Discursos João Paulo II 1991 - Natal, 13 de Outubro de 1991

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DO BRASIL


SENHOR FERNANDO COLLOR DE MELLO


Brasília, 14 de Outubro de 1991



Senhor Presidente,

1. Permita-me primeiramente expressar meus sentimentos de agradecimento pela acolhida que me foi feita, através do Vosso Ministro das Relações Exteriores, Doutor Francisco Rezek, logo ao pisar o solo brasileiro, e pelas nobres palavras que acaba agora de dirigir-me Vossa Excelência, sem dúvida destinadas não exclusivamente à minha pessoa, mas à missão que a Divina Providência me confiou doze anos atrás e à mesma Igreja Universal de que sou Pastor.

O retorno ao Brasil, como já frisei na minha chegada, visa precisamente cumprir essa missão pastoral, dentro de um marco exclusivamente evangélico, de congregar as ovelhas do rebanho da terra da Santa Cruz. Por isso, este momento assume particular significado, considerando que me dirijo não só ao Supremo mandatário da Nação brasileira, mas também às autoridades governamentais que têm a grave responsabilidade de representar e de encaminhar a vontade do Povo como promotores da paz e do progresso entre os seus cidadãos.

2. Os objetivos, o da Igreja, na sua missão exclusivamente religiosa e espiritual, e do Estado, visando o bem comum de cada homem, são certamente distintos. No entanto, confluem num ponto de convergência: o homem e o bem da Pátria.

A Igreja, que sempre teve presente as próprias dificuldades para alcançar seus objetivos, com mais facilidade há de entender a complexidade do próprio Governo de uma Nação para cumprir suas obrigações diante de cada indivíduo. Mas ela deve dar sua colaboração para que tais fins sejam alcançados, sabendo respeitar a área específica do Estado. Existirão divergências, devidas às limitações humanas e à variedade dos problemas, especialmente num País tão vasto, como o Brasil. Porém, o entendimento respeitoso, a preocupação de independência mútua e o princípio de servir melhor ao homem, dentro de uma concepção cristã, serão fatores de concórdia cujo beneficiário será o próprio povo.

3. Senhor Presidente da República, Senhores Membros do Congresso Nacional, e do Supremo Tribunal Federal, Senhores Ministros de Estado, Senhores Governadores, Senhoras e Senhores:

Ao agradecer a homenagem que quisestes tributar ao Sucessor de São Pedro nesta sua segunda visita ao Brasil, quero expressar o meu apreço pela significativa missão que desempenhais como representantes de todo o Povo brasileiro.

O Brasil atravessa, neste momento da sua história, uma fase, que todos sabem ser delicada, face aos imensos problemas sociais e econômicos, cuja solução não admite mais dilações. O Povo de toda a Nação tem voltados seus olhos para as decisões que tomais, na esperança de um porvir mais luminoso e feliz para os seus filhos.

Considero de particular significado as palavras de alguns meses atrás do Senhor Presidente, conclamando a Nação para o esforço em compartilhar as responsabilidades, para vencer a crise e as desigualdades que afligem a grande maioria dos brasileiros (Abril ‘91).

Certo de não me afastar o mais mínimo do meu escopo pastoral, e no exercício da minha missão exclusivamente espiritual, dirijo-me aos Senhores, pedindo a Deus que vos ilumine nesta árdua missão da defesa dos valores espirituais e morais do Brasil. Que as questões levantadas pela sociedade sejam sempre examinadas à luz dos critérios da justiça e da moralidade cristãs, antes que ou de interesses particulares. Creio que não é esta a motivação do vosso agir político, pois tal postura seria incoerente com a visão do bem comum que certamente vos move. Que vossa tenacidade, posta ao serviço de todas as iniciativas que visem o progresso social, econômico e científico em favor da família brasileira, seja sempre mais autêntica e desprendida. Que o trabalho em defesa da vida, não seja contra ela. Com imaginação, coragem e perseverança, permitireis assim que todos os brasileiros tomem pacificamente o lugar que lhes é destinado no concerto da Nação. Neste sentido, alegra-me a preocupação de Vossa Excelência, Senhor Presidente, pela condição básica do verdadeiro desenvolvimento que é a educação. O Brasil não pode abrir mão de sua maior riqueza - o imenso contingente de crianças e jovens que precisam ser integrados plenamente na vida social, no trabalho, na efetiva cidadania. A bênção que, dentro em pouco, terei o prazer de dar, simbolicamente, à maquete de um Centro Integrado de Apoio à Criança, deverá ser a inspiradora da absoluta prioridade que o Governo de Vossa Excelência pretende dar às instituições escolares, particulares e públicas, que visem proporcionar um ensino de boa qualidade e uma verdadeira e integral educação. Esta é, com efeito, o fundamento primeiro de uma autêntica sociedade democrática.

