Discursos João Paulo II 1991






                                                                        Março de 1991

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO BRASIL EM VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sexta-feira, 8 de Março de 1991



Senhores Cardeais,
Senhores Arcebispos e Bispos,

1. É com particular alegria que desejo acolher a Vós, representantes do numeroso Episcopado brasileiro, e convosco os meus colaboradores na Cúria Romana na ocasião desta especial Assembléia. Este encontro que hoje começa, serve de oportunidade para dar uma expressão mais clara ao vínculo de comunhão eclesial e ministerial que nos une.

Depois da primeira Visita Pastoral ao vosso País, em 1980, a Divina Providência, por bem duas vezes, quis que me reunisse com os Senhores, quer em distintos grupos, quando das visitas “ad limina”, quer no nosso encontro de 1986 para poder avaliar o espírito que animava a Igreja no Brasil à luz dos ensinamentos hauridos e posteriormente postos em prática, do Concílio Vaticano II. Finalmente, no ano passado, viestes de novo aqui para outra das visitas “ad limina”, tendo sido possível mais uma vez escutar-vos, e fazer-vos ver alguns aspectos da nossa comum missão pastoral.

Hoje, num clima de oração e de reflexão, como também de caridade fraterna, de esperança e de diálogo construtivo, saúdo de coração a todos os Senhores, e dou-vos as boas-vindas a esta casa do Papa que é a vossa casa. Agradeço-vos desde já a disponibilidade com que soubestes acudir ao meu convite, e renovo a cada um a promessa de permanecer próximo aos seus lavores apostólicos pedindo a Deus que esta experiência dê novas energias ao vosso devotado ministério, e, com a colaboração de algumas Congregações e Conselhos da Cúria Romana, possa alcançar os frutos que certamente o Divino Consolador almeja.

2. Caros Irmãos, como Arcebispos Metropolitanos e Bispos de distintas Dioceses, estais numa situação privilegiada para representar e exprimir as preocupações das Igrejas particulares na vossa Nação. Reunimo-nos, para considerar os pontos importantes relacionados a vida eclesial do Brasil. O nosso encontro é a continuação de um intercâmbio destinado a reforçar vossa colaboração unitária na evangelização. Nós fazemos isso, com uma visão orgânica da nossa missão de Bispos, numa visão que deve exprimir as prioridades indiscutíveis da vida da Igreja de hoje em dia, não só quanto às suas necessidades universais, como também àquelas relacionadas com a Igreja no Brasil.

No centro da nossa preocupação está a Evangelização no contexto da cultura e da sociedade brasileira, com particular atenção ao papel do Bispo como Mestre da Fé. É isto que me proponho submeter à vossa consideração, reflectindo sobre os agentes, métodos e beneficiários da evangelização.

A vossa missão como autênticos Mestres da Fé, tem como objetivo a edificação do Corpo Místico de Cristo. Vós, unidos com o Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, sois a coluna sobre a qual se apoia o trabalho da evangelização. A força e a vitalidade da Igreja local dependem em grande parte da firmeza da vossa fé, esperança e caridade.

3. Como Pastor da Igreja universal, desejo estimular-vos no vosso ministério. Estou plenamente consciente dos desafios que enfrentais ao levar a mensagem evangélica a um mundo que nem sempre a aceita com toda a prontidão. O vosso povo experimenta as dificuldades de ser cristão no meio de um clima adverso, devido sobretudo aos desvios provocados pela crescente depauperação dos costumes, sem nos esquecermos do problema da difusão vertiginosa das seitas defraudando a perseverança na fé de muitos católicos.

Nestes dias, juntos, procuraremos enfocar claramente nossa visão da Igreja para onde o Senhor quer conduzi-la, a nós e ao seu povo às vésperas do Terceiro Milênio do Cristianismo. Devemos confiar no resultado dos nossos esforços, certos que o Senhor da vinha está no meio de nós.

Ele é O que nos escolheu como seus servidores para cumprir a missão de evangelização. São Paulo diz que fomos escolhidos para “anunciar o Evangelho de Deus acerca de seu Filho” (cf. Rm Rm 1,1-3). Nós aceitamos Sua Chamada e o fazemos com alegria.

Mas não hesitamos em dirigir a Ele nossa oração para alcançar mais força e orientação. Daí este nosso encontro ter-se iniciado num contexto de oração e culminará na celebração Eucarística. Invoco a intercessão de Nossa Senhora, a Virgem da Aparecida, junto de Seu Divino Filho, na certeza de que o Senhor está pronto a ajudar-nos em nossas tarefas pastorais, porque Ele enviou-nos o Seu Espírito, a fim de que esteja conosco e nos guie com toda a verdade e o amor.

Queridos Irmãos: na força do Espírito Santo, continuemos no nosso esforço em sustentar todo o povo católico do Brasil para que possa proclamar com a santidade de vida “que Jesus Cristo é o Senhor”(cf. Ef Ep 3,11).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DO ENCONTRO


COM OS BISPOS DO BRASIL


Segunda-feira, 11 de Março de 1991



Caríssimos irmãos
em Nosso Senhor Jesus Cristo

Durante dois dias, estivemos reunidos em nome de Jesus Cristo e do poder de seu mistério pascal, a fim de refletir sobre o nosso serviço pastoral a favor do povo de Deus no Brasil.

