium LG 23).

Exorto-os, pois, queridos Irmãos, a conservarem a integridade daquela paz, que foi comunicada por Cristo ressuscitado aos Apóstolos, e que dissipa todo o temor (cf. Jo Jn 20,19-22). E desejo-lhes e peço a Deus que os atos de seu ministério pastoral, como os dos mesmos Apóstolos, sejam inspirados pela consciência de que são atos do Senhor, por o serem também do Espírito Santo (cf. At Ac 15,28).

Encorajo-os a prosseguirem com zelo, inteligência e entusiasmo, naquele serviço que já realizam, dando mostras de sabedoria e amor, nas suas Igrejas particulares. Continuem a harmonizar as exigências das suas Dioceses com as da Conferência Nacional dos Bispos, para que haja sintonia nas programações pastorais.

E não se cansem de estar próximos, de amar e de escutar o povo, sendo para todos os fiéis diocesanos pais e amigos sapientes. Sejam-no, em particular, para os Sacerdotes e aspirantes ao Sacerdócio, para os consagrados, Religiosos e Religiosas, e para os leigos comprometidos no apostolado, enfim, para todos os que têm uma participação peculiar e reconhecida na missão da Igreja.

Para concluir, recomendo à Mãe de Deus, sede da sabedoria - Nossa Senhora Aparecida, como a invoca o querido povo brasileiro - o seu ministério episcopal. Ao seu cuidado materno entrego a sua solicitude de Pastores, no estado do Paraná; e, por sua intercessão, invoco abundantes favores celestes para todo o Povo de Deus que aí peregrina, com uma ampla Bênção Apostólica.










Discursos João Paulo II 1990