4. Prossigo meu itinerário traçado para esta visita pastoral através de várias capitais de Estados da Federação, levando este sinal de esperança que desejo recolher de Vossa Excelência, como também dos Senhores Senadores, Deputados e Ministros. O espírito que me anima, é portador de um imenso afeto pelos filhos do Brasil, a quem neste momento desejo unir-me num grande abraço. Não podendo fazê-lo pessoalmente, peço aos Senhores que o façam por mim. Aos Senhores e ás Senhoras. Que todos fiquem sabendo, que o Papa estima o Povo brasileiro, sua história, suas lutas, suas conquistas. O Papa, abençoa a todos e a cada um, do Chuí ao Oiapoque, das extremidades do Acre ao Arquipélago de Fernando de Noronha.

Que Deus abençoe o Brasil!

Que a paz e a concórdia, unidas à prosperidade, tanto material quanto espiritual, estejam convosco e que Nossa Senhora Aparecida proteja a missão que a Providência vos encomendou.

Muito obrigado!





VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES DO CORPO DIPLOMÁTICO


DURANTE O ENCONTRO NA SEDE DA NUNCIATURA*


Brasília, 14 de Outubro de 1991



Excelências, Senhoras e Senhores,

1. É com grande satisfação que me dirijo a todos, membros das missões diplomáticas acreditadas junto ao Governo brasileiro, pois a todos vejo como os realizadores da nobre e complexa tarefa, que é um entendimento sempre maior entre as nações. A Santa Sé acompanha com real simpatia essa missão e deseja apoiá-la, compartilhando os anseios de paz e de diálogo, núcleo de toda ação diplomática.

Ao agradecer a Vosso Decano, Sua Excelência Dom Carlo Furno, as cordiais expressões de boas vindas, penso poder interpretá-las como a manifestação do apoio de todos os Senhores, e portanto dos Vossos Governos, a um sempre maior estreitamento das relações diplomáticas com a Sé Apostólica, assim como a compreensão amistosa pela ação conduzida pela Igreja Católica nas relações internacionais, constantemente inspiradas nos valores supremos do bem, da verdade e da justiça.

2. Expressando minhas mais cordiais saudações aos Senhores, desejo fazer chegar aos povos de todos os Continentes, dos quais sois os representantes, minha palavra amiga de Sucessor de São Pedro e Pastor da Igreja Católica.

Neste sentido, o primeiro que desejo externar-vos é que a Santa Sé aprecia grandemente Vossa função, que é a de contribuir para a salvaguarda da paz, procurando a colaboração dos vários países na consecução do bem comum e da promoção social. Causaram-me muita satisfação, os entendimentos realizados, quer no âmbito da América Latina e do Norte, quer os dirigidos numa maior perspectiva de horizontes, como os contatos de diversa índole com a Comunidade Econômica Européia, visando favorecer o desenvolvimento das relações econômicas mundiais. A Igreja vê com interesse esta aproximação, pois pode abrir caminho para uma significativa contribuição tanto para a paz entre os povos, como para um efetivo redimensionamento dos projetos políticos e econômicos em países onde são evidentes os desequilíbrios sociais. Reveste-se deste modo de particular interesse, o empenho que deve haver por parte das Nações sul-americanas no estreitamento dos laços de amizade e união. Todos os Países deste Continente estão chamados a dar testemunho do amor cristão e da colaboração entre as nações.

