Discursos João Paulo II 1991 - Brasília, 15 de Outubro de 1991

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES


DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO BRASIL


Cuiabá, 16 de Outubro de 1991



Meus queridos Irmãos Índios,

1. Esperava com grande desejo o momento deste encontro com os representantes dos povos indígenas do Brasil. É um encontro que, quero confidenciar-lhes não quis deixar de ter, logo que começou a preparação de minha segunda viagem ao Brasil. Alegra-me imensamente poder estar agora com um grupo dos descendentes dos primeiros habitantes desta terra, mais numeroso do que aquele que tive a felicidade de cumprimentar há onze anos, em Manaus. Agradeço de coração o carinho com que vieram, alguns de bem longe, para estar com o Papa.

O Papa queria dizer a todos os índios do Brasil o amor que Deus e a Igreja lhes dedicam. É o mesmo amor com que Jesus Cristo, Filho de Deus e Fundador da Igreja, ama a todos os homens. Aos olhos de Deus, Criador do mundo e Pai de todos, só existe uma raça: a raça dos homens chamados a serem filhos de Deus. Aos olhos de Deus, só existe um Povo, formado por muitos povos, cada um deles com seu modo de ser, sua cultura e suas tradições: a humanidade que Jesus Cristo resgatou, e salvou, com o preço do seu Sangue. Diante do Criador, todos os homens têm o mesmo valor e uma imensa dignidade.

2. É por isso que a Igreja, desde que o primeiro missionário, Frei Henrique de Coimbra, pisou no solo bendito do Brasil, em três de maio de mil e quinhentos, tem dedicado uma atenção e um desvelo muito especial aos índios.

Pouco antes de subir ao Céu, o Senhor Jesus, Deus feito homem e Salvador do mundo, “enviou os Apóstolos a todas as pessoas, a todas as nações e a todos os lugares da terra..., para manifestar e comunicar o amor de Deus a todos os homens e povos” (Redemptoris Missio RMi 31).

Seguindo este mandato de Cristo, ao longo de cinco séculos, inúmeros missionários entregaram a sua vida, sem medir sacrifícios, para levar aos povos indígenas do Brasil a alegre novidade, a Boa Nova da fé e do amor de Cristo.

A Igreja nunca deixará de repetir a todos os índios que Deus os ama, que Ele “deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), e que Jesus veio ao mundo para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jn 10,10). A Igreja, fiel ao Deus da vida, ama a vida de todos os homens e a promove com todas as suas forças.

A história de vossos povos conheceu, e conhece ainda, sombras dolorosas, sinais de morte, muitos sofrimentos e conflitos marcados pelo mal. Mas também é verdade que, junto com as sombras, conheceu luzes muito claras. Tem sido sobretudo a Igreja que vem procurando acender estas luzes, de modo incansável, entre os povos indígenas.

A Igreja, queridos irmãos índios, tem estado e continuará a estar sempre a seu lado, para defender a dignidade de seres humanos, para defender o direito a ter uma vida própria e tranqüila, no respeito aos valores positivos das suas tradições, costumes e culturas. Volto a repetir hoje os votos, que já fazia em Manaus em mil novecentos e oitenta, de que se possa chegar, em todos os problemas, a soluções justas e realistas, para que seja garantido aos índios o direito de habitar suas terras “em paz e serenidade, sem o temor de serem desalojados em benefício de outrem, mas seguros de um espaço vital que será base, não somente para a sua sobrevivência, mas para a preservação de sua identidade como grupo humano, como povo” (Discurso aos índios em Manaus 2, 10 de julho de 1980).

Tenho recebido, com grande dor, as notícias que me chegam sobre violações desses direitos, motivadas pela ganância e por interesses escusos, com graves repercussões sobre a vida, a saúde e a sobrevivência de alguns grupos indígenas. Peço a Deus que ilumine a todos os responsáveis pelo bem comum deste país para que se encontrem soluções sábias e eficientes para essas situações lastimáveis.

3. Ao mesmo tempo, sei que outros grupos indígenas têm a felicidade de estar entre os habitantes do Brasil que dispõem, proporcionalmente, das maiores extensões de terra deste país, de imensos territórios, que já eram morada dos seus ancestrais.

A eles queria recordar as palavras de Deus, que se encontram no começo da Bíblia: Deus pôs o homem na terra “para a submeter e dominar” com o seu trabalho, “para a cultivar e guardar” (Gn 1,28 Gn 2,15). É um chamado e uma missão que Deus dá a todos os seus filhos, e que estou certo de que esses grupos indígenas não deixarão de acolher com amor e responsabilidade.

4. Dizia que Deus é o Deus da vida. Só Ele é o Senhor da vida e da morte. É preciso agradecer a vida como um dom divino, e lutar para que não haja nunca, por motivo algum, ações que signifiquem um desrespeito à vida própria ou à de outros, sejam eles homens ou mulheres, adultos ou crianças. Nenhum ser humano tem o direito de atentar contra a própria vida ou a de seu irmão. A vida é um dom de Deus!

