Discursos João Paulo II 1990

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO BRASIL DO REGIONAL OESTE 1 E 2


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 23 de Junho de 1990




Queridos Irmãos no episcopado,

1. É com o coração repleto de solicitude pastoral que, após o apreciado encontro pessoal com cada um dos Senhores, dou-lhes como Bispos do Regional Oeste 1 e 2 do Brasil as minhas boas-vindas junto à Sé de Pedro, para a visita “ ad limina Apostolorum ”, preparada com tanto esmero, a fim de que possa trazer para cada Igreja particular, para todo o Regional, para o Brasil e, consequentemente, para a Igreja toda, os mais ricos e abundantes frutos, que não podemos deixar de desejar e buscar no desempenho deste especial dever que o nosso múnus pastoral nos impõe.

Recebendo-os, eu imagino acolher a todos os queridos irmãos e filhos aos quais representam e pelos quais despendem todas as suas forças de Pastores inteiramente dedicados ao próprio rebanho e, solidariamente, a todo o Povo de Deus. Peço-lhes, aliás, que ao regressarem não deixem de levar-lhes a minha bênção especial, a garantia da minha lembrança diante do Senhor, e de dizer-lhes que o Papa conserva a todos carinhosamente no próprio coração.

2. A visita “ ad limina ” dos sucessivos e numerosos grupos de Pastores que formam o Episcopado no Brasil vai marcando un caminho e realizando uma forte experiência de comunhão, afetiva e efetiva, através de tantos e tão enriquecedores diálogos, nos que compartilhamos uma viva solicitude a respeito das maiores questões e desafios na vida da Igreja do vosso País.

Um desses desafios, que gostaria de chamar à atenção dos Senhores hoje, é o da importância da formação cristã dos jovens. Sei que este foi o tema tratado recentemente na 28ª Assembléia Geral da CNBB, sob a perspectiva da “ Educação: Exigências cristãs ”, considerada como “ uma urgência ” que merece ser assumida e tida em conta em todos os níveis, tanto eclesial como nacional.

Como não poderia ser num grande País como o vosso, com uma maioria absoluta de jovens, projetados com singular dinamismo em direção ao futuro, como protagonistas das transformações, da sociedade, em todos os níves, neste final de século? Não em vão, toda a Igreja da América Latina assumiu na III Conferência Geral do Episcopado (Puebla, 1979) uma “ opção preferencial pelos jovens ” - mesmo que não exclusiva nem excludente - na sua ação evangelizadora e no seu empenho catequético. É impressionante, com efeito, constatar que 70% da população latino-americana tem menos de 25 anos, e que 45% dela tem menos de 15 anos. Faço sempre uma experiência muito palpável da consistência e urgência dessa “ opção ” quando realizo minhas viagens apostólicas no “ Continente de Esperança ” e encontro então - como o fiz em Belo Horizonte, a 1 de Julho de 1985 - multidões de jovens, muitos dos quais confiados aos vossos cuidados de Pastores.

Mas o que ressalta pela quantidade, põe em evidência ainda mais a ordem qualitativa. Se o homem é a “ via ” da Igreja, se a Igreja percorre o caminho da vida dos homens, Ela não pode deixar de encontrar e apreciar esse bem, riqueza do homem, que é sua juventude. A “ opção preferencial ” se ilumina, portanto, desde o preciso enfoque que a juventude constitui uma fase extremamente importante na vida da pessoa, pois se trata de descobrir e, ao mesmo tempo, de programar, eleger, prever e assumir, como algo próprio, as primeiras decisões. Nela se inscreve essa “ única e irrepetível potencialidade de uma concreta humanidade, na qual está como inscrito o inteiro projeto que tem diante de si ” (cf. Carta Apostólica de João Paulo II: Aos Jovens do mundo, 3). Nesse caminho de afirmação da auto-consciência da própria personalidade, de discernimento e resposta em relação à vocação da sua vida, sua integração na vida profissional, a constituição da própria família, sua inserção na vida social..., em toda essa densidade de experiências, o jovem tende a propor-se com maior ou menor consciência, alguns interrogantes existenciais, os “ porquês ” mais inquietantes e decisivos sobre a vida pessoal e social. De como resolve e enfrenta essas perguntas essenciais, depende, em grande parte, o seu futuro. E se nos referimos não só a um jovem, mas a toda uma geração, pensamos, como é lógico que ali está todo o futuro da Igreja e da mesma Nação.

