Discursos João Paulo II 1991 - Fátima, 12 de Maio de 1991

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II A PORTUGAL


ACTO DE CONFIANÇA


A NOSSA SENHORA DE FÁTIMA


13 de Maio de 1991

1. “Santa Mãe do Redentor,
Porta do céu, Estrela do mar,
socorrei o Vosso povo que anela por erguer-se!”.
Uma vez mais nos dirigimos a Vós,
Mãe de Cristo e Mãe da Igreja,
ajoelhados a Vossos pés aqui na Cova da Iria,
para Vos agradecer por tudo quanto fizestes
nestes anos difíceis
pela Igreja, por cada um de nós e pela humanidade inteira.

2. “Monstra te esse Matrem!”.
Quantas vezes Vos invocámos!
E hoje aqui estamos a agradecer-Vos,
porque sempre nos escutastes.
Vós mostrastes ser Mãe:
Mãe da Igreja, missionária pelos caminhos da terra
preparando-se para o Terceiro Milénio cristão;
Mãe dos homens pela constante protecção
que nos livrou de tragédias e destruições irreparáveis
e favoreceu o progresso e as conquistas sociais dos nossos dias.

Mãe das Nações, pelas mudanças inesperadas
que restituíram a confiança a povos
longamente oprimidos e humilhados;
Mãe da vida, pelos múltiplos sinais
com que nos acompanhastes
defendendo-nos do mal e do poder da morte;
Minha terna Mãe de sempre,
mas de modo particular
naquele 13 de Maio de 1981
em que senti junto a mim
a Vossa presença salvadora;
Mãe de todo o homem, que luta pela vida que não morre.
Mãe da humanidade resgatada pelo Sangue de Cristo.
Mãe do amor perfeito, da esperança e da paz,
Santa Mãe do Redentor.

3. “Monstra te esse Matrem!”.
Sim, continuai a mostrar-Vos Mãe para todos,
porque o mundo tem necessidade de Vós.
As novas situações dos povos e da Igreja
são ainda precárias e instáveis.
Existe o perigo de substituir o marxismo
por uma outra forma de ateísmo,
que adulando a liberdade tende a destruir
as raízes da moral humana e cristã.
Mãe da esperança, caminhai connosco!
Caminhai com o homem deste fim de século,
com o homem de toda e qualquer raça e cultura,
de qualquer idade e condição.
Caminhai com os povos para a solidariedade e o amor,
Caminhai com os jovens, protagonistas de futuros dias de paz.
Têm necessidade de Vós as Nações que recentemente
readquiriram o seu espaço vital de liberdade
e estão agora empenhadas na construção do seu futuro.
Tem necessidade de Vós a Europa que do Leste ao Oeste
não pode reencontrar a sua verdadeira identidade
sem redescobrir as suas raízes cristãs comuns.
Tem necessidade de Vós o mundo para resolver
os numerosos e violentos conflitos que ainda o ameaçam.

4. “Monstra te esse Matrem!”.
Mostrai que sois Mãe dos pobres,
de quem morre de fome e sem assistência na doença,
de quem sofre injustiças e afrontas,
de quem não encontra trabalho, casa nem abrigo,
de quem é oprimido e explorado
de quem desespera
ou em vão procura o repouso longe de Deus.
Ajudai-nos a defender a vida, reflexo do amor divino,
ajudai-nos a defendê-la sempre,
desde o alvorecer ao seu ocaso natural.
Mostrai-Vos a Mãe da unidade e da paz.
Cessem por todo o lado a violência e a injustiça,
cresçam nas famílias a concórdia e a unidade,
e entre os povos o respeito e o diálogo;
reine sobre a terra a paz, a paz verdadeira!
Ó Virgem Maria, dai ao mundo Cristo, nossa paz!
Que os povos não reabram novos fossos de ódio e vingança;
que o mundo não ceda à ilusão de um falso bem-estar
que avilta a dignidade da pessoa
e compromete para sempre os recursos da criação.
Mostrai-Vos a Mãe da esperança!
Velai sobre a estrada que ainda nos espera.
Velai sobre os homens e sobre as novas situações dos povos
ainda ameaçados por riscos de guerra.
Velai sobre os responsáveis das Nações
e sobre todos os que regem os destinos da humanidade.
Velai sobre a Igreja
sempre tentada pelo espírito do mundo.
Velai, em particular, pela próxima Assembleia especial
do Sínodo dos Bispos, importante etapa no caminho
da nova evangelização na Europa.
Velai sobre o meu ministério petrino,
ao serviço do Evangelho e do homem
rumo às novas metas da acção missionária da Igreja.
Totus tuus!