Foi para anunciar aos povos indígenas esta Vida que é a “graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (Tt 2,11) que, desde os alvores da história do Brasil como Nação, milhares de missionários partiram de terras longínqüas, deixaram sua pátria e suas famílias, e se consagraram, com uma abnegação sem limites, à evangelização dos índios do Brasil.

Trata-se de uma epopéia grandiosa, que, mesmo no meio de suas dificuldades e inevitáveis fraquezas humanas, merece a nossa admiração e nos leva a levantar o coração a Deus em ação de graças.

Sim, é justo, é justíssimo, prestar um preito de homenagem a todos os valorosos e sacrificados missionários que, ao longo de séculos, consumiram sua existência para que a mensagem salvadora de Cristo iluminasse os corações, as vidas e as culturas dos povos indígenas do Brasil. É realmente admirável verificar que, desde os começos, um grande número deles, seguindo o exemplo do Bem-aventurado José de Anchieta, souberam ter a clarividência de fazer o que hoje se propõe como ideal a todos os missionários: inserir a Igreja nas culturas dos povos, encarnar o Evangelho na vida e, ao mesmo tempo, introduzir a todos com as suas culturas, na própria comunidade da Igreja, transmitindo-lhes sua verdade, assumindo, sem comprometer de modo nenhum a especificidade e a integridade da fé cristã, o que de bom existe nessas culturas, e renovando-as a partir de dentro (Redemptoris Missio RMi 52).

Estes missionários, de ontem e de hoje, franciscanos, capuchinhos, salesianos, jesuítas, dominicanos, carmelitas, beneditinos e tantos outros, são um exemplo luminoso e perene. Não posso negar a grande dor que sinto ao ter conhecimento de que alguns poucos, inclusive alguns que deveriam ver neles o seu modelo, têm tentado denegri-los, com uma visão distorcida, mais política e ideológica do que religiosa, da história da evangelização no Brasil.

Há onze anos, em Manaus, dizia: “eu me ajoelho... diante de cada uma dessas figuras de missionários, homens como nós, com defeitos e fraquezas, engrandecidos, porém, pelo testemunho do dom pleno de si mesmos às missões” (Homilia em Manaus 7,11 de julho de 1980). Hoje o Papa, o Sucessor de Pedro quer repetir espiritualmente, como sinal de amor e desagravo, as mesmas palavras e o mesmo gesto. Junto de Deus, na casa do Pai, uma legião de missionários já deve estar gozando da “alegria do seu Senhor” (Mt 25,21), e, estou certo de que agora intercedem para que as bênçãos do Céu se derramem sobre os missionários de hoje e sobre os seus queridos índios.

5. Amados irmãos índios! Eu me sentirei imensamente feliz se, neste encontro, puder deixar bem forte no coração de cada um a alegria de saber que Deus o ama, que a Igreja o ama. Tenham a certeza de que a Igreja está e continuará a estar a seu lado. Ela, que tem a missão de levar a todos os cantos da terra a palavra salvadora do Evangelho, será sempre para todos a servidora do Deus da vida, do Deus que quer para cada um uma vida plena nesta terra e, depois, uma vida de eterna felicidade no Céu.

Recebam meu carinho, e que Deus os abençoe!



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS NO ENCONTRO NO PALÁCIO DE ESPORTES


DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO


Cuiabá, 16 de Outubro de 1991



Queridos jovens! Queridos amigos!

1. Esta manhã, enquanto sobrevoava uma bela região do Estado do Mato Grosso, confesso-lhes que senti o impulso espontâneo de dar graças a Deus: eu contemplava esta terra magnífica, e a via como um dom divino, como uma oferta e uma promessa de vida.

No mesmo instante, lembrei-me de vocês, e a ação de graças se tornou mais intensa. Vocês, jovens, são o melhor dom de Deus, a maior e a mais bela oferta e promessa de vida dada por Deus ao Brasil!

Sempre experimentei uma alegria muito especial nestes encontros que, graças a Deus, tenho freqüentemente com os jovens. Lembro-me particularmente, da recente e sugestiva manifestação dos jovens em Czêstochowa, no passado mês de agosto. É uma lembrança comovedora, pelos abundantes frutos da graça enviados pelo Senhor. Estou feliz em poder compartilhar hoje esta graça, com os jovens do Mato Grosso e de tantos outros lugares do Brasil. Estou feliz porque hoje posso celebrar, na companhia de vocês, o 13 aniversário do dia em que o Senhor, pela voz da Igreja, me escolheu para ser o Bispo de Roma, o sucessor de Pedro.

A juventude é um grande dom divino, é “uma riqueza singular do homem” (Ioannis Pauli PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes Internationali vertente Anno Iuventuti dicato, 3, die 31 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 760). Para vocês, a vida se apresenta como uma estrada aberta para o infinito. É no coração do jovem que se desenham, se projetam e se forjam as perspectivas futuras da humanidade. Se é verdade que, infelizmente, existem limitações e obstáculos para o pleno desabrochar dos seus sonhos humanos, também é certo que estes sonhos permanecem sempre abertos aos grandes ideais. Nada nem ninguém, a não ser nós mesmos, pode frustrar esses ideais.