3. Que riqueza e que desafio é o ser jovem hoje no Brasil!

A juventude brasileira se nos aparece como uma torrente impetuosa, cheia de vida que irrompe com força não obstante os obstáculos que encontra, em todos os níveis de decisão, exigindo soluções concretas que não admitem dilações. Ela sabe-se integrante de um vastíssimo País de enormes possibilidades e desafios para sua construção. Mas sofre, ao mesmo tempo, de graves dificuldades para encontrar o seu caminho, devido às enormes contradições e desequilíbrios de uma realidade tanto avassaladora quanto inquietante. Se pensarmos no elevado índice de analfabetismo do vosso País, nas dificuldades da infra-estrutura escolar, na degradação do sistema escolar público, na desvalorizacão dos professores, na influência massificante dos Meios de Comunicação Social, temos posto em relevo somente alguns dos problemas que requerem solução a curto prazo.

Mas não nos escapa também a importância dos país, como autênticos mestres-educadores, ponto de referência dos grandes ideais da vida, meio de consolidação daquela ainda frágil personalidade em formação, e que, no entanto, passam eles, e toda a instituição da Família, por uma crise profunda, especialmente desde a implantação do divórcio em 1977. Não há quem não veja toda a vasta gama de consequências que daí se derivam: crianças abandonadas vagando pelas ruas; jovens condicionados pelas drogas; a violência, etc..., junto com o permissivismo divulgado pela Imprensa e, especialmente pela Televisão, são a causa do empobrecimento humano da juventude, jogada sem dúvida num vazio desesperador.

É por isso mesmo que hoje, diante dos Senhores, mas querendo que se façam eco destas minhas palavras, que digais a esses mesmos jovens, como já anos eu o dizia: “ Não tenhais medo ”, “ não tenhais medo da vossa juventude ”. O que equivale a dizer-se: não abdiqueis da vossa responsabilidade, não deixeis sufocar vossas perguntas e esperanças, afirmai vossa liberdade desde a Verdade. “Não tenhais medo de ser santos...”.

4. Nossa primeira atitude pastoral, queridos Irmãos no Episcopado, é a de estar perto dos jovens, que têm uma especial necessidade de companhia e de amizade. Sem limitar-se a esperá-los, mas indo em direção a eles, convertendo-os em nosso próximo, acolhendo toda sua humanidade, sem censuras nem etiquetas preventivas. Só a abertura, a benevolência e a disponibilidade em compartilhar suas concretas necessidades de vida, suscitam neles a atitude de confiar seus interrogantes vitais em relação ao seu semelhante - parente, amigo, seja quem for - e mesmo em relação a Deus. E tudo isso, por uma razão muito simples: porque se os ama! Não em vão, o protótipo da nossa atitude pastoral é o do encontro de Cristo com o “ jovem rico ”, narrado pelos Evangelhos. E o gesto central desse encontro se manifesta naquela breve, mas decisiva anotação: “ olhando-o nos olhos, o amou ”. Essa é a fonte, o sinal de toda a solicitude pastoral. E isso é o que esperam e do que têm necessidade, mais do que nunca, os jovens de hoje.

Mas não se trata só de saber acolher, manifestar disponibilidade, saber escutar. O jovem busca uma resposta. Se encontra só respostas vagas que não correspondem aos seus profundos anseios de vida e de bem; se em quem deveriam encontrar apoio sólido e decidido, não vêem mais que incertezas e dúvidas, não nos pode surpreender que sigam pela trilha da desordem na própria vida, quando não do desespero.

Pois bem, a resposta cristã - essa que é a única que pode satisfazer plenamente o coração do homem - não é um raciocínio, um conjunto de normas, uma ideologia política. É, sim, o testemunho de Cristo, aqui e agora com a mesma realidade e novidade de quase dois mil anos. Um Cristo que quer estabelecer com ele uma relação pessoal de aliança, de Verdade e de Vida, com que lhe propõe segui-l’O e de fazer experiência da Sua companhia, que dá sentido e unidade à sua vida, revelando-lhe sua vocação e, o que é mais importante, ensinando o Caminho que leva ao Deus único e verdadeiro.