Pastores de Igreja local e membros da Cúria Romana, juntamente, unidos, desejávamos novamente oferecer a Cristo sua dileta Igreja que se encontra no Brasil, a qual Ele adquiriu com o seu preciosíssimo sangue.

Ao mesmo tempo desejávamos examinar nossas responsabilidades pessoais, juntamente aquelas de nossa competência, como primeiros servidores do Evangelho, Bispos chamados por Deus, para anunciar em toda a sua pureza e integridade, com toda a sua força e com todas as suas exigências, o mistério de Cristo, Filho de Deus, para sustentar e confirmar na fé o nosso povo.

De modo especial, temos pensado nos nossos caríssimos colaboradores, os sacerdotes do Brasil, interessando-nos pela sua identidade sacerdotal, pelo seu ministério, pelas suas dificuldades, pela sua vocação à amizade com Cristo, em união com Deus.

Analisamos a situação dos seminaristas e as exigências de sua formação. Verificamos a necessidade de nos empenharmos ainda mais, a fim de que a sua formação possa realmente prepará-los de forma digna à sua missão, e ajudá-los a chegar à maturidade de Cristo.

Com muita gratidão pensamos nos Religiosos e Religiosas do Brasil, lembrando-nos de seu insubstituível contributo ao Evangelho, e refletimos sobre a sua chamada a colaborar sempre mais unidos aos Pastores das Igrejas locais, para poderem apresentar ao mundo a verdadeira face de Cristo.

Ficamos impressionados com os grandes desafios no campo da autêntica promoção humana e com os inúmeros obstáculos que se opõem a uma plena eficácia de uma nova evangelização.

Esses obstáculos poderão ser mais claramente entendidos, depois de nosso encontro, o qual nos despertou para um amor mais fiel na nossa vigilância pastoral. A consciência dessa realidade não significa para nós, nem razão de desânimo, nem de um vão triunfalismo. E sim de grande humildade diante de uma situação que exige um realismo pastoral sóbrio e uma imensa confiança em Jesus Cristo.

Como São Paulo, não nos intimidamos perante as dificuldades e os obstáculos que se interpõem à pregação do Evangelho, porque estamos realmente convencidos de que “em todas estas coisas somos mais que vencedores, pelo poder daquele que nos amou” (Rm 8,37). Tudo é possível com a ajuda de Deus.

Nós, humildes servidores do Salvador e instrumentos débeis de sua salvação, sempre convocados à purificação pessoal, somos ministros de Deus “com palavras da verdade, com o poder de Deus, com as armas da justiça” (2Co 6,7). Esta força que promana do mistério pascal, nós a experimentamos na comunhão eclesial. Unidos em Cristo e na sua Igreja somos fortes em seu nome.

A vós, Jesus Cristo, Princeps Pastorum, a glória; em vós a nossa confiança; a vós a nossa fidelidade para sempre; em vossa palavra a nossa alegria e a nossa força; no vosso mistério pascal a nossa salvação. Por vós, em vossa Igreja, sob a proteção de vossa Mãe, a Virgem Aparecida, atingiremos, com o nosso povo, o fim supremo: a comunhão do Pai e do Filho e do Espírito Santo.



                                                                            Maio de 1991



VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


NO AEROPORTO DE LISBOA


Sexta-feira, 10 de Maio de 1991



Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Ilustríssimo Senhor Primeiro-Ministro
Eminentíssimo Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa
Senhores Bispos
Amados Irmãos e Irmãs!

1. Com grande alegria volto a este Portugal bem-amado, acedendo de todo o coração ao convite das Autoridades Civis, com Vossa Excelência à frente, Senhor Presidente da República, e do Eminentíssimo Cardeal-Patriarca, em nome dos Bispos portugueses, para visitar algumas regiões deste País, em especial as Dioceses de Angra do Heroísmo, no Arquipélago dos Açores, e do Funchal, no Arquipélago da Madeira, que não pude visitar em 1982.

A todos dirijo a minha saudação respeitosa e amiga. Alarga-se o meu espírito a todos os recantos e filhos desta Terra de Santa Maria: é meu desejo que todos me sintam próximo de suas pessoas e vida, como mensageiro da Boa Nova da Salvação e do Amor de Deus. Desejo sobretudo que os pobres, os doentes, os velhinhos e os mais abandonados sintam o encorajamento da minha prece e do meu coração que daqui os abraça.

Obedecendo à ordem de Jesus Cristo, dada ao Apóstolo Pedro de apascentar as ovelhas do Seu Rebanho (Cf. Jo Jn 21,16), venho para servir especialmente a causa espiritual e religiosa do homem - todo o homem e mulher que aqui, com a solicitude paterna de Deus, realiza a sua vocação na História; venho para servir a Igreja que, nesta Nação, edifica e consolida a unidade católica do Povo do Senhor pelo anúncio e realização da dignidade transcendente e da gloriosa liberdade dos Filhos de Deus; venho para confirmar os meus irmãos (Cfr. Lc Lc 22,32): mantê-los firmes na fé, encorajá-los na esperança, e fortalecer os vínculos da caridade.