2. Vocês iniciam a vida num momento crucial da história. Vão ser os primeiros protagonistas do terceiro milênio, que está para começar. São vocês, jovens, os que vão traçar os rumos desta nova etapa da humanidade. São vocês os que lhe vão dar o sentido. O Papa contempla, com alegria, a grandeza desta missão, e as esperanças do Brasil que vocês têm nas mãos. Consciente da imensa tarefa que os espera, sinto-me movido a fazer-lhes uma veemente convocação. O Papa, queridos amigos, veio hoje convocá-los para um decisivo encontro, e para um empolgante caminho.

Em primeiro lugar, para um encontro, decisivo, do qual vai depender o significado e a projeção de suas vidas. Vocês já perceberam que quero falar-lhes do seu encontro, cada dia mais pleno e autêntico, com Cristo.

Só Jesus é, e será sempre, a resposta aos grandes anseios, aos infinitos desejos, aos ideais mais elevados que fervilham no coração humano. N’Ele, em Jesus, está a Verdade sem sombra de mentira, n’Ele, o Caminho claro e sem desvios, n’Ele está a Vida (Cfr. Jo Jn 14,6). Cristo fixa em vocês o olhar do seu amor (Cfr. Mc Mc 10,21), e lhes diz: “Eu sou a luz do mundo, aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jn 8,12). Só Jesus é a luz, só n’Ele se encontram todos os ideais!

Estou certo de que muitos de vocês se lembram de que Cristo compara sua palavra viva, o ideal divino que oferece aos homens, a uma semente, que Ele próprio, passando junto de cada um, vai semeando nos corações (Cfr. Mt Mt 13,4 ss). Esta semente tem poder para transformar o campo da vida, o campo do mundo, numa colheita exuberante de frutos. Nesta semente se contém o germe de todas as realizações verdadeiras, de todos os sonhos de grandeza, de bondade e de bem.

3. Mas a semente da palavra de Cristo crescerá, até seu pleno desenvolvimento, se, como diz Jesus, encontrar “boa terra”, isto é, o solo acolhedor de um coração generoso e bom (Cfr. Lc Lc 8,15).

Ao convocá-los para um autêntico encontro com Cristo, o que lhes peço é isto: ofereçam a Jesus seus corações abertos de par em par! Abram confiadamente as almas aos tesouros da verdade cristã! Busquem com empenho uma formação, que leve ao amadurecimento da fé! Mantenham a vida totalmente aberta às fontes da graça, que brotam dos Sacramentos! Deixem o coração abrasar-se, como os discípulos de Emaús, (Cfr. Lc Lc 24,32) junto de Cristo, pão vivo e palavra de vida. Permitam que Ele viva em vocês, para assim se tornarem capazes de amar o mundo, os homens todos, como Ele os amou (Cfr. Jo Jn 15,12-13).

Voltemos à parábola do Semeador. A semente da palavra de Deus tem certamente uma ilimitada potencialidade de frutos. Mas pode ser rejeitada, pode ser abafada, pode murchar.

Que poderia fazer fracassar em vocês grandes ideais de Cristo? Jesus nos dá a resposta, luminosa e clara, como são todos os seus ensinamentos.

Em primeiro lugar, poderia frustrar esses ideais o desinteresse, que procede da ignorância, da indiferença ou do ceticismo, e relega a palavra de Cristo à margem da vida, “à beira do caminho” (cfr. Mt Mt 13,19). Em face de um mundo que, em muitos ambientes, parece tornar-se opaco à luz divina e se empenha em marginalizar a Deus, em face de um mundo que, às vezes, parece querer expulsar Deus, como um estranho, da vida individual, familiar, e coletiva, vocês saberão reagir e dizer, ardentemente, como Pedro a Jesus: “Tu tens palavras de vida eterna, e nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus” (Jn 6,68). Vocês deixarão que a fé e o amor de Cristo lancem raízes profundas em seus corações.

Em segundo lugar, a semente da palavra de Deus pode ser abafada pela religiosidade superficial, sentimental e inconstante. A parábola fala do coração semelhante a um solo pedregoso, coberto apenas por uma leve camada de terra. Recebe a semente com alegria, mas não tem profundidade, “é inconstante”. E, quando se ergue o sol causticante das dificuldades, a semente perece queimada (Mt 13,20-21).

O encontro com Cristo será autêntico se vocês souberem permanecer constantes no seu amor (Cfr. Jo Jn 15,6-7), se souberem manter-se perseverantes e firmes nos ideais cristãos, a despeito de todos os obstáculos, da forte pressão de um ambiente materializado, de todas as decepções e de todas as fraquezas.