5. Em unidade colegial com os Pastores,
em comunhão com todo o Povo de Deus,
espalhado pelos quatro cantos da terra,
também hoje Vos renovo
a consagração filial do género humano.
A Vós, com confiança, todos nos consagramos.
Convosco queremos seguir Cristo, Redentor do homem:
que o cansaço não nos abata, nem a fadiga nos desalente,
as dificuldades não extingam a coragem
nem a tristeza, a alegria no coração.
Vós, ó Maria, Mãe do Redentor,
continuai a mostrar que sois Mãe para todos,
velai sobre o nosso caminho,
fazei com que vejamos, cheios de alegria,
o Vosso Filho no Céu.

Amém!





VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


NO AEROPORTO MILITAR DE LISBOA


Segunda-feira, 13 de Maio de 1991



Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Eminentíssimo Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa,
Senhores Bispos,
Amados Irmãos e Irmãs,

1. Ao fim da minha estada em Portugal, desejo agradecer a todos o carinho com que me acolhestes. Durante estes dias, pude conhecer o dinamismo espiritual das vossas comunidades, apreciei o calor humano e cristão do vosso acolhimento, verifiquei o empenho das autoridades com o seu povo na senda do progresso solidário e humano, e fiquei a conhecer novos aspectos da vossa geografia e da vossa história. Quanto vos estimo e quero bem a todos, que abristes o vosso coração para receber o Papa!

Com a minha palavra, a minha presença e a minha oração quis confirmar-vos na fé, ilustrando os ensinamentos que nos brotam do Evangelho, pregando a doutrina cristã, com todas as suas consequências para a vida de cada um e da sociedade inteira. Quis confirmar-vos na esperança, a verdadeira esperança que nos chega de Jesus Cristo; não a procureis em vidas ou projectos que O deixem de lado, porque parecendo grandiosos estão feridos de morte e amarga desilusão. Crede na vida! Crede em Deus! Procurai-O com todas as vossas forças. Cristo Redentor do Homem, caminha convosco: acertai os vossos passos com os d’Ele para construirdes, como aliados d’Ele, um mundo com rosto humano, uma sociedade fundada sobre o respeito de Deus e do próximo.

2. Isto mesmo o supliquei, para Portugal e para o mundo inteiro, aos pés de Nossa Senhora de Fátima, na inesquecível peregrinação, de hoje ao Seu Santuário, donde irradiam para todos os continentes os esplendores da Graça, os apelos e os avisos proféticos da Mãe de Deus e dos homens.

Foi o que ainda há pouco senti na passagem pelos Açores e pela Madeira, parcelas de Portugal onde a devoção a Fátima rapidamente se radicou e espalhou, por ser especialmente propício o ambiente mariano que lhe vem desde a hora em que as formosas Ilhas atlânticas foram tocadas pelo primeiro sopro cristão: por exemplo, o arquipélago dos Açores entrou na história sob a protecção de Nossa Senhora, como o prova ainda hoje o nome da primeira ilha - “Santa Maria” - descoberta precisamente na festa da “Santa Maria de Agosto”, como então era designado o dia 15 desse mês. Já não falo na acção abençoada de Fátima em todas as províncias portuguesas do Continente, as primeiras que tiveram a felicidade de conhecer os caminhos que levam multidões à privilegiada Cova da Iria.