2. Ser-me-á particularmente grato tomar contacto directo com as referidas Regiões Autónomas de Portugal, descobertas e povoadas pelo génio dos navegadores portugueses que levaram consigo a Luz do Evangelho que iluminou os sonhos, as experiências e as iniciativas das gerações passadas, e que tornou mais vigorosas as raízes da fé e da cultura, herdadas há séculos da Pátria comum, e confirmadas na grandeza dos esforços de cada dia das gerações presentes. De facto, é no trabalho, na solidariedade, na fidelidade às leis do sangue e da graça, que os Povos avançam. E tanto mais se desenvolverão na harmonia e na paz, quanto mais cultivarem os grandes valores em que foram educados.

3. Portugal nasceu cristão! As sucessivas gerações dos vossos maiores buscaram no Evangelho a inspiração para as suas vidas, e legaram-vos esta cultura constantemente enriquecida pelo cruzamento da fé cristã com as várias populações que fizeram a história da Europa e do Mundo. Queira Deus que a Visita, agora iniciada, seja ocasião para escutar mais atentamente a Mensagem Cristã, e que a vossa existência pessoal, familiar e social se deixe renovar pela força da Verdade e dos ideais superiores que tornam ilustre uma Nação.

Um dia, Portugal foi púlpito da Boa Nova de Jesus Cristo para o mundo, levada para longe em frágeis caravelas por arautos impelidos pelo sopro do Espírito. Hoje venho aqui para, da mesma tribuna, convocar todo o Povo de Deus à evangelização do mundo, tanto no sentido de se conformarem cada vez mais com o Senhor aqueles que já O conhecem, como também de levarem o Primeiro Anúncio às multidões inumeráveis de homens e mulheres que ainda desconhecem a salvação de Cristo.

Irmãos amados, as vossas vidas, iluminadas há séculos pelo cristianismo, hesitariam comprometer-se hoje com Ele, numa nova e gloriosa página da vossa história? Se não podeis ser felizes longe de Deus, tão-pouco o sereis longe dos homens. Que cada um de vós se torne hoje testemunha audaz do Evangelho de Jesus Cristo, ao encontro de tantas vidas famintas de Deus! Portugal, convoco-te para a missão.

4. Perante as convulsões que sacodem aqui e além os diversos Continentes, face ao ritmo apressado da substituição de coisas e de valores, abalando as certezas e até a vida das nações, faço minha a esperança de Santo Agostinho, diante do assalto dos Vândalos à cidade de Hipona, quando um grupo alarmado de cristãos da sua Igreja o procurou: “Não tenhais medo, queridos filhos! - sossegou-os o Santo Bispo - Isto não é um mundo velho que acaba, é um mundo novo que começa”.

Uma nova aurora parece despontar no céu da História, convidando os cristãos a serem luz e sal de um mundo que tem enorme necessidade de Cristo, Redentor do homem.

5. Venho a Portugal igualmente para me dirigir pela segunda vez a Fátima, a fim de agradecer a Nossa Senhora a protecção dada à Igreja nestes anos, que registaram rápidas e profundas transformações sociais, permitindo abrirem-se novas esperanças para vários povos oprimidos por ideologias ateias que impediam a prática da sua fé.

Leva-me ainda a esse santuário o desejo de renovar a minha gratidão pela especial protecção da Virgem Mãe que me salvou a vida no atentado de há dez anos, mais precisamente em 13 de Maio de 1981 na Praça de São Pedro.

Com alegria, elevarei o meu canto do Magnificat, entoado com Maria, ao Senhor da História, que “derrama a sua misericórdia de geração em geração sobre aqueles que O temem” (Cf. Lc Lc 1,50). Agradeço desde já cordialmente a todos os que, longe ou perto, me acompanharem aos pés da Senhora, para reflectir na Mensagem de Fátima: um convite à conversão do coração, à purificação do pecado, à oração e à santidade de vida.

Confio à Senhora e Mãe de todas as gerações os bons propósitos e os caminhos desta geração que é a nossa - a geração dos séculos XX e XXI - para que decididamente se empenhe em refazer a sua fé. A todos vos abençoo, pedindo, por minha vez, a quantos o puderem e souberem fazer, que vos unais às minhas preces, para que o mundo volte a marcar encontro com o Evangelho, e Deus faça brilhar sobre todos os povos a Luz esplendorosa de Jesus Cristo.





VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO CORPO DIPLOMÁTICO DURANTE


O ENCONTRO NA SEDE DA NUNCIATURA APOSTÓLICA*


Lisboa, 10 de Maio de 1991



Excelências, Senhoras e Senhores,

1. O desejo de corresponder ao convite, insistentemente repetido pelas comunidades cristãs dos Açores e da Madeira, trouxe-me de novo a este País, que hoje fidalgamente nos hospeda a todos nós. Nas celebrações dos Cinco Séculos de Evangelização e Encontro de Culturas, é com alegria e devoção profunda que visito estas Regiões periféricas mais ocidentais da Europa, onde nos primeiros anos do século XV se começou a cruzar o caminho para o Atlântico Sul e para a América.