Deus precisa, a Igreja precisa, o Brasil precisa, de jovens cheios de fortaleza, que lutem pelos seus ideais com santa persistência, sem desalento, com o espírito de competição de que falava São Paulo (Cfr. 1Cor 1Co 9,24). Isto exige sacrifício? Sim! Isto exige a lealdade e a valentia de não se curvar diante do ambiente? Sem dúvida! Isto exige também a humildade de recomeçar, voltando uma e outra vez, como o Filho pródigo, por meio do Sacramento da Reconciliação, da confissão pessoal arrependida mas cheia de esperança. Não tolerem que seus ideais cristãos sejam, como se diz nesta terra, “fogo de palha”. Combatam “o bom combate da fé”(1Tm 6,12), do amor, da santidade! Esta é a meta de todo cristão.

4. Por último, Cristo fala de espinhos que sufocam a semente (Cfr. Mt Mt 13,7). Quais são esses espinhos? “Os cuidados do mundo, diz Jesus, e a sedução das riquezas” (Cfr. Mt Mt 13,22). Nosso Senhor alerta para o desfecho estéril daquelas vidas que colocam sua realização na satisfação mesquinha de desfrutar, de “ter”, e não no esforço de “ser” (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes Internationali vertente Anno Iuventuti dicato, 3, die 31 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 803ss).

As riquezas da fé cristã e sua promessa de frutos ficariam sufocadas se vocês, jovens, fizessem do prazer desordenado e da ambição material um ídolo, ao qual subordinassem a própria vida. Com palavras vigorosas, São Paulo fala de alguns “cujo deus é o ventre” (Ph 3,19). À sua volta, vocês encontram muitos que, infelizmente, erigiram como um falso deus a fruição egoísta do sexo, ou tentaram silenciar o próprio vazio interior na fuga para o alcoolismo e as drogas, verdadeiros tiranos que aniquilam os que a eles se submetem. Encontram outros que se deixaram seduzir pela tentação do ganho fácil, renunciando ao esforço do trabalho e da solidariedade fraterna, buscando apenas uma egoísta afirmação de si mesmos.

A estes infelizes companheiros, vocês devem oferecer um testemunho límpido de pureza, de castidade, de sacrifício alegre, de espírito de serviço e de caridade cristã. Vocês devem anunciar-lhes, com a clara luz de sua alegria, que vale a pena seguir a Cristo pelo caminho do amor que Ele nos traçou: a abnegação alegre de todo egoísmo, a doação, a generosidade de abraçar a cruz salvadora (Mt 16,24-25).

5. Eu lhes falava, no início deste encontro, de uma dupla convocação.Já me referi à primeira: o Papa os convoca para um encontro pessoal e renovado com Cristo! A segunda convocação - vocês se lembram - era para um empolgante caminho.

“Aquele que afirma permanecer em Cristo - diz São João - deve também andar como Ele andou” (1Jn 2,6), deve assumir o próprio caminho de Jesus.

Cristo continua trilhando os caminhos do mundo. O Semeador continua procurando os corações dos homens. Ele quer chegar a esses corações caminhando com vocês, agindo por meio de vocês. Todos têm a missão maravilhosa de percorrer as estradas da vida sendo, como diziam os primeiros cristãos, “portadores de Cristo”. Este é o caminho para o qual o Papa os convoca.

6. Caminhando com Jesus, identificados com Ele, vocês serão “pescadores de homens”, serão apóstolos que, a exemplo de Cristo, estenderão a mão para levar a luz e a vida de Deus aos amigos, aos parentes, aos companheiros, que se afundam nas águas da desorientação ou nelas flutuam à deriva. Deus lhes pede a coragem do testemunho cristão, inabalável perante as pressões que os cercam, a coragem da sua palavra, cheia de convicção que nasce da fé experimentada e vivida. A alguns, penso que pode ser a muitos, Deus pede mais: a generosidade de se dedicarem inteiramente ao seu serviço e aos seus irmãos, a generosidade de deixar todas as coisas, como os Apóstolos, e de segui-l’O (Cfr. Lc Lc 5,11).

Caminhando com Jesus, vocês, reunidos em comunidades, movimentos e outro grupos da Igreja, serão renovado fermento de evangelização nesta terra.

Caminhando com Jesus, vocês serão capazes de tornar realidade as metas cristãs da justiça e do amor, e de promover profundas transformações sociais. O Brasil precisa de vocês. Em suas mãos está o futuro, no qual a “civilização do egoísmo” deve abrir passagem, sem ceder à tentação do ódio ou da violência, à “civilização do amor”.

Caminhando com Jesus, vocês se tornarão conscientes de que uma das maiores e mais necessárias contribuições que os jovens podem dar à renovação cristã da sociedade é o amor ao trabalho.

Nunca se esqueçam de que, junto com o empenho por promover uma ordem social mais justa, a grandeza de uma Nação se alicerça sobre o trabalho. Sem cultivar o espírito de responsabilidade e de perfeição no trabalho, os mais nobres ideais se desvanecem em palavras vazias.