A Igreja vê e verá sempre, o diálogo entre os homens, como instrumento indispensável, para que possam reconhecer a Verdade que, iluminada pela Mensagem de Cristo, tornou-os capazes de descobrir no próximo, não só um irmão, mas um filho de Deus. Por isso, não deixará ela de conclamar sempre as Nações mais desenvolvidas, a uma maior compreensão para que não se eximam da sua responsabilidade de ajudar àqueles Países que, por si sós, não alcançariam um grau de desenvolvimento justo e razoável, a níveis condizentes com a dignidade humana.

Os recentes acontecimentos no Leste europeu, com a derrocada, cada vez mais acentuada do marxismo e, ao mesmo tempo, a concentração de esforços visando a recuperação das economias daqueles países, não permitem desviar a atenção das situações aflitivas que assolam tantas nações. Foi o que deixei registrado na recente Encíclica “Centesimus Annus”: “Será necessário um extraordinário esforço para mobilizar os recursos, de que o mundo no seu todo não está privado, em ordem a objetivos de crescimento econômico e desenvolvimento comum, redefinindo as prioridades e as escalas de valores, que estão servindo de base para decidir as opções econômicas e políticas” (Centesimus Annus CA 28).

Foi por esta razão, que, ao discursar no início deste ano, perante o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, enfatizava que “se 1990 foi o ano da liberdade, 1991 deveria ser o ano da solidariedade!” (Eiusdem Allocutio ad Exc.mos Legtos et Oratores apud Sedem Apostolicam permanenter missio, 3, die 12 ian. 1991: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIV, 1 (1991) 82).

3. Imbuída por este espírito de colaboração, visando participar desta obra benéfica e urgente, da qual os povos esperam uma era de tranqüilidade e de bem estar, a Sé Apostólica envia seus representantes aos vários Países, que colaboram não só para o desenvolvimento das Igrejas locais, mas também para o bem civil e humano das populações. A Igreja, que é depositária de um “humanismo novo”, um “humanismo cristão”, é capaz de realizar uma tarefa humanizadora em sintonia com sua tarefa primeira, que é a evangelizadora. Ela exercerá com tanto maior impacto e eficácia sua função humanizadora - de fermentação cultural, promoção humana, alfabetização e educação de base, assistência social, conscientização popular - quanto mais fiel for ela à sua missão primordial que é, e seguirá sendo, religiosa.

É sob este prisma que a Igreja se faz presente em todas as Nações onde mantém Representações diplomáticas, e aspira iniciá-las onde isso ainda não foi possível.

A Santa Sé está convencida da boa acolhida dada pelos vários Países a sua obra. Por isso, ela exprime sua confiança nas atividades dos que têm responsabilidades públicas, em cada Nação, para o advento de melhores condições de vida não só a nível nacional, mas para toda a Família humana.

4. É na esteira destas idéias que me dirijo aos responsáveis pelas nações e, portanto, a seus representantes, para que não deixem de promover o verdadeiro bem das pessoas, dos povos, dentro da Comunidade internacional. Sede sempre portadores da paz e do diálogo, em vista a uma convivência internacional harmoniosa para a construção de um mundo mais humano e mais pacífico. Empenhai-vos na aplicação da ética política, hoje tanto mais necessária quanto mais se dispõe de grande variedade de meios técnicos, que envolvem grandes recursos, quer para o progresso do indivíduo, quer para a sua destruição. Estão em jogo os Direitos individuais e sociais do homem. A vida humana não pode ser manipulada através da coerção física ou moral, proveniente de interesses políticos e financeiros. “Seja total o respeito pelo homem, no qual brilha a imagem de Deus” (Ioannis Pauli PP.II Nuntius «Urbi et Orbi» die Paschatis, 7, die 31 mar. 1991: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIV, 1 (1991) 672)

Renovo, enfim, meu “premente apelo a todos quantos desempenham cargos públicos - sejam eles chefes de Estado ou de governo, legisladores, magistrados ou outros - para que assegurem, com todos os meios necessários, a autêntica liberdade de consciência de todas as pessoas que se encontram no âmbito da sua jurisdição, dando particular atenção ao direito das minorias” (Eiusdem Nuntius ob diem ad pacem fovendam dicatum pro a.D. 1991, VI, die 8 dec. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 1566. A liberdade religiosa, que encontra neste Brasil, que nos hospeda, um digno exemplo, é alavanca para o despertar dos povos em busca da verdadeira liberdade.