5. Neste sentido inserem-se aqui algumas importantes considerações que gostaria agora destacar, de uma maneira suscinta. A primeira nos diz que não é possível adiar, nem reduzir, o anúncio de Cristo aos jovens. Tem de ser clara e vigorosa, a transmissão do conteúdo da Verdade, ao mesmo tempo que testemunhada pela vivência pessoal, e realmente aplicável nos ambientes concretos e atendendo a todas necessidades dos jovens. Não valem aqui as estratégias e articulações complicadas que adiam a anúncio essencial da Revelação cristã, cuja Igreja Católica é depositária.

Em segundo lugar, deve-se ter em conta que o encontro do jovem com Cristo pode conseguir-se na medida em que lhe for permitido um encontro pessoal com o Senhor, tanto na percepção orgânica do conteúdo daquela Verdade, quanto na compreensão da “ lógica ” das bem-aventuranças que nada mais são senão um caminho de conversão, um caminho de santidade de vida, e, porque não, uma exigente participação na comunhão e missão de toda a Igreja. Para isso, é preciso que tenham especialmente em conta a importância da vida sacramental, com a prática frequente da Confissão sacramental e da Comunhão Eucarística. E junto a ela o cultivo da oração litúrgica e pessoal, fonte e sinal fecundos dessa incorporação.

Todos esses meios porém não poderiam alcançar o seu objetivo, se não houvesse uma viva preocupação pela formação moral das consciências, a fim de que se conheça o alcance dessa Lei que levamos inscrita no coração: a Lei Natural e a Lei Divino-Positiva. é esta uma questão tão necessária quanto decisiva para o crescimento humano e cristão do jovem, numa pedagogia de unidade de vida e de comportamento responsáveis. Neste terceiro aspecto, nunca será demais frisar o papel dos educadores, em todos os níveis, seja nas Comunidades eclesiais que nos mesmos estabelecimentos de ensino. Hoje, mais do que nunca, é preciso conhecer essa Verdade que nos liberta, e saber como transmiti-la de forma acessível e prática.

Em quarto lugar, percebo o quanto seja delicado propor adequadamente a relação entre essa formação cristã da vida dos jovens e as exigências de sua solidariedade e compromissos sociais. é óbvio que bem conhecemos a urgência e dramaticidade dos imperativos de justiça do Brasil. Grave seria que a educação e a ação dos cristãos não encontrassem referência exigente e fecunda na doutrina social da Igreja. Mas também seria muito grave que o cristianismo se reduzisse para os jovens num engajamento de luta social e política e num moralismo baseado em denúncias ou contestações.

Se o jovem cristão está chamado a alargar seus horizontes de solidariedade, tornando-se conhecedor e participante das soluções dos problemas que afligem a Nação, será por ter sabido descobrir o nexo entre o seu comportamento como cidadão livre e responsável, dentro do espírito evangélico, e a presença de Cristo na sua própria vida. Dessa forma, se poderá dizer, que o testemunho de sua juventude, participando ativamente na vida da sociedade, mesmo com os erros e deficiências que são próprios da sua inexperiência, será “ luz que ilumina no meio das trevas ”.

Me é bem conhecido o testemunho de muitos jovens no seu afã apostólico dentro de não poucos movimentos eclesiais, ou mesmo individualmente, porque se sentem responsáveis da própria vocação surgida nas águas do Batismo, de transmitirem a Verdade evangélica. é sempre de primeiríssima importância que os jovens sejam testemunhas de Cristo, apóstolos para a missão, assim como o destacou a VII Assembléia do Sínodo mundial dos Bispos e a Exortação Apostólica Christifideles laici.

Podemos acrescentar aqui que no próximo Sínodo se porão em destaque as exigências de uma autêntica paternidade dos Pastores, representantes de Cristo ante a Comunidade, educadores na fé e dispensadores dos Mistérios Sagrados, para que todos os fiéis, e os jovens cristãos em particular, cresçam na consciência, dignidade e responsabilidade do seu sacerdócio comum. Nessa tarefa de formação cristã dos jovens cabe destacar, como não poderia deixar de ser, uma renovada atenção pastoral à família e um mais consciente compromisso dos esposos e pais em vista da função educadora que lhes é própria.