Lembrem-se de que Jesus foi conhecido pelos seus conterrâneos de Nazaré como “o trabalhador” (Mc 6,3), e de que Ele quis dar, ao longo de quase trinta anos, o exemplo de uma vida dedicada, intensa e amorosamente, ao trabalho. Também neste ponto é preciso “andar com Cristo”, é preciso “andar como Ele andou” (Cfr. 1Jo 1Jn 2,6).

Vocês farão isto se assumirem, como parte da missão que Deus lhes dá, que a santificação do trabalho comporta: perfeição, dedicação, sacrifício e persistência, dia após dia, sem ceder à preguiça ou ao cansaço. Ser santo no trabalho supõe o desejo de superação, a responsabilidade pessoal e o espírito de serviço.

Caminhando com Jesus, muitos de vocês, lutarão, enfim, por viver a pureza santa do amor humano e serão os construtores de autênticos lares cristãos, verdadeiros focos de irradiação do espírito de Cristo na sociedade (Christifideles Laici CL 40). A grande maioria de vocês, sereis chamados por vocação divina para o matrimônio, e a Igreja quer caminhar junto a vocês para que possais percorrer este caminho com coragem, conscientes de que a vocação matrimonial é um compromisso formidável, que os torna protagonistas das transformações, segundo o espírito do Evangelho, desta célula cristã da sociedade, que é a família.

7. Vinde após mim diz Jesus! Queridos jovens! Cristo os chama, Cristo os convoca, Cristo quer andar com vocês, para animar com seu espírito os passos do Brasil rumo ao terceiro milênio. O Papa tem a certeza de que, no fundo da alma, vocês darão uma resposta generosa e vibrante a esta convocação: “eis-me aqui, porque me chamaste!” (Cfr. 1Rs 1R 3,5). Com este apelo, cheio de esperança, termino estas palavras. Dirijo-me à Virgem Santíssima, Mãe de Jesus e Mãe dos que, por serem irmãos do seu Filho, devem ser portadores da Boa Nova. Peço-lhe que os conduza, com seu auxílio materno, até o encontro de que lhes falei, e os acompanhe ao longo de toda a vida.

Amém.



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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM OS HANSENIANOS


NO HOSPITAL SÃO JULIÃO


Campo Grande, 17 de Outubro de 1991



Filhos e filhas caríssimos,

1. O propósito desta minha viagem ao Brasil, nada mais é que seguir as pegadas de Cristo Jesus, que percorria cidades e aldeias, pregando o Evangelho. “Vendo a multidão, ficou tomado de compaixão, porque estavam enfraquecidos e abatidos, como ovelhas sem pastor” (Cfr. Mt Mt 9,35-36). O amor de Deus pelos homens é infinito. E Jesus, perfeito Deus e perfeito Homem, veio ao mundo para ensinar este Mandamento novo, da caridade que “jamais acabará” (1Co 13,8).

Muito obrigado pelas palavras que os senhores Lino Villachá e Geraldo Batista dos Santos, tiveram a delicadeza de dirigir-me. Que Deus os pague e proteja!

2. O Sucessor de Pedro está hoje no vosso meio com o mesmo afeto com que Nosso Senhor, caminhando por entre aquela multidão, convidava a pôr em prática a norma suprema do amor. Todas as situações por que atravessa nossa vida, nos trazem uma mensagem divina, pedem-nos uma resposta de amor e de entrega aos outros. Parece que ouvimos, mais uma vez, aquelas palavras divinas: “Vinde benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado... porque estava doente e me visitastes. E quando Lhe perguntam - “quando te vimos doente e te fomos visitar?” - o Senhor lhes diz: “Na verdade vos digo, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequenos, a mim o fizestes” (Cfr. Mt Mt 25,31-40).

Temos que descobrir a Cristo que sai ao encontro dos nossos irmãos, os homens. Nenhuma vida humana é uma vida isolada, mas entrelaça-se com as outras vidas. Nenhuma pessoa é um verso solto. Fazemos parte do mesmo poema divino, que Deus escreve com o concurso da nossa liberdade.

3. É neste contexto que o Papa deseja dizer-vos, antes de tudo, que se estais no mundo, é por um mandato expresso de Deus. Convidando a permanecer nas ocupações, nas ansiedades da terra e no meio das provações que Ele permite, com serenidade de ânimo e coragem nas adversidades, o Senhor quer nos indicar que tem para todos e cada um de nós, um lugar específico na história da Redenção. Deus nos chamou, para que, como escrevi, “aqueles que participam nos sofrimentos de Cristo possuem nos próprios sofrimentos uma especialíssima parcela do infinito tesouro da Redenção do mundo, e podem partilhar este tesouro com os outros” (Salvifici Doloris,27).