Colocando-nos constantemente diante desta missão mundial de paz, na justiça e na liberdade, acharemos as palavras e os gestos que, gradativamente, construirão um mundo digno das criaturas humanas, o mundo que Deus quer para os homens, aos quais, iluminando-lhes a consciência, confia a responsabilidade sobre ele.

São estes os votos, os anseios e as saudações que o Papa dirige aos ilustres representantes dos vários Países que aqui se encontram. Que Deus vos inspire! Que abençoe vossas pátrias e proteja vossas famílias! Que Ele guie a Comunidade internacional pelos caminhos da paz e da fraternidade!

*Insegnamenti di Giovanni Paolo II, vol. XIV, 2 pp. 851-854.

L'Osservatore Romano 19.10.1991 p. IX.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS ALUNOS DO SEMINÁRIO


ARQUIDIOCESANO DE «NOSSA SENHORA


DE FÁTIMA» DE BRASÍLIA


15 de Outubro de 1991



Meus caros Seminaristas,

1. É uma imensa alegria para mim, poder estar aqui reunido com um bom número daqueles que receberam o chamado de Cristo para serem seus servidores e ministros! Nos que aqui estão, vejo também a presença dos outros seminaristas do Brasil, e a todos quero dirigir minha palavra.

Agradeço de coração as amáveis palavras do Diácono Antônio Edimilson Ayres, ao falar em nome dos seminaristas aqui reunidos, querendo interpretar o espírito comum que anima a todos.

Vem e segue-me (Mt 19,21)! Este chamado foi ouvido, um dia, no fundo dos vossos corações. Cada um escutou o apelo de forma diferente e em circunstâncias diversas. Mas para todos, há um ponto em comum: foi o próprio Jesus Cristo que veio ao vosso encontro e disse: Vem e segue-me! Recebestes uma vocação divina para serdes instrumentos vivos de Cristo, Eterno Sacerdote Cfr. Presbyterorum Ordinis, 12).

O encaminhamento para esta vocação e esta missão é muito mais do que uma escolha ou uma inclinação pessoal. A todos podem ser aplicadas aquelas palavras de São Paulo, que despertam na alma sentimentos de admiração e de agradecimento: “n’Ele nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante de seus olhos”(Ep 1,4). Desde toda a eternidade, cada vocação está, por assim dizer, inscrita no próprio coração do Senhor. Valorizai sempre, por isso, vossa vocação como ela é: um grande dom divino!

2. Vem e segue-me. O próprio chamado específico, de que fostes objeto, pede uma adequada preparação, uma formação que permita, de fato, identificar-se com Cristo e seguir seus passos. “Que é esta formação?”, perguntava eu no início dos trabalhos do Sínodo dos Bispos do ano passado, que abordou o tema da formação sacerdotal. “Pode-se dizer, respondia, que é uma resposta ao chamamento do Senhor da vinha”(Ioannis Pauli PP. II Allocutio VIII ineunte ordinario generali coetu Synodi Episcoporum, 2, die 30 sept. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 788).

É para criar as condições de dar esta resposta que existe o dever de uma oportuna formação durante os anos do Seminário.