Fátima é sempre nova para quem repete a subida à Serra de Aire e procura penetrar, cada vez mais fundo, nos mistérios da Mensagem de Nossa Senhora, “a toda vestida de branco”, nas Aparições de 1917 aos três Pastorinhos, que foram objecto e porta-voz das Suas complacências maternais. Proclamamos a nossa eterna gratidão pelo dom de Jesus Cristo que a humanidade deste século reencontrou já quase no limiar do Terceiro Milénio! Acreditamos que a solicitude poderosa de Maria nol’O alcançou, e com esse desígnio ali se manifestou. Como disse o vosso saudoso Cardeal Cerejeira, “não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja”. Impôs-se à Igreja e aos homens de boa vontade que, para além dos assombrosos progressos da ciência moderna, aderem aos grandes valores do Espírito, fora dos quais não há explicação para os supremos problemas da vida.

3. Quando, em mensagem de 31 de Outubro de 1942, o Papa PioXII, de gloriosa memória, consagrou o mundo ao Coração de Maria, Rainha da Paz, não deixou de assinalar a gesta heróica de Portugal, como povo crente e missionário, que rasgou com a sua ciência náutica e “cristãos atrevimentos”, novas rotas oceânicas até aos confins da Terra, entrando assim para sempre na história da civilização. Levo comigo, no meu regresso a Roma, a mais viva lembrança do que Portugal fez a bem da cristandade e da Família Humana. Portugal, Deus te faça feliz na continuação dos teus feitos heróicos e cristãos!

4. No momento de me despedir, com profunda intensidade de sentimentos, desejo dizer a todos: muito obrigado! Manifesto a minha profunda gratidão a quantos tornaram possível a organização até ao mínimo pormenor e a realização desta Visita Pastoral! Quero agradecer penhoradamente as gentilezas da recepção de que fui alvo por parte do Ilustre Presidente da República, por parte dos dignos membros do Governo e das Autoridades Civis e Militares, que em cada momento da minha viagem me testemunharam estima e cortesia. Dirijo o meu reconhecimento fraterno a todo o venerando Episcopado, que muito admiro na sua fidelidade e dedicação pastoral. E, enfim, agradeço comovido as manifestações de carinho com que me quis envolver o bom Povo da Terra de Santa Maria, com particular menção dos açorianos e madeirenses. Caríssimos irmãos e irmãs de Portugal: o Papa vai-se embora, mas leva-vos no seu coração!

Sobre todos os portugueses de todas as condições sociais, desde os representantes da cultura aos trabalhadores do campo, das fábricas e dos serviços, desde os idosos aos doentes nos hospitais ou em casa e às crianças das escolas, desde os esposos nas mais diversas etapas da sua vida, aos jovens sonhando com a vida e o amor, recaia a protecção do Céu. As vossas casas e vidas, arraigadas em Cristo, sejam abençoadas pela paz e pelo amor! E assim formulo os meus votos do muito bem que vos quero, em penhor do qual vos dou a minha Bênção Apostólica, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Adeus!

                                                                      Setembro de 1991

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DE ANGOLA E DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 5 de Setembro de 1991



Venerados Irmãos no Episcopado!

1. Com profunda alegria, vos recebo hoje neste encontro colegial, por ocasião da vossa Visita ad Limina Apostolorum. Abraço fraternalmente cada um de vós, e agradeço ao Senhor Cardeal Alexandre do Nascimento, Presidente da Conferência Episcopal, os sentimentos que em vosso nome quis manifestar-me, compartilhando também os problemas e as esperanças das vossas dioceses. Nas suas palavras, senti vibrar as preocupações e os anseios que cada um de vós traz no seu coração de Pastor, encarregado do anúncio evangélico e da promoção da vida cristã entre os homens e mulheres do nosso tempo.

Em vós saúdo as comunidades cristãs de Angola e de São Tomé e Príncipe, que, depois de duras provas, se apressam agora a percorrer fraternalmente os caminhos da reconstrução nacional. Nesta minha saudação afectuosa, desejo envolver de modo particular a recém-formada diocese de Ndalatando e a diocese de Mbanza Congo enlutada pelo trágico acidente que, há um mês, ceifou a vida de alguns dos seus filhos e do seu zeloso pastor, o nosso bem-amado Irmão Dom Afonso Nteka. Transmiti às vossas Igrejas Particulares os meus mais cordiais sentimentos, assegurando a todos a minha solidariedade espiritual.