6. Desde o início do meu Pontificado, fiz minha essa “ opção preferencial pelos jovens ”. Foram muitos e enriquecedores os encontros com os jovens em Roma e em tantos países do mundo. Mantive, e mantenho, bem abertas as portas do meu coração aos jovens, para convidá-los a manterem eles mesmos os seus bem abertos para Cristo. Quis instituir a Jornada anual da Juventude na Igreja e não posso deixar de recordar com emoção os grandes encontros mundiais em Roma, Buenos Aires, Santiago de Compostela, enquanto que convoco a todos os jovens e os espero em Czstochowa para o 14 e 15 de agosto de 1991.

Tenho certeza que a Pastoral da Juventude da Igreja no Brasil se realize em sintonia e com o enriquecimento dessas iniciativas. Por isso mesmo, confiamos ao coração da Santíssima Virgem - Nossa Senhora Aparecida - a todos os jovens brasileiros, com a certeza agradecida de que não faltará sua intercessão diante de Seu Filho para que todos os seus filhos desse grande País cresçam como Ele “ em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (cf. Lc Lc 2,52).

Concluo, cheio de esperança, fazendo votos para que a união das Igrejas particulares do Centro-Oeste, continue a resplandecer na unidade da Igreja universal, que aqui hoje celebramos. Estas são as intenções que venho pedindo insistentemente ao Senhor. Aproveito também para saudar, por intermédio dos Senhores, os seus presbíteros e todos os ministros da Igreja, as comunidades de consagrados, as paróquias, as associações cristãs, as famílias, os anciãos e os que sofrem todo o tipo de penas físicas ou morais; faço, como é lógico, uma especial menção aos jovens e às crianças - objeto das minhas grandes esperanças! - e, enfim a todos os queridos diocesanos do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Levem-lhes a todos a certeza do meu afeto e o meu encorajamento a viverem a própria vocação cristã em união com Deus Nosso Senhor, e com o Sucessor de Pedro com a ampla Bênção Apostólica que lhes dou de todo o coração.



                                                                        Julho de 1990

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO BRASIL DO REGIONAL


CENTRO-OESTE EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 5 de Julho de 1990




Queridos irmãos no Episcopado

Este encontro representa para vos e para mim um momento de plenitude eclesial nestas jornadas em que tendes permanecido em Roma, com motivo de vossa visita «ad limina Apostolorum». A Eucaristia que hoje celebramos, constitui o fecho dessas jornadas em que tive a ocasião de dialogar pessoalmente com cada um de vos sobre a situação de vossas Igrejas locais e agora, nesta reunião comum, nos é dado sentir a profunda comunhão eclesial que nos une como Pastores postos pelo Senhor para governar o Povo de Deus (cf. At Ac 20,28).

A solicitude pastoral por todas as Igrejas (cf. 2Co 11,28), bem como meu particular afeto e preocupação pela Igreja que esta no Brasil, levaram-me a considerar diversos temas de caráter doutrinal e pastoral com os distintos grupos de Bispos que vieram a Roma ao longo deste ano.

Agora, a vos que pertenceis ao Regional Centro-Oeste, desejo falar-vos de um grande acontecimento que se avizinha e que chama a atenção de um modo particular dos povos de vosso Continente: o V Centenário do inicio da Evangelização da América Latina.

2. O 12 de outubro de 1492, foi certamente uma data importante e significativa para a Humanidade, pois o que desde então ficou registrado como o “descobrimento” da América, hoje é por todos reconhecido como “uma fantástica ampliação das fronteiras da Humanidade, da mútua descoberta de dois mundos, a aparição da Ecumene inteira diante dos olhos do homem, o princípio da história universal” (Discurso em Santo Domingo, 12-10-1984).

Deixemos aos historiadores que estudem com objetividade todos os fenômenos relacionados com a conquista e com o que alguns chamam de choque entre a civilização européia e a ameríndia; a nós o que nos interessa é deter-nos num fato incontrovertível em si: e é que toda essa façanha foi acompanhada da evangelização. Com efeito, já na segunda viagem de Cristovão Colombo, chegaram ao mundo recém-descoberto os primeiros missionários. Assim, na ilha que foi chamada “La Espanhola” (Santo Domingo) Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo e se celebrou a Primeira Missa.

O mesmo acontecendo no Brasil, alguns anos mais tarde, quando, como todos sabemos, a 3 de maio de 1500, Frei Henrique de Coimbra celebrou a Santa Missa sobre o chão daquela que viria a ser a Capitania de Porto Seguro. Vossa terra foi por isso denominada, com bastante acerto, Terra da Santa Cruz. As primeiras estruturas eclesiásticas parece que datam do ano de 1532: paróquias a serviço dos colonos portugueses foram se constituindo. Sucessivamente, chegaram os franciscanos a Santa Catarina, os jesuítas à Bahia, os carmelitanos a Olinda.