Embora este nome - Seminário - não seja o único para designar o tempo e o local dessa formação, é ele utilizado de preferência na Igreja. O Seminário está no coração da Igreja que deseja seu desenvolvimento e espera que receba todo apoio, como falou o Concílio Vaticano II e repetiram, no ano passado, os Padres Sinodais. O Concílio chegou até a decretar que deve ser considerada plenamente válida na Igreja a experiência multissecular dos Seminários, porque, como instituições destinadas à formação sacerdotal, são o instrumento talvez mais eficaz para a preparação integral dos futuros sacerdotes, na medida em que estiverem dotados dos meios pedagógicos indispensáveis (Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, Intr. 1) O atual Código de Direito Canônico, seguindo esta mesma linha, determina que em todas as dioceses, com condições de fazê-lo devidamente, deve existir um Seminário Maior. Caso isso não seja possível, deveriam enviar seus candidatos ao Seminário de outra diocese ou a um Seminário interdiocesano (Codex Iuris Canonici CIC 237). Estais vendo como a Igreja preza os Seminários. Dá ela, inclusive, especial valor à palavra “Seminário”, que prefere a outras, por causa de seu conteúdo e de sua raiz evangélica. Seminário significa sementeira, lugar de sementes para o futuro plantio. Percebemos de forma imediata o paralelismo entre o cuidado do bom agricultor com as plantas que estão germinando, e o tempo de formação no Seminário.

A semente, para crescer com viço e dar frutos, exige tempo e atenções esmeradas. A formação do sacerdote também. Seria falsa a urgência que levasse a uma preparação descuidada, ou a improvisações superficiais, que deixariam lacunas irreparáveis nos futuros sacerdotes. Nenhuma urgência pastoral ou simples preocupação numérica pode levar a descurar a sólida formação dos seminaristas, em Seminários que funcionem de acordo com as normas canônicas e as orientações oficiais da Igreja, confirmadas no recente Sínodo.

3. Que dimensões deve ter essa formação, verdadeira “escola do Evangelho”? Deve ser ela “uma formação integral, que não descuide nenhum aspecto: formação humana, doutrinal, espiritual e pastoral, que tenha em conta as circunstâncias, muitas vezes difíceis, em que deve ser exercido o ministério” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio novissima in congregatione VIII Coetus generalis ordinarii Episcoporum Synodi, 8, die 27 oct. 1990:. Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 950).

Em primeiro lugar, formação humana, necessária para seguir a Cristo, “perfeito Deus, e perfeito homem” (Symbolum "Quicumque"). O tempo do Seminário deve ser, acima de tudo, um tempo de profunda identificação com Cristo, começando por tomar como modelo a Humanidade do Senhor.

Ser outro Cristo, alter Christus, como é preciso que seja o sacerdote, exige humanidade íntegra, caráter firme, virtudes morais sólidas, personalidade madura (Cfr. Optatam Totius, OT 11). Estas virtudes são importantíssimas na vossa formação. Para consegui-las não existe outro caminho que o da autêntica disciplina e da austeridade de vida. Portanto, deve o Seminário educar o futuro sacerdote na escola do sacrifício e da disciplina viril, pessoal e inteligente.

Tende sempre presente que a maturidade e a firmeza das virtudes “humanas” é como a rocha, sobre a qual pode assentar-se com estabilidade o edifício das virtudes sobrenaturais e a própria vocação.

Sede fortes na perseverança, a despeito das eventuais dificuldades ou crises, convencidos de que a vocação não é uma escolha pessoal, que se pode assumir ou revogar, nem uma experiência, mas, como antes vos lembrava, um desígnio e um chamado eterno de Deus.

Segui pelo caminho que Jesus Cristo trilhou, abraçando voluntariamente e com alegria o dom do celibato sacerdotal. Não vos posso ocultar o íntimo gozo com que vi confirmada pelo último Sínodo “a opção do celibato sacerdotal, que é própria do rito latino”, como “carisma livremente recebido e autenticado pela... Igreja, em vista de uma dedicação exclusiva e alegre da pessoa do sacerdote ao seu ministério de serviço e à sua vocação de testemunha do Reino de Deus” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio novissima in congregatione VIII Coetus generalis ordinarii Episcoporum Synodi, 7, die 27 oct. 1990:. Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 949 s.). São ilusórias e empobrecedoras para o sacerdócio as pretensões de um “celibato opcional”. O mesmo Deus que vos chamou, vos dará a graça para amar e conservar fielmente o grande dom do celibato, que Ele próprio quis unir à vossa vocação.