Esta Visita ad Limina ocorre dentro do ano jubilar comemorativo dos cinco séculos do início da evangelização de Angola. Espero - se Deus quiser - ter a alegria de vos visitar, por altura da celebração conclusiva deste evento eclesial, que constitui um novo apelo e impulso à obra de evangelização, na qual vos incito a perseverar para que o Nome de Jesus Cristo, Salvador e Redentor, fique nos lábios e no coração de todos os habitantes das vossas nações.

2. A evangelização apresenta-se-vos hoje com uma exigência basilar: educar para a paz, promovendo uma autêntica cultura do diálogo e da fraternidade. A guerra semeou sofrimentos e morte, deixando ainda mais profundas, as divisões; ante o calvário do povo angolano, a Santa Sé não se poupou a esforços para favorecer a causa da paz, e deseja hoje assegurar-vos uma solícita e fraterna solidariedade nos desafios que se anunciam. Como não pensar no incontável número de famílias desfeitas e separadas, nos milhares de crianças órfãs, na multidão dos mutilados de guerra? Por seu lado, em São Tomé e Príncipe, os governantes, acatando a vontade soberana do povo, conseguiram instaurar o pluripartidarismo sem derramamento de sangue - num louvável processo de maturidade política que serviu de modelo e estímulo para outros povos do continente africano - mas, entre os vários grupos sociais do país, regista-se ainda um desnivelamento de integração social e de desenvolvimento económico e cultural tão acentuado que compromete a alma nacional comum.

Ora a Igreja, pela sua universalidade, pode constituir um laço muito estreito entre as diversas comunidades das vossas nações, contanto que estas, pelos seus lideres, “nela confiem e lhe reconheçam a verdadeira liberdade para cumprir a sua missão”(Gaudium et spes GS 42). Esta, procurando principalmente iluminar com a fé o íntimo da consciência humana, contribui de maneira notável para o bem da sociedade, pois muitos problemas sociais, e inclusivamente políticos, encontram as suas raízes na ordem moral. Faço votos por que, no quadro dos recentes progressos entre o Estado e a Igreja, seja concedido a esta o pleno reconhecimento jurídico e garantidas as condições básicas para o normal e efectivo desenvolvimento da sua tarefa evangelizadora.

Neste contexto, amados Irmãos, é primordial que as vossas Igrejas Locais se revelem aos olhos do mundo como o Sacramento da Unidade, elas que, como afirmava o Concílio Vaticano II, “caminham juntamente com toda a humanidade e participam da mesma sorte terrena do mundo”, e por isso hão-de mostrar-se cada vez mais “como que o fermento e a alma da sociedade humana, a qual deve ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus”(Gaudium et spes GS 40), para que cada pessoa veja no próprio semelhante não um concorrente para competir com ele, mas um irmão a quem se unir a fim de edificar um mundo mais justo e solidário.

Animai os vossos fiéis a colaborar - juntamente com todos os cidadãos de boa vontade - na reconstrução do tecido humano e espiritual da sociedade, com magnanimidade e espírito de sacrifício. Catequizai os fiéis nas virtudes próprias da vida social. Procurai de igual modo suscitar e sustentar a vocação de líderes cristãos que, nas actividades laborativa, empresarial, política e em todos os âmbitos da vida nacional, se proponham levar à prática os postulados da Doutrina Social da Igreja.

3. Na nova etapa do caminho de reconciliação, a vossa Conferência Episcopal só poderá alcançar os objectivos esperados, se for alimentada por uma progressiva e intensa comunhão entre todos os membros, de modo que a vossa voz se eleve em uníssono perante os fiéis e perante a sociedade. A vossa união, tão preciosa no passado, sê-lo-á ainda mais no futuro.

Como “sucessores dos Apóstolos, que... governam a casa de Deus vivo”(Lumen Gentium LG 18), tomai em consideração o estado actual das comunidades cristãs a vós confiadas, detendo-vos nas suas potencialidades e nos seus problemas. Elas são hoje chamadas a reorganizar-se e a dar um impulso renovado à sua vida interna e à sua actividade pastoral. Por isso è necessário chegar à elaboração de um projecto de pastoral conjunta para as vossas dioceses, em ordem a revitalizar todas as comunidades da Igreja, e poder assim cumprir mais plenamente o mandato evangelizador de Cristo. Porque a vida íntima da Igreja “não adquire todo o seu sentido senão quando ela se torna testemunha... e se desenvolve na pregação e no anúncio da Boa Nova”(Paulo VI, Evangelii nuntiandi EN 15).