Por outro lado, o exemplo de Cristo nos recorda, que todo o cristão deve viver de rosto voltado para os outros homens, olhando com amor para todos e cada um dos que o rodeiam, para a humanidade inteira. Quando se ama de verdade, não só afetivamente, mas “com obras e em verdade” (1Jn 3,18), obter-se-ão frutos de bem e de bondade que não deixarão de receber a recompensa divina. Como o Amor é inteligente, cria iniciativas como esta do Hospital São Julião, que procura não só recuperação do doente e sua inserção na sociedade, mas também aproximá-lo de Deus, como está a indicar a Igreja dentro das suas dependências. Por isso, abençoo de coração este Hospital e também, o Posto de Saúde São Francisco, do Bairro Nova Lima, onde muitos dos egressos são atendidos. Abençoo também os benfeitores e colaboradores das duas obras, os do Brasil e da Itália. Desejo pedir ao Todo-Poderoso uma bênção especial para os frades franciscanos e as Irmãs Salesianas, nas pessoas de Frei Hermano Hartmann e Irmã Sílvia Vicélio, baluartes dessas obras desde o começo de sua reestruturação, com mais de 20 anos de trabalho contínuo, fazendo surgir praticamente dos escombros um caminho de esperança para os que nestes locais vêm buscar a vida e a saúde.

4. Termino, reiterando o mesmo apelo da minha viagem anterior, aos hansenianos da Bahia: “confio na vossa lembrança, no vosso auxílio e na vossa oração, não só pelo bom êxito desta viagem apostólica no Brasil, mas também por todas as solicitudes que trago no meu coração de Pastor da Igreja universal” (Aos doentes de Lepra 4, Salvador da Bahia, 7 de julho de 1980).

5. Com estes pensamentos, saudando-vos com benevolência e exprimindo meu alto apreço não só por aqueles que cuidam de vós, como também por todos os médicos que se dedicam no Brasil a prevenir e a aliviar vossos sofrimentos, coloco minhas preces nas mãos da Virgem Maria e concedo-vos de todo o coração a Bênção Apostólica.



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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS LEIGOS REUNIDOS NA CATEDRAL


DE CAMPO GRANDE


Quinta-feira, 17 de Outubro de 1991



Caríssimos filhos e filhas, representantes do laicato católico do Brasil!

1. Agradeço as palavras de saudação do Coordenador do Conselho Nacional dos Leigos, Doutor Celso de Castro Matias Neto. Nelas vejo a expressão do desejo que vos anima de assumir em plenitude a vocação e a missão a que Deus vos convoca, na Igreja e nesta querida Nação.

Eu vos contemplo, e parece-me ver estampada em vossos rostos a palavra esperança.Nesta hora da vida da Igreja no Brasil e no mundo, os leigos são, de fato, uma das maiores esperanças para o presente e para o futuro da nova evangelização que o Senhor nos pede.

Eu vos contemplo, e alegra-se meu coração de Pastor universal da Igreja Católica, ao saber da abnegada generosidade com que muitos de vós colaborais, por meio de diversos ofícios e funções, em serviços e trabalhos eclesiais. Sei que essa colaboração é necessidade premente em vosso país. Por isso, vos agradeço e tenho a certeza de que vos esforçareis por desempenhar essas tarefas sempre dentro dos critérios e do espírito que amplamente apresentei na Exortação Apostólica “Christifideles Laici”.

Mas hoje queria dizer-vos, queridos filhos, que, ao contemplar-vos, vejo sobretudo através de vós a presença do incontável número de fiéis leigos do Brasil, dos cristãos comuns, sem outro apelativo (Christifideles Laici CL 17): homens e mulheres inseridos na própria entranha da sociedade, que eles próprios integram e constroem, são chamados por Deus, precisamente no lugar que no mundo ocupam, a viver todas as conseqüências de sua consagração batismal.

O Brasil é o país que conta o maior número de batizados na Igreja Católica em todo o mundo. Na esteira do Concílio Vaticano II, o Sínodo dos Bispos de 1987 e a Exortação Apostólica “Christifideles Laici”, que é seu fruto, quiseram pôr em destaque que o traço característico da identidade dos fiéis leigos é “a radical novidade que promana do Batismo”(Christifideles Laici CL 10), de modo que “só descobrindo a misteriosa riqueza que Deus dá ao cristão no santo Batismo é possível delinear a "figura" do fiel leigo”(Christifideles Laici CL 9). Há, de fato, diversas formas de participação orgânica dos leigos na única missão da Igreja-comunhão. Mas, não há dúvida de que Deus a confere diretamente a cada um dos batizados, justamente na situação, no lugar, que Ele quis que ocupassem no mundo.

2. Dentro desta vasta e empolgante responsabilidade, que vos é própria, quero deter-me hoje sobretudo na consideração de três âmbitos das realidades temporais, que reclamam com particular urgência o influxo da santidade e do apostolado dos fiéis leigos: a família, o trabalho e a ação sócio-política.

Em primeiro lugar, diria, em primeiríssimo lugar, a família. “O casal e a família, lê-se na “Christifideles Laici”, constituem o primeiro espaço para o empenho social dos fiéis leigos”(Christifideles Laici CL 40).

Não percais nunca a consciência de que, do fortalecimento e da santidade da família, depende a inteira saúde do corpo social, pois a família, por desígnio de Deus, é e será sempre a “célula primeira e vital da sociedade” (Apostolicam Actuositatem AA 11). Da santidade da família depende também a vitalidade da Igreja.