4. Seguir a Cristo - vem e segue-me! -, exige conhecer a Cristo, conhecer o Mistério do Deus feito Homem, conhecer o Mistério da Salvação (Cfr. Optatam Totius, OT 13). É para isto que se orienta a formação doutrinal que tem uma importância fundamental nos anos do Seminário. Esta formação deverá ter o caráter indispensável de um estudo sério e profundo na preparação para o sacerdócio. Dedicai-vos ao estudo com empenho e afinco! Somente assim chegareis a ser homens de fé e testemunhas da verdade que liberta (Jn 8,32).

O autêntico saber filosófico é instrumento fundamental para compreender mais profundamente o homem, a realidade do mundo e o seu Criador. Tal como aconselhava o Concílio Vaticano II, esta formação filosófica deve apoiar-se sempre no “patrimônio filosófico perenemente válido” (Cfr. Optatam Totius, OT 15). Que abre caminho para uma segura e profunda inteligência das verdades reveladas. Hoje, com o descrédito das ideologias que até pouco dominavam tantas nações, percebe-se melhor como os projetos de nova ordem social se manifestaram inconsistentes, por causa da fragilidade de seus fundamentos filosóficos. Só se pode alcançar uma capacidade de discernimento e de atuação eficaz e segura, através daquele conhecimento filosófico que é a busca da verdade em si mesma. Todas as orientações pastorais, as propostas educativas, as reformas sociais ou as decisões políticas deveriam estar embasadas em pressupostos e esquemas mentais de caráter filosófico, que não podem ser ignorados por um futuro sacerdote.

O estudo da teologia, a que vos dedicais durante vários anos, fornecerá a base sólida para a vivência e a transmissão da Verdade salvadora. Utilizai a Sagrada Escritura como contínuo alimento espiritual, e aprofundai o seu conteúdo principalmente à luz dos Padres da Igreja, incomparáveis intérpretes dos Livros Sagrados e testemunhas privilegiadas da Tradição (Cfr. Instr. de Patrum Ecclesiae studio in formatione sacerdotali, die 10 nov. 1989, n. 18. 26). São eles que vos guiarão nos estudos teológicos, dando-lhes uma vitalidade cada vez maior e mostrando sua íntima relação com vossa vida espiritual e com vosso trabalho pastoral.

Tende sempre como guia, para os estudos, o Magistério autêntico e universal da Igreja. Só quando o Magistério é docilmente aceito, com espírito de fé, expressão da fé viva no próprio mistério da Igreja, é que se podem evitar as tentações do deslumbramento superficial perante correntes e modas teológicas, que deturpam e obscurecem a Verdade. Não vos deixeis iludir pelos desvios de uma teologia da libertação, que pretende reinterpretar o depósito da fé com base em ideologias de cunho materialista, e se afasta gravemente da Verdade católica.

5. Mas todo enriquecimento que se adquire pela formação doutrinal, seria planta sem seiva, se não tivesse como base uma intensa vida espiritual.O seminarista prepara-se, antes de mais nada, para ser um homem de Deus.

Recorrei regularmente e com frequência ao Sacramento da Reconciliação, que é fonte permanente de conversão e de renovação. Vivei piedosamente as práticas da meditação, da leitura espiritual, do exame de consciência e as sólidas devoções recomendadas pela Igreja, dentre as quais sobressai muito especialmente o amor filial a Maria Santíssima. Deste modo, se irá dando em vossas vidas uma mais íntima identificação com Cristo e, em consequência, um autêntico aprendizado do amor.

Buscai, entre os sacerdotes aprovados pelo Bispo, um diretor espiritual, que vos auxilie neste aprendizado. Conversai com ele regularmente. Como a planta que está nascendo requer cuidados atentos do lavrador, assim o amor que desponta na alma terá seu desenvolvimento mais pleno, com o auxílio de um diretor espiritual dotado de experiência, retidão de critério e zelo ardente.