4. Uno-me solidariamente aos prementes apelos de pessoal missionário, lançados por tantos de vós às diversas Congregações religiosas e às dioceses de outras nações. Quanto desejo e rezo ao Senhor da Messe para que lhes seja dada resposta generosa, dentro daquele “intercâmbio de dons” considerado pelo Concílio essencial para a communio Ecclesiarum! (cf. Lumen Gentium LG 13) Para fazer face à grave carência de sacerdotes que vos aflige, sejam encontradas novas vias e iniciativas dentro de um quadro de profícua colaboração entre as vossas dioceses e a Santa Sé que, a este nível, se sente “chamada a desempenhar um papel de propulsão, de sensibilização e de mediação, pondo em contacto os dois "pólos", o da necessidade e o da oferta de ajudas, como força catalizadora” (Prefeito da Congregação para a Educação Católica: "Per una più equa distribuzione dei sacerdoti nella Chiesa", in “L’Osservatore Romano”, 15 de março de 1991).

Exorto-vos a encontrar formas e modos de partilha também no âmbito da vossa Conferência Episcopal, particularmente no referente a serviços comuns ou de emergência às Igrejas mais necessitadas, segundo o exemplo das comunidades apostólicas que, “no meio de grandes tribulações com que foram provadas, espalharam generosamente e com transbordante alegria os tesouros da sua liberalidade, apesar da sua extrema pobreza”(2Co 8,2). Olhando às necessidades actualmente sentidas e aos frutos que daí proviriam, menciono três campos de mútua colaboração. Começo pelo sector dos meios de comunicação social que permitirão multiplicar a vossa voz eclesial. Auspicio que o processo de devolução à Igreja da “Radio Ecclesia” e demais estruturas ao serviço da comunicação social possa rapidamente ser concluído. De facto, os mass-media constituem o primeiro “areópago dos tempos modernos”, onde o Evangelho deve ser proclamado (João Paulo II, Redemptoris missio RMi 37).

A elaboração de um Catecismo a nível nacional é empresa a que deveis lançar mão conjuntamente, para que as comunidades eclesiais possam dispor de um itinerário sistemático mais incisivo de catequese para as diversas etapas da vida, que possibilite consolidar religiosa e culturalmente a alma cristã do povo de São Tomé e Príncipe e de Angola. O heróico serviço e testemunho de tantos e tantos catequistas leigos - aos quais desejo aqui prestar justa homenagem -, a fome e sede da Palavra de Deus dos vossos fiéis, que nestes anos não se pouparam a esforços para as saciar, serão estímulo e apelo ao qual o Espírito de Deus e vós sabereis corresponder.

Desejo ainda encorajar-vos a uma solidariedade episcopal concreta no que se refere à edificação de um verdadeiro e próprio presbitério diocesano, onde brilhe o sacerdote íntegro e zeloso, que reproduz em si a figura do “bom Pastor (que) dá a vida pelas suas ovelhas” (Jn 10,11). Um tal presbitério constitui uma das mais importantes condições para se considerar a Igreja plantada, encarnada e robustecida pelo Espírito de Deus numa determinada porção da terra.

5. Apesar de se verificar presentemente um consolador florescimento de vocações ao ministério presbiteral e à vida religiosa, e uma imensa necessidade delas nas vossas dioceses, não descureis a Pastoral das Vocações nem o discernimento dos candidatos ou a sua conveniente formação. A descoberta, promoção e consolidação das vocações dependem em grande medida da vida e testemunho cristão presentes na família, na comunidade eclesial e no meio escolar que, por isso mesmo, devem ser envolvidos e contemplados na referida pastoral.

A formação do clero seja a vossa prioridade absoluta. A autenticidade do discernimento vocacional e da formação sacerdotal é medida pelo modo como ajuda o seminarista a transformar-se cada vez mais à imagem de Jesus Cristo Sacerdote e Pastor. Procurai, pois, que o Seminário seja verdadeiramente uma comunidade de educação e de formação capaz de criar, no jovem, o equilíbrio necessário para as decisões a tomar, na certeza de ter maturado simultâneamente o próprio ser humano, cristão e presbiteral; que seja um lugar de vida espiritual profunda, aberto às exigências do mundo actual, onde se respira uma atmosfera de Evangelho e de autêntica fraternidade.