Importância particular atribuo a este Encontro convosco, obreiros credenciados das boas relações entre os Povos. A vossa tarefa nobre e complexa, a favor de uma humanização sempre maior das relações internacionais, é vista com real simpatia pela Santa Sé, que sente como seu dever partilhar e apoiar a vossa missão diplomática. Agradeço ao vosso Decano, Monsenhor Luciano Angeloni, as cordiais expressões de Boas Vindas e os votos que houve por bem formular-me. Apresento a minha saudação deferente e solidária aos Estados, de que sois dignos Representantes no estrangeiro; cumprimento também as Senhoras e Senhores aqui presentes.

2. Agradeço-vos a atenção e compreensão amistosa que tendes dedicado, tanto à acção conduzida pela Santa Sé em favor das relações internacionais, como aos princípios básicos que a norteiam, e que se inserem no âmbito mais vasto da Doutrina Social da Igreja, à qual dedicamos especialmente este ano, em que ocorre o centenário da Encíclica “Rerum Novarum” do nosso venerando predecessor Leão XIII. Esta encíclica constituiu um documento fundamental para o desenvolvimento do ensino e da pastoral social da Igreja no nosso tempo, cuja concretização mais recente é a Encíclica “Centesimus Annus”, publicada há poucos dias.

O nosso magistério social baseia-se no homem, inspira-se no homem, considerando-o protagonista na construção da sociedade. Trata-se, porém, do homem criado à imagem e semelhança de Deus, e chamado a plasmar essa imagem na sua vida individual e comunitária. Nesta perspectiva, a Igreja apresenta um ideal de sociedade solidária e em função do homem aberto à transcendência, ajudando-o a descobrir a verdade que o fará feliz, no meio das diversas propostas das ideologias dominantes.

3. O empenho e a missão da Igreja a favor de uma ética política mais acentuada, hoje tanto mais necessária quanto mais se dispõe de grande variedade de meios técnicos, levam-me a referir-vos os direitos do homem individuais e sociais. Seja assegurado o respeito desses direitos sempre e em toda a parte, não só por motivos de conveniência política, mas em virtude do respeito profundo que é devido a toda e qualquer pessoa, por ser criatura de Deus, dotada de uma dignidade única e chamada a um destino transcendente! Toda a ofensa a um ser humano é também uma ofensa a Deus, e responder-se-á por ela diante do Senhor, justo Juiz dos actos e das intenções.

De entre esses direitos, gostava de fazer sobressair o da liberdade da consciência humana, apenas ligada à verdade, seja natural ou revelada, porque, em alguns países, emergem novas formas de fundamentalismo e intolerância, que, em nome de pseudomotivações de religião, de raça, e até de Estado, atentam contra a dignidade da pessoa, a liberdade de crença, a identidade cultural e a mútua compreensão humana. “Num mundo como o nosso, onde é raro que a população de uma Nação pertença a uma única etnia ou a uma só religião, é primordial para a paz interna e internacional que o respeito da consciência de cada um seja um princípio absoluto” (Ioannis Pauli PP. II Ad repraesentantes Nationum apud Lusitanam Rem Publicam Legatos, 7, die 12 ian. 1991: vide supra, pp. 88ss). Os vossos Países consolidar-se-ão na promoção de uma cuidadosa educação para o respeito pelo outro, tendo como meios o conhecimento de outras culturas e religiões e a equilibrada compreensão das diversidades existentes.

4. Excelências, Senhoras e Senhores,

Desejo formular os mais venturosos votos aos povos que representais, às Autoridades que vos nomearam, a vós próprios, e aos vossos colaboradores e familiares. Prometo-vos a minha prece a Deus Pai de todos os homens, para que as luzes e energias do Alto tornem possível esta magnânima concentração de inteligências, vontades e trabalho criativo, exigida imperiosamente pela actual encruzilhada das Nações.

*Insegnamenti di Giovanni Paolo II, vol. XIV, 1 pp. 1189-1191.

L'Osservatore Romano 15.5. 1991 p. III.



VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A VIGÍLIA DE ORAÇÃO


NO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA


Domingo, 12 de Maio de 1991



Senhor Bispo de Leiria-Fátima, Dom Alberto,
Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos,
Amados irmãos e irmãs, peregrinos de Nossa Senhora de Fátima!

Sentimo-nos bem aqui neste Solar de Maria... Esta multidão inumerável de peregrinos com as velas da fé acesas e o terço nas mãos confirma-me que cheguei a Fátima, ao Santuário da Mãe de Deus e dos homens. Senhor Dom Alberto, ao pastorear esta diocese abençoada, cabe-lhe fazer as honras da casa. Muito obrigado pela sua cordial saudação de Boas Vindas. Venho ajoelhar-me mais uma vez aos pés de Nossa Senhora de Fátima, agradecer-lhe o Seu desvelo sobre os caminhos dos homens e das Nações e as maravilhas e bênçãos do Todo-Poderoso realizadas n’Ela, a Omnipotência suplicante. Viva sempre em vossos corações Jesus Cristo qual facho luminoso a indicar o caminho da Terra Prometida!

1. “Salve, ó Mãe Santa: Vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos sem fim! (Sollemnitas Matris Dei: “Ant. ad Introitum”)".

Naquele memorável dia 25 de Março de 1984, Vós, ó Mãe Santa, dignastes-vos fazer-nos a graça da Vossa Visita a nossa Casa, a Basílica de São Pedro, para quase visivelmente depormos no Vosso Coração Imaculado o nosso Acto de consagração do mundo, da grande família humana, de todos os povos.