Assim os missionários iam pondo as bases da Igreja até que, com data de 25 de fevereiro de 1551, o Romano Pontífice erigiu a primeira diocese em São Salvador da Bahia. Desde então, quantas dioceses foram constituídas nesta grande Nação! Hoje as circunscrições eclesiásticas são já 252.

3.A história da primeira evangelização é sem dúvida apaixonante. Vemo-la cheia de luzes e sombras, certamente mais luzes do que sombras, mas sobretudo enriquecida de inumeráveis lições pastorais para nós. A

gora, quando nos dispomos a comemorar o V Centenário da chegada da Mensagem evangelizadora a esse Novo Mundo, o primeiro que temos de fazer é refletir sobre o passado, com discernimento e clarividência eclesial. Não podemos deter-nos no passado, mas, partindo do presente, do momento atual da Igreja na América Latina, devemos olhar para o futuro, na perspectiva da Nova Evangelização a que convoquei todas as Igrejas.

Existe neste sentido, no âmbito das diversas Conferências Episcopais, tanto da Europa como da África e da América, um verdadeiro clima de Sínodo onde se preparam os esquemas e as estratégias pastorais - na linha do Concilio Vaticano II - para responder aos desafios do nosso tempo. Agora devemos perguntar-nos: sob qual ponto de vista é preciso comemorar tão auspicioso acontecimento? Pois bem, antes de mais nada, dando graças a Deus por todos os benefícios que significou para esses povos a atividade evangelizadora da Igreja.

Todos sabemos que a evangelização da América Latina, apesar das dificuldades e contradições que teve de suportar ao longo destes séculos, foi sem dúvida um dos capítulos relevantes da história da Igreja. Não posso deixar de reiterar aqui o que afirmei ao desembarcar em Brasília em 30 de junho de 1980: “Vossa história religiosa... foi escrita, por heróicos, dinâmicos e virtuosos missionários e continuada pelo empenho de dedicados servidores de Deus e dos homens, seus irmãos. Todos deixaram sulcos profundos na alma e na civilização brasileira. O Papa quer..., render um preito de gratidão, em nome da Igreja, a todos eles”.

4. Mas junto à ação de graças, devemos unir, como antes me referi, o discernimento com a consciência de que agora “estamos numa nova era histórica, que exige claridade para ver, lucidez para diagnosticar e solidariedade para atuar” (Mensagem da Conferência de Medellín aos Povos da América Latina, 1968). Discernir o que se realizou nestes quinhentos anos, tentando compor um balanço que, de resto, será sempre positivo, pois é Cristo quem sempre conduziu a nau da Igreja em direção do cumprimento da Redenção do homem. Mas, ao mesmo tempo, a evangelização quererá também significar uma capacidade para ver e diagnosticar em que termos ela deve ser proposta, neste fim de século e no inicio do terceiro milênio.

Todos percebemos, queridos irmãos no Episcopado, os enormes desafios que se apresentarão a Igreja, numa época marcada pelo progresso alcançado na ciência e na técnica, contribuindo para o aumento do bem-estar social, mas criando paralelamente sérios entraves para o cristão que quer ser coerente com a sua fé.

As exigências da sociedade urbano-industrial que forçam o indivíduo a uma corrida desenfreada em busca do seu ganha-pão diário; a influência dos Meios de Comunicação Social, que nem sempre respeitam a individualidade do homem no seu direito a ser bem informado, mas que é indispensável para chegar a um número sempre maior de pessoas de língua, cultura e mentalidade diferentes; o analfabetismo, barreira invisível de abertura ao mundo da cultura tanto profana como religiosa.

Neste sentido, podemos acrescentar aqui, como um dos aspectos que mais preocupam a Igreja e os seus Pastores, a perda do genuíno espírito religioso que afeta todas as camadas da população. Existe uma enorme carência de conhecimento sobre a fé e sobre os princípios morais ensinados pela Igreja desde sempre e que, no entanto, estão hoje relegados ao esquecimento. Por isso entendemos como em Medellín, na Mensagem aos Povos da América Latina, a Igreja se comprometeu a “alentar uma nova evangelização e catequese intensivas que atinjam as elites e as massas para obter uma fé lúcida e comprometida”.