A vossa acção é primordial na escolha dos formadores. Sejam verdadeiros homens de Deus e da Igreja, sólidos na doutrina e na piedade, imersos na Tradição viva da Igreja e, ao mesmo tempo, abertos às novas realidades que o Espírito sempre suscita em todas as épocas. Sei o quanto é sentida por vós a falta de um número suficiente de formadores e de professores bem preparados espiritual e intelectualmente. Isto obriga-vos a um maior acompanhamento do Seminário e a uma abertura à ajuda fraterna exterior.

6. Todavia na Igreja não poderá haver vitalidade plena, sem o contributo determinante dos leigos e, sobretudo da família cristã, célula primeira do organismo eclesial. Neste sector, servos-á útil colocar a Família de Nazaré como modelo e base da vossa acção pastoral. Sei que algumas dioceses têm dedicado à Pastoral Familiar interesse prioritário, tornando-a um dos pontos fundamentais da nova evangelização. O acolhimento alegre da vida é um valor que sentis muito vivo, e que deve ser cuidadosamente defendido e encorajado. Promovei uma pastoral que leve os crentes a tornarem-se construtores de uma “cultura da vida”, capaz de conter aquelas formas de violência que ainda hoje não deixam considerar a pessoa na sua justa perspectiva. Prossegui no caminho que, neste sentido, já iniciastes, cientes de que a família se defende, predispondo uma oportuna protecção social, ética e espiritual, cuidando da formação integral de todos os seus membros, e sobretudo educando-a para uma amadurecida prática da fé e inter-ajuda tanto dentro do lar, como entre os diversos casais. Trata-se de dar vida a uma pastoral familiar orgânica e permanente, destinando para isso os meios necessários e preparando para tal objectivo, agentes pastorais idóneos, entre os vossos sacerdotes, religiosos, e casais que, com uma formação específica nas matérias respeitantes a este âmbito, vos ajudem a enfrentar com criatividade e eficácia a salvaguarda da família.

7. O meu pensamento detém-se de modo especial em São Tomé e Príncipe, onde uma insuficiente obra evangelizadora e diversas vicissitudes da história amontoaram preconceitos e traumatismos, que acabaram por instaurar uma verdadeira e própria mentalidade anti-matrimónio. Este primeiro lustro de presença permanente de um Bispo próprio, o caro Irmão Abílio Ribas, possibilitou o início de uma reevangelização que, com ânimo forte e confiança no Senhor Jesus, vos exorto a levar por diante. É preciso reconstruir a família santomense como uma sagrada aliança de pessoas, como um refúgio de gerações. Que esta família seja um autêntico e responsável ambiente de amor e de vida. Formai as famílias para o sentido de Deus e na mútua ajuda; e “não vos esquiveis de lhes anunciar todo o desígnio do Senhor a seu respeito”(cf. Act Ac 20,27). O futuro da Igreja em São Tomé e Príncipe e o bem dessa Nação dependem, em grande medida, da consolidação da instituição familiar - fundada no matrimónio indissolúvel.

Não existe, de facto, sociedade sã, a não ser com famílias sãs. Somente estas poderão oferecer ao país uma juventude esperançosa. A falta ou a ruptura da vida familiar faz as suas primeiras vítimas nos filhos, que, ao sentirem-se afectiva e espiritualmente abandonados, não conseguirão atingir o seu desenvolvimento integral com a consequente desorientação, falta de valores e normas de vida, desapego do trabalho, vulnerabilidade em face do ambiente de hedonismo e de corrupção moral, alcoolismo, droga e delinquência.

8. Caríssimos Irmãos no Episcopado, ao concluir este meu colóquio fraterno convosco, quero reafirmar todo o afecto e estima que nutro por cada um. Ao escutar-vos individualmente, depois de repassar os vossos relatórios, pude medir a dedicação com que guiais as vossas dioceses e apreciar a comunhão que vos une uns aos outros. Na escuta prolongada da Palavra e no silêncio da oração, vós podereis encontrar força para enfrentar as dificuldades do serviço apostólico quotidiano, luz para conduzir o rebanho confiado à vossa responsabilidade pastoral e vigor espiritual para confirmar os vossos irmãos na fé.