Hoje, com esta multidão de irmãos, vim junto do Vosso Trono aclamar-Vos: Salve, ó Mãe Santa! Salve, ó Esperança segura que nunca decepciona! Totus tuus, ó Mãe! Obrigado, Celeste Pastora, por terdes guiado com carinho maternal os povos para a liberdade! A Vós, Maria, totalmente dependente de Deus e orientada para Ele, ao lado do Seu e Vosso Filho, saudamos como “o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade e do universo” (Congr. pro Doctrina Fidei Libertatis Conscientia, 97)!

2. Estimados irmãos e irmãs,

A caminho do Além, impelidos pela força inexorável do tempo, temos necessidade de verificar o rumo, o sentido de Deus, para que os nossos passos de peregrino não esmoreçam nem errem a estrada, e os nossos ombros não carreguem outro fardo que não seja o de Jesus Cristo. Impõe-se uma pausa, um momento de recolhimento, de transformação pessoal, de renovação interior. Fátima, na sua mensagem e na sua bênção, é conversão a Deus. Aqui se sente e testemunha a Redenção do homem, pela intercessão e com o auxílio d’Aquela que com o Seu pé virginal sempre esmagou e esmagará a cabeça da serpente antiga.

Aqui se pode encontrar o ponto de referência para o testemunho de muitos homens e mulheres que, em circunstâncias difíceis e até frequentemente na perseguição e na dor, permaneceram fiéis a Deus, com os olhos e o coração postos na Virgem Maria, que é “a primeira entre os humildes e pobres do Senhor que confiadamente esperam a salvação de Deus” (Lumen Gentium LG 55). Nossa Senhora foi, com efeito, para multidões de crentes, assim tão duramente provados no infortúnio, o penhor por excelência da sua fidelidade e a certeza da salvação, visto que, “por Eva, foi fechada aos homens a porta do céu, mas a todos foi de novo aberta por Maria” (Laudes Dominae Nostrae: “Ant. ad Benedictus”).

Na verdade, “o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou, com a sua incredulidade, a Virgem Maria desatou-o com a sua fé” (S. Irenaei Adversus Haereses, III, 22, 4). Fé, sim, na Palavra de Deus, fé incondicional, pronta e jubilosa, que a cena da Anunciação exprime com particular eloquência: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim, segundo a Tua palavra” (Lc 1,38). E o Verbo encarnou e habitou entre nós! A Virgem Maria deu à luz um Filho, que as Escrituras Sagradas saudaram como o Emanuel, que significa Deus connosco (Cfr. Is Is 7,14 Mt 1,21-23).

3. Ó Mãe do Emanuel, “mostrai-nos Jesus bendito Fruto do Vosso ventre!”.

Toda a vida de Maria, de cujo seio se desprendeu e brilhou “a Luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo”(Jn 1,9) se desenrola em comunhão intima com a de Jesus. “Levando, na terra, uma vida semelhante à do comum dos homens, cheia de cuidados domésticos e de trabalhos, Ela a todo o momento se mantinha unida a Seu Filho” (Apostolicam Actuositatem AA 4), permanecendo na intimidade com o mistério do Redentor. Ao longo deste caminho de colaboração na obra redentora, a sua própria maternidade “veio a conhecer uma transformação singular, sendo cada vez mais cumulada de "caridade ardente" para com todos aqueles a quem se destinava a missão de Cristo”(Redemptoris Mater RMA 39) e para os quais e no Qual, se vê consagrada Mãe, aos pés da cruz: “Eis o teu filho”! Deste modo, tendo Ela gerado Cristo, Cabeça do Corpo Místico, deveria também gerar os membros do mesmo Corpo. Por isso “Maria abraça, com a sua nova maternidade no Espírito, todos e cada um dos homens na Igreja; e abraça também todos e cada um mediante a Igreja” (Redemptoris Mater RMA 47) . A Igreja, por sua vez, não cessa de lhos consagrar.

Exorto-vos, irmãos amados, a perseverar na devoção a Maria. Quanto mais vivemos e progredimos na atitude de entrega, tanto mais Maria nos aproxima das “insondáveis riquezas de Cristo”(Ep 3,8) e, deste modo, nos possibilita reconhecermos cada vez mais, em toda a sua plenitude, a nossa dignidade e o sentido definitivo da nossa vocação, porque “só Cristo revela plenamente o homem a si próprio” (Gaudium et spes GS 22). Na maternidade espiritual de Maria, nós somos adoptados como filhos no Filho, o primogénito de muitos irmãos. Transcendemo-nos e libertamo-nos para formarmos uma família, autêntica comunidade humana, orientada para o seu destino último - o próprio Deus que “será tudo em todos” (1Co 15,28).

Maria, ajudai os vossos filhos nestes anos de Advento do Terceiro Milénio, a encontrarem, em Cristo, o caminho de regresso à Casa do Pai comum!

4. “Salve, ó Mãe Santa: Vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos sem fim”!