Não vos direi nada de novo se vos falar da grave crise moral que hoje em dia se abate, de muitos modos, sobre a família brasileira. Precisamente por isso, é necessária e urgente uma profunda revitalizacão da instituição familiar. É essa uma tarefa prioritária dos leigos.

É doloroso observar, neste amado país, a extrema fragilidade de muitos casamentos, com a triste seqüela de inúmeras separações, de que são sempre vítimas inocentes os filhos. É ainda lastimável ver o desrespeito à lei divina, que se espalha com a difusão de práticas anticonceptivas gravemente ilícitas, ver o índice alarmante de esterilizações de mulheres e de homens, voluntárias ou induzidas, às vezes, pelos responsáveis da sociedade política ou por profissionais que deveriam zelar pela dignidade e integridade da pessoa e do corpo social, ver o incremento, também alarmante, da prática do aborto, desse atentado criminoso ao direito humano primeiro e fundamental, o direito à vida desde o instante da sua concepção, que jamais pode ter qualquer justificativa prática e, menos ainda, legal.

3. Simultaneamente, não podem ser ignoradas outras graves causas de deterioração das famílias, como as decorrentes das condições infra-humanas de moradia, de alimentação e de saúde, de instrução e de higiene em que vivem milhões de pessoas no campo e nas periferias das cidades, com a lamentável conseqüência de um elevado número de menores abandonados e marginalizados.

Bem sabeis que não estou carregando as tintas do quadro que acabo de descrever. O que desejo, acima de tudo, ao falar assim, é lançar um forte apelo à responsabilidade moral dos detentores do poder público, em seus diferentes níveis, e de todos os homens de boa vontade, católicos ou não, para que criem, dentro das suas possibilidades de atuação, condições econômicas e sociais que garantam a dignidade da vida humana e da família. Pode-se fazer muito e deve-se fazer muito para reverter essa situação. É muito séria a obrigação que tendes, especialmente vós, de promover corajosamente os valores cristãos do casamento e da família. Começai pelos vossos próprios lares, a fim de serdes vós mesmos “luz do mundo” e sal que preserva da corrupção.

Os que recebestes a vocação matrimonial, proclamai com o vosso exemplo e a vossa entrega, alicerçados na fé e no amor de Cristo, a grandeza do amor conjugal, renovando-o cada dia com a graça divina. Considerai o dom dos filhos, generosamente, como o vosso maior tesouro, e sua educação como o vosso primeiro apostolado. É grande, na verdade, a tarefa que vos cabe neste campo. Mas também é grande, imensa, a força da fé, da esperança e do amor, que o Espírito Santo derrama nos corações dos fiéis (Rm 5,5).

4. Queria dizer-vos também algumas palavras sobre o trabalho, outro dos campos específicos da vida e ação dos leigos. Neste ponto, parece-me importante recordar o que se diz na “Christifideles Laici”: “Os fiéis leigos devem olhar para as atividades da vida cotidiana como uma ocasião de união com Deus e de cumprimento de sua vontade, e também como serviço aos demais homens, levando-os à comunhão com Deus em Cristo” (Christifideles Laici CL 17).

À imitação de Jesus Cristo, que quis viver a maior parte da sua existência terrena na oficina de José, aprendei a ver o trabalho e os deveres que tecem a vida cotidiana como âmbito e meio privilegiado de santidade e de apostolado.

Que condições primárias deve ter o trabalho, todo e qualquer trabalho honesto, para ser santificante e santificador? Deixai-me responder citando ainda palavras da mencionada Exortação Apostólica: “Os fiéis leigos deverão executar o seu trabalho com competência profissional, com honestidade humana e espírito cristão, como meio da própria santificação” (Christifideles Laici CL 43).

Nunca vos esqueçais de que a primeira riqueza do homem e por isso mesmo a primeira riqueza de uma Nação, é o trabalho. “O homem se desenvolve mediante o amor pelo trabalho” (Laborem Exercens LE 11). Onde falta este amor, cedendo a um conformismo indolente, não é possível o progresso humano, nem a maturidade cristã, nem o bem da sociedade.

Rejeitai a tentação do desestímulo provocada pelo exemplo negativo dos que, à margem de critérios éticos, procuram a maior vantagem com o menor trabalho. Rejeitai também, a despeito de todas as dificuldades, o desestímulo procedente de uma concepção errada das relações empresariais, que coloca o capital acima do trabalho, o lucro acima da pessoa humana, e se traduz muitas vezes numa indigna retribuição do trabalhador e numa injusta distribuição da renda ( Laborem Exercens LE 13 Laborem Exercens, 13 e 15; Centesimus Annus CA 35)

Com o espírito do Evangelho, sabereis contribuir para as necessárias mudanças na ordem econômico-social. Sabereis também procurar os meios eficazes para enfrentar e debelar o grave problema do desemprego. Deveis empenhar-vos para que a doutrina social católica, sem ceder a ideologias antievangélicas, que propugnam o ódio e a luta de classes, oriente de fato a realidade sócio-econômica do vosso país. Esta é a vossa tarefa própria, nas suas concretizações práticas. São os leigos católicos que, juntamente com os demais cidadãos, a devem assumir.