O meu predecessor, o Papa Paulo VI, pontualizou perfeitamente este objetivo, matizando ainda mais: “...não se trata apenas de pregar o Evangelho em fronteiras geográficas cada vez mais vastas ou a populações sempre mais extensas, mas também de atingir e de modificar mediante a força do Evangelho os critérios de juízo, os valores determinantes, os pontos de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que estão em contradição com a Palavra de Deus e com o desígnio de salvação” (Evangelii nuntiandi EN 19).

Isto quer dizer, entre outras coisas, que não será o Evangelho que deverá adequar-se aos tempos, às exigências atuais do homem, muito pelo contrário, se trata de colocar a vida pessoal de todos e cada um dos homens ao contacto com esta antiga novidade que é o Evangelho. Bem sabemos que qualquer processo de evangelização, encontra seu fundamento no mistério de Cristo: na sua Encarnação, vida, morte e ressurreição.

O Senhor assumiu uma Humanidade concreta e viveu todas as circunstâncias particulares da condição humana, num lugar, num tempo determinado e no seio de um povo determinado; assim a Igreja, a exemplo de Cristo e mediante o dom do Espírito, pode ser compreendida em qualquer circunstância de língua, cultura ou raça (cf. At Ac 2,5-11). O que Ela visa, com todo o seu processo evangelizador, é a confirmação da perenidade do Evangelho que não está sujeito às mutações dos usos e costumes das distintas épocas históricas. Certamente os métodos de evangelização devem amoldar-se às circunstâncias de cada povo ou nação, conforme o próprio condicionamento histórico-cultural, desde que permaneçam firmes os princípios evangélicos que têm Cristo como fundamento.

5.Concluo cheio de esperança e de entusiasmo, pensando no alcance que a Nova Evangelização terá para todos os povos do mundo. Todos estes pontos e problemas que indiquei, junto aos que os Senhores mesmos poderão sugerir, devem ser objeto de estudo e resoluções da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, que com tanto esmero o CELAM, está preparando, em estreita união com a Santa Sé.

Recomendo à Mãe de Deus, sede da sabedoria - Nossa Senhora Aparecida - o vosso ministério episcopal. Peço a Maria Santíssima que se digne interceder junto de Deus Nosso Senhor para que vos envie a força do Espírito Santo, a fim de que ilumine o entendimento e fortaleça a vontade, enquanto procurais cumprir com solicitude a missão que vos foi confiada. Com esses auspícios, desejo fazer chegar a todos os Senhores, aos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis de vossas comunidades cristãs a minha Bênção Apostólica.





                                                                 Setembro de 1990

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA REGIÃO NORDESTE-2 DO BRASIL


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Segunda-feira, 17 de Setembro de 1990




Queridos Irmãos no episcopado

1. No correr de todo este ano, grupos mais ou menos numerosos de Bispos brasileiros - membros de uma das Conferências episcopais mais numerosas do mundo - estão se sucedendo aqui em Roma para a visita “ad limina”. Esses Pastores estão dando deste modo, uns ao outros, e todos às suas Igrejas e ao povo brasileiro, um testemunho concreto e visível de adesão ao Pastor Universal da Igreja e de comunhão com ele; de efetiva colegialidade cum Petro et sub Petro; de abertura aos irmãos Bispos do mundo inteiro na tarefa comum da evangelização.

Dentro desse contexto, alegra-me receber-vos hoje, dedicados pastores das Dioceses que compõem o Regional Nordeste-2 e ocupam os Estados de Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.

2. Neste encontro que me permite, após o contacto individual com cada um de vós, um contacto coletivo com todo o Regional por vós representado, desejo compartilhar convosco uma meditação sobre uma dimensão altamente relevante do carisma episcopal: a comunhão do Bispo com cada um dos seus Sacerdotes e com o Presbitério por eles constituído.

Tenho diante dos olhos uma frase que poderia passar despercebida no Cap. III da Lumen Gentium, mas que possui, no entanto, profundo conteúdo doutrinal: “Em razão da sua participação no sacerdócio e na missão, os Presbíteros reconheçam verdadeiramente o Bispo como o pai e lhe prestem respeitosa obediência”. Ou, dito com outras palavras, sempre na mesma Constituição Dogmática sobre a Igreja: “Em virtude do Sacramento da Ordem e do ministério, todos os sacerdotes, quer diocesanos quer religiosos, estão unidos ao corpo episcopal e trabalham para o bem de toda a Igreja, segundo a vocação e a graça de cada um”.