Nesta noite de Vigília, com as velas da fé acesas, a Igreja levanta para Vós uma ardente prece em favor dos homens, para que, com humilde disponibilidade e corajosa confiança, eles possam guiar-se pelos caminhos da salvação. Oà Mãe amada, auxiliai-nos neste deserto, vazio de Deus, onde parecem perdidas a nossa geração e a geração dos seus filhos, para que finalmente reencontrem e repousem nas Nascentes divinas das suas vidas.

No respeito das suas raízes cristãs e no desejo profundo de Jesus Cristo que se levanta no coração dos homens, queremos agora encontrar os caminhos que os povos do inteiro continente europeu devem percorrer. Abençoai, pois, Mãe de Igreja e Senhora de Fátima, a próxima Assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Europa.

O facto de Nossa Senhora ter escolhido este país para manifestar a Sua protecção materna pela humanidade é uma garantia de que Portugal manterá o que de mais precioso tem: a fé. A fé, luz suprema da humanidade! Que ela se reacenda cada vez mais forte e penetre as profundidades de alma deste povo querido e os diversos âmbitos sócio-culturais do seu viver! Que todos - adultos e anciãos, jovens e crianças -, à imitação do Vosso Coração Imaculado, se empenhem a perseverar num coração puro e firme, ao serviço do Evangelho!

Acolhei, ó Mãe de Deus e Mãe de todos os filhos de Eva, esta Vigília de Oração em vossa honra e para glória da Santíssima Trindade, Luz sem ocaso que os nossos passos demandam ansiosos e tantas vezes incertos. Virgem de Fátima, caminhai connosco! Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte! Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA


EPISCOPAL PORTUGUESA


Fátima, 12 de Maio de 1991



Amados e veneráveis Irmãos Bispos de Portugal,

1. Na vossa presença, de coração, quero dar graças a Jesus Cristo, o Bom Pastor (Jn 10,11), pelo vosso desvelo contínuo a favor das comunidades que servis com caridade apostólica. Agradeço ao Senhor Cardeal-Patriarca a palavra que acaba de me dirigir, toda ela repassada de caridade, unidade colegial e serviço de consagração total ao Reino de Deus. Para cada um de vós, amados irmãos, e para a Igreja Local que apascentais, vai a minha grata e fraterna saudação: ao seu presbitério, aos religiosos e aos fiéis leigos saúdo de todo o coração, e abençoo no Senhor.

Confio e rogo a Deus que este encontro nos faça transbordar de zelo pastoral e de esperança no Senhor Jesus, a Quem foi dado todo o poder no céu a na terra (Mt 28,18), a fim de congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos (Jn 11,52), e criar n’Ele próprio um só Homem Novo (Ep 2,15).

Marcos assinaláveis deste caminho de recapitulação, operada por Cristo e em Cristo, foram os vossos Congressos Diocesanos e Nacional de Leigos; o Sínodo dos Bispos igualmente sobre os leigos, com a Exortação Apostólica “Christifideles Laici” que consagrou as suas conclusões; e, no rasto destas felizes experiências eclesiais, recolhendo e projectando para o futuro todo o dinamismo apostólico que geraram, a vossa Carta Pastoral sobre Os Cristãos Leigos, na comunhão e missão da Igreja, em Portugal, a qual constitui verdadeiro acto de fé e resultado precioso da escuta do Espírito Santo que tendes feito conjuntamente. Nela delineastes a Igreja que sois e quereis ser, declarando a dado passo: “A nossa opção pastoral fundamental (é) edificar comunidades vivas de fé, de amor, de dinamismo missionário” (Conf. Episcopalis Portugalliae Epistula pastoralis “Os Cristãos Leigos, na comunhão e missão da Igreja, em Portugal”, n. 6).

2. Tais comunidades serão o fruto maduro da linha pastoral que vos propusestes seguir, na sequência da minha Visita de 1982, e que vos exorto intensamente a prosseguir: “Evangelizar e renovar a fé do povo cristão, na fidelidade às orientações do Concílio e às exigências do nosso tempo” (Conf. Episcopalis Portugalliae Carta pastoral sobre a Renovação da Igreja em Portugal, n. 7), para que a Igreja inteira entre com renovado vigor no Terceiro Milénio da era cristã. A recente Encíclica “Redemptoris Missio” desenha o rosto dessa Igreja que o Espírito Santo, com a sua sombra fecunda e poderosa, está hoje, cada vez mais intensamente, a suscitar emnossas comunidades eclesiais e que pode caracterizar-se assim:

- Igreja abençoada e transbordante da graça e do mistério da comunhão trinitária;

- Igreja que atravessa os séculos, não como relíquia histórica, mas como Pessoa viva que encarna e toma corpo n’Ela, assegurando-lhe eterna juventude;

- Igreja humanamente limitada, pobre e composta de pecadores, mas empenhada com todas as suas forças em abandonar-se à acção do Espírito Santo que a renova e santifica no Sacramento da Reconciliação, lhe fala e a alimenta na celebração da Eucaristia;

- Igreja que anseia e se propõe crescer em cada um de seus filhos, fazendo da unidade, comunhão e solidariedade do único Corpo de Cristo, que consagra, comunga e anuncia, a sua norma de vida interna e o rosto visível com que aparece ao mundo;

- Igreja da diversificação de ministérios e carismas, dons do único Criador e Pai, distribuídos pelo único Espírito segundo Lhe apraz, à medida dos tempos para a edificação do único Corpo de Cristo, pelo que o discernimento e o encargo para a missão devem provir dos Pastores da grei;