Referia-me também, antes, à honestidade e ao espírito cristão no trabalho. Eis aqui outro importante tema de reflexão e de exame de consciência. Parte não pequena do vosso apostolado deve orientar-se de modo a conseguir que os princípios da ética profissional, da honestidade, da veracidade, da lisura e da moral cristã imperem em todos os âmbitos do trabalho humano, quer na esfera pública, quer na esfera privada.

Não vos deixeis abalar pelo temor de que a fidelidade a esses princípios éticos vos coloque em situação de desvantagem, num ambiente em que não raro a lei moral é desprezada e grassa a corrupção. Mesmo que às vezes vos pareça ficar em situação de inferioridade, tende a coragem de dar, em todo o momento, o vosso testemunho ético nítido e inequívoco. Deste modo estareis amando a Deus e estareis servindo o Brasil.

Contando com essas condições primárias, amor ao trabalho e consciência ética, é que vossa ação poderá converter-se em meio de santificação, meio de apostolado e fermento de transformação da sociedade.

5. Esta última consideração nos conduz ao terceiro ponto que hoje queria comentar convosco.

Lembrava antes que faz parte da missão dos leigos a ação sócio-política.Recordo-vos agora que “para ordenar cristãmente a ordem temporal, no sentido de servir à pessoa e à sociedade, os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na "política", ou seja, na múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (Christifideles Laici CL 42).

Esta responsabilidade, permiti-me sublinhá-lo, essa ação no campo político, econômico e social, à procura do bem comum, é função própria, específica e característica dos fiéis leigos. Faz parte da vossa missão, e deve ser exercida com a plena autonomia pessoal de que gozais, como cidadãos da cidade terrena e como filhos de Deus, livres e responsáveis.

É fato evidente que uma interferência direta de eclesiásticos ou religiosos na práxis política, ou a eventual pretensão de impor, em nome da Igreja, uma linha única nas questões que Deus deixou à livre discussão dos homens, constituiria um inaceitável clericalismo. Mas é claro também que incorreriam em outra forma não menos prejudicial de clericalismo, os fiéis leigos que, nas questões temporais, pretendessem atuar, sem que haja razão ou título para tanto, em nome da Igreja, como seus porta-vozes, ou ao abrigo da hierarquia eclesiástica.

Tende a coragem de assumir vossa liberdade pessoal responsável, e de intervir ativamente na vida política, econômica e social, animados pelo espírito de Cristo, seguindo aquele critério moral que já indicava a Constituição “Gaudium et Spes”: “como cidadãos guiados pela sua consciência de cristãos”(Gaudium et Spes GS 76).

É certamente dever e função dos Pastores da Igreja ajudar a formar essa consciência com os princípios do Evangelho e a doutrina do Magistério. Mas, dentro da imensa variedade de opções que se oferecem à consciência cristã bem formada, sois vós os que deveis definir as vossas posições, fazer as vossas escolhas - que ninguém tem o direito de limitar - e comprometer-vos, individualmente ou unidos a outros cidadãos que participem dos vossos mesmos ideais, a desenvolver uma ação ampla e profunda visando a correta ordenação das realidades temporais.

6. Que mais vos direi, filhos queridíssimos? Para que este esplêndido panorama da vocação e da missão dos leigos seja uma realidade, é preciso uma preocupação prévia, uma condição prioritária: vossa santidade pessoal.

Este é o pedido que também dirijo a Deus ao terminar nosso encontro: que a Terra da Santa Cruz seja uma terra de santos! Que ela venha a ser um solo fértil em que a santidade cristã floresça e frutifique na vida de muitos fiéis leigos. Deste modo, se estenderá o Reino de Cristo na própria entranha da sociedade brasileira.

Antes de concluir, quero congratular-me com os fiéis de Campo Grande que, sob a direção de uma comissão de leigos, construíram esta bela igreja dedicada a Nossa Senhora da Abadia, padroeira da Arquidiocese, e a Santo Antônio, padroeiro da cidade. A partir de hoje, com minha visita, esta igreja passa a ser a Sé Catedral da Arquidiocese de Campo Grande. Deus abençoe todos quantos colaboraram na construção deste templo!

Ao dar-vos de todo coração a minha Bênção Apostólica, elevo o meu pensamento a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, renovando a prece que há alguns anos, pensando em vós, eu dirigia à Mãe da Igreja: “Virgem Mãe, sede nossa guia e nosso apoio para vivermos sempre como autênticos filhos e filhas da Igreja do vosso Filho, e podermos contribuir para a implantação da civilização da verdade e do amor sobre a terra, segundo o desejo de Deus e para a sua maior glória. Amém” (Christifideles Laici CL 64).






Discursos João Paulo II 1991 - Brasília, 15 de Outubro de 1991