Não vos canseis de orar pelas vossas comunidades e educai-as para a dócil adesão à vontade de Deus. Sede em todas as circunstâncias fermento vivo de coesão e fraternidade, e continuai a proclamar a Boa Nova, indicando a um mundo, lacerado por tantos tipos de violência, Cristo “nossa Paz”(Ep 2,14). Eu de todo o coração, concedo a cada um de vós a Bênção Apostólica, extensiva aos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, aos seminaristas, aos catequistas e a todos os queridos filhos de Angola e de São Tomé e Príncipe que sempre estarão próximos do coração do Papa. Maria, Mãe da Igreja e Senhora da Paz, sustente o vosso empenho e guarde as vossas dioceses, numa perene fidelidade ao Evangelho e num incansável serviço de libertação, solidariedade e reconciliação dos homens entre si e com Deus.



                                                             Outubro de 1991

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


NO AEROPORTO DE NATAL


Sábado, 12 de Outubro de 1991



Excelentíssimo Senhor Ministro das Relações Exteriores,
Senhores Cardeais, Senhores Arcebispos e Bispos,
Caríssimos amigos,

1. O singular momento desta visita, ao iniciar minha segunda viagem ao Brasil, traz a meu coração uma grande alegria. Ao saudar e agradecer a Vossa Excelência pela acolhida que me foi dispensada, em nome do Senhor Presidente da República, assim como às ilustres personalidades da Comitiva que o acompanha, desejo saudar cordialmente a todo o povo brasileiro, que nesta hora sinto bem presente. Agradeço a Deus Todo-Poderoso que me permitiu atender ao fraterno convite do Episcopado brasileiro, bem como ao que foi feito por Vosso Presidente, dando-me novamente a oportunidade de beijar o solo e abraçar emocionado esta Terra da Santa Cruz.

2. Estou aqui atendendo ao mandato de Cristo para poder dizer, como Ele, “conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem” (Jn 10,14). Sucessor de São Pedro, minha primeira missão consiste em zelar por aqueles Pastores que estão à frente das suas respectivas dioceses, em todo o território nacional. A todos desejo trazer minhas palavras fraternas. Quero que saibam, como dizia o Apóstolo Paulo, que “tenho motivo para gloriar-me em Jesus Cristo, no que diz respeito ao serviço de Deus” (Rm 15,17). Com a grande maioria, mantive um encontro pessoal, no ano passado, em suas visitas “ad limina apostolorum”, e fiquei assim conhecendo melhor os aspectos fundamentais dos problemas de seu rebanho nas diversas Igrejas particulares.

Hoje, porém, tenho a oportunidade de voltar ao Brasil para sentir de perto esses problemas, como também os frutos daquelas perspectivas, que lhes acenei naqueles encontros. Faço-o com imensa alegria, porque sei que desta forma estarei atendendo aos anseios dos senhores bispos e de tantos fiéis, para levar os brasileiros na unidade da fé, “a testemunhar diante do mundo as razões de sua esperança” em Cristo (Cfr. 1Pt 1P 3,15).

3. A Nação brasileira está se preparando para desempenhar um papel de grande relevância entre os povos de todo o mundo. Isso decorre não só de sua dimensão territorial e das imensas potencialidades do seu solo. Mais importante é a riqueza humana de um povo que, em quase cinco séculos de história, vem crescendo à sombra de autênticos valores humanos e espirituais, e que se prepara para enfrentar os desafios do Terceiro Milênio da era cristã. Destacaria aqui, entre outros, o respeito pela dignidade humana, construído não sem inúmeras vicissitudes, mas sedimentado, sempre mais, pela força da liberdade, princípio motor de toda sociedade justa; a capacidade de acolher a muitos povos de outras nações, num amálgama impressionante de raças e culturas; seu espírito generoso e aberto; sua aguda inteligência e, mais que tudo, a herança da fé católica que permanece viva e atuante, mesmo no meio de tantas dificuldades.