- Igreja que não é deste mundo, pois jurou amor e fidelidade a Jesus Cristo que a resgatou para Si, mas que está neste mundo como alma e consciência dos povos, a fim de os impelir ao respeito da transcendente dignidade da pessoa humana e dos direitos de Deus;

- Igreja consciente de ser portadora duma Boa Nova, absolutamente necessária: a Boa Nova de Jesus Cristo Salvador; e outra coisa não pede senão as condições adequadas para a apregoar sobre os telhados da cidade dos homens;

- Igreja que vive a sua liberdade no serviço dos irmãos, tanto mais livre quanto mais serve e tanto mais servindo quanto mais livre lhe permitem que seja; - Igreja “perita em humanidade”, insistindo em fazer ouvir a voz dos homens, sempre que os seus direitos são desprezados ou feridos, particularmente os daqueles que não têm voz;

- Igreja que privilegia o homem sobre as coisas, subordinando e disponibilizando estas à sobrevivência, consolidação e crescimento dele, até à plena estatura de Cristo;

- Igreja, enfim, que diariamente sai ao encontro do seu Esposo, nos pobres, marginalizados, tristes e desencaminhados (Cfr. Matth Mt 25,40), certa de que o Espírito Santo convencerá o mundo desta primeira vinda, e de que, assim, pode aguardar em jubilosa esperança a última Vinda de Cristo Salvador, que, como o relâmpago, brilhará de Oriente a Ocidente, para toda a criatura.

3. Esta Igreja, que será a do Terceiro Milénio, nascerá da reevangelização que vos propondes realizar. Mas, para que a nova etapa da acção eclesial seja entre vós verdadeiramente eficaz, deveis, antes de mais, formar autênticas comunidades cristãs, à semelhança da Primitiva Comunidade Apostólica (Cfr. Act Ac 2,42-47 Ac 4,32-36). Rogo-vos, por isso, que promovais uma profunda renovação de todas as comunidades, e principalmente das comunidades paroquiais, como é, aliás, vosso propósito. “É urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana. Mas, a condição é a de se refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais que vivem nesses países e nessas nações” (Christifideles Laici CL 34).

Com paciência, com pedagogia paternal, mediante um itinerário catequético permanente, com uma solicitude imensa para ouvir os gemidos do tempo, apascentai essas multidões de baptizados que vivem desligados da prática religiosa ou até sem qualquer iniciação e catequese cristã: ajudai-os a amadurecer na sua consciência de membros da Igreja, de a verem como sua família, sua casa e lugar privilegiado do seu encontro com Deus, de se integrarem na sua própria comunidade cristã. Mova-vos a compaixão pela sua sorte, já que estas multidões de fé debilitada pela ignorância e “marginalização” eclesial são mais vulneráveis ao embate do secularismo e do proselitismo das seitas, que actuam especialmente sobre os baptizados insuficientemente evangelizados, ou afastados da prática sacramental, mas conservando preocupações religiosas.

De facto, a tradição e experiência milenária da Igreja nos mostra que é a fé, celebrada e participada na liturgia e na caridade, que nutre e fortifica a comunidade dos discípulos do Senhor. Deste modo, o serviço da Palavra, a Eucaristia e a Penitência devem voltar a ser o centro dinâmico da vida comunitária da Igreja, que aí encontra a sua missão própria à semelhança de Cristo, Bom Pastor. Nenhuma outra acção pastoral, por urgente ou importante que pareça, poderá deslocar a liturgia do seu lugar central: teremos de “permanecer assíduos à oração e ao ministério da Palavra” (Ac 6,4). Não deixeis de insistir com os vossos sacerdotes para quefomentem, com grande empenho, a prática do Sacramento da Reconciliação - pela pregação e pela disponibilidade para confessar - como opção pastoral de importância máxima para toda a vida da Igreja.

4. Vós, amados irmãos, coadjuvados pelos vossos presbíteros - os colaboradores primeiros no exercício do ministério pastoral -, deveis guiar e conduzir as comunidades a vós confiadas para as novas e empenhativas metas apostólicas a que o tempo presente chama os crentes. Um vasto campo de acção e um ilimitado trabalho missionário abre-se, de facto, diante dos nossos olhos, especialmente depois das rápidas transformações sociais na Europa e no mundo das quais todos fomos testemunhas.

Assim o convite de Cristo, Bom Pastor, a apascentar o Seu rebanho torna-se cada vez mais urgente nesta sociedade marcada por angústias e esperanças, por perturbações e dificuldades. A Europa, antiga e nova terrade evangelização, anela, às vezes sem o saber, por um suplemento de espiritualidade; clama por Cristo, único Redentor do Homem.

5. Fátima, lugar de profundos apelos sobrenaturais, não tem porventura um papel a desenvolver nesta nova e necessária evangelização? E vós, Bispos de Portugal, não sois porventura chamados a oferecer um contributo peculiar para tal obra missionária?