6. Desta formação espiritual, caros seminaristas, nascerá o espírito de caridade que é o fruto do amadurecimento do amor a Cristo. Sereis, assim, sacerdotes como precisa a Igreja, verdadeiros pastores, plenamente imbuídos do amor que nasce do Coração de Cristo. Com esta caridade pastoral, sabereis procurar de preferência os mais pobres e necessitados, os que carecem da luz e do conforto espiritual para suas vidas. Vossa caridade deve ir além de uma mera assistência ou promoção social, deve ser aberta a todos, sem exclusivismos, refletindo a vontade salvífica universal de Cristo.

Assim, descobrireis a beleza do vosso sacerdócio e a verdadeira face da Igreja. Esta, no empenho por tornar o mundo mais justo e mais humano, se baseia, antes de tudo, numa visão ética e religiosa. O magistério da Igreja procura iluminar os problemas que afligem a sociedade contemporânea com os princípios e critérios evangélicos e baseados na ordem natural, para que cada pessoa possa viver com dignidade e alcançar seu destino temporal e eterno. É assim a atividade pastoral da Igreja e sua doutrina social. Torna-se, pois, indispensável para vós conhecer bem esta doutrina, estudá-la com afinco, dedicar-lhe verdadeiro apreço, se quereis que vosso futuro ministério seja realmente eficaz e fecundo.

7. Quero dirigir ainda uma palavra de alento e de agradecimento aos formadores, para que perseverem, com alegria e sacrifício, nesta tarefa silenciosa e incansável.

Objeto desta gratidão e estímulo são em primeiro lugar os formadores do “primeiro seminário”: os pais. É no lar cristão que desabrocha a fé e dá os primeiros passos a vocação sacerdotal. Pais, amai a vocação de vossos filhos, e agradecei a Deus o amor de predileção com que se dignou escolher algum deles para ser operário da sua messe.

Aos que receberam dos respectivos Bispos a tarefa de serem formadores no Seminário, peço que amem sua missão e se dediquem a ela de todo coração. Lembrai-vos de que nas vossas mãos está o futuro da Igreja! No Brasil há uma urgente necessidade de vocações, que Deus não deixará de promover, e isto significa que há urgente necessidade de formadores bem preparados. Tal urgência não deixa indiferente o meu coração de Pastor de toda a Igreja, nem o dos Pastores locais, sendo um motivo de viva atenção e de oração para todos. Por isso, reveste-se de grande importância o esforço que a Pastoral Vocacional vem desempenhando em todo o Brasil, com o incentivo da vossa Conferência Episcopal. Desejo, portanto, animar a tantos agentes que, espalhados por todo o país, dão o próprio testemunho e prestam seu serviço para dinamizar esta Pastoral, a fim de que sintam a necessidade de acompanhar ainda mais os candidatos ao sacerdócio, no seu processo de discernimento e amadurecimento vocacional.

8. Quero terminar estas palavras, caros seminaristas, elevando meu coração a Deus em prece confiante e cheia de fé:

Senhor, fazei que estes futuros sacerdotes tenham uma personalidade íntegra e rica em virtudes, à semelhança de Jesus Cristo.

Fazei que sejam homens de Deus e, como Jesus, homens para os outros. Colocai em seus corações um amor vivo pela Palavra divina, pela Eucaristia e pela oração, pela Igreja e pela doutrina salvadora que ela conserva e proclama fielmente. Fazei, enfim, que na preparação ao seu futuro ministério, sejam cada dia mais santos.

Para confirmar estas intenções, convido a todos para que contemplem sempre a Maria, a Virgem Santíssima, como modelo de entrega ao plano de Deus. Imitai o seu “fiat” expresso numa decisão única, que sirva de estímulo a vossas vidas. Que Ela, a Virgem Aparecida, a Mãe da Igreja e de todos vós, vos acompanhe no caminho do altar e da vinha do Senhor.