Com estes termos, que devem ser lidos em chave teológica e entendidos com todo o seu significado dogmático, o Concílio afirma que existe entre os Presbíteros e os Bispos um vínculo profundo baseado no fato de participarem, este e aqueles, em grau diverso, do mesmo e único sacerdócio de Cristo e da mesma missão apostólica que esse sacerdócio confere. Não que o Presbítero receba do Bispo uma parcela da sua graça sacerdotal; é de Cristo-Sacerdote que ambos, o Bispo e o Presbítero, recebem tal participação. Mas é lícito dizer que a graça sacerdotal os une nos diversos níveis do seu ministério. Por isso, se pode relevar que o vínculo de comunhão que associa os Presbíteros ao seu Bispo é de natureza hierárquico-sacramental. Hierárquico porque lhes confere o lugar que ocupam na estrutura da Igreja; sacramental porque é em virtude do sacramento da Ordem que eles se encontram associados no serviço da Igreja, do Evangelho e do Reino.

É a partir e em virtude deste vínculo e não em virtude de outras exigências, de ordem organizativa, jurídica ou institucional, que os Presbíteros aparecem na mesma Lumen Gentium como “solícitos colaboradores da Ordem episcopal, seu auxílio e instrumento” (LG 28), presença do Bispo em meio às comunidades, seus colaboradores e amigos. É bom e útil saber as raízes da comunhão afetiva e efetiva que deve reinar entre os Presbíteros e o Bispo, na profundidade teológico-espiritual da mencionada relação hierárquico-sacramental. Esta confere à atitude interior e exterior do Bispo para com seus Presbíteros toda a sua consistência e significação.

3. Tal atitude é descrita em vários documentos do Concilio - Lumen Gentium, Christus Dominus, Presbyterorum Ordinis - com expressões sóbrias mas significativas: senso de paternidade espiritual, reconhecimento dos Presbíteros como “necessários colaboradores e conselheiros”, sincera amizade. Percebe-se, além disso, nos textos conciliares, que a responsabilidade do Bispo para com seus padres se dirige a estes quer individualmente, cada um como pessoa, quer globalmente, enquanto reunidos no Presbitério.

Olhando cada um dos seus sacerdotes individualmente, o Bispo recebe de Deus e da Igreja, em virtude do seu múnus hierárquico e pastoral, a responsabilidade de ficar sempre muito perto de seus padres dando-lhes todo o apoio e estímulo para que permaneçam fiéis à sua vocação e operosos no seu ministério.

O primeiro estímulo que ele deve dar é, certamente, o do seu exemplo e testemunho: “forma factus gregis ex animo” (1P 5,3); como os quer o Apóstolo Pedro, o Bispo deve ser modelo também do seu clero. Seu exemplo e testemunho se dará quanto ao espírito de oração como também quanto ao zelo apostólico, ao desprendimento, ao amor ao estudo, à fidelidade à pastoral de conjunto, ao modo de conviver e colaborar com os leigos, ao seu sentido de universalidade na Igreja.

Mas “é ao Bispo que incumbe em primeiro lugar a grave responsabilidade da santificação dos seus sacerdotes; devem portanto cuidar, com a máxima seriedade, da formação contínua do seu presbitério” (Presbyterorum Ordinis PO 7). Se assim não o fizesse - diz-nos a nossa própria experiência - o Bispo estaria permitindo que em seus padres se debilite a dimensão espiritual que deve informar todo o seu trabalho pastoral. O Bispo não deve pois pôr limites ao cuidado com que há de velar pela vida espiritual dos seus padres, quer exortando-os pessoalmente à santidade, apelando à sua consciência sacerdotal quando demonstrarem fraquezas e vacilações, repreendendo quando estiverem transviados, quer oferecendo-lhes tempos especiais de reflexão, como encontros mensais, retiros espirituais, períodos de formação, etc.