Em 1917 aqui em Fátima, Nossa Senhora convidava com materna insistência a humanidade inteira à conversão e à oração. À distância de 75 anos, muitos elementos sofreram alteração no panorama europeu e mundial, e numerosos acontecimentos se verificaram ao longo deste século, especialmente nos últimos anos. Fátima, absorta na silenciosa escuta de Deus que a caracteriza, continuou a ser um constante ponto de referência e de apelo à vivência do Evangelho. A este santuário e à Virgem de Fátima sempre dirigiram o seu olhar os meus predecessores e eu próprio. Como não recordar o solene acto de consagração do mundo a Maria realizado durante o Ano Santo da Redenção na Praça de São Pedro diante da imagem da Senhora, levada de Fátima precisamente para essa ocasião?

Da Cova da Iria parece desprender-se uma luz cheia de esperança que diz respeito aos factos que caracterizam o fim deste segundo milénio. Uma luz dirigida, em primeiro lugar, a vós, Pastores da Igreja em Portugal, país no extremo ocidental da Europa e aberto sobre o vasto Oceano Atlântico. Aquela impele-vos a actuar com coragem a favor da nova evangelização do continente europeu, tentado por um vasto movimento ateísta teórico e prático que parece querer construir uma nova civilização materialista. Será, pois, necessário despertar e alimentar em todas as vossas comunidades uma viva consciência missionária para que, consciente dos dons recebidos, todo o membro do Povo de Deus seja levado a uma resposta total a Jesus Cristo, à imitação de Maria, Padroeira da vossa Nação.

6. Preparareis, assim, as vossas Igrejas Particulares para viverem do melhor modo a próxima Assembleia especial para a Europa do Sínodo dos Bispos que terá lugar em Roma de 28 de Novembro a 14 de Dezembro deste ano.

A ninguém passa despercebido, veneráveis Irmãos, que se trata de uma iniciativa eclesial verdadeiramente histórica tanto no sentido da história humana, como na perspectiva do “Kairos” divino que já agora se inscreve na nossa vida terrena. Com efeito, a Assembleia europeia do Sínodo dos Bispos desenrola-se após os acontecimentos que assinalaram o ano 1989 e os primeiros meses de 1990. Eles produziram uma verdadeira viragem histórica, neste difícil XX século. Abre-se agora uma inédita perspectiva no caminho das Nações, com a queda da divisão entre os dois blocos sociais, apoiados sobre principios ideológicos e sócio-económicos opostos.

Tanto o oriente como o ocidente europeu permeados pela linfa vital do cristianismo, têm necessidade um do outro para recíproco enriquecimento espiritual e para que o anúncio de Cristo se verifique em toda a parte do Continente. Elas só podem caminhar para a unidade, recordando a Oração do Senhor: “Que eles sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste, como Me amaste a Mim” (Jn 17,23). Neste contexto, os trabalhos da próxima reunião Sinodal assinalarão uma etapa importante para o desenvolvimento da evangelização na Europa.

O vosso contributo para tão urgente tarefa missionária será profícuo na medida em que, conscientes da vossa já milenária tradição católica, lembrados dos dons recebidos do Senhor no decurso dos séculos, redescobrirdes com novo ardor o entusiasmo da fé proclamada com a vida e mantiverdes desperta na vossa comunidade a chama da fidelidade à mensagem da salvação divina. Tudo isto ser-vos-á facilitado se, ajudando os fiéis a fazerem o mesmo, traduzirdes na vossa existência a mensagem de Fátima que faz eco ao apelo evangélico: “O tempo completou-se e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai na Boa Nova” (Marc. 1, 15).

Vigiar e rezar, oração e penitência. Eis, em síntese, a mensagem que a Virgem não cessa de nos repetir a partir de Fátima. A oração e a penitência, como recorda o Apóstolo Paulo, são as armas do cristão na luta espiritual “contra os Principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do mal que habitam nas regiões celestes” (Ep 6,12).

7. Veneráveis Irmãos, que a vossa solicitude possa atrair os vossos sacerdotes, religiosos, religiosas, membros das instituições e dos movimentos de apostolado laical. Temos de reproduzir em nós próprios a imagem do Bom Pastor, que vai adiante das suas ovelhas, conduzindo-as por caminhos seguros, levando-as às fontes da àgua viva, cuidando de todos com amor de Pai! A experiência nos ensinou vezes sem conta que nada pode substituir o testemunho de vida do Pastor; e hoje talvez mais do que nunca, visto que os homens são particularmente sensíveis à autenticidade e à coerência.

Ao terminar o nosso encontro, sirva-nos de encorajamento este episódio da vida de Jesus com os apóstolos. Ele está connosco; enche-nos de confiança e gratidão: “Sou Eu, não temais!”. São palavras que o Senhor continua dizendo agora; e que não cessa de repetir quando as nossas forças fraquejam. Ele está connosco na barca e, ao pedir-nos o esforço de remar, dá-nos a segurança de que a barca não se afundará, porque Ele está presente com todo o Seu poder. N’Ele e só n’Ele havemos de colocar a nossa fé e a nossa esperança, a exemplo da Virgem, Mãe de Deus e Mãe dos homens, a quem encomendo os vossos trabalhos e os vossos fiéis, para que, através do vosso ministério, o Paráclito conduza a Igreja e a congregue nessa comunhão que deriva da própria unidade da Santíssima Trindade.






Discursos João Paulo II 1991