Peço, enfim, que leveis meu abraço e minha lembrança a todos os vossos pais e irmãos. Que eles saibam que o Papa nutre, também por eles, particular afeto. Para terminar, dirijo minha saudação especial e afetuosa aos Superiores e aos Seminaristas do Seminário “Redemptoris Mater” que a pouca distância daqui encontra-se a concluir. Faço votos que, com a Bênção de Deus, sejam sempre de autêntica formação de Sacerdotes, animadores pelo verdadeiro espírito de Cristo. A todos, de coração, concedo a minha Bênção Apostólica. Amén.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES DA COMUNIDADE JUDAICA


NA SEDE DA NUNCIATURA APOSTÓLICA


Brasília, 15 de Outubro de 1991



Constitui para mim um momento de particular satisfação, poder saudar o Rabino Henry Sobel e os senhores representantes da comunidade israelita do Brasil. Agradeço-vos, de coração, a grande amabilidade de promover este encontro, e, ao mesmo tempo sinto-me profundamente sensibilizado pela gentileza que tivestes oferecendo-me este belo presente. Quero interpretar, neste gesto, a expressão, mesmo simbólica, dos laços de união existentes entre a Igreja Católica no Brasil e vossa comunidade judaica.

Mas, para além deste gesto, quis a Providência divina que este momento histórico, que este encontro viesse a reforçar o espírito de fraternidade e de reciproca estima, apoiado não simplesmente no respeito mútuo, mas na fé no único e verdadeiro Deus.

Hoje, vinte e cinco anos após o Concílio Vaticano II, a Declaração “Nostrae Aetate” continua assinalando uma mudança essencial na relação dos cristãos com os judeus. Minha esperança é, portanto, que se reforce sempre mais o diálogo católico-judaico através da Palavra de Deus. Ela, recebida no coração com verdadeira disponibilidade para torná-la efetiva em nossa vida, abre-nos os olhos para reconhecer em todos os nossos irmãos a face do único Deus Criador. Lendo juntos, com uma comum veneração, grande parte das Escrituras Sagradas, deveríamos estar unidos para acolhê-la, meditá-la e colocá-la em prática, a serviço de todos os homens, especialmente dos mais necessitados.

2. O diálogo inter-religioso convida todas as Igrejas locais, e, entre elas, também a Igreja no Brasil, a empreender sempre novos esforços para a superação de certos preconceitos que ainda existem em tantos lugares. Assim, se hão de mostrar, perante o mundo de hoje, no qual a fé está exposta a tão duras provas, a beleza e as verdades profundas da crença em um só Deus e Senhor, que como tal deve ser conhecido e amado através de todos os que n’Ele crêem. Adorando o único e verdadeiro Deus, descobrimos, de fato, nossa raiz comum espiritual que é a consciência da fraternidade entre todos os homens. Esta consciência, na verdade, é o maior laço de união entre os cristãos e o povo judeu. Essa raiz comum faz-nos também amar esse povo porque, como diz a Bíblia, “o Senhor amou Israel para sempre” (1R 10,9), fez com ele uma Aliança que jamais foi revogada, nele depositou as esperanças messiânicas de toda a humanidade.

3. Fico feliz ao saber que nosso relacionamento e a cooperação, através da Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-Judaico, cresceram tanto nestes anos no Brasil. Atualmente, a Comissão possui membros católicos e judeus nas principais capitais de Estado da Federação, com possibilidade de, futuramente, ampliar sua representação em outras cidades. Faço votos de que o diálogo e o respeito mútuo continuem sendo o caminho para construir uma estima recíproca e o respeito pelo patrimônio espiritual que une judeus e cristãos. Abençoo, de coração, todos os esforços e iniciativas que visem este objetivo.

Faço votos e elevo minhas preces ao Senhor Altíssimo pela paz em todo o mundo, e, em especial, naquela terra santa onde, a cada momento, esta palavra é repetida como saudação de amigos. Que nossos irmãos judeus, que foram “reconduzidos de outros povos e reunidos de outros lugares e levados à sua terra” (Ez 34,13), à terra de seus pais, possam ali viver em paz e segurança, sobre “os montes de Israel”, guardados pela proteção de Deus, seu verdadeiro Pastor.

Shalom!




Discursos João Paulo II 1991 - Natal, 13 de Outubro de 1991