Por isso, Senhor Ministro, sinto a necessidade de fazer eco às palavras, que em dezembro do ano passado, o Senhor Presidente da República reafirmava, no seu convite oficial para esta minha viagem, o empenho de um Brasil “coletivamente comprometido com as causas da solidariedade cristã e dos direitos do homem”. Não posso esconder minha alegria ao ver assim confirmados aqueles traços que antes delineava e que nada mais são que um dos fundamentos da mensagem cristã.

A Igreja Católica, sempre inspirada pelo mandamento da caridade evangélica, procura ajudar, com os meios que lhe são próprios, todos os homens do nosso tempo a tornarem o mundo mais conforme com a eminente dignidade do homem (Gaudium et Spes GS 91). Daí o seu profundo compromisso com a missão evangelizadora, a serviço da grande causa da paz e da justiça no mundo contemporâneo.

4. Peço a Deus, portanto, que minha visita sirva de estímulo não somente a uma constante consolidação da Igreja - em benefício de todos os brasileiros e de toda a Igreja universal - mas também para que resplandeçam sempre no Brasil a justiça e a eqüidade; através do respeito à vida, em todos os seus momentos, como exigência de um direito inscrito na própria natureza humana; através da promoção da pessoa humana como fundamento do progresso e tão de acordo com a índole do povo desta terra; através da atenção e solidariedade para com os menos favorecidos, os que mais carecem de apoio, para que desapareçam as perversas desigualdades econômicas, que trazem consigo intoleráveis discriminações individuais e sociais.

Queira a Divina Providência, que se cultivem constantemente os autênticos valores culturais, espirituais e morais do povo, um patrimônio comum, que deve ser sempre assegurado e promovido. Estes valores são a base dos setores vitais para a sociedade, como: a família, a infância e a juventude, a educação e a assistência social.

Nestes setores e noutros, em tantos momentos da vida do povo, surgem a cada instante enormes desafios aos quais se deve responder em conformidade com as exigências da verdade, da justiça, da liberdade e da solidariedade humana e pelos quais também a Igreja se sente interpelada, em virtude da sua missão de serviço ao homem.

5. Alegra-me que uma série de acontecimentos marquem, de modo especial esta visita. Amanhã participarei aqui em Natal, da conclusão do XII Congresso Eucarístico Nacional. Elevo minhas preces a Deus, para que deste evento nasçam firmes propósitos de renovação cristã e consolidação da fé do povo brasileiro nas verdades perenes que nos ensina a Santa Madre Igreja. Em Florianópolis, procederei à Beatificação da Madre Paulina do Coração de Jesus Agonizante, podendo assim reverenciar, junto a ela, todos os missionários que vieram ao Brasil, tendo deixado sulcos profundos na alma e na civilização brasileiras. Porém, o Papa deve confessar, Senhor Ministro, que sua maior alegria é poder estar novamente com todos os brasileiros, com os que professam a fé católica, e com os outros que dela não comungam, mas todos unidos por estreitos laços de fraternidade cristã.

Aproveito a oportunidade, para agradecer a tantos convites que me foram feitos, para que, na presente ocasião, visitasse as dioceses onde não estive na viagem anterior. Não sendo possível atender a todos, desejo, no entanto, que cada um saiba que o Papa está pensando nele. Ele ama a todos e a todos envia um caloroso abraço, bem brasileiro!

Nesta grata e solene ocasião, ao assegurar minha estima e meu interesse pelo bem deste País, renovo, Senhor Ministro, os melhores votos de um progresso autêntico e consistente, na busca do bem-estar do povo e do desenvolvimento integral, em paz serena e concórdia de todos para construir um Brasil cada vez mais humano e fraterno, à luz de Cristo.

Com estes auspícios, ao enviar minhas mais cordiais saudações ao Presidente da República Federativa do Brasil, Senhor Fernando Collor, peço a Deus que abençoe a toda essa imensa Nação e, sob olhar materno e a proteção de Nossa Senhora Aparecida, proteja e inspire seus governantes na árdua tarefa de servir o bem comum do povo brasileiro.




Discursos João Paulo II 1991 - Fátima, 12 de Maio de 1991