Dito isto, o Concílio não esquece, ao mesmo tempo, que os Presbíteros são pessoas humanas com necessidades materiais, de moradia e alimentação, de legítimo bem-estar embora na pobreza, na simplicidade de vida encarada até mesmo com certa austeridade. O Bispo dá prova de espírito verdadeiramente paterno e fraterno se, mesmo à custa de esforços e sacrificios, ele tem a peito a digna sustentação do seu Clero; os cuidados médicos, quando necessários; o periodo de repouso; a previdência social por ancianidade, etc. Os gestos de compreensão e solicitude, de delicadeza e amizade que o Bispo pratica neste campo, com relação aos seus padres, só pode despertar nestes os sentimentos de confiança, estima, respeito e afeto, essenciais no relacionamento entre Bispo e Clero.

4. Por outro lado, além de suas atitudes para com cada sacerdote, o Bispo tem diante de si e consigo também, os sacerdotes congregados no Presbitério diocesano. O Concílio Vaticano II deu uma ênfase maior, do que qualquer outra instância na história passada da Igreja, a esta noção do Presbitério enquanto corpo orgânico constituído por todos os sacerdotes incardinados em uma Igreja Particular ou a serviço dela.

Na sua responsabilidade para com seus padres, e com eminente serviço prestado a eles, todo Bispo age louvavelmente quando desperta o senso comunitário, os faz sentir e compreender que não são Presbíteros sozinhos e avulsos mas membros e partes de um colégio presbiteral, quando os encoraja a praticar a fraternidade presbiteral e a fomentar o espírito de colaboração que redunde numa mais eficaz ação pastoral de conjunto.

Neste sentido, e para poder realmente pedir e receber de seus padres conselhos e sugestões, luzes sobre os mais graves problemas diocesanos e colaboração para solucioná-los, é importante que o Bispo disponha de um “senado” ou Conselho Presbiteral, como de outros órgãos formais ou informais de diálogo e cooperação. Esta vinculação por assim dizer institucional e organizativa com seus padres terá tanto maior valor e alcance, quanto mais o Bispo conservar para com esses mesmos padres atitudes de verdadeira caridade fraterna: proximidade em todos os momentos, sobretudo nos mais críticos; visitando-os quando estiverem enfermos; cheios de misericórdia (não separada de firmeza paterna com disposição a dar-lhes conselhos e orientações quando os necessitarem; presença cheia de humanidade e compreensão, de paciência e de amizade sincera e construtiva. Nem mesmo as crises, sempre possíveis neste relacionamento, e os sofrimentos que elas possam causar, podem arrefecer a comunhão efetiva e afetiva que deve reinar entre o Bispo e os padres. Pois essa comunhão edifica os fiéis e os estimula, tanto quanto os escandaliza toda ruptura entre os Pastores.

5. Desejo de minha parte - desejamos todos nós, estou certo que todos os sacerdotes que mourejam na pregação do Evangelho e na construção da comunidade eclesial no Brasil, saibam que eles estão no centro das nossas atenções e solicitudes. Animo-os vivamente a reforçar mais e mais os laços de comunhão hierárquico-sacramental como também os da caridade fraterna, da cooperação e do serviço comum a Jesus Cristo e à sua Igreja. Dizei-lhes que o Papa lhes agradece seus trabalhos pela glória do Senhor e pela causa do Evangelho, e que também confia em sua fidelidade e entrega.

Sei que em vossas Igrejas os Presbíteros procuram consolidar sua fraternidade presbiteral de vários modos e até em associações de presbíteros. Que estas tenham por objetivo aprofundar os vínculos de caridade; que não criem jamais desunião, mas unidade e comunhão - e sobretudo que nelas esteja presente o Bispo com seu carisma de unidade; seja ele o elo de união entre seus sacerdotes num clima de mútuo entendimento e ajuda.

Do mesmo modo que não há maior pena para um Bispo do que o distanciamento de algum sacerdote, também não há maior conforto, nem maior garantia de fecundidade para o seu ministério do que sentir-se profundamente unido ao seu Presbitério. Seja esta a vossa alegria e a de vossos irmãos Bispos em meio às extenuantes fadigas do ministério. Para concluir, recomendo à Mãe de Deus, sede da sabedoria - Nossa Senhora Aparecida - o vosso ministério episcopal, bem como os sacerdotes que são objeto da vossa atenção de Pastores. Ao Seu cuidado materno confio a solicitude pastoral que tendes nos Estados que compõem o Regional Nordeste-2 e, por Sua intercessão, invoco abundantes favores celestes para todo o Povo de Deus que aí peregrina, com uma ampla Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1990